You are on page 1of 9
0 Gaphicn 96 A HISTORIA CONTADA A PARTIR DO DESENHO Glducia Maria Costa Trinchao Lysie dos Reis Oliveira RESUMO Este texto procura estabelecer uma postura multidisciplinar na apreenstio do Desenho. Isto se dé medida ‘em que se observa sua relagao dialética no campo de conhecimento das disciplinas que tém como fio condator a Historia. Assim, Desenho e Hist6ria sero aqui relacionados por uma intengio comum: a de transmissao. Percebe-se que quando esta relago € aceita diminui a lacuna conceitual ¢ metodolégica que atravessa os campos em que Desenho e Histéria necessitam de uma releitura eritica ABSTRACT The Objective of this study is to establish a multi-subject position concerning the dialectical relation existent in fields of knowledge conducted by History. So, History and Drawing can be joined by their mutual intention: the transmission. When this idea is learned, the conceptual blank diminishes and subjects crossing with Drawing and History can be read under a new light. INTRODUCAO Este texto objetiva discutir coneeitos e teorias relacionados ao Desenho num espectro multidisciplinar e, assim, questionar a lacuna existente na concepgao do Desenho como mero instrumento que auxilia as demais disciplinas aele relacionadas. Trabalhamos com a hipétese de que o Desenho esté além da sua instrumentalidade, sendo no mundo Ocidental a mais antiga forma de expressao humana. Desta forma, consideramos que o ato de desenhar nfo 6 s6 uma forma de expresso, como também traz em si, a idéia de perpetuar como uma forma de registrar, Por outro lado, quando pensamos o cardter da Histéria, seja ela qual for, percebemos que cla nio é um continuum de-acontecimentos homogéneos-¢-vazios. A Historia, tal como 0 Desenho, é registro. E, enquanto registro, carregam consigo uma espessa camada de acontecimentos que esperam do futuro uma releitura criti- cca. Portanto, carregam uma I6gica em comum- a de transmissao. E a partir deste entendimento que se concebe © Desenho contando a Hist6ria das civilizacdes e a Hist6ria sendo contada pelo Desenho das civilizagdes, Assim, consideramos que ambos sao canais de transmissao relacionados, partindo desta unido, uma série de procedimentos que incidem na forma multidisciplinar com a qual o Desenho ¢ Hist6ria, quando unidos, sio reinterpretados. Dentre estes, questionaremos os ideais de imitagao, restauracio e rememoragao, através do préprio conceito de preservacao imbufdo na acdo de desenhar ou reler a hist6ria. Consideramos que através de releituras mais eriticas, 0 Desenho pode revelar versdes de interpretagio da Hist6ria pouco conhecidas. Por 156 Anas do Grephice 98 fim, esperamos contribuir com aqueles profissionais do ensino que esperam despertar, a partir do Desenho e da Hist6ria, uma nova sensibilidade na construgio do futuro que pode olhar o passado além das aparéncias. ara tanto, faz-se necessério indicar duas premissas teGricas que direcionaram essa discusséo: Histéria e Desenho. A princfpio, aceita-se o Desenho como uma linguagem de comunicagao.’ Por este prisma, 0 Desenho “imtento, intengao, desejo, plano, projeto ¢ propésito”.? Assim, o ato de desenhar é aqui compreendido como a arte de liberar e compartilhar emogdes para/e com 0 mundo. Portanto, o Desenho é, sobretudo, canal de ‘comunicagao. ‘4 Hist6ria pode ser compreendida como vestfgios de um passado que nfo esté intacto, € constitutivo espera ser avaliado criticamente, para revelar uma Hist6ria que no aquela revestida de verdades absolutas. Esta avaliagdo, baseada na critica, converte-se na prética da preservacdo, numa experiéncia de salvagio, possi- bilidade, intimamente, ligada & concepgdo que Walter Benjamin tem de liberdade, ou seja, liberar, no presente, ‘as qualidades-nao reveladas-de-um passado-expressivo-que-aguarda-ansioso-o'momento de sua libertaco. A referida libertagao nao é possivel se as obras do passado forem desassociadas do contexto hist6rico em que se inserem. Assim, entende-se que qualquer intervengo sobre o objeto de importancia hist6rica - o Desenho, por exemplo - merece uma interpretagao critica dos interesses que se colocam diante dos conflitos entre classes que fomnecem a ldgica da Hist6ria das éreas de conhecimento que trazem 0 Desenho como instramento. Por outro lado, deve-se notar que no interior desta “logica” esteve sempre presente 0 confronto entre a mudanga € a ‘permanéncia no devir hist6rico dos interesses entre classes antagénicas®. Percebe-se com isso que o Desenho, enquanto entidade hist6rica, e a propria historia € interpretagaio, também, se coloca como um texto a ser apreendido, decodificado. Nao s6 por estar relacionado com preexisténcias, como também por condensar toda uma série de imagens, com seus resultados e significados multifacetados. A composigio deste sistema tem uma figura disciplinar complexa ¢ aberta a interpretagao. ‘Walter Benjamin indica que a condico anterior & explicagao de uma obra € a revisio do processo de sua transmissio, ou seja, é, antes de tudo, desconfiar da historiografia vigente*. Lembramos que neste caso, os registros grificos e a iconografia possibilitam releituras hist6ricas das marcas do passado. Diante deste exerci T Aceita.ce que linguagem € 0 uso de signos que servem & expressto e comunicagio individual ou entze individuos; pode ser percebida pelos diversos érgios dos sentides, seja por meio de palavra articulada c escrta, ou pela representaglo gréfie, pela jrogramagao projetada para interpretago e, mais recentemente, através do vso direto do computador. EMORAIS apud GOMES, Luis Vidal Negreiros. Desenhismo. 2.ed, Santa Maria : UFSM, 1996. 120p. p.37 5 As madangas estruturais sempre foram de interesse das classes dominadss numa eterna tentativa de reverter sua condigfo de vencidas; a manutengdo do poder sempre foi de interesse das classes que mantiveram a hegemonia, "0 conceito benjaminiano de Historia néo tem como foco principal a Histria social - na qual se insere grande parte da Hist6ria urbana ~assim como nio se objetiva numa postura de critica enderecada & Historia da arte ou a qualquer outa categoria de Historia, ‘A sua andlise caracteriza uma revisto ctica da Histria da literatura que pode ser vista como uma andlise que se expande & compre ‘ensio geral da Historia, Segundo Oxlete Dourado, “para Benjamin, Histéria no sentido estrito € o esforgo de recuperagdo da exper Zncia do passado contra um mundo que a redu2 a um presente sem passado. Passado ritualizado no presente.” (Benjamin apud ourado, 1989:68). Com efeto, as teses de Benjamin sobre e Histria redundam em um problema teérico que busca o questionamento de como pensar 0 tempo hist6rieo. Aspectos que assumem extrema importancia no Restauro; disciplina intimamente relacionada & teoncepedo do tempo. A intervengio que se dé sabre o objeto, que & uma entidade historica, trxz como problemdtica implfcita a ‘eleitura do passado e 0 decidir sobre o méiodo de insergo de novos fatos que, conseqientemente, passam a atuar na Hist6ri, 157 Ansis do Geuphicn 98 cio preciso descotar 0 micieo do passado de um invlucro de imagens preestabclccidas ou mesmo reproduzidas, através da técnica apoiada na midia e na publicidade que ofuscam os conflitos e as foreas que atuam em nome de uma verdade a ser marcada na Histéria, seja ela da arte, da arquiterura, do design, da moda, etc. Melhor dizendo, concebe-se 0 objeto antigo como parte de um processo hist6rico de longa duragio, pode ser entendido que o passado, tal como foi um dia, é ireversfvel. Assim, deve-se aceitar que as mudancas do presente no sejam mais que ajustamentos que devem, sobretudo, permitir 0 didlogo eritico entre temporalidades distintas ue esperam um reencontro. Os registros gréficos carregam consigo esta possibilidade, so interpretdveis endo {1ém uma s6 versio; ousariamos dizer que guardam uma aura alegérica que espera do futuro uma compreenséo mais critica e menos passiva, em tomo das mensagens que podem revelar. O DESENHO E A PRESERVACAO Tal qual o Desenho, a Histéria guarda consigo uma caracteristica de transmissio, de perpetuagao. Através do Desenho, temos a possibilidade de reler varias Hist6rias, dentre elas, destacam-se: a Historia da Arquitetura, do Urbanismo, da Moda, da Pintura, da Caricatura, da Gravura e de todos as demais reas em que 0 Desenho tenha sido a linguagem usada. Neste contexto, seria impossivel negar 0 cardter do Desenho enquanto lingua- gem e sua importancia na Hist6ria da humanidade. Arendt(1988:74) ao analisar 0 conceito de Hist6ria Antiga e Moderna, coloca como uma “categoria da existéncia humana’ Ela se refere & “ est6ria falada” dos feitos e sofrimentos passados por Ulisses que ao ser transformado em poesia , torna-se objeto a partir do momento em que passa a ser ouvida por todos, tornando- se assim um registro mais antigo do que a palavra escrita. O que antes era ocorréncia passa a ser Hist6ria € 0 registro pela palavra passa a ser em esséncia a pura“ imitagao da aco”, A denominada Hist6ria Ocidental inicia-se a partir da concepedo de Herédoto ¢ bascia-se na relagio entre Histéria e natureza? onde a imortalidade® € 0 denominador comum ¢ a conexao entre elas ndo se constitui em uma oposi¢do. Arendt propde para Histéria uma concepgao que vem dos gregos, na qual esté implicito um conceito de preservagao. Para os antigos, gregos e romanos, a preocupagao com a imortalidade € Sbvia, pois que hhé uma indicago de que deve se “salvar os feitos do homem da futilidade que provém do ouvido”, Neste sentido, pretende-se preservar tudo que deve sua existéncia ao homem para que este conjunto possa ser admirado na pposteridade’ , Parte dat ideal de preservar o mito, através da contemplacao da natureza, da esséncia do ser, da idéia de existéncia e da continuidade da humanidade. A imortalidade passa a ser um conceito de preservaao. 5 Bm Arendit (1988: 70) Natureza, na concepeio grega, “compreende todas as coisas gue vim a existir por si mesma, sem a assistencia de homens ou de Deuses” Da mesma forma, em Arendit (1988:78) a" Imortalidade é o que a natureza possui sem esforco e sem assisiencia de ninguém, € imortalidade é, pois o que ot mortais precisam tentar alcangar se desejam sobreviver ao mundo em que nasceram, se desejam sobreviver ds coisas gue 9s circundam, e em cuja companhia foram admitidos por pouco tempo." *O homem conceito ¢ imorsl por pertencer 20 mundo das idéias, a mundo real. Logo, s20 0s seus feltos que deverio ser imortalizados pela Histéria. Os homens criam formas mas 0s conceitos esto na natureza,sGo imorais. Seas coisas da natureza existem para sempre ‘io precisam da recorda¢o humana para perpetuarem no tempo. 158 ‘nals do. Graphics 98 Ainda hoje, questiona-se 0 que levou o homem pré-histérico a representar objetos de seu cotidiano nas pedras das grutas e cavernas em que viveram. Muitas destas representagdes foram exaustivamente analisadas ¢ estruturadas sobre conceitos diversos. Alguns defendem estas representagdes, enquanto provas da necessidade do homem pré-hist6rico em perpetuar sua passagem por determinado ambiente, em outros, a defesa estratura- se sobre a idéia da representagéo, como sendo uma caracteristica inerente & condigéio humana, independente dos seus significados nos diversos periodos em que foi realizada sua releitura. Para Hannah Arendt, em ‘Entre 0 passado e o futuro’ (1988:74), a Hist6ria €uma “categoria da existéncia humana”. A “est6ria falada”, 6 o registro mais antigo do que a palavra escrita. A est6ria falada teve infcio com a transformagiio dos feitos e sofrimentos passados por Ulisses" em poesia. Tornaram-se objeto a partit do mo- ‘mento em que passaram a ser ouvidos por todos. © que antes era ocorréncia passou a ser Histéria ¢ 0 registro das ocorréncias, pela palavra, passou a ser em esséncia a pura “imitagao da ago.” ‘© Desenho nao esté dissociado da Hist6ria da humanidade, pois, mais antigo ainda que-a Historia falada eescrita € a Historia, através do registros gréficos, magicos ¢ ritualistas do cotidiano do homem das cavernas. ‘A sua “imitagdo da agao”, ao representar 0 cotidiano, expressava uma manifestagao do designio, de comunica- ‘go com os espiritos danatureza. A intencionalidade, o desejo magico de apreensao e enfraquecimento da caga via expresso gréfica, talvez nao trouxesse nenhuma intengao, no entanto, a expressao gréfica deste homem estava associada a sua propria existéncia, conseqientemente, estava revelando ao futuro os primérdios da vida humana e nisso esté embutida a idéia de preservacdo. O DESENHO E 0 DEVIR HISTORICO ‘© homem das civilizagdes passadas, na Ansia de preservar a sua imortalidade ¢ demarcar a sua trajetéria Hist6rica, deixaram registrados vérios cédigos de linguagem: a falada, a escrita e, principalmente, a gréfica. Foram registros que posteriormente serviram para direcionar algumas interpretagdes de como este. homem construiu sua existéncia. A intengdo do registro grafico para a posteridade, entendido como o conjunto de signos que expressam uma idéia, transformaram os egipcios nos precursores do Desenho aplicado, deixaram suas marcas nos irabalhos de finalidade funeréria e na arquitetura. Como os egipcios, os mesopotamios jé usavam o Desenho como linguagem entre 0s projetistas e os construtores das umas mortuérias, aquedutos, edificios ¢ fortalezas e como representagao de passagens da Vida do morto, tornando-o imortal pela recordacao. Na Antigitidade, quando as especulagées acerca da natureza da Hist6ria, no sentido de processo, come- am a ser feitas, 0 movimento hist6rico comeca a ser construido a imagem da vida biol6gica. Na historiografia antiga, significa que o sentido da grandeza dos mortais como algo diferente da grandeza da natureza e dos deuses tinha acabado. Todos faziam parte, agora, da narrativa hist6rica independente do instrumento, a fala, a escrita ou a expressio grifica. Nao mais existia a busca da imortalidade do ser. Os Gregos aleangaram o esplendor com seu Desenho livre e descontraido, onde o homem era a medida de Segundo Arendt (1988:74), a histéria nasce no momento em que Ulisses escuta 0s scus préprios feitos ¢ sofrimentos contados em poesia na corte do Rei dos Fescios. Nesse momento a est6ria da vida de Ulisses passa a ser algo fora dele pr6prio, ransformando-se em abjeto passivel de ser visto ¢ ouvido, agora, por todos. 159 frais do Cjenphien 98 todos as coisas, o homem & natureza, logo perdura por si s6. Os seus feitos, de finalidades religiosa e politica, ficaram registrados tanto no espaco construfdo na planificacdo c construgdo de anfiteatros, edificios, ruas, pantheons, quanto na comunicagao estabelecida entre si € 08 outros poves via expressio gréfica, Mas, fol 0 povo Romano quem aplicou a linguagem Desenho, de forma aperfeicoada, tanto na arquitetura ¢ urbanismo, engenharia, construgao naval quanto nas artes plasticas como nos registros dos feitos de guerra. Neste sentido, ‘a grandeza estava no louvor, do qual advinha a gl6ria e a fama, para as coisas que mereciam ser imortais. Na idade média, por muito tempo, o conhecimento ficou sob o poder da igreja. A filosofia e a astronomia dividiam sua importéncia com 0s registros da linguagem geomeétrica e a arte. Através da Historia dos registros da arte grafica deixada pelos povos medicvais, percebe-se que o Desenho passou a ter uma forga de linguagem sa ponto de representar o poder da igreja tanto sobre o segmento social mais desfavorecido quanto nas questdes politicas, no momento em que estava direcionado para a arte sacra O movimento para a renovacdo literaria, cientifica, - Renascimento - ocorreu na Europa entre os séculos XVe XV seguiu, paralelamente, ao artistico sob a influéncia da cultura da antigitidade. Na Itélia, a arte passa ‘aserestimulada pela propria igreja, representada pelos papas Julio Il e Leto X. A Franca segue este entusiasmo renovador, ocupa um lugar de destaque nas artes, tanto nos trabalhos de seus préprios artistas quantos pelos cstrangeiros que atraiu. Neste periodo hé um esforca para enriquecer a linguagem. Pregaram a imitagao dos gregos, dos latinos e dos italianos, O Desenho passa pelo aprimoramento técnico ¢ @ invengio da gravura vulgariza as obras de arte, Consolida o projeto autoral e marca um avango no método de representagao grifica edo Desenho aplicado. Neste momento nenhum problema de Desenho parecia impossivel de ser resolvido. No Ocidente omoderno conceito de Histéria, surgiu entre os séculos XVI e XVI, junto com as ciéncias naturais que estavam em pleno desenvolvimento e uma das principais caracteristicas desta época, que se mos- tra presente, atualmente, & a “alienagdo do homem” peranie o mundo e foi desta alienagio, ou do desespero ‘causado por ela, que gerou toda construgdo humana em que vivemos hoje. Coincidiu e foi estimulado pela diivida da época moderna - “a realidade de um mundo exterior dado objetivamente é percepeao humana como tum objeto imitado e imutdvel”. Com a alienagéo da subjetivagdo (...) nenhum juizo poderia surtir efeito (..) foram reduzidos ao nivel das sensagoes” e findaram na sensacao do gosto. (Arendit,1988:83) ‘Com Descartes (apud Arendt, 1988: 83), através das descrengas nas faculdades humanas, aparece uma das condigdes mais elementares da época modema e do mundo modemno langa a divida hiperbélica, e como ‘conseqiiéncia mais imediata,o erescente desenvolvimento das ciéncias naturais, que convictas da infidedignidade dias sensagdes ¢ da resultante-insufieiéncia- da mera observagio, retorna em direcio ao experimento que interfe- rindo diretamente na natureza assegurou este progresso ilimitado e estas suspeitas constituiram-se no orgulho cientifico que acompanha 0 pensamento positivista, Na era industrial (até a virada do século XX), 0 homem era “homo fazer" recebendo da natureza toda a rmatéria prima, Na era tecnol6gica atual é determinada a ago do homem sobre 2 natureza. A conexao entre os conceitos da natureza e da Histéria, atualmente, reflete a mesma interpretacao ocorrida no infcio da época modema (séculos XVI e XVID), 2 qual se faz no conceito do processo. A nogo do processo na época atual difere da antiga, porque © homem busca sempre experienciar ¢ conhecer tudo aquilo que é dado a ele. Ao experimentar suas-capacidades para a aco o homem inicia processos, por isto a nogao de processos “é resultado inevirdvel da agdo humana”. Esta modema nogao de processo como denominador comum do moder- 160 ‘nals 60. Geaphien 98 no conceito de Historia e natureza caracteriza a real passagem da época antiga para a modema e a implicagio contida neste conceito constitui-se na dissociago do “concreto eo geral", da “coisa ou eventos singulares ¢ 0 significado universal”. A nogio atual de processo hist6rico tem como fundamental importancia a sequncia temporal, “a verdade reside e se revela no proprio processo temporal, ” que caracteriza a consciéncia histérica modema, (Arendt,1988: 94-98). Com a era das méquinas na revoluedo industrial, as novas formas de organizagdo do trabalho e de produ- so exigem uma resposta industrial e mecanizada. O Desenho além de linguagem técnica, a Geometria Descri- tiva de Gaspar Monge, demarca o grande impulso &s técnicas de representaco em desenho, passa a set merca. doria através de projetes técnicos, arquitetOnicos, mecdnicos, industrial dentre outros. Apresenta um tratamen. {0 artistico decorativo, surge o Desenbo urbano com a construgdo de conjuntos habitacionais populares e pela importincia passa a fazer parte do curriculo escolar. A Geometria, seus conceitos e prineipios expressos nos postulados e teoremas matemsticos, foi a base Para o desenvolvimento do Desenho. O Desenho se tomou um dos responsdveis pelo desenvolvimento da capacidade do homem de eriar, desenhar e projetar suas maquinas de artefatos. Assim, o Desenho surge como resposta a1um conjunto de informagdes e préticas cientficas, passon a ser sindnimo de tecnologia no momento em que serviu de base para as artes industriais, uma integragdo entre arte e desenho direcionada para o benef, cio industrial dividido em varios ramos: Desenho de mobilirio, mecénico, dentre outros, © desenho nesta €poca serve como um instrumento de linguagem de valor no apenas rememorativo, como também mais utili. tario, através de uma linguagem técnica de representagio para um produto final de consumo. A partir daf ele também pode ser caracterizado como consumo, mercadoria. E s6 no futuro poderd ser apropriado como vest. ios © pela releitura revelar os mistérios das civilizagdes atuais, —- Nale ressaltar que a partir do século XX, o Desenho artstico passa a servir ao homem como subjetividade. Sao experiéncias individuais ao se apropriarem de formas geométricas e cores associadas a técnicas e nunca experimentadas antes. A Bauhaus foi o seu ponto irradiador. A finalidade da Bauhaus era o desenvolvimento do potencial criativo, mas dizecionada para a uilidade ¢ funcionalidade das formas conseguidas, ou seja, uma ¢riatividade gerida por métodos e processos para a formacao de profissionais capazes de produzir produtos de consumo, O DESENHO E RELEITURA DA HISTORIA? Com a concep¢io moderna de Histéria, tudo 0 que acontece no mundo, ow fora dele, pode merecer um {fatamento histérico, as coisas, as palavras, 0s feitos e a linguagem gréfica agora tornam-se historicos a partir a narrativa do historiador que trabalha com o acontecido, logo, com a preexisténcia. O acontecido é a tiniea garantia que deve haver no trabalho historiogréfico: que as coisas tenham acontecido. Para que o historiador garanta a “veracidade” do acontecimento, ele $6 pode verificara partir do vestigio que este acontecido pode ter deixado - a garantia do acontecido passa a ser os vestigios, a preexisténcia. Se o historiador trabalha com uma matéria do passado, os vestigios, a construgdo historica depende do acesso que ele tenha a estes vestigios deixados pelos feitos ¢ eventos humanos. Assim, a possibilidade do conhecimento hist6rico ser objetivo esbar. ra neste limite: acesso a preexisténcia, aos vestigios. Neste sentido, o Desenho, expresso gréfica, tomna-se 161 nals do. Gee releitura dos fatos, acontecidos no passado ou no presente. E este desenho pode estar representado tanto no rato do espago construide quanto no espago do papel ‘A Hist6ria € um conhecimento relativo. Na conceituagao atual, a Hist6ria ndo trabalha para apreservapdo do passado, ela recobre a curiosidade humana, ndo no sentido de preservagao do passado come uma integrida- de em si, ela o reconstroi relativamente por meios de suas tramas. Tomna-se dificil para o homem moderno entender a narrativa histérica como algo ou situagao tinica ou fatos isolados, realizados por mortais - homem individual - onde seus feitos e obras constituem 0 contetido da narrativa ‘A Historia ¢ transigao e faz parte de uma trama que envolve varios fatos - 0s termos da Historia. Contrério a0 conceito antigo, o historiador modemo deve estar ciente de que os eventos histéricos nao existem por si, ‘como dado natural, eles s6 so hist6ricos se estiverem imbuidos numa trama a qual o historiador é capaz de o enquadrare haverd tantas tramas quantas 0 historiador desejar e estas tramas sao resumidas no campo conceitual. Também, contrario ao pensamento da antigtiidade, o real tomna-se aquilo que o historiador construiu na sua trama e na sua intriga, num referencial artificial de tempo. A narrativa historica ndo atinge o tempo do vivido, cla atua no tempo da meméria e da experiencia, O historiador 6 agora entendido como aquele que constr6i a trama que envolverd os fatos, utilizando-se tanto da fala, da escrita ov do registro gréfico como o meio de representar a idéia e ao mesmo tempo usando estes elementos como subsidios para encontrar respostas para a sua trama com desenhos, fotos, documentos, dentre outros, expressando assim sua reago em funcao da sua forma de ver o mundo. Escolhe os fatos que vio determinar a estrutura da narrativa que ele quer enfatizar, dé encadeamento & sua forma de pensar 0 fato ‘demonstrando sua forma de conhecimento do mundo € dé o seu testemunho expondo o fato objetivamente, reformulando, criando, recriando e criticando estes fatos ao fazer da Hist6ria uma releitura dos fragmentos de passado. Fazer Hist6ria no deixa de ser uma luta contra a morte, tanto fisica como imaterial do fato, ¢ buscar, de cesta forma, a preservagao do ser, ou seja a esséncia do fato mesmo tornando-o do seu tempo. Logo, fazer Historia € também fazer restauro, é conservar a esséncia do fato ou transformar o contexto com suas intrigas © tramas a partirde uma preexisténcia, os vestigios deixados pelo homem que se transformaram em registros dos acontecimentos?. E 0 restauro pode set feito dentro de uma nova concepcao, a de cada época, logo a Histéria e ‘9 Desenho que se faz hoje, intencionaimente querendo ou nao buscar o passado, € 0 que se vive no momento. ‘Mesmo que o historiador grifico nao dé uma nova visio para 0 fato a preexisténcia pode conduzi-lo a isto, pois cela é mutavel |Até pouco tempo, a Histéria foi a Histéria de identidade, tal qual o Desenho, seja na arte pura- artes plésticas- ou nas artes aplicadas- desenho técnico, a partir do momento em que se passa a assiné-los e, portan- to, a partir do seu autor passa a identificar uma época. Talvez até mesmo antes desta fase, pois todo ¢ qualquer Desenho ¢ transmissio de cultura, visto que ndo existe 0 desenho sem uma relago dialética com 0 sujeito Por exemplo: assim como o PANTHEON chegou até 0 momento atual em pleno funcionamento e isto se deve exatamente a todos 08 restauros que foram executados em seus dois mil anos de existéncia - apesar de cada restaurador ter colocad este edificio no sea fempo {do resturador) - a Hist6ria da revolugzo francesa, também nfo perdeu sua esséneie mesmo sofrendo vérsos enfoques que dependeram do historiador, da €poca e da cultura que a tratou 162 ‘Arsis 60 Genphien 96 Hoje, hd um confronto entre meméria ¢ Histéria e nunca se pensou ¢ criou tantos movimentos preservacionistas tao fortes como na atualidade. Em nenhum momento hist6rico se preservou e se restaurow tantas documenta- ges. que se constituem em preexisténcia para a Hist6ria - para o fazer hist6rico. A escrita, iconografia, arqui tetura, espago construido, Desenho e a prépria arte pura. ‘A preservagiio dos vestigios: Desenhos, grafismo, documentagdes, elementos arquitetdnicos, fatos ¢ ou- {ros, funcionam como uma tentativa de restaurar os elementos que compoem, nesta era moderna, a meméria no sentido de preservar os elementos que comptes a preexisiéncia necesséria para o escrever Hist6ria. Neste sentido, o Desenho esta inserido claramente como objeto de releitura, tanto a nivel do espago projetual quanto dda materializagao tridimensional no espago construfdo. “(...) os eventos humanos tornam-se hist6ricos a partir da narrativa do historiador (...)"” . Seja qual for © instrumento de releitura, falada, gréfica, espacial. Se ele trabalha com a preexisténcia ele também € um restaurador, no sentido de recompor a historia a partir de uma preexisténcia. Logo, também tenta preservar os feitos, os acontecimentos, os fatos, as palavras e as coisas através de sua narrativa propria enquadrando-os & imagem de sua época. Tornando-os a narrativa do seu tempo, logo tornando-os vivos hoje e por isso modemi- zando-os. CONSIDERAGOES FINAIS ‘© homem percebeu que as coisas, os feitos, as palavras ¢ suas obras so pereciveis no tempo € que precisam transformé-los em algo permanente para que estas obras entrem no mundo da eternidade e, com elas, ‘5 seus autores entrariam no mundo onde todas as coisas sii imortais, exceto o homer. Inicia-se af a distingo entre mortalidade e imortalidade e a consolidagao da concepcao de mortalidade do homem e a necessidade de recorrer a capacidade humana da recordacdo. Passam a perceber que tudo no mundo € passfvel de transforma ges, 0s fatos extraordindrios e passtveis de cronologia tornaram-se 0 conteiido da Hist6ria. Porém, estes nao poderiam sobreviver e muito menos deixar seus vest{gios sem o artificio humano da recordacao. Fazer alguma coisa perdurar na recordac4o tomnou-se tarefa do historiador. ‘Tanto para o historiador narrativo- poesia, teatro ¢ literatura - quanto para o historiador gréfico- antigo ou ‘modemo, o objetivo da Hist6ria passa a ser alcancar a imortalidade, através da recordagio ¢ os registros dos feitos ¢ eventos extraordinérios pela palavra e pela expressdo gréfica tomam-se em objeto historico. A Hist6ria ino mais dele, do homem, é para todos ouvirem e verem, O que se transformou em Histéria passou a ser “a imitagdo da acao” ¢ o objetivo da Histéria passou a ser a rememoragao. Nesse contexto, o Desenho, historicamente, ver permitindo 0 reencontro entre o presente ¢ o passado, 6 expressao grifica do pensamento ou de uma idéia e tem o carder de transmissor de informagdes a homem com um efeito imediato de interacdo de comunicagao entre as pessoas ou de si mesmo. O Desenho é uma linguagem ‘gréfica que pode ser materializada de diversas formas e dimensGes (no espago bi ¢ tridimensional real) para representar uma idéia ou para transmitir informages que tesultaram na materializagdo espacial concreta desta idéia, Mesmo que através dos avangos da informitica, da simulagdo matemética, da computacio grifica e da realidade virtual. Portanto, todo o conjunto da representago de formas sobre uma superficie, por meio de linhas, pontos 163 Anais do. Geaphien 98 manchas, assim como 0 Desenho formado no espaco constru‘do, traz como pano de fundo uma trama que envolve fatos politicos, sociais, econémicos, culturais ¢ ideol6gicos, que devem ser tratados de forma aberta e caitica , uazidas para uma realidade atual. Assim, 0 Desenho estaré atuando como uma releitura, onde 0 seu cardter preservador ¢ rememorativo permitiro uma reconstrugao ou uma variedade de reconstrucées das superposigdes de tempos que traduzem o devir hist6rico da humanidade. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ARENDT, H. O conceito de Historia- antigo e modemo. In: Entre 0 passado e 0 futuro. ed. 2. Sao Paulo: Perspectiva, 1988. BENJAMIN, Walter. Rua de Mao Unica. So Paulo: Brasiliense, 1987. Magia e Técnica, arte e Politica. ed. 3. Sio Paulo: Brasiliense, 1987. KOTHE, PR (org.) Walter Benjamin: teses sobre a filosofia da histéria. Sao Paulo: Atica, 1985, DECCA, Edgard de. O Estatuto da Histéria. Espago & Debates. Sao Paulo: 1991 TRINCHAO, Glaucia Maria Costa, FERREIRA, Edson Dias, SANTOS, Robérico Celso. Perfil de formagdo do professor de Desenho. In: 11°Simp6sio Nacional de Geometria Descritiva e Desenho Técnico, 01, 1994,Pemambuco, Anais, Pernambuco: UFPE-dep. De Desenho/ETEPE/ABPGDDT, 1994. Desenho linguagem e ‘Tormagdo profissional. In: Graphica 96:1 Simpésio internacional de Engenharia Grafica nas Artes no Desenho e 12 Simpésio Nacional de Geometria Descritiva e Desenho Técnico. Florianépolis. Anais, Florian6polis: UFSC/ETFSC/ABPGDDT, 1996. GOMES, Luis Vidal Negreiros. Desenhismo. ed. 2 Santa Maria : UFSM, 1996. IO DECCA, Edgard de, 0 estanito da Hiscéria. Espaco & Debate, Sto Paulo, v.11, »34, p.071i, 1991 164

You might also like