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1, ANTROPOLOGIA: O ESTUDO DA HUMANIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Defina a Antropologia e discuta seus trés atribu- tos distintivos, como campo de estudo e pesquisa. / Relacione as cinco principais subdivisées da ‘Antropologia Cultural; explique as caracteristicas peculiares de cada uma delas. / Enumere algu- ‘mas das utilidades da Antropologia. / Especifique os interesses comuns da Antropologia ¢ das outras ciéncias sociais, especialmente da Historia, da So- ciologia e da Psicologia e indique como a Antro~ pologia difere de cada uma delas. £ uma caracteristica do ser humano dese- jarem as pessoas se conhecer a si mesmas. Por isso, mesmo sem outro motivo a nao ser dar satisfago A nossa curiosidade de inyestigacao, a humanidade merece ser estudada por si mes- ma. Entretanto, existem mais possibilidades no estudo da humanidade. Uma compreensio aprofundada de nés mesmos, adquirida por nés mesmos, pode aumentar nossas capacida- des bisicas de orientar 0 nosso futuro com maior inteligéncia a respeito do destino que queremos atingir e sobre a maneira de o alcan- garmos. Conhecendo a humanidade, podemos compreender mais eficientemente os problemas humanos e o modo de enfrenté-los. ‘A Antropologia tem poucas respostas finais, mas projeta a luz do fato e da razio em muitas questdes prementes. Hé, por exemplo, universais no comporta- mento da humanidade? A familia € necessé- ria? H& maneiras “melhores”, isto € mais fe- lizes © mais satisfat6rias socialmente de as pessoas amadurecerem e criarem os filhos do que as que a familia nuclear contemporinea oferece? Hé uma maneira melhor de utilizar © nosso ambiente € OS nossos recursos natu- rais do que a de que estamos sendo testemu- nhas em fins do século XX? B sensato promo- Ver uma agricultura mais eficiente, medidas modernas de satide e de saneamento, tecnolo- gia avancada, a monogamia, o planejamento familiar, uma educagio mais elevada em 4reas fe sociedades que existem de h4 muito sem tudo isso? H4 denominadores comuns nos va- ores humanos e nos sistemas de controle so- cial que tornam possivel o ideal de uma lei mundial? Ou h um instinto bésico agressivo, “imperativo territorial”, ou outro fator pro- fundamente arraigado que torna a consecucio dessa finalidade totalmente inexeqiiivel? A violéncia é onipresente? A guerra é inevitavel? Quando os seres humanos saem a colonizar novos mundos no espaco, hé normas ou valo- res da passada Idade Glacial ¢ do presente caético — os cinco milhdes de anos da, expe- rigncia humana — que eles devam levar con- sigo? Em caso afirmativo, quais sio essas normas e esses valores? Os antropélogos chegaram agora a um co- nhecimento bem definido de como eram os se- res humanos primitivos; sabe-se até mesmo bastante sobre seus processos de pensamento, suas criagdes, suas “religides”, se assim nos podemos expressar. & de esperar que o futuro yeja transformagSes igualmente radicais na psique humana, na fisiognomia, na capaci: dade do cérebro? Ou os seres humanos estio agora biologicamente “completos”, “acabados”? . 1 Ja “foram até onde podiam ir, falando do ponto de vista da evolugio? A propésito, que € 0 homem? Um “ma- caco nu”, como The chama um famoso zo6to- £07! Que € que o separa do resto do mundo, animal? © uso de instrumentos? O desenvolvi- mento da linguagem? Certa tendéncia para a religiao? Ou a curiosidade por nds mesmos que ascinalamoe na primeira sentenga deste livro? A UTILIDADE DA A TROPOLOGIA Se € presungio (¢ é!) afirmar que somente os antropslogos procuram respostas para tais perguntas ou que a Antropologia dé respostas definitivas a todas elas, ndo € exagero declarar que todas constituem preocupagées basicas da Antropologia, e mais, que € impossivel cnegar a quaisquer respostas satisfatGrias sem uma cera compreensio das descobertas antropo- Jogicas. Vé-se a utilidade © a relevancia da Antro- pologia na busca gerai de um conhecimento mais profundo da natureza humana e de seu comportamento pelo répido desenvolvimento que ela teve como disciplina académica, An- tes da Segunda Guerra Mundial, somente pou- cas Universidades e Faculdades tinham depar- tamentus de Antropologia € pequeno numero 6e outras ministrava apenas um curso ou dois. Em 1975, havia mais de 250 departamentos revonhecidos que davam grau em Antropolo- Ba € Os cursus que incluem Antropologia estio em numero crescente nos “Junior Colleges” em programas de educayio de adultos, nas es- colus secundarias € até em escolas elementares Alem disw, tanto os métodos quanto os concentus da Antropologia tém causado um impacto visivel nas ciéncias naturais e fisicas, Ras Céncias wciais, nos negocios e no Go- yerno. Termos como “cultura prmitiva” lauvidade cultural”, “metodo comparativo” “choque de cultura” nio sin mais de proprie- dade especial dus antropélogos. Talvez poucos 1. D. Moms, The Naked Ape ‘Junior College” @ wma tastituiybe educacional que oferece um cuso de du 2 saibam que o estudo que Ruth Benedict reali- zou durante a guerra sobre a cultura eo carter japoneses, sem a menor diivida in- fluencion, com seus resultados benéficos, a politica bem-sucedida das relagées dos Estados Unidos com 0 Japao, no final da Segunda Guerra Mundial. # Mais conhecido € 0 empes nho com que o Corpo de Paz tem recente mente infundido nos seus voluntérios as cul- turas bésicas dos povos que eles procuram ajudar. Com a criagio de paises independen- tes em desenvolvimento, oriundos das antigas possesses na Asia e na Africa, os peritos em Direito, Ciéncia Politica e Economia co- megaram a interessar-se, ativamente, pelas cul- turas indigenas do Terceiro Mundo. Os pro- Bramas de assisténcia técnica e os esquemas para 0 desenvolvimento econdmico, os proje- tos agricolas, as missGes educacionais, até as atividades missiondrias — todos 0 reconhecem — 86 podem ser bem-sucedidos, se se relacio- narem significativamente com as culturas fun- damentais dos povos em causa. Planejadores, administradores, homens e mulheres de negs- cio, quer dentro das novas nagdes isoladas, ou no papel de conselheiros ou empresirios de outros paises, dio cada vez mais atengio a esta premissa basica, A expansio dos programas de saiide publica a todas as partes do mundo teve efeito seme- Ihante de estimular uma colaborayio extreita entre a Antropologia e a pratica da Medicina, A Antropologia Cultural 6 agora amplamente aceita € € considerada indispensdvel para o teinamento de profissionais de saide publica; foi reconhecida ultimamente pelos Institutes Nacionais de Saude dos Estados Unidos como ciéncia basica, relacionada com a Medicina.* Mudar os métodos de uma sociedade conse- guir alimentos, modificar seus habitos alimen- lures, suas priticas de saneamento @ 0 tama- nho de sua familia ideal ndo sdo projetos que podem ser levados a efeito com facilidade, mesmo para finalidades tdo elevadas como maior longevidade, melhor saide @ menos %0- 2. RP, Benedict, The Chrysanthemum and the Sword. 3. B.D. Paul, “Teaching Anthropology in Schools of Public Health", im D. G. Mandelbaum, ©. W. Lasker, © E. M. Albert (orgs.), The Teaching of Atm thropology, p. 303. frimento fisico. Tampouco se conseguem estas mudangas facilmente. A Antropologia apresen- ta sugest6es do porqué de tudo isso, Mas a Antropologia tem outras fina fe fungdes e causa outros prazeres além de fornecer orientacio Aqueles que iriam trans. formar 0 mundo, Basicamente, sua finalidade 6 explorar a natureza do homem, como cria- ura que esté em evolugio, criatura presa a uma cultura, vivendo em sociedades organiza- das — cada individuo diferente do outro, mas semelhante sob muitos aspectos. A Antropo- Jogia nos diz quais sio os limites conhecidos da experiéncia humana até 0 momento e qual 6 0 denominador comum do ser humano © que & compartilhado por toda a huma dade. A tarefa principal deste livro é apre- sentar 0s fatos bisicos e as teorias essenciais da Antropologia Cultural no estado em que se encontram hoje. lades AS QUALIDADES DISTINTIVAS DA ANTROPOLOGIA A humanidade € uma parte da natureza — do universo com todos os seus fendmenos. O estudo da humanidade, chamado Antropologia (Gr. anthropos, homem + logia, estudo), quan- do seguido de acordo com os principios ¢ mé- todos cientificos, € conseqiientemente uma ciéncia natural, Um de seus ramos trata da origem evolutiva, da estrutura fisica ¢ dos Processos fisiolégicos da humanidade. Este ramo € tradivionalmente conhecido como An- tropologia Fisica, ou as vezes como Biologia Humana. Mas a Antropologia abrange muito mais do que apenas o estudo da historia na- tural da natureza fisica do homem, porque 0 ser humano € também um animal que produz cultura, Por isso, a Antropologia & a ciéncia da humanidade e da cultura. Como tal é uma ciéncia superior social e comportamental, € mais, na sua relagio com as artes € nO em- Penho do antropélogo de sentir ¢ comunicar © modo de viver total de povos especificos, é também uma disciplina humanistica. Os antropélogos estudam os seres humanos onde quer que os encontrem — nas neves Articas ou nas regides desérticas; nas planicies temperadias, nas regides florestais ¢ nas selvas verdejantes, Buscam seus restos nos locais pré-histéricos, e realizam estudos de campo a0 vivo sobre as aldeias primitivas e sobre 0s ambientes urbanos das civilizagdes moder- nas. A Antropologia se ocupa tanto do homem fossil como das pessoas vivas. Ela, na palavra de Clyde Kluckhohn, “apresenta um grande espelho ao homem e deixa que ele olhe a si mesmo na sua infinita variedade.” * Por mui- tos anos, a Antropologia empolgou a menta- lidade ocidental com a descoberta de costumes e sociedades novos e jamais sonhados (de acordo com os padrées ocidentais). Os antro- pélogos viviam atarefados a recolher o inven- tério universal da invengdo humana social e cultural — completando a imagem do ser hu- mano que deveria refletir-se no espelho. Esta tarefa esté agora quase terminada, Restam apenas poucas sociedades a ser descobertas e descritas. Esta descrigio esté quase a0 nosso alcance, embora muitos problemas esperem ainda por solugio. As fronteiras da Antropologia vio desde 0s relatérios de pesquisa até as andlises pro- fundas do que se encontra atras das aparén- cias, até as questées da evolucio humana, da motivagio, da estrutura social, e da funcao. ‘As descrig6es das variagdes dos estilos de vida que foram observados em uma sociedade apés outra sio 0 grio basico para o moinho antro- polégico, ¢ os estudantes de Antropologia en- contraréo muito interesse descritivo & medida que progredirem em seus estudos. Mas eles também achario que a descrigéo serve para fornecer fatos que expliquem 0 comportamen- to social humano, o qual se tornou o principal interesse da Antropologia nos dias de ho} Entretanto, muitas outras ciéncias e disci- plinas também se ocupam de um aspecto ou outro do homem e de suas realizagdes. Que hd, entio, de tio especial a respeito da An- tropologia que ela deva ser chamada “a cién- cia da humanidade"? . O estudo da humanidade como um todo Em primeiro lugar, a Antropologia fixa como seu objetivo o estudo da humanidade como um todo. A ciéncia politica estuda os 4. C. Kluckhobo, Mirror, for Man, p. 11. governos do homem; os estudos econémicos, sua produgdo e distribuigéo de bens; a Neu- rofisiologia, seu sistema nervoso; a Arquitetu- ta, sua habitago e construgio; a Musicologia, sua miisica; e a Sociologia, a sua sociedade. Mas nenhuma destas, nem quaisquer outras disciplinas especializadas que se poderiam no- mear, como a Geografia ou a Historia, pro- fessa pesquisar sistematicamente todas as ma- nifestasdes do ser humano ¢ da atividade huma- na de uma maneira unificada. © ser humano & um animal que crie cul- tura ¢ esta preso a uma cultura. Como criatu- ras evolutivas, os hominideos (ver. pp. 77-80) al- cancaram um nivel de desenvolvimento do sis- tema nervoso que os habilitou a inventar mui- tos novos modos de comportamento, os quais nao estavam predeterminados nos seus cédigos genéticos. Isso comecou a manifestar-se ba uns cinco milhdes de anos, ou mais, Desde aquele tempo, todo comportamento humano foi simultaneamente biolégico ¢ cultural. A premissa basica decorrente deste fato foi bem posta pelo geneticista Theodosius Dobzhansky, de orientagdo antropolégica: “A evolugao humana s6 pode ser entendida como produto da interagZo destes dois desenvolvimentos.” > Aqui esté a unidade bioldgica e social da humanidade. Uma proposi¢ao fundamental da Antropologia é que nenhuma parte pode ser entendida plenamente, ou mesmo com exati- do, se separada do todo, E, de modo inver- so, 0 todo nio pode ser percebido com exati- dao sem um conhecimento profundo ¢ especia- lizado das partes. Para compreender qualquer aspecto do comportamento sexual humano, por exemplo, deve-se examind-lo em termos genética, fisiologia, caracteristicas climéticas, sistema de valores e estruturas técnicas, eco- ndmicas, de parentesco, religiosas politicas de cada sociedade humana, A Antropologia toca em virtualmente todos os campos possi- veis do conhecimento, aproveita-se deles ¢ ne- les se inspira, As habilidades do antropélogo devem ser altamente diversificadas, mas a uni- dade da disciplina é mantida pela concentragao no carater global do homem ¢ da cultura, 5. T. Dobzhansky, “Evolution: Organie and Super organic” (The Rockjeller Institute Review, vol. 1, n° 2, 1963), Pp. 1. 4 O conceito de cultura ‘A segunda caracteristica distintiva da An. tropologia 0 seu desenvolvimento do conceito de cultura ¢ a importincia deste conceito no pensamento antropolégico. Cultura é 0 sistema integrado de padroes de comportamento apren. didos, 0s quais so caracteristicos dos mem. bros de uma sociedade e nao o resultado de heranca bioldgica. A cultura nao € genetica. mente predeterminada; é nao-instintiva. B 9 resultado da invengdo social ¢ é transmitida ¢ aprendida somente através da comunicagio e da aprendizagem. Estes so os componentes essenciais do con- ceito de cultura, tal como o termo é corrente- mente usado pela maioria dos antropélogos, Outras formulagdes sio, naturalmente, possi- veis. Assim, Kroeber ¢ Kluckhobn, depois de examinar e avaliar umas quinhentas formula- des © empregos do conceito, deram a seguin- te definigao: ‘A cultura consiste em padres, exphcitos e implicitos, de comportamento © para comportamento, adquiridos fe transmitidos por simbolos, que constiuem a5 rea lizagdes distintivas dos grupos humanos, inclusive suas incorporagées em artefatos; © nicleo essencial da cultura consiste nas idéias tradicionais (isto &, rece bidas ¢ selecionadas historicamente) © especialmente nos valores que se Ihes atribuem: pot outro lado, of sistemas de cultura podem ser considerados como pro- dutos de aco ¢ também como elementos condicio- nantes de agio futura, ¢ Cada sociedade isolada tem sua cultura distintiva. O efeito légico deste fato é que Os comportamentos caracteristitos dos mem- bros de uma sociedade sio, sob muitos aspectos, expressivamente diferentes dos comportamentos caracteristicos dos membros de todas as outras sociedades. A Antropo- logia demonstrou que © comportamento dis- tintivo de populagdes humanas diferentes ¢ indiscutivelmente 0 produto da experiéncia cultural e nio conseqiiéncia de heranca gene tica, A importincia do conceito de cultura em Antropologia é tal que a maior parte do restante deste livro se destina a considerat 6. A. L. Kroeber © C. Kluckhohn, Culture: 4 cn tical Review of Concepts and Definitions, com per missfo de Papers of the Peabody Museum of Ame rican Archaeology and Ethnology, Harvard University> VoL 47, 1952, p. 181 sua natureza € suas manifestacSes no com- portamento humano. © emprego do método comparativo Uma terceira caracteristica da Antropologia 6 seu empenho profundo e constante no uso do método comparativo. O antropélogo néo € como o pensador inconsiderado que afir- mou que todos os indios caminham em fila de um e, quando desafiado que 0 provasse, declarou: “Ora, o indio que eu vi andava assim”, Os antropdlogos se recusam a aceitar qualquer generalizacdo sobre a natureza hu- mana proveniente apenas de sua experiéncia com as sociedades a que pertencem, ou mes- mo com duas ou trés outras sociedades, especialmente se estas fazem parte da mesma tradigao cultural na qual eles foram edu- cados. Se alguém deve falar sobre os seres humanos, precisa saber quais sio realmente os limtes da biologia humana, do compor- mento humano e das formas sociais huma- nas, Para adquirir este conhecimento, 0 antro- pélogo fisico estuda e compara a mais ampla escala possivel de populagdes humanas, antigas © modernas, para determinar as qualidades biolégicas comuns e Gnicas da humanidade. © antropélogo cultural estuda e compara o maior niimero possivel de sociedades huma- nas, primitivas e civilizadas, em todas as partes do mundo, as caracteristicas sociais e culturais comuns ¢ tinicas do comportamento da humanidade. O antropélogo geral procura relacionar as manifestagées fisicas culturais em toda a ‘sua yariedade. A importincia do teste intercultural com- Parativo para outra ciéncia comportamental foi recentemente enfatizada por um eminente Psicélogo: 7. Um dos estudos antropolégicos mais antigos, escrito pelo missionério francés Joseph Lafitau, com- Parava as culturas dos indios iroqueses ¢ huronianos com as da Grécia e de Roma. Este trabalho se baseava no trabalho de campo de Lafitau, como missionério jesufta no Oeste de Nova York, entre 1712 © 1717 ¢ $e intitulava Moeurs des sauvages Ame- Tiquains, comparés aux moeurs des premiers temps (Costumes dos selvagens americanos, comparados com 8 costumes dos primeiros tempos). s+: A. prova antropolégica fol e pode continuar a ser de utilidade incalculével, como cadini |e . cadinho no qual devemos pos as teorias experimentais da Psicologia Para submeté-las a um teste mais rigoroso, a fim de formulévlas © selecioné-las entre as alternativas, se: gundo métodos que jamais nos ofereceriam as expe. ritncias de laboratério © os estudos cortelatos dentro de nossa propria cultura, O trabalho de campo como um equivalente do laboratério experimental ‘A quarta caracteristica distintiva da Antro- pologia é a énfase constante dada ao tra- balho de campo para obter seus dados e testar suas hipdteses. Quando cientistas, como 0s quimicos, se defrontam com um problema, realizam experiéncias para testar a validade das hipéteses em estudo. Pelo método de experiéncia de laboratério, manipulam-se © conseqiientemente se controlam a quantidade © a agio de certos fatores conhecidos para de- terminar como eles se influenciam mutuamen- te, ou de um desconhecido fator x. Este ins- trumento fundamental das ciéncias fisicas ndo est4 ao alcance das ciéncias sociais, as quais em grande parte devem limitar-se & obser- vagio das situagdes existentes e nao daquelas que podem ser destinadas experimentalmente a satisfazer suas necessidades. Entretanto, os antropélogos descobriram um substituto su- mamente util na combinagio de, estudo de campo com o método comparativo. Diante de um problema para ser resolvido, os antro- pOlogos modernos procuram uma sociedade ou uma série de sociedades que j4 conte- nham a combinagio de fatores necessdrios para © teste da teoria ou hipétese em ques- tio. Podem buscar os dados em relatérios de campo preexistentes nas bibliotecas antropo- légicas, ou podem planejar uma expedigo de trabalho de campo para estudar uma tribo apropriada ou sociedade, 8. D. T. Campbell, “The Mutual Methodological Re levance of Anthropology and Psychology”, in F. L. K. Hsu (org.) Psychological Anthropology, p. 3M. Com permissio da Schenkman ‘Publishing Co., Inc, O estudo de Margaret Mead sobre a adolescéncia em Samoa © famoso estudo de Margaret Mead sobre a adolescéncia em Samoa é 0 exemplo clés- sico deste método. O que os, adultos consi- deram estado emocional turbulento dos ado- lescentes e propensdo a revolta preocupa ha muito tempo 0s psicdlogos e educadores. Nos Estados Unidos, durante os anos da dé- cada de 1920, as manifestagdes radicais e a veeméncia dos jovens eram —geralmente aceitas como partes do proceso do cresci- mento, Esta opinido tinha a marca cientifica da obra autorizada do psicélogo G. Stanley Hall.* A Dra, Mead teve suas diividas, e apresentou uma hipétese alternativa, isto é, que os distirbios emocionais sofridos pelos adolescentes na América e na Europa Oci- dental sio uma reacao psicoldgica as tensdes especificas que se formaram dentro das cul- turas americana ¢ européia. Podendo-se encontrar uma sociedade na qual nao hou- vesse estas condigdes de tensio (e em que nfo houvesse nenhuma varidvel oculta que pudesse também produzir 0 distirbio emo- cional), tal sociedade revelaria uma auséncia de distérbio de jovens e a presenca de uma transigio fécil da infancia & idade adulta, Tal conclusio indicaria a determinagao cul- tural do comportamento do adolescente. Fa- miliarizada com a etnografia dos Mares do Sul (Poiinésia), Margaret Mead acreditava que a cultura e a organizagio social de Samoa, a qual era também razoavelmente acessivel, forneceriam provavelmente as con- digées “controladas” requeridas. Por isso, ela escolheu Samoa como seu primeiro labo- ratério, Suas observaces de campo, relatadas em Coming of Age in Samoa em 1928, satis- fizeram a expectativa ou a predicao, e de- monstraram a invalidade da teoria de Hall. SUBDIVISOES DA ANTROPOLOGIA A Antropolgia é tio diversificada que, Para alcancar preciso, seus profissionais de- vem necessariamente especializar-se. Os dois aspectos essenciais da Antropologia sio o biolégico e o cultural; dai, suas duas subdi- 9. G. S. Hall, Adolescence. 6 vis6es principais, (1) Antropologia Fisica ¢ (2) Antropologia Cultural, Cada uma dessas subdivisdes tem, por sua vez, grande ntimero de subdivisdes especializadas, Esta estrutura vem uuswada na Fig. i-1. Antropologia fisica © ser humano é antes de tudo um orga- nismo biolégico, e, s6 secundariamente, um animal social, O estudo da natureza do orga- nismo humano através da Antropologia Fi- sica é, portanto, basico para entender a natu- reza do ser humano. O objetivo da Antro- pologia Fisica é desenvolver um conheci- mento preciso do corpo com referéncia as caracteristicas biol6gicas das populagdes hu- manas, antigas e modernas. Naturalmente, s6 através do estudo de pessoas vivas ou recém-falecidas € que os antropélogos fisicos podem conhecer a estrutura, o crescimento € a fisiologia do corpo humano, nos seus mi- nimos detalhes. Aperfeigoaram instrumentos sofisticados e técnicas especiais para medir com precisio as inumerdveis relagdes de tamanho, composiggo do corpo, padrdes dentarios, forma e cor dos cabelos, cor da pele, pressio sangiiinea, grupos sangiiineos, metabolismo basal, etc. Como os antropé- logos fisicos se interessam pelas caracteristicas das populagées, eles costumam manipular grande mimero de medigées que sio proces- sadas estatisticamente, Seu campo é também muito préximo da Fisiologia, da Anatomia € da Zoologia, entre outras ciéncias colate- rais. A evolugio humana € também de inte- Tesse especial da Antropologia Fisica. A evolugao formula duas perguntas: “Que acon- teceu?” e “Como aconteceu?” A primeira per- gunta responde cabalmente o estudo compa- rativo dos fésseis, inclusive os dos macacos, chimpanzés, ¢ seres humanas, estudo esse conhecido como Paleontologia (Gr. palaios, antigo + onta, coisas vivas + logia, estudo). A Tesposta & pergunta “Como?” é dada satis- fatoriamente pela genética humana e pelo estudo da adaptacio biolégica ao meio — ambos terreno da Antropologia Fisica. Desde a Segunda Guerra Mundial, tem-se desenvolvido uma “nova” Antropologia Fi Geolegi Araueoiogis Evolugto do homem ‘Geologia, Paleontologia, Primatologia, Genetica FIG. 1-1 Antropologia: suas subdivisdes e ciéncias afins em termos de suas orien- tagbes hist6rico-cientificas € biol6gico-culturais. sica, Sua caracteristica principal € transferir a énfase dada antes A medigao e classificacao dos tipos humanos para uma preocupagao muito maior com a influéncia da genética na estabilidade e variagio das populagdes humanas. Realizaram-se estudos experimen- tais © de campo sobre a adaptagdo a0s ex- tremos climaticos. Desde 1960, os antrop6- logos fisicos se tém ocupado cada vez mais de estudos de campo sobre o comportamento dos primatas (especialmente dos babuinos, chimpanzés e gorilas) para obterem luz sobre 0 comportamento social proto-humano, como um aspecto da evolugio social. Antropologia cultural Este ramo da Antropologia, que trata das caracterfsticas do comportamento civilizado ccutturas Estrutura @ fungao das culturas| GIA a2 CU s ‘ny s a7 “ny os Pp i ROPOLOGIN « serie tangs Sonor “Anatomia, Fisiologia, Psicologia Fisiclogica, Genética, Medicina nas sociedades humanas passadas, presentes ¢ futuras, € conhecido como Antropologia Cultural. Esta, por sua vez, tem muitas sub- divisdes, das quais as mais notaveis sio a arqueologia, a etnografia, a etnologia e a antropologia social. Arqueologia A civilizagio comecou depois da domesti- cagdo das plantas ¢ dos animais e da cons- trugio de cidades, h& uns nove mil anos (veja capitulo 5). A Histéria comegou com a invengio da escrita, depois do amanhecer da civilizagéo. A civilizagéo, que significa a cultura das cidades, é um grau de comple- xidade da cultura. As culturas civilizadas sio mais complexas do que as culturas primi- tivas, mas nfo so necessariamente “me- 7 Ihores” ou mais “morais", Os antropélogos chamam de “primitivos” os povos, as cul- turas ou as sociedades que nio adquiriram @ escrita; portanto, sio pré-letrados, em sen- tido evolucionista, ow nao-letrados. Todas as culturas que existiram antes da invengio da escrita eram pré-letradas. © pré-histéricas. Como se veré depois, a propagagio da escrita € a maneira urbana de vida que se Ihe seguiu foram constantes e inexordveis, apesar de lentas. H4 somente quinhentos anos, a grande maioria de todas as culturas humanas no possuia escrita, e eram, por- tanto, primitivas. Até 0 momento das des- cobertas realizadas por viajantes e explora- dores procedentes das civilizagdes oriental ¢ ocidental, elas permaneciam pré-letradas e pré-histéricas, Os antropélogos culturais, comerciantes, missiondrios e administradores governamen. tais que escreveram sobre os povos ainda pré-letrados, os levaram para o campo da histéria, embora possa ter-lhes custado um pouco mais de tempo para aprenderem uma linguagem escrita e¢ a adaptarem a suas necessidades. Que € que tudo isso tem a ver com a arqueologia? A arqueologia (Gr. archaios, antigo, + logia, estudo) tem como objetivo completar a histéria humana, arrancando dé” seio da terra os restos sepultados das cul- turas antigas € os remanesecntes de esque- letos dos seres humanos e¢ sua vida vegeta- tiva e¢ animal (Ver Fig. 1-2). Ela nos di tudo 0 que sabemos dos povos e culturas pré-histéricos. A importincia da arqueologia pré-histrica para a Antropologia manifes- ta-se no fato de que a maior parte dos dados conhecidos sobre o desenvolvimento evolu- cionista da humanidade e da cultura sio o resultado do’ trabalho dos arquedlogos _pré- -hist6ricos. ARQUEOLOGIA CLASSICA — Os arqueé- Jogos que se ocupam com a escavagio ¢ a reconstrugao das civilizagdes classicas, ¢om as da Suméria, do Egito, da Grécia,| da India e da China sio mais comumente con- siderados como classicos do que como antro- pélogos. Isso € a expresio do fato de que os estudos cléssicos eram fundamentais para & as _tniversidades européias muito. antes g estabelecimento da Antropologia ede’ «¢” interesses. “A arqueologia. classics, trait como € © caso, das civilizagoes letradas, serve para completar os documentos his Ficos primitives e esté menos intimamens ada A pré-histéria do que a Antropoleei, arqueol6gica, Entretanto, as. finalidades 5 fungées tanto da arqueologiaprécisteries como da arqueologia clissica so as mesmay — fornecer provas s6lidas e tangiveis ds humanidade € de seu passado, Embora 0s arquedlogos de campo tenham suas préprias ténicas de escavagio, meticy. losas ¢ sofisticadas,# na sua tarefa intelec tual mais ampla de dar significado ao ma. terial que eles encontram, néo diferem dos outros antropélogos que se interessam pela histéria cultural e pelos processos de desen- volvimento. O trabalho consiste em relacionar 6s fatos com principios gerais que expliquem devidamente 0 que esteve se pasando. O estudante de pré-hist6ria deve compreender as culturas e os processos culturais para infundir vida € significagio aos ossos mortos e As pedras mudas do passado perdido nos tempos. Os arquedlogos pré-histéricos_modernos no somente devem dominat completamente a Antropolgia Geral, mas devem também ser bem versados em geologia e paleonto- logia, além de possuirem a pericia especifica das técnicas arqueolégicas, A arqueologia é uma especializagio profunda para satisfazer os cfinones da ciéncia moderna, mas o arquedlogo € antes de tudo um antropdlogo. E significativo que, embora muitas universi dades americanas ensinem arqueologia, ne- nhuma confere grau nesta disciplina. Etnografia © fundamento da Antropologia Cultural € a etnografia (Gr. ethnos, raga, povos + graphein, escrever), Literalmente, a palavra “etnografia” significa escrever sobre povos. Usamos 0 termo com o sentido de estudo Intro- 10. Veja B. M. Fagan, Corridors in Time: 5 ductory in Archaeology, © F, Hole ¢ R. F. Helter An Introduction to Prehistoric Archaeology. FIG. 1-2 A arqueologia recupera as provas materiais dos povos primitivos e das cul- turaspassadas. Arquedlogos do “Middle ‘Missouri Salvage Program” fazem correr as fguas nascentes de um reservatério na es- cavagio do local de uma aldeia pré-histé- rica. (Departamento do Interior dos Esta- dos Unidos, Servic do Parque Nacional.) descritivo das sociedades humanas. As etno- grafias antigas tinham quase totalmente como fontes os relatos dos exploradores, missiond- rios, comerciantes ¢ soldados. Somente em fins do século dezenove € que observadores peritos, como Franz Boas, entraram em campo para estudar dirctamente as socie- dades humanas. Agora, a maior parte do trabalho etnogrifico é realizada por antro- pélogos treinados que estudaram profunda- mente as técnicas de observadores-partici- Pantes, as quais exigem observacio e entre- vistas, objetivas e penetrantes, relagio empé- tica com um povo, ¢ relatério minucioso. Os antropélogos culturais modernos devem primeiro se distinguir no trabalho de campo etnogrifico para se qualificarem como antro- Pélogos. Todas as monografias etnogrificas_ tém uma certa estrutura te6rica implicita na sua organizacéo, mas nio tratam explicitamente de problemas tedricos, Sio, podemos repeti- slo, relagdes descritivas de dados € pouco se interessam por comparacées “per se”, hip6- teses ou teorias. A etnografia fornece os blocos de construgdo para a Antropologia Cultural, mas é preciso buscar em outra parte a grandiosa planta. A etnologia é a “ciéncia dos povos, de suas culturas e das histérias de suas vidas como grupos.” Difere da etnografia por- que, como ciéncia, busca as inter-relacées entre os povos e seus meios ambientes, entre os seres humanos como organismos e suas culturas, entre as diferentes culturas e entre 0s aspectos distintivos das culturas. Como ciéncia, a etnologia empenha-se em dar expli- cagdes que vio além da descricéo, enfati- zando a anélise ¢ a comparacio, Como toda cultura é evidentemente. um continuum que se altera através dos tempos, a etnologia se preocupa muito com o fundamento hist6- rico das culturas. Este aspecto da etnologia € as vezes chamado Histéria Cultural. Quando seu interesse é pelos principios ge- rais do desenvolvimento cultural, ela se ex- pressa como evolucionismo cultural. A etnologia também apresenta muitas sub- divisdes, de acordo com o grau de especiali- zagio, Assim, h& especialistas em parentesco primitive e vida familiar, atividades econé- micas, leis e governo, religiao; cultura mate- IL, A. L, Kroeber, Anthropology (2.* ed.), p. 5. nal tecnologia; misica, danga; fokl quase todos os a festasdes — culturais Existem também est todos esses assuntos. Antropologia Social Os etnélogos que se erpecializam em te lagbes wociait, como familia e paren grupor etérion, organizaio atividades econdmicaa — em aaquilo que se chama estrutura west — pre ser chamador antropilogor sents. Ox ani POlogos inglever que aceitaram a pouyio de AJR. Radcliffe-Hrown negam a utildade dow estudos hittiricos na Antropologa ¢ que Fem divorciat a Antropologia Cultural da Hitéria, Eatabeleceram uma wttivieio sepa ada da Antropologia Cultural @ a denon Ratam antropologia wens! a qual Ae vores chamam tambera ne A antropologia weal € niohatonca, wegunde & opinian deley enquanto que a etmolopa ¢ historica de nox com Linguistics A linguistica @ a cxémcia da lingua. Murtos linguistas conuderam sua diciplina como. uma © completamente auténoma, de pleno diteito, ¢ motaste uma tendéncia crew sente nas universidades americanas pata esta: belever departamentos independentes de hn- Biistica, Mas, ax Linguas 150. aspectos” de cultura, em interayio intima com todas outras: mamifestaydes da cultura, ¢ portanto Mo melhor entendidas no contexto cultural. Conseqiientemente, hi quem defenda que, entte as cigncias sociai, oO estudo cientifico das linguas € um camo da Antropologia Cultural, Pelo menos nos Estados Unidos, todos os maiores departamentos de Antropo- logia incluem analise Linguistica como. parte de seus programas, Entretanto, 03 estudos Madicionais das linguas arcaicas (sinscrito, Brego e latim, por exemplo), e das linguas modernas curopeias fizeram parte das ativi- dades da universidade em areas fora da Antropologia, durante séculos. nia 10 Siogos comegaram a fun- seus estudos em trabalho de campo am-se foryados a aprender muitas mitvas, a partir do nada, sem ne- a para orientatos, E isto foi senvolveu-se um sistema uni- fonenca, para que se pudes os relatos do que os infor. maniss evavam diendo em linguas para as quas cio eustia nenhum sistema de ° pensar que algumas org. ala de acordo com prosipos gramateas muito dhferentes doe g28 linguas indo-europeias antropologos fascinados nova dewobertay, comeyaram a 4 exfocgos em registrar @ ana pelay quae songentrar ea hinguistica, como leat li ay peimitivas oda Anteopologia, se desen- que fevolucionou toto (Vera 0 capitulo 22), tamo especializa modo lingua volveu de tal © extide das Outras suberpecialidades da atropologia Cultural Todo campo evtoryo hus mano @ gultivade como um wibcampo expe: cal do evtuto antropologco, A adaptayio dow seres humanoy a seu meio ambiente total € awunto do etmoecdiogo. importante do A cultura material € 0 campo do espe: ta em tecnologia primitiva. Ha ov campos da danya_ prumutiva, © da arte prmutiva, Dee © tempo de Sur Fdward Hurnett Tylor (1822-1917), a relignio primitiva tem so 0 centro de intereve dos antropd= logos, enquanto que os especialistay em orga nigayio social se conventraram na familia € fo parentexo. A Antropologia Politica (0 extudo dos sistemas politicos primitives € co Joniais) entrou na powe de seus direitos deule 1960. A antropologia legal e a economia Primitiva extio brotando agora. Os folcloristas ocupam-se das tradigdes orais € os antropo- logos simbolicos procuram penetrar a signifi casio social € as fungdes culturais que extio expressas indiretamente na imagem do mito, da arte e do ritual. Ha antropologos médicos que procuram interpretar os sistemas niv-ocutentais do Pensamento e da pratica medica para os ho etnomuncologts, mens da medicina ocidental, € existem alguns einobotanicos que se especializam no her- bério primitive nas substincias vegetais. Embora alguns antropélogos tivessem estu- dado populagdes étnicas .nos ambientes urba fnos, desde 0 comeso deste século, s6 no yerio de 1967, das cinzas dos distiirbios e jncéndios ocorridos em cidades dos Estados Unidos, € que surgiu uma nova geracio de especialistas, chamados antropdlogos urbanos. Eles procuram aplicar os atributos tinicos da ‘Antropologia ao estudo das subculturas nas cidades contemporineas. Ha também os antropélogos aplicados que trabalham como conselheiros junto ao Governo, as indistrias, as organizages de relagdes humanas, procu- rando aplicar a Antropologia atualmente, Praticamente, todo capitulo deste livro, desde a Parte 2 até a Parte 5, expressa o pensa- mento e as descobertas de um subcampo especial da Antropologia. Especializacio de area Finalmente, todos os antropélogos se espe- ializam por areas geogréficas, H4 arquedlogo norte-americano, ou antropélogo cultural, ou especialista em América do Sul, Africa, Oceania, Sul ou Leste da Asia, ou Oriente Médio, dependendo do caso. Os antropélogos devem ter conhecimento a respeito dos povos em todas as partes do mundo, mas, como especialistas de rea, con- centram seu campo de trabalho em uma ou duas Areas selecionadas e deverfio sem divida conhecer a literatura publicada sobre aquela rea com mais profundidade, RELACAO DA ANTROPOLOGIA COM AS CIENCIAS SOCIAIS ‘Nas universidades americanas a Antropo- logia € geralmente programada como ciéncia social, embora seja claro, pelo que dissemos até agora, que a Antropologia € muito mais do que isso. Entretanto, sua identidade domi- ante entre as ciéncias sociais deve-se ao fato de que © grosso do trabalho antropolégico esté centralizado na cultura e¢, dentro da Cultura, na organizacdo social. Discutimos as caracteristicas da Antropologia que a distin- guem como disciplina, Cada uma dessas caracteristicas enfatiza 0 problema da relagdo da Antropologia com as ciéncias irmas, En- tretanto, a pergunta, tantas vezes formulada, “Como a Antropologia se liga & Histéria, A Sociologia e A Psicologia?” merece uma resposta mais especifica. Histéria No comeco deste século, 0 antropélogo inglés R. R. Marrett (1866-1943) declarou que a Antropologia 6 Histéria, ou ndo é nada, Néo quis dizer que a Antropologia é Histéria no sentido formal; ele estava ressal- tando que o tempo é uma dimensio basica em toda experiéncia humana. A corrente da vida é um fluxo constante. Todos os antro- pélogos admitem este fato, mas diferem quanto ao valor atribuido & Antropologia na Histéria e na pesquisa histdrica. Os arqued- logos esto naturalmente muito empenhados no valor do componente histérico, Muitos antropélogos sociais, por outro lado, estéo prontos a afirmar que é suficiente concen- trar-se na pesquisa para a compreensio das sociedades que existem atualmente, a Antro- pologia “agora” de hoje. Os dados pré-histé- ricos e histéricos, asseveram eles, nunca podem ser obtidos com detalhes suficientes ou com suficiente validade para satisfazer devidamente as exigéncias da ciéncia. Um ponto de vista equilibrado sobre a relagio da Antropologia com a Histéria afir- maria que a comparagio de sociedades dire- tamente observaveis no coloca realmente 0 estudo da humanidade numa base cientifica mais firme em termos de resultados veri cAveis e validos, Mas também concordaria que 6 cientificamente importante estudar os processos do crescimento e da mudanga das culturas. A cultura e a sociedade néo sio coisas momentineas. Sairam do . passado, existem no presente e continuam no futuro. Sao 0 produto do que foram, sob a acdo de condigées e influéncias que encontram no momento. Serdo o produto do que foram e do que sdo, sob a acéo de condigées ¢ influéncias que as empenham hoje e as em- penhario no futuro, Nem o presente nem © il futuro poderio ser entendidos plenamente, sem um conhecimento, embora defeituoso, do passado. Hi, naturalmente, historiadores e historia- dores, historias e histérias, Os historiadores sao cientistas sociais quando empreendem tirar leis gerais da mudanga social ou explicar os acontecimentos especificos, notando a regula- Tidade repetida observada através dos tempos. Ou podem ser fildsofus da Historia quando se esforcam por explicar 0 que ocorreu em determinadas épocas da Historia em termos de um esquema aprioristico de interpretacdo. Ou, se © interesse deles ndo passa de “uma busca académica de conhecimento especial de um fato particular”, nio sdo nem cien- stas sociais nem filésofos; sio simplesmente joriadores sui generis. Dio énfase apenas & singularidade da situagio. “A Historia nunca se repete”, afirmam eles. O tempo e o local € © que aconteceu entio e 14 — expressos rigo- rosamente, com precisio e especificamente — sio 0 que é importante para os historiadores como cronistas. Na ciéncia, em oposicdo a Histéria, 0 fato nao € por si mesmo de fundamental inte- esse. O objeto da ciéncia é relacionar grande niimero de fatos uas com os outros para validar proposigdes gerais sobre a natureza das coisas, Os métodos dos antropélogos de organizar seus conhecimentos so diferentes dos dos historiadores, ¢ seus métodos de ope- ragio sio também basicamente diferentes (veja Fig. 1-3). O “campo” para os historia- dores é a biblioteca, Sua unidade de trabalho € um documento. Sua alegria € a descoberta de um mago de cartas ou relatos, perdido ha muito tempo. Para os antropélogos, 0 “campo” € um grupo tribal remoto, a populagdo de uma cidade central ou uma regiéo arqueol6- gica. Sua unidade de trabalho & a pessoa ou um povo. Sua alegria é a descoberta de um novo tipo de relagdo social, um féssil ou um conjunto de artefatos. Um estudante da Africa contemporanea assim se expressou a respeit “A Africa tem duas espécies de Histéria: uma convencional, que deve ser estudada por meio de relatos de exploracio europeus, de colonizacgo © de normas coloniais, e uma no-convencional, que deve ser estudada por 12 meio dos relatos antropolégicos de organiza, gio social ¢ econdmica indigena.”’ Sociologia A Sociologia e a Antropologia sio as mais proximas entre as ciéncias sociais. £ por esta razio que freqiientemente elas vém juntas no mesmo departamento nas Universidades ame. ricanas. Sua semelhanga esté no interesse de ambas na oragnizagio ¢ no comportamento sociais, Nestes campos, os enfoques teéricos bésicos tem muito em comum; na verdade, sob muitos aspectos nao é possivel distingui- las. Mas os interesses especificos do . socié- logo € do antropélogo € os métodos de rea- lizar seu trabalho podem ser muito diferentes. Os socidlogos geralmente nao recebem o treinamento biolégico, arqueolégico e lingiiis- tico que € tio importante para os antropé- logos. Os antropélogos trabalham como observadores-participantes em pequenas socie- dades, suplementados pela didlogo intensivo, dia apés dia, pessoa a pessoa, sobre priticas culturais, A énfase deles € a pessoa-em-cul- tura, Os socidlogos geralmente trabalham com amostras maiores de aspectos mais limi- tados da sociedade; daf, a grande importancia que dio a dados estatisticos e processos. O questiondrio e os relatérios censuais sio pro- vavelmente a principal fonte de fatos para © sociélogo. A Sociologia americana dedica também grande aten¢io aos problemas de patologia social e trabalho social: delingiién- cia, crime, pobreza, doenga mental, lares desfeitos, como acontecem na sociedade. Tem sido este um empenho da Sociologia nos Estados Unidos, desde o seu comego. S6 ultimamente € que a Antropologia voltou sua atengio consciente para os problemas sociais e para a administracao. Psicologia ‘A Antropologia ¢ a Psicologia se interessam pelo comportamento e por isso tém muito em comum. Mas, enquanto a Antropologia 12, G, Dalton, “Traditional Production in Primitive African Economies” (The Quarterly Journal of Eco nomics, agosto de 1962), p. 37 BLT ‘SUBESPECIALIZAGAO A /“ EsTupos ( geninicos ry eral NIVEL 1 . re NIVEL 2 NIVEL 9 NIVEL 4 Nee FIG. 1-3 Os estudantes que comecam a estudar Antropologia como ciéncia tém contato primeiro com © assunto pela assimilago dos principios gerais. Quando passam para cursos mais especializados, entram numa frea na qual as generalizacdes se tornam mais limitadas ¢ os dados empiricos comecam ‘a aparecer em maior nimero. Depois .de formados, ainda estudantes, assimilam a técnica da obser- vagdo empirica e da pesquisa no campo e no laboratério. Como antropélogos profissionais, passam & formulagio de hipdteses e teorias especializadas. Finalmente, podem: formular novas e abrangentes ge neralizagdes destinadas a sintetizar todas as descobertas empiricas das subespecializagSes destinadas sintetizar todas as descobertas. empiricas dat subespecializagdes da Antropologia Fisica ¢ Cultural. se interessa basicamente pela organizagéo de comportamento de grupo e pela padronizacao cultural do comportamento, a Psicologia se interessa. mais pelo comportamento do orga- nismo individual e como ele reage a estimulos especificos. Os psicélogos se orientam muito mais para o uso de experiéncia de laboratério, testes e medigdes ¢ para a expressio estatis- tica de suas descobertas a fim de consegui- rem preciso cientifica no seu campo. As situagSes comportamentais estudadas_ por Psicélogos experimentais, tendem a ser sim- Plificadas ¢ claras, isto é, experiéncias con- troladas que se destinam a eliminar varidveis estranhas. Os antropélofos procuram rela~ cionar as descobertas simples, mas verifica- das, da Psicologia, com a complexidade das situagdes da vida real, que constatam nas sociedades em que suas descobertas se veri cam, ainda que com menos rigor. Os antro- Pélogos estudam os antropéides quase exclu- sivamente, Os psic6logos experimentais com muito mais probabilidade séo capazes de desprezar o animal humano com toda a sua complexidade, para estudar o camundongo, © rato, a cobaia, 0 macaco, ou o pombo, muito mais manejéveis. Enquanto os psicélogos sociais contempo- rineos também se inclinam acentuadamente para as experimentagdes de laboratério, os psicélogos e psicanalistas clinicos sio forcados pela natureza de suas tarefas a tratar as pessoas como um todo, no contexto de seus ambientes sociais totais. A sondagem pro- funda da Psicandlise nos processos psiquicos ocultos deu origem a numerosos conceitos elucidativos que se revelaram muito steis para os antropélogos na interpretacéo de sis- temas culturais e suas relagdes com os tipos de personalidade tribais, © campo de cultura ¢ personalidade (ver capitulo 4) foi uma das freas mais ativas e produtivas da Antropo- Jogia nas décadas de 1930 a 1960. "Aprender a teoria como ela é desenvol- vida na Psicologia € naturalmente de grande importincia para a Antropologia; (36 se adquire a cultura através da aprendizagem- ‘A Psicologia investiga os processos pelos quais todos os animais aprendem’ e como cles aprendem a aprender. A Antropoliga, Por 13 sua vez, nos ensina o que se aprende nas varias sociedades, como se ensina, e quais sio as recompensas e castigos dados por cada sociedade para a devida aprendizagem, ou sua falta. A “cultura”, segundo Miller e Dollard, “(...) € uma afirmagdo do plano do emaranhado humano, do tipo de recom- pensa envolvida, e de que as respostas devam ser recompensadas. Neste sentido € uma re- ceita para a aprendizagem”." Como as cul- turas variam tao radicalmente, as condises da aprendizagem humana e do comport mento humano variam —radicalmente. A Antropologia oferece A Psicologia uma base fatual mais ampla contra a qual testar suas teorias € hipdteses. Reconhece-0 0 psicslogo Donald Campbell nestes termos: Implicitamente, © psledlogo de Ladoratdrio ainda ma: Pie que seus estudantes veteranos fornecem uma bate adequada para uma psicologia geral do homem (...) 2 Paicologia Social estat tendéncias foram mul Auhstanclalmente modgradas pelo confront com a Iite- Fatura antropologica. Para o psicdlogo geral a maior Parte da lisSo ainda est para ser aprenduta, ncia politica, economia, € satide publica O Direito € um aspecto da cultura de qualquer sociedade, € muitissimo importante como modelador de culturas, uma vez que se destina explicitamente a desencorajar certas 13, N, Miller ¢ J. Dollard, Soctal Learning and Imitation, p. 5. 14, D. T. Campbell, “The Mutual Methodological Relevance of Anthropology and Psychology”, In P.L.K. Hsu (0rg.), Psychological Anthropolosy, p. 334, Com permissio de Schenkman Publishing Co. Ine, 14 formas de comportamento e a apoiar outras, Como a antropologia legal da tanta énfase as fungdes do Direito nos sistemas sociais ela tem mostrado que é particular. te Util para iluminar por comparagio os damentos de nosso sistema de Direito, O Direito, segundo Bohannan, “€ uma das sub. disciplinas da Antropoligia que melhor se estuda; a literatura é pequena mas de alta qualidade”. Somente a partir da Segunda Guerra Mun. dial € da conseqiiente criagio das naydes inde pendentes, em desenvolvimento nas antigas possesses da Asia e da Africa, € que a Feonomia ¢ a Ciéncia Politica nos Estados Unidos comegaram a interessar-se ativamente pelas culturas indigenas destas partes do mundo. Mas agora a Economia ¢ 0 Governo destas areas assumiram uma grande impor- cia, A expansio dos programas de satide piiblica a todas as partes do mundo teve efeito seme- Ihante para estimular uma estreita cooperagio entre a Antropologia e a pratica da Medicina, A esta altura devera estar claro que a Antropologia, em muitos de seus aspectos, participa vitalmente do complexo dinimico das ciéncias sociais. Se podemos nos referit & Antropologia como o estudo de ossos mortos ¢ problemas vivos, podemos também afirmar que este assunto se torna cada vez mais vivo com 0 passar dos anos. 15. P. J, Bohannan, Social Anthropolosy, p. Titulo do original: CULTURAL AND SOCIAL ANTHROPOLOGY Copyright © 1976 by McGraw Hill, Inc. Todos os direitos reservados, Parte nenhuma desta publicagio pode ser reproduzida, estocada em sistema de armazenamento de informagio, ou transmitida, de qualquer forma ou por quaisquer meios, eletrénico, mecinico, de fotocdpia, de gravacio ou de outra natureza, sem autorizagio prévia, por escrito, dos Editores. ‘Ano Edigdo 5 — 96-97-98-99 455789 Direitos de tradugdo para a lingua portuguesa adquiridos com exclusividade pela EDITORA CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 374 — 04270-000 — Sio Paulo, SP — Fone: 272-1399 que se reserva a propriedade literdria desta tradugao. Impresso nas oficinas grdficas da Editora Pensamento.

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