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22/10/2019 Doença mental e Psicologia ou a Psicologia por Foucault

Doença mental e Psicologia ou a


Psicologia por Foucault
Kelton Medeiros
Apr 19, 2017 · 5 min read

No livro doença mental e Psicologia Foucault analisa as relações entre a Psicologia


enquanto forma de saber e a categoria loucura enquanto objeto de estudo e exercício
de poder. Foi um dos primeiros livros de Foucault, que em sua segunda edição foi quase
que totalmente reescrito. A tese do autor é a de que só se pode falar em doença mental
por que existe uma ciência que a classifica como tal, e tal relação entre determinado
saber e a operacionalização de práticas regulatórias sobre a vida só podem ocorrer por
que determinadas formas de coerção e moralidade são ancoradas em determinado
contexto social.

Embora os principais conceitos que tornaram Foucault célebre ainda não tivessem sido
produzidos à época deste livro, nele já se esboçam as principais linhas de força que
guiariam futuramente as análises arquegenealógicas de Foucault. Como pano de fundo
temos as relações de força entre saber e poder produzindo subjetividade. Neste caso

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22/10/2019 Doença mental e Psicologia ou a Psicologia por Foucault

produzindo o que Foucault chamou de “homem psicológico”, ou aquele homem que se


torna um sujeito compreensível, explicável, tratável e (des) funcional a partir de um
campo do saber (a Psicologia). Curioso destacar que Foucault foi graduado em
psicologia.

Nesse livro Foucault trava uma batalha contra qualquer forma de metapsicologia. À
metapsicologia Foucault opõe relações historicamente situadas entre os homens e os
homens loucos, entre o próprio surgimento destas categorias. Para tanto Foucault parte
de duas perguntas fundantes: A) É legítimo falar em patologia no domínio mental? B)
Quais as relações entre as possíveis psicopatologias e as doenças orgânicas? A
conclusão de Foucault é a de que nem a fisiologia nem a terapêutica podem ser os
parâmetros absolutos da doença mental.

Coube a Freud imiscuir filogênese e ontogênese em um mesmo fio narrativo, estava


posto assim um paradigma epistemológico para o campo PSI. Ligando estas duas
dimensões à angústia, categoria ambígua que é causa e efeito. É contra a angústia que
se erguem as defesas psíquicas e é por elas que as mesmas atuam.

Toda uma parte da obra de Freud é comentário das formas evolutivas da neurose. A
história da libido, de seu desenvolvimento, de suas fixações sucessivas é como a
compilação das virtualidades patológicas do indivíduo: cada tipo de neurose é um
retorno a um estágio de evolução libidinal. E a psicanálise acreditou poder escrever
uma psicologia da criança, fazendo uma patologia do adulto. (p.19).

Até o século XVII o ocidente não entendia a loucura como doença mental, embora
houvesse (excepcionalmente) aprisionamento de alguns loucos. Após o século XVII a
loucura vira o espaço de exclusão por excelência. Originalmente o internamento não
tem objetivo terapêutico, mas assistencial, não se almeja curar, mas punir e expurgar o
mal dessa emergente classe burguesa, esse mal era a ociosidade que estava relacionada
à loucura. Loucos ficavam juntos com bêbados, vândalos, prostitutas, enfim, com os
moralmente condenados.

Após a revolução francesa o internamento passa a ser associados à opressão. É então


posto em desuso, menos para os loucos, que se tornam os herdeiros dessa forma de
enclausuramento. Com uma modificação importante, uma adaptação. Esse
aprisionamento passa a ser menos violento materialmente, pois abole-se as correntes
que agrilhoavam os loucos. Contribuição de Pinel que Foucault dirá que livrou os
loucos das correntes e os aprisionou à moral.

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A psicologia do século XIX da qual o século XX é herdeiro senão nas estratégias ao


menos nos pressupostos epistemológicos enveredou por uma trilha descritiva negativa
da doença. Tratava-se de um empreendimento mais semiológico do que etiológico.
Essa perspectiva evolucionista que opera sob e égide do binômio evolução-regressão,
desconsidera em pleno século XXI que a cada ponto há significações e afetos peculiares,
singulares. Esse modo moderno que adota o horizonte científico como fonte de
pressupostos em detrimento da dimensão filosófica ou artística logrou êxito em
psicopatologizar a forma, mas, se constrange até hoje de não se aproximar
minimamente de uma substância, a esse respeito Foucault afirma:

Mas se mostraram as formas de aparecimento da doença, não puderam demonstrar-lhe


as condições de surgimento. O erro seria crer que a evolução orgânica, a história
psicológica, ou a situação do homem no mundo pudessem revelar estas condições. Sem
dúvida, é nelas que a doença se manifesta, é nelas que se revelam suas modalidades,
suas formas de expressão, seu estilo. Mas é noutra parte que o desvio patológico tem,
como tal, suas raízes. (p.49).

Não se trata de criticar a Psicologia em sua legitimidade enquanto saber com


prerrogativa de intervenção, mas, de mostrar que qualquer tentativa desta de totalizar
a loucura está fadada ao fracasso. Pois, a loucura se esparrama por múltiplas
dimensões com as quais a Psicologia pode interagir, mas não codificar em uma língua
fluente, no máximo em dialetos acidentais, instáveis em contínua transformação. Pois
como a patologia só pode ser percebida quando a cultura oferece o vocabulário para
tal, entender a patologia a priori seria como o gato que corre continuamente atrás do
seu rabo e ao pega-lo (caso o consiga) percebe que era o correr que impregnava o rabo
de sentido.

O que acaba de ser dito não vale como crítica a priori de qualquer tentativa para cercar
os fenômenos da loucura ou para definir uma tática de cura. Tratava-se somente de
mostrar entre a psicologia e a loucura uma relação tal e um desequilíbrio tão
fundamental que tornam vão cada esforço para tratar o todo da loucura, sua essência e
natureza em termos de psicologia. A própria noção de “doença mental” é a expressão
deste esforço condenado de início. O que se chama “doença mental” é apenas loucura
alienada, alienada nesta psicologia que ela própria tornou possível. (p.61).

Não se trata de condenar a Psicologia, mas de demonstrar que se a Psicologia tentar


estruturar a loucura com começo, meio e fim ela própria contribui para a formatação
dessa loucura. Já que a própria operacionalização de qualquer psicologia somente é

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possível na medida em que esse louco já foi por meio de moralismos ou exclusões,
sejam essas institucionais por meio da docilização dos corpos (conceito que Foucault só
criará anos depois) ou pelo cuidado de si (conceito desenvolvido nos últimos anos de
trabalho na chamada fase ética do filósofo). A Psicologia é assim uma “fina película” da
ética moderna, são a exclusão e o moralismo que legitimam o saber psicológico
administrador da loucura alienada, que por sua vez produz o “homem psicológico”.

Psicologia Foucault Mental Psiquiatría

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