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25/10/2019 Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível - Márcio Seligmann-Silva GEN Jurídico

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Filosofia do Direito

Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível –


Márcio Seligmann-Silva

Seminário da Feiticeira

Esta página é resultado de encontros multidisciplinares promovidos pelo jurista Tercio Sampaio Ferraz
Junior, que se reúne, junto a amigos e alunos, anualmente, durante um final de semana, na praia da Feiticeira
em Ilhabela para ricas apresentações e debates sobre temas palpitantes da contemporaneidade.

Conheça as obras do autor

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por Seminário da Feiticeira
22.dez.2014
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Por Márcio Seligmann-Silva (UNICAMP)

“Für Männer: Überzeugen ist unfruchtbar”.

(“Para Homens: convencer é infrutífero”)

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25/10/2019 Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível - Márcio Seligmann-Silva GEN Jurídico

Walter Benjamin (1972, p. 87/2012a, p.12)

“niemals ein Dokument der Kultur [sei], ohne zugleich ein solches der Barbarei zu sein”

“Nunca houve um documento da cultura que não fosse simultaneamente um documento da barbárie.”

Walter Benjamin (1974, p. 696/2012, p. 245)

Como pensar a relação entre direito à verdade e o direito à justiça em uma era que desacredita na
possibilidade de se estabelecer uma verdade, que está consciente dos limites insuperáveis das instituições
jurídicas e que, justamente devido a esses fatos, parece ter deixado (ou estar deixando) o conceito de Justiça
para trás, como o fez com o de Deus, no século XIX? O desafio não é pequeno, mas nem por isso essas
questões e metas podem ser postas de lado. Afinal, Justiça e direito à verdade são demandas da ordem do dia
(sobretudo em nossas sociedades pós-ditatoriais na América Latina) e não podem ser abandonadas, quer
devido a uma virada metodológica (a famosa “virada linguística”), quer devido a uma constatação (que pode
ser cínica) de que a injustiça seria algo crônico e insuperável, presente em toda e qualquer sociedade.

Acredito que uma reflexão crítica sobre o direito e uma visão mais politizada de nosso conceito de verdade
podem ajudar a focar melhor essas questões. Proponho, portanto, um percurso que inicialmente reflita sobre
um elemento característico do direito tradicional, a saber, seu patriarcalismo, que pode ser compreendido
também como um falocentrísmo ostensivo. Para tanto, farei um périplo visitando autores que vão da
antiguidade a Freud e Walter Benjamin. Também proponho uma tentativa de se pensar o Direito e a noção de
verdade para além da concepção positivista, que é indissociável desse ponto de vista falocêntrico. Por fim,
procuro mostrar como o conceito de testemunho está sendo redefinido em nossa era de genocídios e de
catástrofes e que ele pode indicar um local para se amparar nossos anseios por Justiça. Na conclusão, reflito
como esse percurso repercute no caso brasileiro.

Eumênides ou a cumplicidade entre a Lei, o testemunho e o estado de exceção

Com o perdão do lugar-comum, consintam-me, por favor, a prerrogativa de começar pelo começo. Também a
protocena do testemunho pode ser encontrada na Grécia. Para tratar da figura do testemunho é conveniente
não se esquecer de sua relação umbilical com a cena jurídica. Ésquilo, como é conhecido, apresentou o que
pode ser considerado o primeiro tribunal “humano”, na tragédia Eumênides, a terceira da trilogia que narra a
história dos Átridas, os descendentes de Atreu. Em Agamêmnon, a primeira tragédia deste ciclo,
Agamêmnon, filho de Atreu e o pai de Orestes e de Electra, é assassinado por sua esposa, Clitemnestra, com
a cumplicidade de seu amante Egisto. Já nas Coéforas, Orestes e sua irmã Electra vingam-se matando a mãe.
Esta peça se fecha com Orestes vendo a imagem das Fúrias, com seus cabelos de serpentes e sangue
correndo dos olhos, perseguindo-o e clamando por vingança.

Eumênides[1], a tragédia que aqui nos interessa, abre-se apresentando Orestes, em sua fuga desesperada,
depois de muitas viagens, quando finalmente chega ao templo de Apolo em Delfos. Neste momento, de
modo significativo, as Fúrias dormem. Apolo surge e ordena que Hermes, “O condutor”, guie Orestes até o
templo de Atena na Acrópole onde ele deverá ser julgado e assim se livrar de seu sofrimento. Em seguida, o
fantasma de Clitemnestra desperta as Fúrias e as envia atrás de Orestes. Atenas, após receber Orestes e as
Fúrias e se informar do conflito, convoca então doze jurados para formar o primeiro tribunal que trataria de
um homicídio, como ela mesmo o afirma (E. 900-4 [681-4]). Este gesto de certo modo apresenta o tribunal
como um reflexo do mundo divino, já que mais adiante Apolo recorda a figura de Ixion, o primeiro
assassino, que teria recebido sua purificação por meio do próprio Pai (patêr, E. 953s. [717s.]), Zeus. O
resultado do julgamento de Orestes é conhecido: após o empate, o voto de Minerva/Atena decide a favor da
absolvição de Orestes. As Fúrias são pacificadas com presentes ofertados por Atena. Orestes, tendo sua
inocência reconhecida pelo tribunal, pode voltar a Argos e ser aclamado rei.

O plot da peça apresenta justamente esta pacificação, este acordo, ou compromisso, para usar uma expressão
cara a Freud, entre as violentas Fúrias, representantes dos deuses ctônicos antigos, a violência sob a forma
feminina e sua justiça feita com sangue (arrancando os olhos ou castrando; E. 244ss. [187 ss.]; 336 [252s.])
que nega a instituição do tribunal (E. 467 ss.[359ss.]) e, por outro lado, os deuses olímpicos, representantes
da nova ordem e das novas instituições. A peça é um largo elogio da instituição do tribunal do Areópago que
era presidido pelo arconte rei. Mais importante ainda, o compromisso encenado na tragédia não implica o
abandono da violência e da lógica da vingança, muito pelo contrário, a violência é reconhecida como sendo
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parte da estrutura jurídica. A tragédia indica de modo inequívoco que sem o medo e a potencial punição, não
pode haver sistema jurídico, a reverência ao governo e às leis só existe tendo o terror como garantia. Eis as
palavras de Atenas:

Prestai atenção ao que instauro aqui, atenienses, convocados por mim mesma para julgar pela
primeira vez um homem, autor de um crime em que foi derramado sangue. A partir deste dia e
para todo o sempre o povo que já teve como rei Egeu terá a incumbência de manter intactas as
normas adotadas neste tribunal na colina de Ares[…] Sobre esta elevação digo que a
Reverência e o Temor, seu irmão, seja durante o dia, seja de noite, evitarão que os cidadãos
cometam crimes, a não ser que eles prefiram aniquilar as leis feitas para seu bem (quem poluir
com lodo ou com eflúvios turvos as fontes claras, não terá onde beber). Nem opressão, nem
anarquia: eis o lema que os cidadãos devem seguir e respeitar. Não lhes convém tampouco
expulsar da cidade todo o Temor; se nada tiver a temer, que homem cumprirá aqui seus
deveres? (E. 900-30 [681-99])

Podemos ler aqui aquilo que já foi denominado, por Marcel Mauss (Mauss, 1999) e outros autores, de
ambiguidade do sacro. A tragédia apresenta o rito jurídico de reintegração daquele que estava proscrito, fora
da lei, o homo sacer, no caso, Orestes, que passa pela kátharsis de seu ser poluído. Neste ritual “de
civilização/purificação” a ambiguidade é reinstaurada e reafirmada. Na tragédia, ocorre uma reversão da
posição de Orestes, que pode voltar ao trono após deixar a condição de homo sacer. O trono é o outro polo da
lei que lhe é ao mesmo tempo externo e interno. Orestes passa, para recordar a diferença estabelecida por
Benveniste, da qualidade de sacer para a de sanctus.[2] Assim como o banido (sacer) é um fora-da-lei, o rei
(sanctus) está acima desta. A purgação de Orestes, ou seja, sua dura viagem fugindo das Fúrias, que para
Apolo significaria sua longa despoluição, e portanto deveria qualificá-lo para uma reintegração e superação
de seu banimento, não é reconhecida pelas Fúrias. Para elas, não existe perdão ou esquecimento do mal: elas
representam a pura força da memória do mal (kakôn te mnêmones semnai, E. 503 [383]) e do desejo de
vingança. A kátharsis trágica das paixões negativas não significa, tampouco, sua eliminação, mas a mise en
scène das mesmas como uma espécie de memento. As Fúrias que são transformadas por Atena em
Eumênides, as benévolas, por meio de seu pacto com elas, são incorporadas à lei que mantém a lógica da
espectralidade do passado em seu elemento terrorífico. Isto também é importante para o que segue.

Mas vejamos o que ocorre no julgamento de Orestes destacando a recorrência dos termos que evocam o
testemunho. Atena chama os jurados diante da divisão aparentemente irreconciliável dos dois partidos (E.
618 ss. [470ss.]): a situação arquetípica da cena do tribunal e das tragédias, como depois Eurípides a
exploraria. O julgamento depende da instituição do testemunho. Assim, o coro das Fúrias diz que vai se
apresentar como testemunha contra Orestes para vingá-lo:

se um mortal nos mostra suas mãos imaculadas, nunca o atingirá nosso rancor [mênis] e sua
vida inteira passará isenta de todos os sofrimentos. Mas quando um celerado igual a este oculta
suas mãos ensangüentadas, chegamos para proteger os mortos testemunhando [mártures]
contra o criminoso, e nos apresentando implacáveis, para cobrar-lhe a dívida de sangue! E.
423ss. [313ss.]

Em seguida, Orestes recorda que ainda existia um objeto, a rede com que Clitemnestra matara seu marido,
como um testemunho (ou prova) do crime (ha loutrôn exemarturei phonon, E. 605 [461]; o que faz lembrar
da passagem em Coéforas [1293 /1010], quando Orestes mostra a roupa do pai manchada de sangue e
perfurada pelo punhal de Egisto como um testemunho [ou “prova certa”, martirei] do crime). Atena, ao abrir
o tribunal, observa que cada partido deve trazer suas testemunhas (marturia) e provas (tekmêria) para
evidenciar suas respectivas causas (E. 645 [485s.]). Aristóteles, como sabemos, em sua Retórica reservou um
local especial para os tekmêria, as provas ou sinais que evidenciam os enthymemes ou argumentos retóricos.
Eles funcionam segundo uma lógica da evidência metonímica, como se fossem partes ou rastros do evento.
[3]

Em seguida, na Eumênides, Apolo se apresenta como testemunha e advogado de Orestes. (kai marturêsôn
êlthon; E. 752 [576]) Nesta qualidade, ele também assume para si a culpa do assassinato de Clitemnestra,
assim como afirma já ter purificado (katharsios) Orestes. No interrogatório a que as Fúrias submetem
Orestes elas perguntam se ele havia sido convencido por alguém para cometer o homicídio. A resposta é:
“Foi este deus que agora é minha testemunha.” (marturei de moi; E. 775 [594]). Pouco depois, ele afirma

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estar confiante na ajuda de seu pai. (“Tenho fé em meu pai; ele me ajudará.” E. 779 [598]) Neste diálogo,
Ésquilo introduz um argumento central na disputa que desdobra esta lógica “patrilinear”: Orestes reconhece
ser o assassino, mas nega que tenha sido injusto. Afinal ele não teria matado um parente ao matar a mãe.
Neste ponto ele pede que Apolo o apoie com seu testemunho (“depoimento”, marturêson, E. 793 [609]).[4]
O deus afirmando falar em nome do pai (patêr, E. 808 [618]) Zeus, primeiro critica o modo como
Clitemnestra matou o grande herói, Agamêmnon, que foi assim assassinado por uma mulher e de modo nada
heroico, para em seguida introduzir seu argumento principal:

Aquele que se costuma chamar de filho não é gerado pela mãe – ela somente é a nutriz do
germe nela semeado –; de fato o criador é o homem que fecunda; ela, como uma estranha
[xenôi xenê], apenas salvaguarda o nascituro quando os deuses não o atingem. (E. 868 ss.
[658ss.])

Aqui Apolo invoca a seu favor ninguém menos que Atena – a própria juíza que preside o tribunal! – como
prova e testemunha de sua argumentação a favor de Orestes:

Oferecer-te-ei uma prova cabal [tekmêrion] de que alguém pode ser pai sem haver mãe. Eis
uma testemunha [martus] aqui, perto de nós – Palas, filha do soberano Zeus olímpico –, que
não cresceu nas trevas do ventre materno. (E. 874ss. [662ss.])

O resultado deste argumento, que mais uma vez sela a aliança dos novos deuses em oposição às Fúrias
(“estas virgens malditas” E. 99 [69], como Apolo as denomina), é o voto de Atenas, um voto antes de mais
nada no partido dos homens:

Serei a última a pronunciar o voto e o somarei aos favoráveis a Orestes. Nasci sem ter passado por ventre
materno; meu ânimo sempre foi a favor dos homens, à exceção do casamento; apoio o pai. Logo, não tenho
preocupação maior com a esposa que matou seu marido, o guardião [patros] do lar. (E. 974ss. [734ss.])

Diante desta evocação da lei paterna, o coro das Fúrias volta-se para sua mãe: “Ah! Noite negra, nossa mãe!
Vês tudo isto?” (E. 986 [745])

Essa oposição entre lei solar-masculina e a (ausência de) lei da noite-feminina, vinculada à cena do
julgamento e do testemunho, pode ser aproximada também de uma passagem em Coéforas (1265ss. [984ss.])
onde o testemunho é ligado à figura paterna, quando Orestes, ao final do drama, diz que o Pai, a saber, o Sol
“estará presente [no dia de meu julgamento] como testemunha [martus] de que perseverei nesta vingança
justa e fui até o cúmulo de eliminar a minha própria mãe.”

Com relação ao argumento central da cena do julgamento na Eumênides é importante lembrar que segundo a
Teogonia de Hesíodo, Atena tinha uma mãe, Métis, a Astúcia, que Zeus engoliu grávida, com medo de se
repetir com ele o mesmo que ele fizera com seu pai, Cronos – fato lembrado ironicamente pelas Fúrias em
Eumênides. Atena, “a de olhos glaucos”, glaukôpin Athênên, na expressão de Hesíodo, é aquela que vê com
clareza (Torrano, 2001, p. 18) e, portanto, pode testemunhar como juíza o crime de Orestes: o olhar e não a
audição tem a absoluta precedência na cena patriarcal do testemunho. Apolo e Atena se posicionam do lado
de Zeus-Sol, em oposição às Fúrias-mães que cegam e castram com sua justiça “primitiva”. Se o argumento
que afirma o não parentesco da mãe com seus filhos lembra mais uma astúcia (métis) do que um raciocínio
lógico, ele faz todo sentido neste primeiro tribunal mítico. De modo contrário ao parricida Édipo (que se
cega como castigo e é banido, torna-se sacer), o matricida Orestes é absolvido. Ao invés de ser banido e/ou
sacrificado (ou seja, desdobrar a lógica do homo sacer que vai da sacralidade ao sacrifício) ele é como que
“santificado”, reconhecido novamente como autoridade. As Fúrias, por sua vez, são integradas no círculo de
fogo dos deuses Olímpicos e transformadas em Eumênides.

Testemunho da masculinidade

Esta apresentação da protocena do testemunho deverá permanecer como pano de fundo para o que se segue.
É evidente que o conflito e as tentativas de compromisso entre a memória do mal e a purificação/perdão,
assim como a relação sistêmica entre crime e castigo governam até hoje em grande parte a cena literária, não
menos que a política e a jurídica. Diante da onipresença das guerras, genocídios e da lógica da vingança,
poderíamos pensar que o falocentrismo incorporou “em grande estilo” a memória do mal, tal como Zeus
incorporara a astúcia, e sente a necessidade de testemunhar sua masculinidade. O que Eumênides tem a ver
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com isso? Da cena trágica podemos derivar um modelo do testemunho como prova e evidência. Em
Eumênides a claridade dos olhos, a luminosidade irrefutável da prova são postas ao lado do argumento
patrilinear e falocêntrico. A evidência da masculinidade estaria na origem da concepção do testemunho.
Cabe então nos perguntarmos se ainda vale a pena testemunhar: testemunhar é frutífero?

Com esta pergunta, permito-me dar um salto de alguns séculos, pois Walter Benjamin respondeu a ela de
modo lacônico e direto em sua coletânea de fragmentos chistosos Einbahnstrasse (Rua de mão única) de
1928. Nesta obra, ele escreveu sob a rubrica “Für Männer” (“Para Homens”) a seguinte frase: “Überzeugen
ist unfruchtbar”. (Benjamin, 1972, p. 87) Ou seja, “convencer é infrutífero”, sendo que Über-zeugen também
pode ser lido de modo analítico enquanto uma palavra-valise significando super-gerar, super-criar, super-
procriar, super-fecundar. Nessa frase de Benjamin entrecruza-se, como Sigrid Weigel já teve a oportunidade
de destacar (Cf. Weigel, 1999), a sua filosofia da linguagem e da história, na qual ele critica uma visão
instrumental da linguagem tal como ela é característica da modernidade, com, por outro lado, uma reflexão
sobre a criação intelectual que, no caso, é sexualizada. De resto, e isto que nos interessa aqui, überzeugen
ainda carrega uma forte conotação jurídica, se levarmos em conta que originalmente este termo ainda tinha o
sentido de “convencer alguém no tribunal por meio de testemunhos”. Sendo que a partir do século XVIII
überzeugen passou a significar “levar alguém a reconhecer com base em evidências que algo é verdade,
correto, necessário”. (Duden. Etymoligie, 1989, p. 829) “Überzeugen ist unfruchtbar” indica, portanto, não
apenas que a linguagem (masculina) do convencimento e do testemunho é vazia, vã, como também que a
linguagem da criação/fecundação (da super- ou sobre-criação) o é. Na verdade este espaço assombrado
aberto pela poética do convencer, onde criação e “verdade dos fatos” embatem-se, é o próprio terreno onde o
testemunho se dá.

Benjamin está apresentando isto de um modo ao mesmo tempo crítico e irônico, sendo que neste gesto ele
está violando performaticamente seu mote, uma vez que ele não apenas está escrevendo (e escrevendo um
livro), mas também tentando convencer seu público de que “überzeugen ist unfruchtbar”. Sua escrita
aporética revela o vazio da linguagem do conhecimento. No testemunho, a citação (em termos literários e
jurídicos: somos citados diante de um tribunal) desdobra a sua lógica de descontextualização, de
descolamento: de disseminação. Benjamin no mesmo Rua de mão única formulou que “Citações no meu
trabalho são como ladrões no caminho que irrompem armados para tomar a convicção [Überzeugung] do
preguiçoso.” (Benjamin, 1972, p.138) Em um fragmento do work in progress de Benjamin sobre as
passagens de Paris lemos: “Escrever a história quer dizer, portanto, citar a história. No conceito do citar está
implícito, no entanto, que o objeto histórico é retirado do seu contexto”. (Benjamin, 1982, p.595) A
testemunha citada no tribunal também cita a história, mas nesse momento mesmo ela a destrói e a recria
dando início a um processo potencialmente sem fim de escritura e disseminação. Poderíamos dizer que todo
testemunho enquanto “zeugen” (testemunhar e procriar) tende a se transformar em um “überzeugen”
(convencer e super-gerar) infrutífero.

Sem querer tentar escapar a esta lógica do convencimento (não podemos sair dela: apenas tentar suspendê-
la…), permitam-me fazer outra citação. Tendo em vista essa reflexão benjaminiana, vale lembrar uma
passagem surpreendente de Freud que provavelmente está na origem da frase de Benjamin de Rua de mão
única e permite estabelecer uma ponte não tão frágil, espero, com a análise que vimos acima da Eumênides.
Trata-se de uma nota do seu texto de 1909, Bemerkungen über einen Fall von Zwangsneurose (Notas sobre
um caso de neurose obsessiva), o famoso caso do “homem dos ratos”. Ao comentar que uma das
características do neurótico obsessivo é a sua “necessidade de incerteza”, o que o leva a criar esta incerteza,
ele destaca seu grande interesse pela questão da paternidade, pela extensão da vida e pela memória e introduz
a seguinte nota:

Ocorreu um grande progresso cultural/civilizatório quando as pessoas se decidiram a pôr o


silogismo ao lado do testemunho [Zeugnis] dos sentidos e a passar do matriarcado para o
patriarcado. — Figuras pré-históricas, nas quais uma figura menor senta-se sobre a cabeça de
uma maior, apresentam a descendência do pai: a Atena sem mãe salta da cabeça de Zeus.
Ainda na nossa língua significa o Zeuge [testemunha] diante do tribunal, aquele que atesta
[beglaubigen] algo, a partir do modo de participação masculino no trabalho de procriação, e já
nos hieróglifos a testemunha [Zeuge] é escrita com a imagem das genitálias masculinas.
(Freud, 1970, p. 91)[5]

É
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25/10/2019 Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível - Márcio Seligmann-Silva GEN Jurídico

Após a leitura da Eumênides esta nota parece um comentário à tragédia de Ésquilo. O “grande progresso”
saudado por Freud se deu em direção ao patriarcado e teria se dado concomitantemente à entronização da
figura do testemunho. Deste conjunto de ideias seria, creio, lícito deduzir que este testemunho patriarcal e
falocêntrico seria aquele que se atem às regras “da evidência”, da lei do olho, e crê em uma “presença
originária” total atestável (sendo que testis, testemunho, está presente neste último termo).

Esta nota de Freud, abrupta e deliciosamente impactante, pode ser lida como uma caixa de ressonância
histórica. Não só Ésquilo e Benjamin fariam parte deste concerto, mas uma outra passagem que se encontra
no fundamento da mnemotécnica também ecoa este topos e ratifica esta estreita comunhão entre testemunho
e falocentrismo. Trata-se da famosa passagem do autor anônimo do tratado Ad Herenium que aporta como
exemplo central na sua mnemotécnica, na parte dedicada à teoria das imagens mnemônicas, o exemplo de
uma imagem que deveria servir ao retor como escritura imagética de um caso. O caso exemplar que deve ser
memorizado é o seguinte: “a acusação afirmou que o réu matou um homem utilizando veneno, que ele fez
isso para se apropriar de uma herança e que existem várias testemunhas e pessoas cientes disso [testes et
conscios].” (Rhetorica ad Herennium, 1998, pp. 170 s.) A mnemotécnica é baseada na capacidade do orador
de transformar as situações em imagens e colocar cada imagines agens em determinados loci construindo
uma escritura mnêmica. O autor anônimo destaca que quanto mais inusitada for a imagem criada para
traduzir a situação, mais facilmente ela ficará registrada na memória. Eis a sua imagem:

Se para facilitar a defesa nós quisermos nos recordar desse primeiro ponto, devemos depositar
no nosso primeiro local uma imagem com todos os fatos: nós imaginaremos a vítima em
questão doente, estendida sobre uma cama (isso se nós a conhecermos, caso contrário teremos
de tomar uma outra pessoa, que não deve ser alguém de baixo calão, de tal modo que ela
rapidamente venha à nossa memória); ao lado de sua cama nós colocaremos o réu segurando
uma taça com a mão direita e com um texto [tabulas] na esquerda de cujo dedo anelar devem
pender testículos de carneiro [medico testiculos arietinos tenentem]. Desse modo nós
poderemos nos recordar das testemunhas, da herança e do envenenamento da vítima. [Hoc
modo et testium et hereditatis et veneno necati memoriam habere poterimus.] A seguir nós
arranjaremos do mesmo modo os outros pontos da acusação em locais sucessivos, segundo a
sua ordem, e quando a qualquer momento nós quisermos nos recordar de um ponto, se as
imagens estiverem cuidadosamente dispostas e as caracterizarmos bem, poderemos facilmente
recordar daquilo que queremos. (Rhetorica ad Herennium, 1998, pp. 172s.)

A relação entre a imagem do testículo e a do testemunho é feita aqui pela via da analogia fonética: testis em
latim significa tanto testemunho como testículo. Ou seja, tanto pela via do germânico encontramos a
“poética” do testemunho desaguando no tema da fertilidade masculina, como pela do latim. Aqui também,
como na tragédia grega, o testemunho está ligado à cena sublime do assassinato e à sua representação. É
importante notar, com Avishai Margalit, que nas sociedades tradicionais as mulheres são excluídas das cortes
enquanto testemunhas. Josephus afirma que nos tempos bíblicos isto ocorria, o mesmo valendo para a
“mulher romana”.[6] Isto tem a ver com uma hierarquia social e sexual da respeitabilidade que pode ser
revelada em fenômenos linguísticos, como também Margalit observou, ao notar que no hebraico bíblico
existe “uma associação fortemente sugestiva entre as lavras” Zehker (memória) e Zakhar (masculino) e, por
outro lado, Isha (mulher, esposa) e Neshia (esquecimento).

Poderíamos também lembrar das figuras femininas do esquecimento da “volta ao lar” (nóstos) na Odisséia,
Circe e Calypso. (Weinrich, 1997) Por outro lado, Margalit recorda ainda o fato de que o mandamento da
memória hebraico Yad Vashem, que batizou o memorial e centro de pesquisas da Shoah de Jerusalém,
significa em Isaias 56:5 um ato de suplementação da infertilidade. Nos versos em questão promete-se um
memorial ao pio eunuco (ou homem castrado). Deus construiria um memorial onde se escreveria o nome
daqueles que não poderiam multiplicar suas sementes, testemunhando assim a passagem deles pela terra.
(Margalit, 2002, p. 21 s.) O universo semântico e cultural é diferente do grego, mas novamente percebemos a
relação entre o testemunho (no caso, a memória testemunhal) e a masculinidade.

O testemunho moderno: como escovar a história a contrapelo

Na cena do tribunal, ouvimos também os testemunhos daqueles que viram o ato que está sob a lupa do
julgamento. O réu confessa, as testemunhas testemunham, assim como, no registro religioso, testemunhamos
nossa fé e confessamos nossos pecados. Existe também uma relação de complementaridade entre um gesto e

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outro, como lemos na definição de confissão do Houaiss: “revelação, diante de testemunha(s) privada(s) ou
pública(s), que alguém faz de um ato censurável que cometeu.” Mas o testemunho deve ser entendido tanto
como a apresentação do ponto de vista de um terceiro – terstis -, de onde se deriva a noção latina de testis,
testemunho jurídico que se quer objetivo, como também deve ser abordado como a tentativa de se apresentar
uma experiência que resiste a esta apresentação. O testemunho neste segundo sentido sofre um
deslocamento da elocução da verdade para a própria pessoa que testemunha. Passa-se do testemunho
pretensamente objetivo, para a subjetividade da testemunha. Ela é, como notou Benveniste, superstes,
testemunha sobrevivente. (1995, p. 277) Ela tenta apresentar o real, a saber, o que escapa ao simbólico, mas
esta apresentação é sempre também apresentação da impossibilidade de se apresentar.

O testemunho está submetido ao double bind de sua simultânea necessidade e impossibilidade. (Felman e
Laub, 1991; Felman, 2014) É verdade que, apesar de testemunho e confissão serem distintos, podemos dizer
que no ato de confissão encontramos também testemunhos e não se pode descartar a possibilidade de, em
meio a um testemunho, brotar uma confissão. E mais, ambos, como são lançados paradigmaticamente na
cena do tribunal, têm a ver com culpa e culpabilização, ou com inocência. Deste modo, a ideia de justiça é a
força motriz que está por detrás tanto da confissão, como do testemunho. Uma justiça que paira como uma
possibilidade de redenção: dos males, das culpas, dos pecados, como uma purificação catártica, que leva o
julgado a uma nova vida. Tanto o testemunho como a confissão visam o veritatem facere – trata-se de uma
troca de apresentação da nudez, do pacto e do preço da nudez: colocamo-nos nus diante Dele para que Ele
mostre a verdade nua. A nudez volta-se a uma outra nudez.[7]

Para Santo Agostinho, a confissão implica o desnudar-se diante de Deus. A verdade aqui é também a da cena
do tribunal: a autoapresentação visa um testemunho, apresentar a vida para voltar à vida (revixit). “Acusa-te,
glorifica-o”, escreve Santo Agostinho. Nesta cena o dentro volta-se para fora. Pois, como Derrida (1991)
recorda a partir de Santo Agostinho, a confissão apresenta não apenas o que sabemos de nós, mas também
aquilo que ignoramos. (Santo Agostinho, 1987, p. 221) O escondido, o esquecido, vem à tona: como o
Unheimlich (o estranho, sinistro), que, segundo Freud, encontra-se recalcado e se manifesta quer em nossos
sonhos, nos nossos atos falhos e na cena da psicanálise. Mas esse magma, esse pedaço de realidade
“esquecida”, tem uma necessidade quase que pulsional de se manifestar. Um escritor francês, cujos pais,
judeus poloneses, foram vítimas da guerra, expressou isso de modo cristalino:

Parler, écrire, est, pour le déporté qui revient, un besoin aussi immédiat et aussi fort que son
besoin de calcium, de sucre, de soleil, de viande, de sommeil, de silence. Il n’est pas vrai qu’il
peut se taire et oublier. Il faut d’bord qu’il se souvienne. Il faut qu’il explique, qu’il raconte,
qu’il domine ce monde dont il fut la victime. (Apud Levi, 2005, p. 15)

Estas palavras de Georges Perec nos lançam, sem mais, no coração da cena do testemunho. Antes de mais
nada vemos aqui a necessidade absoluta do testemunho. Ele se apresenta como condição de sobrevivência. O
próprio Primo Levi expressou este fato no prefácio de É isto um homem. Vale à pena voltarmos a estas
palavras de Levi porque ele acrescenta a esta ideia de necessidade de testemunhar outro dado fundamental, a
saber, a sua implícita dialogicidade. Citemos as palavras de Levi:

A necessidade de contar ‘aos outros’, de tornar ‘os outros’ participantes, alcançou entre nós,
antes e depois da libertação, caráter de impulso imediato e violento, até o ponto de competir
com outras necessidades elementares. (1988, p.7s.)

Seguindo estas palavras, podemos caracterizar, portanto, o testemunho como uma atividade elementar, no
sentido de que dela depende a sobrevida daquele que volta do Lager (campo de concentração) ou de outra
situação radical de violência que implica esta necessidade, ou seja, que desencadeia esta carência absoluta de
narrar. Levi, nesta passagem, coloca as expressões “aos outros” e “os outros” entre aspas. Este destaque
indica tanto o sentimento de que entre o sobrevivente e “os outros” existia uma barreira, uma carapaça, que
isolava aquele da vivência com seus demais companheiros de humanidade, como também a consequente
dificuldade prevista desta cena narrativa. Sabemos que dentre os sonhos obsessivos dos sobreviventes consta
em primeiro lugar aquele em que eles se viam narrando suas histórias, após retornar ao lar.

Mas, o próprio Levi também narrou uma versão reveladora deste sonho, que ficou conhecida, na qual as
pessoas ao ouvirem sua narrativa se retiravam do recinto deixando-o a sós com as suas palavras. A outritade
do sobrevivente é vista aí como insuperável. A narrativa teria, portanto, dentre os motivos que a tornavam

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elementar e absolutamente necessária, este desafio de estabelecer uma ponte com “os outros”, de conseguir
resgatar o sobrevivente do sítio da outridade, de romper com os muros do Lager. A narrativa seria a picareta
que poderia ajudar a derrubar este muro. A circulação das imagens do campo de concentração que se
inscreveram como uma queimadura na memória do sobrevivente, na medida em que são aos poucos
traduzidas, Über-setzte, transpostas, para “os outros”, permite que o sobrevivente inicie seu trabalho de
religamento ao mundo, de reconstrução da sua casa. Narrar o trauma, portanto, tem em primeiro lugar este
sentido primário de desejo de renascer.

O testemunho é uma modalidade da memória. Se os estudos sobre o testemunho – no seu sentido não mais
religioso ou meramente jurídico, mas antes como uma busca de se ler na cultura as marcas das catástrofes do
século XX – se desenvolveram nas últimas décadas, é porque ocorreu neste período uma virada culturalista
dentro das ditas ciências humanas. Nesta virada, a memória passou a ocupar um lugar de destaque ,
submetendo a quase onipresença da historiografia no que tange à escritura de nosso passado.

Por agora nos contentemos em acentuar o elemento eminentemente político no qual se desdobram os
discursos testemunhais. O próprio conceito de testemunho pode ser traçado ao longo do século XX na sua
relação com o pensamento político. Jean Norton Cru, o primeiro a introduzir o conceito no campo da
historiografia, tinha como objetivo fazer uma crítica da primeira guerra mundial e dos discursos oficiais,
belicistas, que enalteciam as figuras dos heróis guerreiros. Sua resposta foi propor que a historiografia se
abrisse para os testemunhos dos soldados. Seu livro Témoins, de 1929, deve ser visto como a primeira
tentativa sistemática de se pensar o testemunho moderno.

Já Walter Benjamin, com a sua concepção do historiador como um chiffonier, (catador) também abriu a
historiografia para o discurso testemunhal, apesar e ter utilizado pouco este conceito. Mas sua frase famosa
das suas teses “Sobre o conceito da história”, não deixa dúvidas quanto á sua fortíssima proposta de leitura
da história na sua face testemunhal. Refiro-me evidentemente à frase de minha epígrafe: “Nunca houve um
documento da cultura que não fosse simultaneamente um documento da barbárie.” (1974, p. 696/2012, p.
245) É interessante ler a tradução do próprio Benjamin dessa famosa passagem das suas teses “Sobre o
Conceito da História”: “Tout cela [l’héritage culturel] ne témoigne [pas] de la culture sans témoigner, en
même temps, de la barbarie”. (Benjamin, 1974, p. 1263) Já na América Latina, sobretudo desde os anos
1960, o conceito de testemunho adquiriu uma centralidade enorme no contexto da resistência ás ditaduras
que assolaram o continente.

Hélène Piralian escreveu um impactante livro de ensaios sobre o genocídio dos armênios de 1915-16 sob o
signo de uma escritura contra o negacionismo. Aquele genocídio, que atingiu cerca de 1.200.000 armênios
do então Império Otomano, de uma população total de cerca de 1.800.0000, até hoje é negado pelo governo
da Turquia. Ainda em 2005, um congresso sobre este genocídio, que deveria ocorrer em setembro na
Universidade de Bogazici, foi impedido pelo governo turco. (Folha de S.Paulo, 24.09.2005, p. A27) Para
Piralian, o desafio do testemunho deste genocídio negado – que matou duas vezes suas vítimas e continua a
assassiná-las simbolicamente – é o de se construir, em termos coletivos, do ponto de vista das vítimas,
espaços para além do desejo da vingança, e do ponto de vista dos turcos, uma renúncia da negação. Apenas
deste modo, ela defende que seria possível finalmente proceder ao trabalho de luto, que até o momento foi
travado e impedido por conta da negação.

O negacionismo neste caso é apenas um exemplo particularmente radical de um movimento que acompanha
o gesto genocida. O genocida sempre visa a total eliminação do grupo inimigo para impedir as narrativas do
terror e qualquer possibilidade de vingança. Os algozes sempre procuram também apagar as marcas do seu
crime. Esta é uma questão central, que assombra o testemunho do sobrevivente em mais de um sentido. Em
primeiro lugar, porque o sobrevivente vive o sentimento paradoxal da culpa da sobrevivência. A situação
radicalmente outra, na qual todos deveriam morrer, constitui sua origem negativa. A indizibilidade do
testemunho ganha com este aspecto um peso inaudito. Mas o negacionismo é também perverso, porque toca
no sentimento de irrealidade da situação vivida. O negacionista parece coincidir com o sentimento comum
que afirma a impossibilidade de algo tão excepcional. O apagamento dos locais e marcas das atrocidades
reproduz aquilo que no imaginário posterior também tende a se afirmar: não foi verdade. A resistência a se
enfrentar o real parece estar do lado do negacionismo. Este sentimento comum mora no próprio sobrevivente
e o tortura, gerando uma visão cindida da realidade. Piralian nota que o testemunho visa a integração do
passado traumático. Esta só pode ser conquistada contra o negacionismo.

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Não por acaso se conta que Hitler em um discurso a seus chefes militares em 22 de agosto de 1939, às
vésperas da invasão da Polônia, teria dito “Quem se lembra hoje do extermínio dos armênios [durante a
Primeira Guerra Mundial]?” Sua intenção era clara: apenas o lado heroico da guerra seria lembrado, a
impunidade estaria garantida. A guerra de destruição poderia se iniciar. A memória da barbárie tem portanto
também este momento como que iluminista: preserva em uma admoestação as imagens de sangue do
passado.

Concluindo: e o caso brasileiro?

E o caso da ditadura de 1964-1985 no Brasil, como ela se encaixa nessa história? No campo político e da
política da memória, também essa ditadura viveu uma forte pressão no sentido de seu recalcamento. No ano
passado, 2014, com a Comissão Nacional da Verdade entregando seu relatório e a recordação dos 50 anos de
golpe, essa paisagem se alterou um pouco, mas logo o tema voltou à zona de “esquecimento”. Apesar do
Brasil ser um dos países onde mais se produziu filmes sobre o tema da ditadura, essa poderosa massa de
imagens ainda não penetrou na memória coletiva da população. É como se a violência contemporânea e as
constantes crises políticas não pudessem abrir um espaço para o tempo e o trabalho da recordação. Aliás,
nesse sentido, apenas mantivemos nossa triste tradição de não enfrentar as páginas de sangue e opressão de
nossa história. Nunca debatemos a fundo o genocídio dos povos indígenas, que se iniciou no Brasil já na
época da chegada dos portugueses a essas terras; nunca debatemos a fundo os séculos de violência aos
afrodescendentes. Esses genocídios (ainda) não fazem parte de nossa paisagem da memória e aparecem
apenas de modo marginal em nossos livros de história.

Nos últimos tempos, a violência tem sido tratada ou na chave de sua espetacularização ou da demanda de
mais violência estatal, um remédio terrível, que facilmente se transforma em veneno. Essa incapacidade de
lidar com essa questão a não ser pela via militar é, na verdade, uma herança nefasta dessa história de
violência nunca devidamente frequentada em termos críticos. Em 2014, no entanto, os brasileiros resolveram
encarar um dos episódios da longa história de violências deste país. Voltamo-nos para os período de 1964-
1985, com o desejo de finalmente escrever e conhecer o que se passou naquele período. Demoramos para
chegar nesse ponto. Sabemos como em outros países pós-totalitarismos e pós ditaduras esse movimente se
deu de modo muito mais acelerado. Os países do Cone Sul são o exemplo constante que nos acossa.
Chegamos, ou pelo menos eu cheguei, a ter a impressão de que finalmente a “virada mnemônica”, em termos
de um despertar para os Direitos Humanos, estava finalmente se dando no Brasil. Esses direitos são calcados
na política de reparação às vítimas do terror de Estado, na memória dos fatos hediondos, na reconstrução da
verdade e na busca da justiça, conquistada por meio das instituições jurídicas.

Havíamos optado até agora pelo momento menos conflituoso dessa política dos Direitos Humanos, a
reparação financeira. No campo da memória, fomos até agora um estrondoso fracasso. Nossos “hermanos”
latino-americanos não entendem como até hoje nomeamos nossas estradas, pontes, cidades e bairros
homenageando aos militares que comandaram os governos durante a ditadura. Isso é realmente estarrecedor
e injustificável. A Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório, recomenda, com razão, que essas
homenagens sejam suprimidas. Isso é urgente. Ao invés dessas homenagens, devemos (como na Alemanha,
na Argentina, no Chile, em Ruanda, no Camboja etc.) erigir memoriais e centros de memória que tratem das
vítimas do terrorismo de Estado.

No quesito verdade, foram feitas inúmeras pesquisas na academia. Mas a verdade veio à tona sobretudo
graças ao empenho de abnegados da memória, como os agrupados na “Comissão de Familiares dos Mortos e
Desaparecidos Políticos” e no “Grupo Tortura Nunca Mais”. A CNV aportou agora um trabalho que
sistematiza e aprofunda essas pesquisas, mostrando de modo eloquente e incontornável, com o peso de uma
comissão estatal, a verdade da violência terrorista do Estado brasileiro naquele período. Mas muito ainda
resta para ser pesquisado. Sabemos dos limites desse relatório e seus autores são os primeiros a apontar a
necessidade de se seguir em frente nessa busca da verdade. O relatório, no seu terceiro volume, dedicado aos
“Mortos e desaparecidos políticos”, elenca de modo meticuloso o nome e a biografia de 434 mortos e
desaparecidos na ditadura. Esse material deve tornar-se obrigatório em nossas escolas. Só assim poderemos
promover a identificação com esses que se sacrificaram pelo país. Como vimos, o círculo daqueles que são
passíveis de nos identificarmos, depende, para se ampliar, de uma série de dispositivos, não apenas do gênero
trágico. Nesse ponto, o acesso ao testemunho dos sobreviventes das perseguições da ditadura é um material
de primeira ordem que também deve ser coletado e disponibilizado em massa, como a Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça já vem fazendo há algum tempo. O relatório da CNV indica também os prováveis
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autores dos crimes de terror. Faltaria estender essa pesquisa aos mortos e desaparecidos pela repressão aos
membros dos movimentos campesinos (abarcados apenas em parte no relatório) e aos indígenas, vítimas de
uma política de “progresso a qualquer custo”, que, como o relatório da CNV o destaca, levou à morte
milhares de membros dessa população no intuito de se abrir estradas. Também as mais de vinte mil vítimas
que sofreram tortura merecem que a verdade sobre esses fatos torne-se pública.

Por fim, no que toca à esfera jurídica, finalmente, também em 2014 alguns preciosos passos foram dados. O
Ministério Público teve a iniciativa de abrir processos contra os apontados como autores de crimes
imprescritíveis, como o são todos os crimes lesa-humanidade. O Brasil tem uma dívida para com os
brasileiros, mas também com a ordem jurídica internacional, na figura da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, e não pode fugir a esse dever de justiça. Devemos adentrar às portas da justiça para elaborar os
crimes da época da ditadura. Esquecer, perdoar ou simplesmente varrer para debaixo do tapete não são
soluções aplicáveis a esses delitos. Estamos falando de um tipo de crime terrível, cometido por agentes do
Estado contra os cidadãos que deveriam ser por eles protegidos. É evidente que nunca uma justiça total vai
ser obtida e isso não existe, ao menos aqui na Terra. Mas nesses casos as instituições jurídicas devem agir
para tornar esses processos um procedimento exemplar: além de uma reparação jurídica eles são uma
admoestação contra títeres e candidatos a golpistas. O “camponês”, da conhecida parábola de Kafka (Kafka,
1997), deve adentrar as portas da lei.

Mais importante ainda: devemos enfrentar essa elaboração jurídica da violência da ditadura, pôr em processo
esse passado, para podermos encarar de frente o nosso presente e a construção de uma sociedade mais justa.
Os Amarildos, fruto da militarização do enfrentamento da violência, são os desaparecidos e torturados de
nosso presente. Criar uma cultura da memória, da verdade e da justiça com relação à ditadura é, portanto, um
imperativo derivado de questões atuais. A memória só vale quando é “memória ativa”, calcada no presente e
não voltada apenas para o passado. Nossa “virada mnemônica” deve significar a incorporação em nossa
memória e história daqueles que foram as vítimas de nosso processo histórico de construção. Assim
estaremos ajudando a construir uma nova cultura, não mais da cordialidade (violenta), mas da autêntica e
democrática “vida em comum”.

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[1] Ésquilo, 2003. Citamos cada uma das tragédias de Ésquilo indicando a sua inicial seguida do número dos versos segundo
a tradução portuguesa e, entre colchetes, do número dos versos segundo a edição bilíngüe in: Ésquilo, 1999.
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[2] Benveniste, 1995, p. 192. Em grego os termos correspondentes são hierós (= sacer) e hágios (=sanctum). Id., p. 193.

[3] Na Poética ele descreve no capítulo XVI os reconhecimentos onde fala do reconhecimento por meio de signos: como é o
caso do que ocorre em Coéforas quando Electra reconhece o irmão devido às suas pegadas em torno da tumba do pai (que
são descritas como tekmérion, 266 [205]).

[4] As Fúrias ironizam este culto ao pai, lembrando que Zeus acorrentou seu próprio pai, Cronos, e pedem que os jurados
levem isto em conta (martiromai, E. 844 [643]).

[5] Freud repete essa mesma ordem de ideias em outras ocasiões, como emu ma passage de seu ensaio sobre Moisés e o
monoteísmo (Freud, 1996, p.132).

[6] Margalit, 2002, p. 176. Cf. o artigo “Zeugen” do dicionário de Adelung (Grammatisch-kritischen Wörterbuchs von J.C.
Adelung, 1811) onde o verbo é definido tanto como “criar algo” como também afirma-se que o termo “em primeiro lugar é
aplicado com relação ao pai. Ele só gerou [gezeugt] um filho. […] Prestar testemunho [Ein Zeugniß ablegen] confirmar a
verdade de um fato através da sua experiência. Uma mulher não pode gerar, não pode atestar. [Ein Weib kann nicht zeugen,
kann keinen Zeugen abgeben.] […] Tratou-se de uma derivação muito pobre quando Frisch e outros derivaram Zeuge e
zeugen de ziehen [puxar] porque antigamente costumava-se puxar a testemunha pelas orelhas. […]” Esta aparição da
orelha como mero instrumento para se arrastar alguém diante do tribunal não deixa de ser ilustrativa desta concepção
falocêntrica (e violenta) de testemunho como testis. Devemos pensar aqui também na tradição de torturas tendo em vista a
confissão nos tribunais de ontem e de hoje. A linguagem nesta cena é reduzida a mero instrumento, meio da prova,
substituto da experiência, sem valor em si.

[7] Se na confissão existe um despimento metafórico que muitas vezes, simbolicamente, torna-se literal, na cena do
testemunho frequentemente esta nudez é parte da estratégia de humilhação e de tortura na busca da “verdade”. Espera-se
extrair a verdade do indivíduo submetido à humilhação do desnudamento público. Este colocar a nu da testemunha visando
à transparência da verdade é um desdobramento (perverso) da visão judaico-cristã da vestimenta como encobrimento da
culpa e do pecado.

Veja também:

A dialética do senhor/escravo e o “preço” da desigualdade


Breve relato da experiência de um mestre-escola na periferia de SP – Parte 15: Marcio Romeiro
Quem paga o dízimo? O preço do poder de tributar na geração da desigualdade – Parte 14 Bernard
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5 respostas para “Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade
possível – Márcio Seligmann-Silva”
1. CORRUPÇÃO: DEMOCRACIA E DIREITO - Tercio Sampaio Ferraz Junior
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junho 26, 2017 às 10:00

[…] Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível – Márcio


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2. Contra o fanatismo textualista: Corrupção, Jeitinho Brasileiro e Estado de
Direito - José Rodrigo Rodriguez GEN Jurídico disse:
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[…] Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível – Márcio


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3. O direito à verdade entre a dedução e a prudência - Paulo Henrique Pereira
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junho 26, 2017 às 11:20

[…] Da Justiça patriarcal ao testemunho como verdade possível – Márcio


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4. O Acidente - Alan Victor Meyer GEN Jurídico disse:
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5. Desigualdades da imprensa - Eugênio Bucci GEN Jurídico disse:
junho 26, 2017 às 16:18

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