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Aprendizagem e desenvolvimento: a concepgdo genético-cognitiva da aprendizagem (CESAR COLL E EDUARDO MARTI CONTEXTO TEORICO E EPISTEMOLOGICO A.woria genética aborda estudo da aprendizagem de maneira extremamente pe- cular, Como veremos em seguida, os proble- mas, a metodologia das pesquisas, os conteti- dos de aprendizagem propostos aos sujeitos, a propria medida da aprendizagem e, sobretu- do, a formulagao tedrica sao diferentes da pro- blematica, da metodologia e do enfoque dos estudos cléssicos da aprendizagem. Essas ca- acteristicas 56 so compreensiveis se situar- mos os estudos da aprendizagem no contexto da psicologia genética e esta, por sua vez, no contexto mais amplo da epistemologia genéti- ca. Evocaremos, brevemente, os aspectos da teoria genética que nos parecem impreseindli- veis para compreender a formulacio das pes- quisas sobre a aprendizagem, antes de abor- dar as principais teses ¢ os resultados desses estudos". 0 problema do conhecimento E sabido que Piaget, bidlogo de forma- Gio, toma-se em psicélogo com a objetivo de estudar questdes epistemolégicas (Piaget, 1971, p. 25). Para responder a estas questoes epistemolégicas — O que ¢ o conhecimento? O que conhecemos? Como conseguimos conhe- cero que conhecemos? Como alcangamos o conhecimento vilido? O que compreende o su- jeito © © que compreende 0 objeto ao ato de conhecer?, etc. =, Piaget recorre 4 psicologia, em vez de limitar-se a utilizar os métodos his- toricos, analiticos, especulatives e formalizan- tes como faz a maioria dos epistemélogos. Quando inicia sua tarefa, por volta da década de 1920, constata que a psicologia da época nio compreende elementos tedricos e empiri- cos suficientes para fundamentar uma episte- mologia, o que o leva a elaborar uma teoria psicolégica que possa cumprir tal funcao, a te- oria psicogenética. Mas por que “genética”? Para Piaget, o conhecimento é um proces- so e, come tal, deve ser estudado em seu devir, de mancira historica. Por isso, sua epistemolo- gia niio se contenta em responder pergunta: como ¢ possivel o conhecimento?; procura, além disso e sobretudo, estudar como muda e evolui © conhecimento. Piaget define a epistemologia genética como a disciplina que estuda os meca- nisms e os processos mediante os quais se pas- sa “dos estados de menor conhecimento aos es- los de conhecimento mais avancados” (Piaget, 1979, p. 16), sendo critério para julgar se um estado de conhecimento ¢ mais ou menos avan- ¢ado ou de sua maior ou menor proximidade ‘com 0 conhecimento cientifico. A psicologia ge- nética, junto com a andilise formalizante - que se ocupa do estudo do conhecimento do ponto de vista de sua validade formal — ¢ a anilise histérico-critica — que estuda a evolucio do co- nhecimento eientifico em seus aspectos histéri- cos € culturais-, torna-se um dos métodos, tal- mais caracteristico, da epistemologia ge- ver nética. © método psicogenético complementa 4 outros dois no plano do desenvolvimento in- dividual: estuda como as seres humanos pas 46 COLL MARCHES!, PALAGIOS & GOLS. sam de um estado de menor conhecimento a um estado de maior conhecimento ao longo de seu desenvolvimento. Portanto, qualquer ques- 180 epistemologica, e conseqiientemente qual- quer questao psicoldgica, deverd ser formulada em uma perspectiva genética, Aprendizagem e desenvolvimento cognitivo O tema da aprendizagem nao escapa a essa exigéneia. Piaget ¢ seus colaboradores 0 abordam em intima conexio com 6 desenvol- vimento cognitive. O nivel de competéncia in- telectual de uma pessoa em um determinado momento de seu desenvalvimento depende da natureza de seus esquemas, do mimero deles e da maneira como se combinam e se coorde- nam entre si (Coll, 1985, p. 35). Levando em conta tais critérios, Piaget concebe 0 desen- volvimento cognitivo como uma sucessio de estalgios ¢ subestagios caracterizados pela for- ma particular de come os esquemas ~ de aggio ou conceituais — se organizam e se combinam entre si formando estruturas. Desse modo, a descrigdio que nos ¢ oferecida do desenvolvimen- to cognitivo em termos de estdgios é uma visio estruttiral e inseparaivel da analise formalizante. Como se descreveu no Capitule 1 do Vo- lume | desta obra, a psicologia genética iden- tificou trés grande estdgios ou periods cvolu- tivos no desenvolvimento cognitive: um est: gio sensério-motor, que vai do nascimento até 0s 18 ou 24 meses aproximadamente e que culmina com a construgao da primeira estru- tura intelectual, o grupo dos deslocamentos; um estgio de inteligéncia representativa ow conceitual, que vai dos 2 anos até os 10 ou 11 anos aproximadamente ¢ que culmina com a construgio das estruturas operatorias concre- tas; finalmente, um estagio de operagées for- mais, que dirige-se para a construcio das es- truturas intelectuais préprias do raciocinio hi- potético-dedutivo aes 15 ou 16 anos.” Cada estégio marca © aparecimento de uma etapa de equilibrio, uma etapa de organi- zacdo das agées ¢ das operagdes do sujeito, des- crita mediante uma estrutura I6gico-matema- tica. O equilibrio préprio de cada uma dessas tapas nao é aleancado de stibita, mas prece- dido de uma etapa de preparagao. Para que possamos falar de “estégios” & necessdrio, se- gundo Piaget, que se cumpram trés condicées: aordem de sucesso dos estiigios deve ser cons- tante para todos 0s sujeitos, embora as idades médias correspondentes a cada estagio possam variar de uma populagao para outra; um est gio tem de ser caracterizado por uma forma de organizagio (estrutura de conjunto) eas estruturas que correspondem a um estigio in- tegram-se nas estruturas do estigio seguinte como caso particular (Piaget, 1956). Ainda que aordem de sucesso dos estagios seja sempre a mesma, pode ocorrer que nogdes que se baseiam em estruturas operatérias idénticas, mas que se aplicam a contetidos diferentes, nao sejam adquiridas simultaneamente. Sabe- se, por exemplo, que os sujeitos adquirem a conservacio de conjuntos discretos dois anos antes, em média, que a conservacao da longi- tude. Esses fendmenos, que Piaget qualifica de “defasagens horizontais”, indicam que as transigdes de um estdgio para outro so mais complexas do que se poderia pensar em uma primeira aproximacao A visio do desenvolvimento organizado em estdgios sucessivos cujos niveis de equili- brie podem ser descritos mediante estruturas logicas também determina, em grande medi: da,a problematica das pesquisas sobre a apren- dizagem. Qualquer aprendizagem tera de ser medida em relacio as competéncias cogniti- vas proprias de cada estagio, jd que estes indi- cam, segundo Piaget, as possibilidades que os sujeitos tém de aprender e, por isso, ser ne- cessirio identificar seu nivel cognitive antes de iniciar as sessées de aprendizagem. Seré preciso ver também em que condigées é possi vel que os sujeitos adquiram, depois de um trei- namento adequado, um nivel cognitivo supe- rior ao que possuiam antes das sessdes de aprendizagem. De todasas aprendizagens, serd necessdrio estudar as que se aplicam a estru- turas ldgico-sistematicas (seriacao, inclusio de classes, correspondéncia numérica, conserva. cio, etc.), chamadas também de “aprendiza- gens operatérias”. Sera possivel, entao, anali sar se a logics que rege essas aprendizagens é a mesma que rege as outras aprendizagens (de fatos, de ages, de leis fisicas, de procedimen- Dizer que toda questio epistemoldgica deve ser abordada geneticamente no ¢ sult ciente para os papéis desempenhados pelo su- jeito e pelo objeto no processo de conheeimen- to. Para Piaget, esse processo é fundamen mente interativo. O objeto existe — a0 contri- Tio do que postulam as teses idealistas extre- mas -, mas s6 pode ser conhecido mediante aproximagdes sucessivas que dependem dos es- quemas mentais dos sujeitos— em oposicao ao que defenderia uma postura realista também. extrema ~ que mudam, como vimos, ao longo do desenvolvimento. Portanto, a objetividade, para Piaget, nio é um dado imediato, mas exi- ge um trabalho de elaboracio por parte do sujeito. A experiéncia no é suficiente para ex- plicar o conhecimento ¢ seu desenvolvimento. Aheranga ¢ a maturag’o também nao sao; de- terminam zonas de possibilidades e impossib lidades, mas requerem o aporte da experiéncia. © interacionismo de Piaget é uma alternativa tanto as teses empiristas quanto as inatistas. Além disso, se o conhecimento € fruto de uma interacao entre sujeito ¢ objeto, sera es- sencialmente uma construgdo. F certo que a erianga encontra objetos em seu ambiente fis €0-¢ nogGes transmitidas por seu ambiente so- cial; porém, segundo Piaget, nao os adora tal ¢ qual, mas os transforma ¢ os assimila a suas estruturas mentais (Piaget, 1978a, p. 35). Es- ses fatos nos permitem compreender outra ca- racteristica dos estudos de Piaget € seus cola- boradores sobre a aprendizagem: a importin- cia dada, tanto nas sessées de aprendizagem como em sua medida, & atividade estruturante do sujeito que aprende e a logica que rege suas aquisigbes. A énfase é dada ao estudo da for- ma da aprendizagem mais do que ao seu con- tetido, ao processo que o preside mais do que ao resultado, mento como uma sucessiio de trés grandes pe riodos caracterizados cada um por suas estru- turas, cada uma das quais surge da preceden- te, integra-a e prepara a seguinte. Que meca- nismos explicam essa evolucao tao peculiar (Piaget ¢ Inhelder, 1969, p. 152)? Os trés fato- resinvocados classicamente para explicar o de- senvolvimento - a maturagdo, a experiéncia com 0s objetos e a experiéncia com as pessoas DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAD,V2 47 = sao, para Piaget, fatores imprescindiveis para explicar o desenvolvimento, Dessa forma, wget desearta tanto as posigées imatistas ou maturacionistas, que concebem o desenvolvi- mento como uma sticessdo de atualizagoes de estruturas preexistentes sem que a experién- cia desempenhe qualquer papel, como as posi- Ges empiristas, que explicam o desenvolvi- mento evocando a experiéncia ¢ a aprend gem como se o desenvolvimento fosse um re- gistro cumulativo de dados. Os tés fatores, porém, nao sio suficientes, segundo ele, para explicar a direcionalidade eo carter integra- dor do desenvolvimento mental. Piaget evoca um quarto fator, endégeno, a equilibragao. Tal fator nao se acresce por adigao aos outros tré Atua a titulo de coordenagio; di conta de uma tendéncia presente em qualquer desenvolvi mento, visto que todo comportamento preten- de assegurar um equilibrio das trocas entre sujeito € ambiente. A equilibracao ¢ um fator interno, mas nao geneticamente programado. £, segundo Piaget, um process de auto-regulagia, ou seja, uma série de compensagées ativas do sujeito em rea- go a perturbagdes externas. 0 processo de equilibracio ¢, na realidade, uma propriedade intrinseca e constitutiva da vida organica e men- tak: todos os organismos vives mantém um cer to estado de equilibrio nas trocas com o meio, tendo em vista a conservagio de sua organiza- ao interna dentro de limites que marcam a fron- teira entre a vida e a morte. Para manter 0 equi- librio ou, melhor dizendo, para compensar as perturbagées externas que rompem momenta- neamente o equilibrio, o organismo possui me- canismos reguladores. As formas de pensamen- to que se canstroem no transcurso do desenvol- vimento — as estruturas cognitivas que caracte- rizam cada um dos trés estaigios mencionados — sdo, para Piaget, verdadeiros mecanismos de regulagao, encarregados de manter um certo estado de equilibrio nas trocas funcionais ou comportamentais que se produzem entre a pes- soa @ seu meio fisico e social. Por isso, a equili- bragiio nao é simplesmente um fator a mais do desenvolvimento, mas um fator que coordena & torna possivel a influéncia dos outros trés: a maturagao, a experiéncia com os objetos ¢ a experiéncia com as pessoas. Os mecanismos reguladores encarrega- dos de manter e de restabelecer 0 equilibrio 48 COLL MARCHES!, PALADIOS & COLS. nas trocas funcionais entre o ser humano e seu meio variam no transcurso do desenvol- vimento, Nos niveis inferiores do desenvolvi- ‘mento intelectual s6 permitem compensacaes pontuais diante das perturbagées externas: portanto, tém uma capacidade muito limita- da, que se traduz em equilibrios pouco est veis, de tal mancira que é muito facil que qual- quer nova perturbagio produza um novo es- tado de desequilibrio. O desenvolvimento telectual consistiré precisamente na constru- cdo de mecanismos reguladores que assegu- rem formas de equilibrio cada vez mais mé- veis, estdveis © capazes de compensar um niimero crescente de perturbagoes (Piaget, 1983, p. 61). Nos niveis superiores do desen- volvimento intelectual — no estiigio das ope- races formais -, os mecanismos reguladores sO de tal natureza que permitem nao apen compensar as perturbagoes reais, mas tam- bém, inclusive, antecipar ¢ compensar pertur- bagées possiveis, o que se traduz obviamente em equilibrios muito mais estaveis. Acquilibracao atua. pois, segundo Piaget, como um verdadeire motor do desenvolvimen- to. O sistema cognitivo dos seres humanos par- ticipa da tendéncia de todos o organismos wi- vos de restabelecer 0 equilibrio perdido = equi bragéio simples. Mas, além disso, ¢ isso explica seu papel crucial na explicagao do desenvol mento proporcionada pela psicologia genét a, © sistema cognitive humano mostra uma tendéncia a reagir diante das perturbagbes ex- ternas, introduzindo modificagoes em sua or- ganizagaio que assegurem um equilibrio melhor, isto ¢, que Ihe permita antecipar e compensar um mimero cada vez maior de perturbacées possiveis - equifibracdo majorante. Essa equili- bracao majorante explica a construcao das es- truturas cognitivas que caracterizam os suces: sivos estagios do desenvolvimento intelectual, a que “a equilibragdo, mais cedo ou mais tar- de, 6 necessariamente majorantee constitui um, processo de superagao de estabilizagio, reu- nindo de forma indissocidvel as construgdes & as compensacoes” (Piaget, 1978b, p. 460). Essa explicacao da evolugae mental pela necessidade interna de tender ao equilibrio de- termina totalmente a formulagao dos estudos da aprendizagem: se 0 conhecimento ¢ sua evo- lucdo repousam em itiltima instneia no pro- cesso de equilibragiio, nao sera necessdrio ex- plicar também as aprendizagens — aprendiza- gens de qualquer tipo, mas sobretudo a das es- truturas ldgicas — pela intervencio do proces- so de equilibracao? EQUILIBRACAO, DESENVOLVIMENTO: E APRENDIZAGEM No final dos anos 1950, Piaget e seus co- laboradores do Centro Internacional de Fpiste- mologia Genética abordam o estudo da apren- dizagem de uma perspectiva epistemoldgica. Dez anos mais tarde, Inhelder, Sinclair e Bovet voltam a estudar a aprendizagem de uma pers- Pectiva mais psicolégica. Embora as formula- Ses sejam diferentes, os resultados de Inhelder, Sinclair ¢ Bovet prolongam ¢ especificam os de Piaget, Apresentaremos a problematica e a metodologia dos dois estudos ¢ exporemos em. seguida os principais resultados. Problematica e metodologia Em um momento no qual dominam os enfoques empiristas, que tendem a idemtificar o desenvolvimento com um actimulo de apren- dizagens sucessivas, Piaget ¢ seus colaborado- res tentam demonstrar que sem a interven¢iio de mecanismos reguladores endégenos - a equilibragio — é impossivel explicar satisfato- riamente as novas aquisicdes ¢ o desenvolvi- mento do pensamento racional. Dai as duas questées de natureza essencialmente epistemo- ‘a que presidem os primeiros estudos so- endizagem: — No caso de ser possivel uma aprendi- zagem das estruturas légicas, os me- canismos que intervém nela sao redu- tiveis aos mecanismas subjacentes & aprendizagem de fatos, de agdes, de procedimentos praticos ou de leis fisi- cas, ou € preciso antes postular que para aprender uma estrutura légica deve-se partir de outra estrutura logi- ca (e, de maneira geral, de aquisicdes ndo-aprendidas em sua totalidade)? — Uma aprendizagem qualquer consiste implesmente em acumnular novas aqui- sigdes que provenham da experiéncia DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICS EEDUCAGAD, v2 49 ou necesita da intervencio de instru ‘Todas as pesquisas sobre a aprendizagem mentos Idgicos para ser concretizada de estruturas I6gicas adotam, em linhas ge- (Goustard, Gréco, Matalon ¢ Piaget, rais, 0 mesmo paradigma experimental (ver 1959, p. 15)? Quadro 2.1). Em todas elas, a variedade de tarefas e de questées propostas aos sujeito (se- Se é possivel demonstrar que as estrutu. guinde 0 método clinieo de exploracao eriti- ras logicas podem ser aprendidas, a tese — ¢@) Servem para seguir o proprio processo de “apriorista” — para a qual o aparecimento das @prendizagem, e nao apenas o resultado em estruturas Iégicas € 0 resultado de uma atua-_ termos cle rendimento, de rapidez ou de efi- lizagao de estruturas herdadas sem o aporte Aci, como ocorre nas pesquisas clissicas da experiéncia = tera de ser descartada. Se, S@bre a aprendizagem (Morf, Smedslund, além disso, os resultados mostram que aapren- Vinh-Bang ¢ Wohlwill, 1959, p. 17; Vonéche dizagem das estruturas logieas deve ze © Bovet, 1982, p. 89-90) em estruturas lagicas anteriores ¢ que, portan A formulacao tedrica de Inhelder, Sinclair to, 0s mecanismos responsdveis por taisapren- © Bovet ¢ diferente daquela desses primeiros dizagens sao diferentes daqueles de outros con- _StUdos: seu objetivo € estudar o proceso de teddos, entio-a tese empirista também paders — ¢stTuturacao do conhecimento ao longo de va- rias sessGes de aprendizagem. A aprendiza ser des da, Por tiltimo, se os resultados € antes. detido, nest im método gem ¢a ido, nesse ca mostram que nenhuma aprendizagem consis. S67 € antes de tudo, nesse aso, um métoda te apenas em aquisicées extrafdas da expe- Pa" = sd Ss cognitiva, especialmente nos momentos cru- ciais de transi¢o entre um estigio eo seguinte (Inhelder, 1987, p. 667; Vinh-Bang, 1987, p 30). Dois aspectos, nesses mecanismos, siio objeto de particular atencio. O primeiro refere-se as filiagdes entre e: tigios e as conexdes entre diferentes tipos de estruturacio. Essa formulagéio vai além da des- ritncia fisica, mas supoe a intervencao de ins- trumentos légicos, existiré um segundo argu mento contra a tese empirista. Entao se po dera aceitar a posigdo interacionista, defen- dida por Piaget, segundo a qual a interven Gio necessiria do sujeito e dos objetos em qualquer aprendizagem é modulada por fato: res internos de eqruilibracao, QUADRO 2.1 Paradigma experimental d: a) Elege-se uma nego ou uma operagao que eSteja relacionada com uma das estruturas légicas que aparecem ae longo do desenvolvimento, Todas as pesquisas situam-s0 6m torre do périodo das operagoes concrolas. Smedelund estuxal a conservacio do peso ea transtividade de retacéos relativas 20 poso: Mort. inlusao do class a conservaga de conjuntos dlacretos; e Gréco, @ inversao da order. 8) Uma série do provas proliminares (pré-teste) servam para escolher os sujaites 2 estabelecer seu nivel cognitive iniial em relagao a aquisicao da operacdo que se elegeu para a aprondizagom. Podom-se estabolacer. assim varios grupos que se distinguem por sua maior au menor proximidade da aquisi¢ao operatéria em questao. 6) Uma série de tarefas ditorontes so propostas aos sujoitos com 0 abjetivo de comparar sua aficdcia ralativa para a aprendizagem, Algumas dossas tarefas consistem em simples constatagSes repetides (por exemplo, ara a aprendizagem da incluso, constatar que uma subclasse tem menos elementos que uma classe), autras em. manipulagoes livres, outras em excrcicios operalérias (exercicias aparentadas lagicamenta com a operagzio ole ida}, como a soma ¢ a subtragae do unidades ne caso da aprendizagem da conservagiio de conjuntos discratos. 8} Uma série de provas (pés-teste) serve para avaliar se a nogao foi aprendida. e) Alem disso, em algumas pesquisas constituom:se grupos de controle. que nao panicipam das sessoes de opren- dizagem, com 0 objetivo de avaliar 0s progressos esponténeos e compars+-los com os progressos eventuais dos grupos experimontais. a Ss 50 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. crigio do desenvolvimento que propée Piaget em termos de estagios, pois se interessa pelo porqué e pelo como das transigées entre est- gios. Uma primeira maneira de estudar tais transigdes consiste em analisar em detalhe as defasagens horizontais: em ver, por exemplo, se a aprendizagem da conservagio de conjun- tos discretos favorece a conservagio da distin- cia, em geral adquirida mais tarde, Dessa ma- neira, é possivel mostrar, segundo as autoras, quais sao as relagdes de filiacaa entre conteti- dos cujas estruturacées nao séo simulténeas (o que chamam de conexdes “obliquas”), Ou- tra maneira de abordé-las é analisar as cone- xOes “laterais” entre diferentes tipos de estru- turacaio dentro de um mesmo estdgio. Por exemplo, estuda-se se a. aprendizagem da con- servaciio fisica tem repercussOes sobre a apren- dizagem da conservagio geométrica ou arit- meética, para compreender, assim, o papel de- sempenhado por este tipo de transferéncias no desenvolvimento cognitive (Inhelder, Sinclair e Bovet, 1975, p. 35). Tal formulagao permite precisar os resultados dos primeiros estudos, que tinham mostrado © papel desempenhado por estruturas prévias na aprendizagem de novas estruturas sem estudar com detalhe as conexées entre ambas. O segundo aspecto refere-se ao estudo dos processos dindimicos responsaveis pela apren- dizagem e, portanto, pelo desenvolvimento, De maneira geral, esses processos dindmicos po- dem ser estudados analisando as candigbes em que o exereicio ¢ a experiéneia permitem ace. lerar a aquisigao de nogées operatérias: um exercicio operatério tem as mesmas repercus. ses quando se apresenta em sujeitos com ni- veis cognitivos diferentes? De maneira mais de- talhada, a andlise dos ertos, dos conflitos ¢ de sua resolucdo pelo sujeitos nas diferentes tare- fas de aprendizagem poderao ser indicadores importantes dos aspectos dindimicos que fazem os sujeitos avangarem. Esse segundo aspecto da problematiea formulada por Inhelder, Sinclair e Bovet permite abordar de maneira mais precisa 0 papel dindmico desempenhado pele fator de equilibragio no desenvolvimen 10 ¢ na aprendizagem, ‘A metodologia adotada por essas pesqui- sas & semelhante as dos estudos precedentes, As questes mais precisas ligadas As defas: gens, as conexGes © aos conflitos exigem, no entanto, uma formulagao experimental mais matizada (por exemplo, na identifieagao do nivel operatério inicial dos sujeitos), uma ¢s- colha de tarefas de aprendizagem que facam intervir determinadas esquemas (por exemplo, confroniar exercicios de conservagao de con- juntos diseretos com exercicios de conserva do da distancia para estudar a relagio entre 65 dais tipos cle esquemas e, sobretudo, uma andlise mais detalhada dos procedimentos afetives dos sujeitos com seus erros, seus con- flitos e suas oscilagdes. Inclui-se além disso um segundo pés-teste, que permite observar a maior ou a menor estabilidade das aquisicoes avaliadas no primeiro pré-teste, Principais resultados A aprendizagem operatéria é possivel Tanto as pesquisas de Piaget e seus cola- boradores quanto as de Inhelder, Sinclair e Bovet mostram que se pode facilitar a aquisicae de nogdes ou operagdes mediante as sessées de aprendizagem. Esses progressos indieam que possivel conseguir aceleracées* da consirucio operatoria: alguns sujeitos com um certo nivel cognitivo adquirem, depois das sessées de apren dizagem, as competéncias do nivel superior. Esse resultado global contradiz as teses “hereditar as” ¢ “maturacionistas” que postulam que 0 co- nhecimento e seu desenvolvimento se deven exclusivamente a mecanismos internos. A pos- sibilidade de modificar a rapidez de aquisi¢ao de certs nogbes operatérias com a ajuda da ex- periéncia demonstra que o conhecimento ¢ seu desenvolvimento nao sao redutiveis a fatores hereditarios ow A maturagio (Inhelder, Sinclair € Bovet, 1975, p. 295) A aprendizagem operatéria depende do tipo de atividades realizadas pelo sujeito Quando se comparam as aprendizagens baseadas em constatagées empiricas (expe- riéncia fisica) com as que se baseiam em ativi- dades que supdem uma coordenacao de acées (experiéncia l6gico-matematica), nas quais 0 sujeito se exercita em uma tarefa proxima logicamente com a nocio que tem de apren- der, os resultados indicam que a experiéncia fisica € ineficaz para a aprendizagem das es truturas ldgicas. Por exemplo, Smedslund nio constata progressos na aquisicao da transmis- sividade de pesos (prever que se o peso de um primeiro objeto é igual a um segundo e este, igual a um terceiro, o primeiro & necessaria- mente igual ao terceiro) quando os sujeitos participam de sessbes de treinamento que con- sistem em repetidas constatacdes de igualda- de ou desigualdade de pesos em uma balanga. Morf também ndo consegue acelerar a aquisi- cio da incluso de classes (prever que uma subclasse ¢ necessariamente menos extensa que uma classe) quande propie aos sujeitos repetidas constatagées de desigualdade entre uma subclasse ¢ uma classe (comparagGes, por exemplo, da quantidade de liquido vertida em copos amarelos comparada com a mesma quan- tidade de liquido vertida em copos amarelos ¢ azuis), Em compensagio, obtém melhores re- sultados quando submete os sujeitos a um exer- cicio operatério relativo a intersecio. Do mes- mo modo, Wohlwill consegue acelerar a aqui- sicao da conservacao de conjuntos discretos (aceitar que 0 mimero de elementos de dois conjuntos continua sendo 0 mesmo, embora se modifiquem suas disposicdes) mediante exercicios relatives & soma ¢ a subtracao de elementos. ‘Os resultados parecem responder a uma das questes formuladas por Piaget: para aprender uma estrutura légica € preciso ativar outras estruturas légicas, ou seja, utilizar estru- turagdes que nao foram aprendidas no trans- curso das sessées experimentais (Goustard, Gréco, Malaton e Piaget, 1959, p. 181-182). Isso no quer dizer que os exercicios baseados na experiéncia fisica nio desempenham ne- nhum papel na aquisi¢ao de novos conhecimen- tos, pois os resultados das pesquisas de ‘Smedslund ¢ Morf mostram que podem favo- recer a aprendizagem de contetidas fisicos (fa- tos, agdes, regularidades, etc.). Apenas a ex- periéncia fisica ¢ insuficiente para a aquisigao de estruturas operacionais, que requer a inter- vencio de uma atividade légico-matematica baseada na coordenacio de esquemas e de ages, € nao apenas na leitura das proprieda- des fisicas dos objetos. Somente dessa manei. ra, mediante a abstracao reflexiva. que permi- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAO, v2 51 te extrair informacSo das coordenacées das agdes, ¢ ndo apenas dos objetos, o sujeito pode chegar & construcao das estruturas Iégicas (ibidem, p. 179-183). A aprendizagem depende do nivel cognitivo inicial do sujeito As aprendizagens necessitam, portanto, recorrer & coordenagio de aces nao-aprendi- das diretamente nas sessées experimentais, Como as possibilidades de coordenagio mu- dam ao longo do desenvolvimento, a aprendi- zagem se fara em funcio do nivel de desenvol- vimento cognitive do sujeito, Todos as resulta- dos das pesquisas confirmam tal fato. De ma- neira geral, apenas avancam os sujeitos que se encontram em um nivel operatério préximo ao da aquisicio da nocao que vio aprender (nivel chamado “intermediario”, pois esti a meio ca- minho entre a auséncia da nogao ¢ sua aquisi- Go completa). Por exemplo, na aprendizagem da nogao de conservagio de quantidades con- tinuas (afirmar que a quantidade do liquido petmanece a mesma embora mude a forma do recipiente), os sujeitos que se encontram em um nivel de ndo-conservagio antes das sessdes de aprendizagem avangam pouco, diferente- mente da maioria dos que se situam em um nivel intermedidrio (Ibidem, p. 74). A ordem hierarquica das condutas que aparecem nos pré-testes volta a ser encontra- da depois das sessbes de aprendizagem: se um sujeito encontra-se em um nivel superior a ou- tro no pré-teste, tendera também a situar-se em um nivel superior dos pés-testes, ainda que ambos avancem (Ibidem, p. 76). Ao final das sessoes de aprendizagem, a distdncia que se para os niveis dos sujeitos é maior que nos pré- testes, fendmeno que mostra que as situagées ‘experimentais atuam de maneiras diferentes segundo os niveis cognitivos dos sujeitos (Ibidem, p, 295-296). Por tiltimo, os sujeites que, gracas 4 aprendizagem, aleangam o nivel ‘operatério mostram maior estabilidade em sua ‘aquisicao que os sujeitos que s6 conseguem alcancar o nivel intermediario; estes tiltimos manifestam uma certa oscilacio entre © pri- meiro e o segundo pés-teste; alguns retornam a seu nivel anterior, outros avancam esponta, neamente (Ibidem, p. 296-297). Da 52 COLL MAACHESI, PALACIOS & COLS. ‘Ao mesmo tempo, e do mesmo modo que as aprendizagem operatérias que acabamos de descrever, os resultados mostram que a apren- dizagem de fatos, de agaes, de procedimentos praticos ou de leis fisicas também depende do nivel cognitive dos sujeitos, Porexemplo, quan- do se trata de aprender como reunir ordena- damente uma série de pérolas percorrendo um labirinto com virias ramificagoes, os sujeitos de 5 anos, apesar de suas muiltiplas te S, nao conseguem aprender, os de 6 conseguem 0 objetivo progressivamente, os de 11 rapida- mente e, a partir dos 12 anos, a compreensio éimediata (Goustard, Gréco, Matalon e Piaget, 1959, p. 161). Em summa, & medida que mostram que a aprendizagem depende do nivel cognitivo dos sujeitos, esses resultados apdiam a tese funda- mental de Piaget, segundo a qual a aprendiza- gem faz com que intervenham elementos légi- ‘cos que provém dos mecanismos gerais do de- senvolvimento e que nao foram apreendidos ‘apenas em funcao da experiéncia. Os conflitos desempenham um papel importante na aprendizagem Ao analisar em detalhe quais as relagdes entre esquemas que se estruturam em momen- tos diferentes — conexdes obliquas — (pense- mos nos esquemas relatives 4 conservacao de conjuntos discretos comparados com os esque- mas da conservacao da distancia) ¢ entre es- quemas diferentes, mas contemporaneos — co- nexées laterais — (por exemplo, os da inelusio de classes com os da conservagao de quantida- des continuas), Inhelder, Sinclair ¢ Bovet mos- tram 0 papel dinamico que desempenham as coordenagées progressivas entre subsistemas operatérios. © que @ sujeito aprende em um desses subsistemas (por exemplo, no da inclu- so légica) serve para fazer progressos em ou- tos subsistemas (por exemplo, da conserva- ao da substncia), mas tais progressos nao consistem em simples generalizagoes. Produz: se uma verdadeira reconstrucio dos conheci- mentos adquirides em um dominio no novo dominio, reconstrugio que requer novas coor- denagdes entre esquemas. Muitas vezes, essas novas coordenagdes provocam desequilibrios momentineos na con- duta dos sujeitos. Tais desequilibrios sio. per- cebidos pelos sujeitos como conflitos e, inclu- sive, como contradigées. Os resultados mos- tram que, em geral, esses conflitos desempe- nham um papel positive na aquisigao de noves conhecimentos (Inhelder, Sinclair ¢ Bovet, 1975, p. 312). Por exemplo, em uma das pes- quisas, os sujeitos devem construir um cami- nho reto, da mesma distancia que um cami- nho composto por cinco segmentos (0 modelo pode ser um caminho retilineo ou um cami- nho em ziguezague). Os sujeitos, porém, sé dispdem de segmentos mais curtos que os do modelo: se escolhem sete segments conse- guem a mesma longitude que 0 modelo, mas com isso no respeitam a correspondéncia nu- mérica termo a terme, ¢ sc escolhem cinco ele- mentos a distancia é mais curta. Essa incom- patibilidade entre os esquemas de correspon- déncia ordinal (construir um caminho que nao ultrapasse os limites do caminho modelo) e os de correspondéncia numérica (construir um ca- minho com @ mesmo mimero de elementos) nao perturba alguns sujeitos que, conforme as situagées, oscilam entre as duas solugGes sem notar a contradicaio. Outros sentem a incom- patibilidade como um conflito e tentam superi- lo, propondo solugdes de compromisso que mostram as tentativas de coordenar os dois ti- pos de esquemas, em principio irreconciliaveis, Por exemplo, alguns sujeitos quebram um dos segmentos para obter uma unidade suplemen- tar € nao ultrapassar o limite do modelo. Tais conflitas aparecem antes que os sujeitos des- cubram a compensagio operatéria (“é preciso escolher mais elementos porque so menores") e desempenham um papel importante na aprendizagem: 0s sujeitos que néo mostram conflito nenhum avangam menos que os que tomam consciéncia das contradiqées entre os dois esquemas e buscam solugdes de compro- misso (Ibidem, p. 163-204). A importancia dos erros, dos conflites ¢ de sua resolucio na aprendizagem mostra mais uma vez a existéncia de um processo de equi- libragao ~ processo que consiste em conside- Tar uma série de compensagdes em face de desequilibrios momentaneos até conseguir um novo equilibrio gracas a uma coordenacio e a uma integragio mais completa entre esquemas, A importincia que Piaget atribui a processo de equilibragio na aprendizagem operatéria ¢ patente quando, no preficio do livro, comen- tando os resultados obtides por Inhelder, Sinclair ¢ Bovet, evoca trés problemas, a seu ver, resalvidos nfio-completamente: sia est’- veils as aquisigdes obtidas gracas a aprendiza- gem ou desaparecem depois de algum tempo?; 6s avancos obtidos mediante a aprendizagem, mesmo que sejam estaiveis, sito acompanhados de desvios se os comparamos com as aquisi- @Oes espontneas?; sera que as aquisicdes ob- tidas pela aprendizagem podem servir de pon to de partida para novas aquisicdes esponté neas (Ibidem, p. 15)? Pressente-se nessas per guntas a deseonfianga de Piaget quanto as aprendizagens operatorias “artificiais” ¢ seu ce- ticismo diante das tentativas de acelerar o de- senvolvimento cognitive das criangas median- te atividades de aprendizagem. A riqueza ¢ variedade desses resultados no nos devem fazer esquecer suas limitacdes E certo que, em coeréncia com as preocupa- goes basicamente epistemolégicas que e sua origem, os trabalhos de Piaget e seus cola- boradores mostram com clareza que nao é pos- sivel explicar a aprendizagem apelando. para fatores exelusivamente exteriores ou endége- nos, Mas Em compensacdo ndo oferecem uma visao precisa do processo de aprendizagem en- tendido como interagio entre © sujeito, o con- teido da aprendizagem, os seus esquemas cognitives ¢ @ proprio método de aprendiza- gem, muitas vezes mediado por outras pesso: as, Por sua vez, as pesquisas de Inhelder, Sinclair ¢ Bovet especificam alguns desses pontos ao sc centrarem na dinamica da mudanca (coniflitos, eros ¢ contradicbes) e a0 mostrarem a impor- tancia dos contetidos na estruturacao de q) quer aprendizagem. Ainda estamos longe, po- rém, das situagGes didsiticas concretas nas quais aaprendizagem nao depende apenas d: peténcia do sujeito, mas também da maneira como este atualiza sua competéncia de manei- 1a efetiva ¢ do papel desempenhado pelo pro- fessor, em taco © proceso que tenta exercer uma influéncia educativa. com- APERSPECTIVA PEDAGOGICA Recordavamos, no inicio deste capitulo, que Piaget & um bidlogo de formagio que se toma psicdlogo com o objetivo de estudar ques DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, v2 53. tes epistemoldgicas. Vale acrescentar, agora, que seu interesse pelos problemas educacio- nais ou pelas aplicagées da teoria genética a educacio foi secunckirio, como atesta o fato de que entre sua imensa obra — centenas de livros ¢ de artigos de natureza teérica experi- mental - apenas dois livros (Piaget, 1969; 1972) c alguns artigos versem sobre temas es- tritamente educacionais. Isso é tanto mais sur preendente porque Piaget é, sem divida, um. dos pensadores do século XX que mais contri- buiu com sua obra intelectual para enriquecer € renovar © pensamento pedagdgico contem: pordneo. Para entender a aparente contradi- do, & necessdrio consiclerar dois tipos de fato- res, Em primeiro lugar, a coincidéncia histér ca entre a ampla difusdo das obras de Piaget nos anas 1950 ¢ 1960, por um lado, ea preo- cupacao dominante de conseguir uma melho- ria dos sistemas educacionais, por outro, pre- ocupacao promovida pelo desafio cientifico & tecnolégica ¢ favorecida por um periodo de prosperidade econémica. Em segundo lugar, a prdpria natureza da psicologia genética, que Ihe confere um atrativo considerdvel como ponto de referéncia para empreender uma r forma do sistema educacional sobre bases sientificas. De fato, como vimos, a obra de Piaget pro- porciona uma ampla ¢ elaborada resposta, res- paldada além disso por um considerivel apoio empirico, ao problema de como se constrdi o conhecimento cientifico; ao ser formulada em termos de como se passa de um estado de me- nos conhecimento a um estado de mais eonhe- cimento, parece diretamente pertinente para a compreenstio da aprendizagem escolar; dles- ereve a evolucao das competéncias intelectuais desde 0 naseimento até a adolescéncia anali- sando a génese de nogdes e conceitos ~ espa- 0, tempo, causalidade, movimento, acaso, I6- gica das classes, Iogica das relagdes, etc. — que tém uma relacdo evidente com alguns contet- dos escolares, especialmente de matemiitica e de ciéncias; ¢, sobretudo, proporciona uma ex- plicacao dos mecanismos ¢ dos processos que intervém na aquisiczio de conhecimentos no- vos, Se a tudo isso acrescentamos os estudo sobre a aprendizagem cujos resultados resu- mimos anteriormente, poderemos entender sem dificuldade o enorme interesse que des perta a psicologia genética no contexte dessas 54 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. tentativas de reforma da educagio escolar, Des- sa maneira, ¢ de forma um tanto afastada dos interesses mais diretos de Piaget - cpistemolé- gicos em primeiro lugar e psicolégicos de for- ma subsididria -, produz-se muitas vezes uma aproximacao da psicologia genética motivada essencialmente por problemas educacionais. As aplicagdes educacionais da psicologia genética caracterizam-se porseu volume ¢ tam- bém por sua diversidade: diversidade de con- textos educacionais (educagie familiar, edu- cacao escolar, educacio extra-escolar, etc.); di- versidade de niveis de ensino (pré-escolar, en- sinos fundamental e médio, ensino superior, etc.); diversidade de contetidos (matematica, ciéneias naturais, ciéncias sociais, linguagem oral, leitura, escrita, etc.); diversidace de pro- bleméticas (diferencas individuais, educagio especial, elaboragio de materiais didztieos, farmacio dos professores, etc.) ¢ diversidade dos aspectos do processo educacional em ques tao (objetivos, contetidas, avaliacdo, método de ensino, etc.). A seguir, descreveremos bre- vemente 0s trés tipos de aplicagées diretas da psicologia genética que, a nosso ver, tiveram, maior impacto na teoria e na pratica educacio- nais, o que nos permitiré identificar, junto com as repercussoes altamente positivas de todas elas, os problemas mais estimulantes com os quais se deparam as tentativas de utilizar a psicologia genética no Ambito edueacional.+ O desenvolvimento cognitive e © objetivos da educagao escolar Como mencionamos, para a psicologia ge nética, o desenvolvimento consiste na constru- cdo de uma série ordenada de estruturas inte+ ectuais que regulam as trocas funeionais ou comportamentais da pessoa com seu meio. AO mesmo tempo, a ordem de construgio dessas estruturas tem um certo carter univer: pete-se em todos os individuos da espécie hu- mana, embora possa apresentar certas defasa- gens temporais entre um e outro - ¢ responde a0 principio de equilibracéo majorante: cada estrutura assegura um equilibrio mais mével, mas estivel e capaz de compensar mais per- turbagées que a anterior, Cada estrutura per- mite maior riqueza de trocas e, portanto, mai- or capacidade de aprendizagem que a anteri- or Se ¢ assim, isto é, se o desenvolvimento con- siste na construgao de uma série de estruturas que determinam a natureza e a amplitude das trocas da pessoa com seu meio e que, além dis- so, sucedem-se invariavelmente respeitando a tendéncia a um equilibrio melhor, podemos coneluir, entio, que o objetivo tltimo da edu- cacao deve ser estimular e favorecer a cons- trugio de tais estruturas No caso da educagdo pré-escolar, por exemplo, a acao pedagégica sera entao dirigida fundamentalmente a estimular e a favorecer a construcio das estruturas operatérias concre- tas e as competéncias que as caracterizam: reversibilidade, juizo moral auténomo, recipro- Jade nas relagdes, coordenagao das pontas de vista, etc. Do mesmo modo, no ensine fun: damental, o principal objetivo consistira em estimular ¢ favorecer a construcio progressiva das estruturas operatérias formais e as compe- téncias cognitivas, afetivas e relacionais que as caracterizam. Em geral, qualquer que seja 0 nivel de ensino em que nos situemos, a educa- cao escolar ter como meta contribuir para que os alunos progridam por meio dos sucessivos estaigios au niveis que configuram o desenvol- vimento. Desse modo, todas as decisées didé ticas - desde a selecio de contetidos ¢ a org: nizacdo de atividades de aprendizagem até as intervengées do professor ou os procedimen- tos de avaliagio ~ estaa subordinadas ao éxito deste objetivo. 0 fato de recolocar as aprendizagens es- colares no marco mais amplo dos processos de desenvolvimento ¢ de conceber a educacio como uma contribuigio a esses processos cons- tituiu, sem dtivida nenhuma, um dos aportes mais importantes da psicologia genética a teo- ria e a pratica educacionais contemporaneas, A proposta de nomear o desenvolvimento ~ mais especificamente 0 desenvolvimento en- tendido como um proceso de construcao de estruturas progressivamente mais méveis, mais estaveis ¢ mais capazes de compensar possi- veis perturbacées — como © principal objetivo da educagio escolar tem, porém, alguns peri- gos dbvios ¢ pode conduzir facilmente a for- mulacées erréneas, Assim, por exemplo, pade-se chegar a es- quecer que a educagao escolar, como todo tipo de educagao, é essencialmente uma pritica so cial e entre suas funcées ocupa um papel de Televo: a transmissao dos saberes historicamen- te construidos e culturalmente organizados. E totalmente incorreto extrapolar a tendéncia natural A equilibrago majorante que caracte- riza a construgao das estruturas cognitivas 4 construgio dos saberes culturais que os alunos devem realizar no tanscurso de sua escolari: dade. A realizacio de determinadas aprendi zagens especificas — por exemplo, 0 conheci- mento dos valores ou das normas que regem no grupo social, @ conhecimento do ambiente fisico ou o dominio da lingua escrita — podem ser tio determinantes da natureza e da ampli- tude das trocas reais que a erianga pode ter com seu meio quanto as competéncias cogniti- vas que Ihe confere 0 fato de ter alcangado um certo nivel de desenvolvimento. O nivel de desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem Um dos resultados mais contundentes das pesquisas de Piaget e seus colaboradores é, como vimos, que a capacidade de aprendiza- gem depende do nivel de desenvolvimento cog- nitivo do sujeito. A possibilidade de que 0 alu- no consiga realizar uma determinada aprendi- zagem obviamente é limitada por seu nivel de competéncia cognitiva. Assim, por exemplo, sabemos que as criancas de nivel pré-operaté- tio no podem aprender as operagbes aritmé- ticas elementares porque nao possuem ainda 6s instrumentos intelectuais que essa aprendi- ‘zagem requer; ou que as criangas que se situam em um nivel de desenvolvimento operatério concreto so incapazes de raciocinar sobre 0 possivel e que, como conseqiiéncia disso, difi- cilmente conseguem realizar aprendizagens ¢s- pecificas que impliquem, suponhamos, os con- ceitos de probabilidade ou de acaso. Eaconselhavel, portanto, analisar os con- tetidos da aprendizagem escolar com o objeti- vo de determinar as competéncias cognitivas necessirias para poder assimilé-los correta- mente. Quando se forga um aluno a aprender um contetido que vai além de suas capacida- ées, muito provavelmente o resultado, se é que seobtém um resultado, sera a pura memoriza- do mecanica ou a compreensao incorreta. Os niveis do desenvolvimento identificados pela psicologia genética, porque definem niveis de DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAD, V2 55 competéncia cognitiva que determinam o que © sujeito pode compreender, fazer ou apren- der em um determinado momento, sio titeis como ponto de referéncia para selecionar os contetidos de ensino. Ao mesmo tempo, ofere- cem critérios sobre a ordem ou a seqiiéncia a seguir na apresentacao dos contetidos em fun- cio da hicrarquia de competéncias cognitivas que sua aprendizagem pressupée. Um exem- plo tipico disso é a hierarquia de competénci- as cognitivas que aparece na construgio do es- pago representative. As pesquisas psicogené- ticas mostram que a crianca compreende ¢ uti- liza em primeiro lugar as propriedades topolé- gicas e s6 depois ¢ capaz de dominar as pro- priedades projetivas ¢ euclidianas. Essa desco- berta pode servir, entao, de ponte de partida para um seqiienciamento dos contetidos do ensino da geometria que leve em conta tanto as idades médias de compreensao dos diferen- tes tipos de relagdes especiais como a ordem psicogenética observada. Durante as tiltimas décadas, os progra- mas escolares adaptaram, progressivamente, a complexidade conceitual dos contetidos pro- postos ¢ sua ordem de apresentacao ao nivel de desenvolvimento médio dos alunos ¢, por- tanto, A sua capacidade de aprendizagem. Ain- da que uma andlise minuciosa dos programas atuais permitisse detectar a persisténcia de al- guns desajustes, em termos gerais o grau de adequacio que se conseguiu bastante alto. O papel desempenhado pela psicologia genética na conquista desse éxito foi, sem qualquer tipo de dtivida, de primeira importincia. A adequagio dos contetidos as compe- téneias cognitivas dos alunos, porém, é um recurso didatico que apresenta algumas lit tagdes claras. A primeira limitagao tem sua origem ne fato de que as idades médias em que se aleancam os niveis sucessivos de com- peténcia cognitiva tém apenas um valor indi- cativo. Embora a ordem seja constante para qualquer sujeito, nao é estranho encontrar va- riagdes — atrasos ou antecipagdes com rela- io A idade média — de até trés ou quatro anos, dependendo do meio sociocultural e da hi téria pessoal dos sujeitos. Assim, 0 seqiien- ciamento dos contetidos com base nas idades médias em que os alunos alcancam as compe- téncias cognitivas necessarias para sua apren- dizagem pode dar lugar a desajustes impor- $36 COLL MARCHES), PALACIOS 4 COLS. tantes quando se apliea a casos particulares. Uma alternativa a tal dificuldade consiste em avaliar, antes de se comegar o ensino, as com- peténcias cognitivas dos alunos, de maneira que seja possivel determinar com precistio os contetidos que podem assimilar e os que es capam as suas possibilidades reais de com- preensio. Tal avaliacio é realizada fazendo com que 0s alunos resolvam um conjunto de tarefas ou provas operatérias, que nao sao senao uma verso padronizada ou semipadro- nizada das tarefas experimentais utilizadas originalmente por Piaget ¢ seus colaborado. res para estudar a génese da competéneia in- telectual. O diagnéstico operatério, como se costuma denominar esse tipo de avaliagio, po- rém, apresenta alguns inconveniente cos, metodolégicos ¢ praticos que dificultam extremamente sua utilizagao generalizada.* Uma segunda limitagao, até mais impor- tante que a anterior, é que muitas vezes nao é cil determinar com exatidao as competén- cias cognitivas que atuam como requisitos na aprendizagem de contetidos escolares concre- tos, Em geral, pode-se dizer que o nivel de de- senvolvimento cognitive atu como uma con- digdo necessiria, mas nao suficiente, para a aprendizagem dos contetidos escolares. Assim, por exemplo, a aprendizagem que um aluno conseguiu realizar sobre o funcionamento do sistema respiratério ou o funcionamento das instituigdes que regulam a vida municipal ¢ ob- viamente condicionada por sua capacidade cognitiva; se estiver em um nivel de desenvol- vimento pré-operatorio, sua compreensiio des- ses contetidos sera naturalmente muito mais clementar do que se estiver em um nivel de desenvolvimento operatério conereto, ¢ neste segundo caso, por sua vez, ser mais elemer tar do que se for capaz de manejar operagdes formais, Nao é facil determinar, unicamente a partir dessa constatacao, 0 momento mais ade- quado para a introducao dos conteados men- cionados no curriculo escolar. A decisiio tera de levar em conta também outros aspectas, como, por exemplo, as atividades prévias ne- cessarias = tio necessdrias como um certo ni- vel de competéncia cognitiva — para alcancar uma compreensio minima do funcionamento do sistema respiratorio ou do funcionamento das instituigées municipais. Em resumo, a and- lise dos contetidos escolares em termos de com- teori- 0 ponentes operatérios — nao esquecamos que Piaget define a competéncia cogni mos de estruturas operatérias ~ permite deter- minar em linhas gerais o momento a partir do qual os alunos tém a capacidade intelectual minima necesséria para iniciar sua aprendiza gem, mas nao pode proporcionar per si sé os critérios para decidir sua localizagio precisa no curriculo_ ‘A tomada de consciéncia de que os con- tedidos escolares tém um alto grau de especifi- cidade e de que, conseqiientemente, sua cons- trucao nao pode ser entendida como um refle- xo puro e simples do processo geral de cons- tugio das estrururas intelectuais ~ que sio, por definiedo, néio-especificas ¢ relativamente universais — levou alguns pesquisadores a for- mularem de maneira inovadora o tema da ade- quagao entre contetidos escolares ¢ niveis de construcae psicogenética. Basicamente, tal enfoque consiste em analisar como se cons- troem os conhecimentos relativos a determi- nados contetidos escolares tipicos. A hipétese inicial é que, do mesmo modo que Piaget e seus colaboradores tragaram uma génese das cate- gorias basicas do pensamento que regulam as trocas entre 0 sujeito eo meio, é possivel tra- car a génese de nogées muito menos univer- sais que, no entanto, ocupam um lugar de des- taque no curriculo escolar. Assim, por exem- plo, se conseguimos saber com detalhe como 05 alunos constrocm progressivamente o siste- ma da lingua escrita (Ferreiro ¢ Teberosky, 1979) ow as estruturas aditivas elementares (Vergnaud, 1981), estaremos em condigées nitio apenas de conseguir um ajuste mais preciso entre esses contetidos © os niveis respectivos de construcao psicogenética, mas também de intervir mais eficazmente para favorecer sua aquisi¢iio. Essa linha de trabalho abriu uma perspectiva promissora no panorama de aplica- goes da psicologia genética & educacio escolar, cujo alcance pritico ainda é dificil de precisar. © funcionamento cognitivo ea metodolagia do ensino Jé vimos que, segundo Piaget, o conheci- mento é sempre o resultado de um processo de construcio. Afirmar que o conhecimento & construido equivale a contemplar 0 ato do co- nhecimento como uma apropriaciio progressi va do objeto pelo sujeito, de tal maneira que a assimilacao do primeiro as estruturas do se- gundo é indissociivel da acomodacio destas tiltimas as caracteristicas do objeto. O constru- tivismo genético é inseparsivel da adogao de um ponto de vista relativista — 0 eonhecimento é sempre relative. a um momento determinado do processo de construgae—¢ de um ponto de ‘vista interacionista — 9 conhecimento surge da jinteragao entre as esquemas de assimilacae ¢ ‘as propriedades do objeto — na explicagée do funcionamento cognitivo. ‘A explicacaio de Piaget de como se passa de umestado de menos conhecimento para um estado de conhecimento mais avancado ofere- ce miltiplas sugestées para o ensino: a apren- dizagem escolar nao consiste em uma recep- ‘Go passiva do conhecimento, mas de um pro- cesso ativo de elaboragio; os erros de com- preensiio provocados pelas assimilagées incom- pieias ou incorretas do contetido sao degraus necessdrios ¢ muitas vezes titeis desse proces- 30 ativo de elaboragio; o ensine deve favore- cer as interagées multiplas entre o aluno € os contetidos que tem de aprender; o aluno cons- 1r6i 0 conhecimento por meio das agées efeti- vas ou mentais que realiza sobre 0 contetido de aprendizagem, etc. Junto a esses principi os, que algumas vezes significaram um respal- do € um aprofundamento de formulagées pe- dagégicas inovadoras presentes no panorama educacional desde principios do século, o cons- trutivismo genético deu lugar a duas interpre- tacdes globais do ensino que tiveram uma am- pla difusao e que, na linha de D. Kuhn (1981), chamaremes respectivamente de “interpreta- do construtivista em sentido estrito” e “inter- pretagio do desajuste étimo”. A interpretacio construtivista em senti- do estrito da énfase aos processos individuais e endégenos de construcio do conhecimento e apresenta a atividade auto-estruturante do aluno — atividade cuja origem, organizagio e planejamento correspondem ao aluno — como ‘ocaminho melhor, se néio tinico, para que este possa realizar uma verdadeira aprendizagem. Desse modo, a ace pedagdgica teri como fi- nalidade criar um ambiente rico ¢ estimulante no qual ele possa se desenvolver sem limita- es & sua atividade auto-estruturante. Para- fraseando Duckworth (1981), as intervengoes DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAD, v2 ST do professor deverdo dirigir-se fundamental- mente para criar situagées pedagégicas de tal natureza que os alunos possam produzir “idéias maravilhosas” ¢ possam explori-las até onde sejam capazes. A interpretacao construtivista em sentido estrito da aprendizagem escolar ins- pirou programas pedagdgicos dirigidos funda- mentalmente & educacio pré-escolar e aos pri- meiros anos do ensino fundamental. Em com- pensagio, sua implementacao nos niveis de en- sino nos quais a aprendizagem de contetido especificos rém um peso maior foi menos fre- Giente, talvez por problemas especificos que se colocam nesse casa. De fato, como todo pro- fessor sabe, muitas vezes nao basta par o alu- Ro em contato com o objeto de conhecimento e criar as condicées necessirias para que pos- sa exploré-lo. A maioria dos contetidos que se trabalham na escola, sobretudo a partir de um certo nivel de escolaridade, possuem um nivel de complexidade tal que é muito dificil sua assimilagao sem um tipo de ajuda muito mais dircta e focalizada que aquela que parece su- gerir a formulagao exposta, A interpretagio do desajuste étimo, por sua ver, da énfase a natureza interativa do pro- cesso de construcio do conhecimento. A idéia essencial é que, se 0 contetido que o aluno deve aprender esta excessivamente distante de suas possibilidades de compreensio no se produ- zira desequilibrio nenhum em scus esquemas ou se produzira um desequilibrio de tal nate- reza que qualquer possibilidade de mudanga ficard bloqueaca, Em ambos os casos, a apren- dizagem seré nula ou puramente repetitiva. Mas se o contetido que o aluno deve aprender estd totalmente ajustade as suas possibilidades de compreensao, também nao se produzira de- sequilibrio nenhum ¢ a aprendizagem ser’ de hove nula ou muita limitada. Nos dois extre- mos existe uma zona na qual os contetidos ou as atividades de aprendizagem sio suscetiveis de provocar uma defasagem étima, isto é, um desequilibrio manejavel pelas possibilidades de compreensao do aluno. f nesta zona que deve situar-se a agio pedagdgica, A interpretagio do desajuste Grime apre- senta pontos de contato com outros enfoques da aprendizagem escolar ~ por exemplo, com a teoria da aprendizagem verbal significativa de Ausubel e scus colaboradores ¢ com as co rias dos esquemas que so expostos em outros 58 COLL MARCHES! PALACIOS & COLS. capitulos deste mesmo volume — e proporcio- nam uma diretriz titil para o projeto do ensi- no. Além disso, tal interpretacao, ao dar énfa- se A natureza interativa do processo de apren- dizagem, conduz inevitavelmente a por em pri- meiro plano o papel do professor como agente mediador entre os contetidos do curriculo es- colar, por um lado, € 0 aluno que constréi o conhecimento relative a esses contetides, por ‘outro. Mas a tomada de consciéncia do papel essencial do professor no marco dos postula- dos construtivistas da psicologia genética abre novas perspectivas de pesquisa ¢ de aplicagio pedagdgica que jd escapam ao objetivo deste capitulo.® Em resumo, a psicologia genética, ¢ mais expecificamente sua concepeao dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento, tive- ram amplas repercussées sobre a teoria e 2 pra- tiea educacionais. Alguns de seus aportes sig- nificaram éxitos importantes e conheceram um grau de difusdo tal que passaram a fazer parte da bagagem pedagégica contemporanea. As li- mitagoes que mencionamos, ¢ que impedem que possa proporcionar uma visio de conjun- to da aprendizagem escolar, no sio em sua maioria limitag6es intrinsecas, mas antes limi- tagées derivadas do fato de que os problemas que estuda ¢ as formulagées que adota siio pre- sididos por preocupagies essencialmente epis- temolégicas um tanto distantes da problem- tica educacional (Coll, 1996a, 1998c). Esse dis- tanciamento manifesta-se particularmente nos seguintes pontos: enquanto a psicologia gené- tica estudou a construcio das estruturas do pensamento mais gerais ¢ universais, que so até certo ponto independentes das caracteris- ticas concretas do contexto no qual se produz © desenvolvimento, a aprendizagem escolar consiste na construcio de conhecimentos que tém uma natureza basicamente social e cultu- ral; enquanto a psicologia genética concebe 0 desenvolvimento € a aprendizagem como 0 re- sultado de uma interacao constante entre 0 su- jeito ¢ o objeto, na aprendizagem escolar 0 pro- blema reside em saber como o professor pode exercer uma influéncia sobre o processo de cons- trugio do conhecimento ao aluno atuando como mediador entre este ¢ © contetido da aprendi- zagem; enquanto a psicologia genética propor- ciona uma descriqao e uma explicagao dos pro- cessos individuais de desenvolvimento e de aprendizagem, a educacao é uma atividade es- sencialmente social, relacional e comunicativa que torna possivel que os membros da espécie humana se desenvolvam como pessoas no con- texto de uma cultura, isto é, com outras pesso- ase gracas A ajuda que recebem de outras pes- soas. Contudo, feita essa ressalva, o constru- tivismo genético, e muito particularmente sua explicagao do funcionamento intelectual, con- tinua sendo ainda hoje uma das principais fon- tes de referéncia dos enfoques construtivistas em pedagogia ¢ em educagao. NOTAS 1, Junto com a consulta dos titulos originais de Piaget, remetemos o leitor interessade em aprofundar-se em suas idéias ¢ formulagdes a uma seleg3o de textos de Piaget para educa- dores (Coll, 1985) ¢ a uma recopilagio de tra- balhos editados pela revista Substrarum (Marti, 1996) por ocasio des atos comemorativos do centenario de seu nascimento. 2. Para uma descrigdo detalhada de cada um des- ses estigios, assim como das estruturas légico- matematicas que os caracterizam, podem ser consultados os Capitulos 3, 7, 12.¢ 17 do Volu- me 1 desta obra. 3. Otermo “aceleragio”, como assinala Vinh Bang (1985), éambiguo e costuma ser utilizado em diferentes contextos. Aqui nds o utilizamos como sinnimo de qualquer progresso obser- vado em uma aquisigie operatéria gracas A aprendizagem. 4, Aliteratura sobre as aplicagdes pedagégicas da psicologia genética é muito extensa. Entre as Publicacdes em lingua castelhana, sugerimos a consulta dis compilagées de Coll (1983), Mo- reno 1983) ¢ Castorina ¢ outros (1998), como também os trabalhos de Delval (1983, 2000). 5. Entre as dificuldades que tornam praticamen- te impossivel a utilizagio generalizada dos pro- cedimentos de diagnéstico operatério como ins- trumento para determinar as competéncias operatérias dos alunos previamente ao ato de ensino, vale citar as seguintes: elevado custo de tempo devido a necessidade de aplicacao individual: auséncia de uma padronizagio das provas e de uma tipificagso das condutas; exis- téncia de defasagens entre provas que teorica- mente apresentam o mesmo nivel de comple- xidade; dominio do método clinico-critico de DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAO, v2 59 perguntas como requisito para sua aplicago; 6. A teoria da aprendizagem verbal significativa necessidade de um conhecimento profundo da de Ausubel € exposta no Capitulo 3 deste vor teoria genética para poder interpretar correta- lume, © as teorias dos esquemas, no Capitulo mente as condutas dos sujeitas ¢, por ultimo, 4, Além disso, no Capitulo 17, analisa-se com auséneia dé uma correspondéncia estrita en certo detalhe a interagao professor-aluno e sua tre 05 contetidos escolares e as nogies explo- incidéncia sobre a aprendizagem escolar ¢ a radas mediante as provas operatérias. construgo do conhet ento na sala de aula,

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