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Acerca do conceito de conseqiiéncia légica’ Alfred Tarski ‘Tradugao” de Wagner de Campos Sanz* Resumo texto a seguir € uma tradugao para o portugués do texto de ‘Tarski acerca do conceito de conseqiiéncia logica, Este texto é uma pega de andlise filos6fica daquele conceito, e serviré como base para todo o desenvolvimento da teoria de modelos, se bem que subsistem diferencas importantes entre a definigéo de um modelo, hoje corrente nos manuais de légica matemitica, e a definigdo de modelo que encontramos neste texto. © conceito de conseqiiéncia légica é um daqueles cuja trodugo no campo das investigagdes estritamente formais nfo foi uma questio de decisdo arbitraria da parte deste ou daquele investigador; ao definir este conceito, foram feitos esforgos para aproximé-lo ao uso comum da linguagem do dia- a-dia. Mas esses esforgos se depararam com dificuldades que * Nota bibliogrifica. Este é um resumo de uma conferéncia apresentada no Congresso Internacional de Filosofia Cientifiea em Paris, 1935. © artigo aparcceu impresso pela primeira vez em Polaco sob 0 titulo ‘© pojciu ‘wynikania logicenego’ em Proeglad Filosoficeny, vol. 39 (1936), pags. 58-68, «© entio no Alemio sob o titulo "Uber den Begriff der logischen Folgerung”, Actes du Congrés International de Philosophie Scientifique, vol. 7 (Actualités Scientifique et Industrielle, vol. 394), Paris, 1936, pgs. 1-11, ? Para esta tradugio tomamos como base @ texto em inglés em A. Tarski Logic, Semantics and Metamathematics: papers from 1923 to 1938 (LSM), Oxford, Claredon Press, 1956. pgs. 409 a 420. Stefano D. Stival teve a paciéncia ¢ a dedicasdo que resultaram na transrigio ¢ digitagdo do presente texto, aele nossos agradecimentos. 5 Universidade Federal de Géais, Departamento de Filosofia Princpios UFRN Natal v8 n.10p. 220-233 Jule 2001 usualmente apresentam-se em tais casos. Com respeito a clareza do seu contetido, 0 conceito usual de conseqiiéncia nao ¢ de forma alguma superior aos demais conceitos da linguagem do dia-a-dia. Sua extensdo no é precisamente delimitada e seu uso € flutuante. Qualquer tentativa de harmonizar todas as tendéncias possivelmente vagas, algumas vezes contraditérias, que esto conectadas com 0 uso deste conceito, esta certamente destinada ao fracasso. Nés devemos nos conformar, desde o ponto de partida, com o fato de que toda definigao precisa deste conceito iré mostrar caracteres arbitrérios em maior ou menor rau. ‘Até bem recentemente, muitos légicos acreditavam que tinham conseguido, por meio de um estoque relativamente magro de conceitos, apanhar quase que exatamente 0 contetido do conceito usual de conseqiiéncia, ou antes, definir um novo conceito que coincidia em extensio com aquele usual. Tal renga poderia facilmente surgir dentre os novos. resultados da metodologia da ciéncia dedutiva. Gragas ao progresso da logica matematica nés aprendemos, no curso das décadas recentes, como apresentar as disciplinas matemdticas sob a forma de teorias dedutivas formalizadas. Nestas teorias, como & bem conhecido, a prova de todo teorema se reduz aplicacdo uma ou mais vezes de algumas regras de inferéncia simples - tais como as regras de substituigo ¢ modus ponens'. Estas regras dizem- nos quais transformagdes de um tipo puramente estrutural (isto 6, transformagdes nas quais unicamente a estrutura externa das sentengas esti envolvida), tém que ser realizadas sobre os axiomas ou teoremas jé provados na teoria, de modo que as sentengas obtidas como resultado de tais transformagdes possam elas mesmas ser consideradas como provadas. Os légicos pensavam que esas poucas regras de inferéncia cexauriam 0 conteiido do conceito de conseqiiéncia. Sempre que uma sentenga segue-se de outras, ela pode ser obtida a partir delas - assim era pensado - de forma mais ou menos trabalhosa por meio de transformages prescritas pelas regras. De modo a defender esta visio contra os céticos que duvidavam que 0 * Nota do Tradutor. Em inglés aparece "detachment" Princip: FN Natal v8 m0 p. 220-283 ble. 2001 te conceito de conseqiéncia quando formalizado desta forma realmente coincidiria em extensio com 0 conceito usual, os légicos estavam aptos a apresentar um argumento de peso: 0 fato de que eles tinham, em realidade, conseguido reproduzir na forma de provas formalizadas todos os raciocinios exatos que alguma vez tivessem sido feitos na matematica. No entanto, hoje nés sabemos que o ceticismo era bastante justificado © que a visio esquematizads acima no poderia ser sustentada. Alguns anos atrés, eu dei um exemplo bastante elementar de uma teoria que mostra a seguinte peculiaridade: entre seus (eoremas ocorrem sentengas.tais como: ‘Ao. 0 possui a propriedade dada P, A\. | possui a propriedade dada P; ¢, em geral , todas as sentencas particulares da forma: Ag. possui a propriedade dada P, onde "n” representa qualquer simbolo que denota um mimero natural em um dado sistema de numeracdo (por exemplo, o decimal). Por outro lado, a sentenga universal: ‘A. Todo mimero natural possui a propriedade dada P, no pode ser provada com base na teotia em questio por meio das regras normais de inferéncia.* Este fato parece-me falar por i mesmo. Ele mostra que o conceito formalizado de conseqiiéncia, como ele & geralmente usado pelos légicos matemiticos, de forma nenhuma coincide com o conceito usual. JA intuitivamente parece certo que a sentenga universal A segue- se, no sentido usual, da totalidade das sentengas particulares AgAiyonApenDesde que todas essas_sentengas _sejam verdadeiras, a sentenga A deve também ser verdadeira Em conexio com situacdes do tipo recém descrito, mostrou-se a possibilidade de formular novas regras de inferéncia as quais nao diferem das antigas na sua estrutura * Para uma descricio detalhada de uma teoria com esta peculiaridede, veja o capitulo IX ([LSM] - Some Observations on The Concept of o-consistency and o-completeness); para a discusséo da regra intimamente relacionada da indugdo infinita, veja 0 capitulo VIM ({LSM) - The Concept of Truth in Formalized Languages), pig. 258 e subseqientes. Prinsipios UFRN Natal v8.10 p.220-233 Julies, 2001 223 logica e sio, intuitivamente, iguaimente infaliveis, isto é sempre conduzem de sentengas verdadeiras a sentencas verdadeiras, mas que ndo podem ser reduzidas as antigas regras. Um exemplo de uma tal regra ¢ a chamada regra de indugo infinita, de acordo com a qual a sentenga A pode ser considerada como provada, desde que todas as_sentencas AGA noAne- tenham sido provadas (os simbolos "Ao", "A,", etc, sendo usados no mesmo sentido prévio). Mas esta regra, observando sua natureza infinitéria, é, em aspectos essenciais, diferente das antigas regras. Ela pode ser aplicada unicamente na corstrugio de uma teoria se nds tivermos primeiro conseguido provar uma quantidade infinita de sentengas dessa teoria - um estado de coisas que nunca é realizado na pratica Mas este defeito pode facilmente ser superado, por meio de certas modificagdes da nova regra. Com este propésito nés consideramos a sentenga B, que afirma que todas as sentengas AgAjonAnan 880 demonstrdveis com base nas regras de inferéncia até aqui usadas (ndo que elas de fato tenham sido provadas). Nos entio estabelecemos a seguinte regra: se a sentenga B est demonstrada, entdo a sentenga correspondente 4 pode ser aceita como demonstrada, Mas aqui ainda poderia ser objetado que a sentenga B nio é de modo algum uma sentenga da tcoria em construgdo, mas pertence @ assim chamada metateoria, (isto € & teoria da teoria discutida) e que, em conseqiiéneia, uma aplicagdo pritica da regra em questio exigird sempre uma transi¢go da teoria para a metateoria.” De modo a evitar esta objecdo, nés iremos restringir nossas consideragdes aquelas teorias dedutivas nas quais a aritmética dos nimeros naturais pode ser desenvolvida, e observar que em todas as teorias deste tipo todos os conceitos ¢ sentencas da ‘metateotia correspondente podem ser interpretados (desde que ura correspondéncia 1-1 pode ser estabelecida entre as ‘expressées de uma linguagem e os niimeros naturais)’. Nos 5 para 0 conecio de metateoria o problem da interpetasdo de uma metteria na correspondent tori, ves VIM, pig 167 es, 184,247 © 38 "para o corto de meateori'e © posi da nerpeasto de uma meteor xa conespondee era, vj argo VI p. 167 58,184 © pp. 247 €38 Principios UFRN Natal v.8n, 10 p. 220233 Juldez. 2001 24 podemos trocar na regra discutida a sentenca B pela sentenga B’, que é a interpretagdo aritmética de B, Dessa forma nds obtemos uma tegra que nao se desvia essencialmente das regras de inferéncia, seja nas condigdes de sua aplicabilidade, seja ne natureza dos conceitos envolvidos na sua formulacio, seja finalmente, na sua infalibilidade intuitiva (embora ela seja consideravelmente mais complicada). ‘Agora & possivel estabelecer outras regras de igual natureza, € mesmo tantas quantas queiramos. De fato, é suficiente observar que a regra recém formulada é essencialmente dependente da extensto do conceito "sentenga demonstravel com base nas regras até aqui utilizadas". Mas quando nds adotamos essa regra, nés dessa forma ampliamos a extensio deste conceito, Entio, para a extensio ampliada nés podemos apresentar uma regra nova, aniloga, e assim ad infinitum. Seria interessante investigar se existem quaisquer razbes objetivas para atribuir uma posi¢do especial as regras comumente utilizadas. ‘A conjectura que surge naturalmente é a de se nds teriamos finalmente os meios de capturar 0 contetido intuitivo completo do conceito de conseqiéncia pelo método acima esquematizado, isto é, suplementando as regras de inferéncia usadas na construgao das teorias dedutivas. Fazendo uso dos resultados das teorias de K. Gédel* nbs podemos mostrar que esta conjectura é insustentavel. Em toda teoria dedutiva (com excegdo de certas teorias de um tipo particularmente elementar), embora suplementando as regras usuais de inferencia por novas regras puramente estruturais tanto quanto desejemos, € possivel construir sentencas as quais seguem-se, no sentido usual, dos teoremas dessa teoria, mas que no entanto no podem ser rovadas nessa teoria com base nas regras de inferéncia admitidas’. De modo a obter 0 conceito apropriado de * Ch, Gédel, K.(Ober Formal Unentscheidbare Sétze der Principia Mathem: lund Vervandter System I, Mh. Math, Phys, XVII, 1931), especialmente pig 190. "De modo a antecipar possiveis objegdes, 2 amplitude de aplicasSo do resultado reoém formulado deve ser delimitado mais exatamente e 2 natureza logica das regras de inferéncia exibida mais claramente; em particular, deve ser explieado cexatamente 0 qu significa o carter estruural dessasregras Principe UFRN Nal v8.10 p.220233Julldex. 2001 conseqiiéncia, que € préximo, em esséncia, ao conceito usual, nds devemos langar miio de métodos bastante distintos e aplicar lum aparato conceitual bastante diferente ao defini-lo, Talvez ‘no seja supérfluo apontar de antemo que - em comparagio com 0 novo - 0 antigo conceito de conseqiiéncia comumente usado pelos logicos matematicos de nenhum mado perde a sta importincia. Este conceito sempre teri, provaveimente, um significado decisive para a construgdo pritica de teorias dedutivas, como um instrumento que permite-nos provar ou refutar sentencas particulares dessas teorias. Parece, no entanto, ‘que em consideragdes de uma natureza teérica geral o conceito apropriado de conseqiiéncia deve ser posto em primeiro plano." ‘A primeira tentativa de formular uma definigéo precisa do conceito apropriado de conseqiiéncia, foi aquela de Camnap."' ° Uma oposiio eave os dois conceitos em questo claramentesponiads 20 meu anigo IX, pig 295 cs. No enano, em const com © meu poato de vita presets, It fu me expresava de uma maneira deciciamente negative acerca da possiblidade Je suabeleer uma defngfo formal exata pars 0 conceto dequado de consqitncia Mista posicdo naquele momento ¢ expicivel pelo fo de que, quando eu extra esrevendo o argo menconad, eu desejava evr qutisermeioe de vonstugto que fossem alée tora dos ios, em qualquer de suas formas rosa qe ¢ impossivel definso enceitoapropado de conseqiéciaadequadamen ngusnio wsaios exclsvamente os meiosadmsnves na teria clisica dos tipo 90 tmenos eno. deveamos.limtar noses consideregdes somente a. inguagens formaizadss de um carter elementa efagmentar (pra Ser eat, s assim chamadas Iinguagens de ordem fini, cfe.o artigo VI, espevaimente pig. 268 ss). Radolf Caray (Logische Syaiax der Sprache, 1934 {LSS)}, n0 seu lwo exvemameste imeresante, spice 0 temo deriagdo (Iigca) ov derivabilidade 2 antigo conceit de ‘onseainea como & comuneatetsado na cons de teoras dedutvas, de modo & Astingu-lo do conceito de consegiénea como o conceto spropriado. A oposi eave ‘os des coneion & extendida por Carap aos mais dveros conceitos drivados CT. es pig. 8 8. ¢ 124 © sel tambem enftiza - pra tim cortamente ~ a imporincin do conceit apfopisdo de conseiénia e\ dos concetos dele derivads, para as discusses toticas em Berl (fe, por exemplo Se. 25) "CE Camap, R. [LSS], pig. 8 e ss. ¢ Camap, R. (Ein Gitigkeitskriterium fir die Sitze der Klassischen Mathematik, Mh, Math, Phys, 1935, (GSKM)), especialmente pig. 181. No primeiro dessestrabalhos, existe ainda uma outra definigio de conseqiéncia que esti adaptada a uma linguagem formalizada de um tipo elementar. Esta defini no é considerada aqui, porque ela ndo pode ser aplicada a linguagens com uma estrutua 1Sgica mais complicada. Carap tenta definir 0 conceito de conseqiéncia légica ndo apenas para linguagens cespecais, mas também dentro do quadro do que cle chama de "sinaxe gera. Nos tereraos mais a dizer acerca disso na nota de rodapé. Princpios UFRN al v.8 10. 220253 Juldez 2001, 2s Mas esta tentativa esta conectada muito proximamente com as propriedades particulares da tinguagem formalizada que foi escolhida como objeto de investigagio. A definigéo proposta por Camap pode ser formulada como se segue: A sentenga X segue-se logicamente das sentencas da classe K se e somente se a classe consistindo de todas as sentencas de K e da negagio de X é contraditéria. O elemento decisivo da definigao acima é, obviamente, 0 conceito de “contraditério". A definigio camapiana deste conceito € muito complicada ¢ especial para ser reproduzida aqui sem explicagdes longas e problematicas.'” Eu gostaria de esbogar aqui um método gers! que, me parece, permite-nos construir uma definiggo adequada do conceito de conseqiiéncia para uma classe ampla de linguagens formalizadas. Eu enfatizo, no entanto, que tratamento proposto do conceito de conseqiiéncia no tem a pretensio de ser completamente original. As idéias envolvidas neste tratamento parecerdo certamente set algo bem conhecido, ou mesmo algo de préprio, a muitos légicos que tenham dado uma atengio particular a0 conceito de conseqiiéncia e tenham tentado caracterizi-lo mais precisamente. No entanto, parece- ‘me que unicamente os métodos que tém sido desenvolvidos nos anos recentes para estabelecer a seméntica cientifica, e 0s conceitos definidos com a sua ajuda, permitem-nos apresentar cessas idéias de uma forma exata’ Certas consideragSes de natureza intuitiva serio nosso ponto de partida. Considere-se qualquer classe K de sentengas uma sentenga X que se segue das sentencas desta classe. De um ponto de vista intuitivo, munca pode ocorrer que a classe K consista unicamente de sentencas verdadeiras ¢ a sentenga X seja falsa, Além disso, desde que nés aqui queremos tratar do "2 Veja nota de rodapé anterior. "8 Qs métodos e conceitos da semintica ¢ especialmente os conceitos de verdade e satisfago so discutidos em detalhe no artigo VIII; ver também o artigo XV ({LSM] The Establishment of Scientific Semantics). Princpigs UFRN Natal v8 m.10p.220.233 Jules 2001 ww conceito de conseqiiéncia légica, isto é, formal, e portanto com uma relagdo que tem que ser determinada unicamente pela forma das sentengas entre as quais vale a relagio de conseqiiéncia, ela ndo pode ser influenciada de nenhuma forma pelo conhecimento empirico ¢, em particular, pelo conhecimento dos objetos aos quais a sentenga X ou as sentengas da classe K se referem. A relagdo de conseqiiéncia nfo pode ser afetada ao trocarmos as designayées dos objetos referidos nestas sentengas pelas designagdes de quaisquer outros objetos. As duas circunstincias recém indicadas, que pparecem ser bastante caracteristicas e essenciais para o conceito de conseqiiéncia apropriado, podem set conjuntamente expressadas na seguinte assergao: (F) Se, nas sentencas da classe K e na sentenca X, as consiantes - aparte as constantes puramente légicas ~ so trocadas por quaisquer outras constantes (signos iguais sendo, em todo lugar, trocados por signos iguais), ¢ se nds denotamos a classe das sentencas assim obtida a partir de K por "K'" ea sentenca obtida a partir de X por "X'", entéo a sentenca X' deve ser verdadeira tao logo todas as sentencas da classe K' sejam verdadeiras. [Para simplificar a discussio, certas complicagdes acidentais serdo desconsideradas aqui ¢ no que se segue. Elas esto conectadas em parte com a teoria légica dos tipos, ¢ em parte com a necessidade de eliminar quaisquer signos definidos que possam ocorrer nas sentengas das quais tratamos, isto & de ‘trocd-los por signos primitivos.] ‘Na afirmagdo (F) ns obtivemos uma condigio necesséri para que a sentenga X’seja conseqtiéncia da classe K. A questo que surge agora é a de se essa condicao € também suficiente, Se ‘essa questo fosse para ser respondida afirmativamente, 0 problema de formular uma defini¢do adequada do conceito de conseqiiéncia estaria resolvido afirmativamente. A nica dificuldade estaria conectada com o termo "verdade", que ‘corre na condigdo (F). Mas este termo pode ser exata ¢ ‘adequadamente definido na seméntica.'* Veja nota de rodapé Pringpios UFRN Nv v8 10 p. 2200283 Julien. 2001 228 Desafortunadamente a situago nao é tio favorsvel. Pode, € de fato, acontece - ndo é dificil mostrar isso considerando inguagens formalizadas especiais - que a sentenga X no se segue, no sentido usual, das sentengas da classe K, embora a condigdo (F) seja satisfeita. Esta condigo pode na realidade ser satisfeita s6 porque a linguagem com a qual nés estamos idando nao possui um estoque suficiente de constantes extra- logicas. A condigio (F) poderia ser considerada como suficiente para que a sentenga X se seguisse da classe K de senteagas unicamente se as designagdes de todos os objetos possiveis ‘ocorressem na linguagem em questo, Esta pressuposi¢do, no entanto, é ficticia e nunca pode se dar de fato"®. Nés devemos portanto, buscar alguns meios de expressar as intengdes da condi¢ao (F), que sejam completamente independentes daquela pressuposicdo ficticia, Um tal meio € oferecido pela semintica. Entre os conceitos fundamentais da seméntica nés temos 0 conceito de satisfagio de uma funcdo sentencial por um tinico objeto ou por uma seqiéncia de objetos. Seria supérfluo dar aqui uma explicagdo precisa do conteiido deste conceito. O significado intuitivo de frases como: Jodo e Pedro satisfazem a condigéo "Xe ¥ sdo irmaos", ou a tripla de mimeros 2, 3, 5 satisfaz a equagéo "x + y =z", nao podem dar surgimento a nenhuma diivida. 0 conceito de satisfagdo - assim como outros conceitos semnticos - deve sempre ser relativizado a alguma linguagem particular. Os detalhes da definicao precisa dependem da estrutura desta linguagem. No entanto, pode-se desenvolver um método geral que permita-nos construir tais definigdes para uma classe ampla de linguagens formalizadas. Desafortunadamente, "© Estas dtimas observagées constituem uma critica de algumas tentativas, anteriores de definir 0 conceito de conseqléncia formal. Elas dizem respeito, fem particular, definiglo camapiana de conseqiéncia légica ea uma sere de conceitos derivados (L-conseqincias © L-conceitos, ef. Camap, R. [LSS] pig. 137 € ss_). Estas definigdes, tanto quanto sejam definidas com base na "sintaxe geral,parecem-me materialmente inadequadas,justamente porque os conceites definidos dependem essencialmente, na sua extensio, da riqueza da Tinguagem investigads. Princpios “UFRN Nal v8.10 p.220.233 Jules. 2001 229 por razies técnicas, seria impossivel esquematizar este método aqui, mesmo em suas linhas mais gerais.’* Um dos conceitos que pode ser definido em termos do conceito de satisfasdo é 0 conceito de modelo. Vamos assumir que na Tinguagem que nds estamos considerando certas varidveis correspondem a toda constante extra-logica, de tal forma que toda sentenga toma-se uma fungdo sentencial se as, constantes na sentenga so trocadas pelas _variaveis correspondentes. Seja L uma classe de sentengas qualquer. Nos trocamos todas as constantes extra-légicas que ocorrem nas sentengas pertencentes a L pelas variéveis correspondentes, constantes iguais sendo trocadas por varidveis iguais, e diferentes por diferentes. Dessa forma nés obtemos uma classe L' de fungées sentenciais. Uma seqiiéncia arbitraria de objetos que satisfaz toda fungdo sentencial da classe L' seré chamada de um modelo ou uma realizagdo da classe L de sentencas (é neste exato sentido que usualmente falamos de modelos de um sistema axiomitico de uma teoria dedutiva). Se, em particular, a classe L consiste de uma tnica sentenga X, nés também chamaremos 0 modelo da classe L de modelo da sentenca X. Em termos destes conceitos nés podemos definir 0 conceito de conseqiiéncia logica como se segue: 4 sentenca X segue-se logicamente da classe de sentencas K se e somente se todo modelo da classe K & também modelo da sentenca X”. Parece-me que qualquer um que entende o contetido da definigao acima deve admitir que ela concorda bastante bem com 0 uso habitual. Isso toma-se ainda mais claro a partir das suas varias conseqiéncias. Em particular, pode ser provado, ° Veja nota de rodapé. Depois que 0 otiginal deste artigo tinha aparecido impresso, H. Scholz no seu artigo "Wissenschaftslehre Bolzanos, Eine Jahrhundert- Betrachtung", Abhandlungen der Fries'schen Schule, nova série, Vol. 6, pags. 399-472 (ver em particular pag. 472, nota de rodapé 58) apontou uma analogia bastante grande entre esta definicdo de conseqiéncia ¢ aquela sugerida por B. Bolzano mais ou menos cem anos atrés. Pringipios UFRN Nal v.88 10 p.220255 _Julldex 2001 0 com base nessa definigdo, que toda conseqiiéncia de sentencas verdadeiras deve ser verdadeira, e também que a relagdo de conseqiiéncia entre sentengas dadas é completamente independente do sentido das constantes extra-légicas que ocorrem nestas sentengas. Resumindo, pode ser mostrado que a condigdo (F) formulada acima é necesséria se a sentenga X é para seguir-se das sentengas da classe K. Por outro lado, esta condigao néo é em geral suficiente, uma vez que 0 conceito de conseqiiéncia aqui definido (em concordincia com o ponto de vista que nés adotamos) é independente da riqueza de conceitos da linguagem sendo investigada. Finalmente, nio é dificil reconciliar a definigo proposta ‘com aquela de Carnap. Pois nés podemos concordar em chamar uma classe de sentengas de contraditéria se ela nao possui nenhum modelo. Analogamente, uma classe de sentengas pode ser chamada de analitica se toda seqiléncia de objetos é modelo dela. Ambos conceitos podem ser relacionados néo somente is classes de sentengas mas também as sentengas individuais Vamos assumir também que, na linguagem com a qual nos estamos lidando, para toda sentenga X existe uma negacdo dessa sentenga, isto 6, uma sentenga ¥ que tem como modelo aquelas € unicamente aquelas seqiiéncias de objetos que nio sio ‘modelos da sentenga X (esta pressuposi¢do ¢ bastante essencial para a construgao de Camap), Com base em todas essas convengdes e pressuposigdes facil provar a equivaléncia das duas definicdes. Nés também podemos mostrar - assim como 0 faz Camap - que as sentengas que se seguem de toda classe de sentengas (em particular da classe vazia), ¢ somente aquelas, so analiticas, e contraditérias aquelas, ¢ somente estas, das quais todas as sentengas se seguem,'* CF. Camnap, R. [LSS] pég. 135 ess, especialmente os teoremas 52.7 © $2.8; Carmap, R[GSKM], pig. 182, teoremas 10 ¢ 11. Por sinal eu gostaria de lembrar que a definigfo do conceito de conseqiéncia aqui proposta mio excede os limites da sintaxe na concepdo camapiana (cf. Camap. R. [LSS], pag. 6 ess), Reconhecidamente o conceito geral de stisfagio (ou de modelo) ‘do pertence a sintaxe; mas nds usamos somente um caso especial deste conceito = a satisfagd0 das fungdes sentenciais que no contém constantes Principio UFRN Natal v8.10, .220-233Jullder. 2001 =i Eu no sou de forma alguma da opinido de que a0 cabo da discusso acima o problema de uma definigao materialmente adequada do conceito de consegiiéncia tenha sido completamente resolvido. Ao contririo, eu ainda vejo varias questdes abertas, uma das quais - talvez a mais importante - eu apontarei aqui. Subjacente a toda nossa construgo esti a divisio de todos os termos da linguagem discutida em légicos ¢ extra- lgicos. Certamente esta divisdo nao & muito arbitraria. Se, por exemplo, nés tivéssemos que incluir entre os signos extra- légicos os signos de implicagao, ou o quantificador universal, entio nossa definigao do conceito de conseqiiéncia conduziria- nos a resultados que obviamente contradizem 0 uso ordinério. Por outro lado, nao conheyo nenhuma base objetiva que permita-nos tragar um limite preciso entre os dois grupos de termos. Parece ser possivel incluir entre os termos légicos alguns que sio usualmente consideradas pelos légicos como extra-logicos sem incorrer em conseqiiéncias que estejam em contraste notivel com 0 uso ordindrio, No caso extremo, nés poderiamos considerar todos os termos da linguagem como légicos. O conceito de conseqiiéncia formal coincidiria entio com aquele de conseqiiéncia material. A sentenga X, nesse caso, seguir-se-ia da classe K de sentengas se ou X fosse verdadeiro ona0 menos uma das sentengas da classe K fosse falsa.”” cra ligicas - ene caso especial pode ser careterizado usando unicamente conecitos légicos gerais « sintticos especifics. Entre o conceito geral de tatisfagdo co caso especial dese conceito usado aqui vale aproximadamente sma relasdo como aguela entre o consi semintco de sentensa verdadeira e ‘9.concetasitétco de sentengaanalitic, Seed talvezinstrutivo justapor os ts conceit: "derivabildade” (ef. a nota de rodapé, "conseqiéncia formal", e "conseqiéncia material’, para 0 cas0 especial quando a classe K de seatengas, da qual a sentengaX dada se segue, ‘onsise Unicamente de um nimero fnito de sentenas: ¥.Ys..Yx. Vamos enotar pelo simbolo °Z", a sentenga conicional (a impiicagio} cujo antecedent € a conjungio das sentengas Y;,Y>u-Yn € evjo conseqiente € a SsentengaX. As seguntesequivaléneas podem se estabelecias: a sentenca X é (logicamente) derivivel das sentencas da classe K se ¢ somente se a sentenca Z é logicamente demonstrivel (iso 6, dervivel dos ‘axiomas da ligica); Principios, UFRN Natal v.81 p. 220-233 Julie 2001 22 De modo a ver a importincia deste problema para certos pontos de vista filoséficos gerais é suficiente notar que a diviso de termos em légicos e extra-légicos, também joga um papel essencial na clarificagdo do conceito de “analitico". Mas, de acordo com muitos légicos, este iltimo conceito tem de ser considerado como 0 correlato formal exato do conceito de tautologia (isto é, de uma afirmagao que "no diz nada acerca da realidade”), um conceito que para mim pessoalmente parece muito vago, mas que tem sido de importéncia fundamental para as discussdes filoséficas de L. Wittgenstein e de todo o Circulo de Viena” Investigagdes posteriores irdo sem diivida clarificar em grande medida 0 problema que nos interessa. Talvez seri Possivel encontrar argumentos objetivos importantes que iro possibilitar-nos justificar os limites tradicionais entre expressdes logicas e extra-logicas. Mas eu também considero como bastante possivel que as investigagdes nao trardo ‘a sentenca X segue-se formalmente das sentencas da classe K se ¢ somente se a sentenca Z éanalitica: ‘a sentenca X segue-se materialmente das sentencas da classe K se ¢ somente se a sentenca Z é verdadeira. Das tts equivaléncias unicamente a primeira pode estar sujeits @ certs objeyées; cfe. o artigo XII (LSM] Foundations of the Calculus of Systems), pigs. 342-364, especiaimente 346, Em conexio com estas equivaléncias fe. também Ajdukiewier, K. (Z smetodologji nauk dedukeyjnych Iwow, 1921), pig19, ¢ (Logicme podstawy nauczania, Encyclopidja Wychowania, i Warsawa 1934), pigs. 14 e 42, Em vista da analogia indicada entre as muitas variantes do conceito de conseqlncia, apresenta-se a questo de se ndo sera til introduzir, em adiga0 ‘0s conceitos especiais, um conceity geral de cariter relativo, ¢ de fato 0 ‘conceito de consegiléncia com respeito a classe L de sentencas. Se nbs fazemos_novamente uso da notasio prévia (limitando-nos ao caso em que a classe K & finita) nds podemos defnir este conceito como se segue: ‘a sentenca X segue-se das sentoncas da classe K, com respeito d classe L de sentencas se, ¢ somente se, ¢ sentenca Z pertence d classe L. Com base nesta definido, a derivabilidade iia coincidir com a Cconseaiigncia com respeito a classes de todas as sentencas logicamente ‘demonstriveis, a conseqiéncia formal seria conseqiéncia com respeito & classe de todas as senten;as analiticas, e as conseqiénciss materiais aquelas ‘com respeito a todas as sentengas verdadeiras ® Cf. Wittgenstein, L. (Tractatus Logico-Philosophicus, 1922), Camap, R. [LSS], pp. 37-40. Principis UFRN Natl v8.10 9.220.259 Julien. 2001 2B resultados positives nesta diregdo, tal que nés estaremos competidos a considerar tais conceitos como “conseqliéncia logica", "sontenga analitica’ ¢ "tautologia" como conceitos relativos que devem, em cada ocasido, com um grau maior ou menor de arbitrariedade, ser relacionados a uma divisio definida dos termos em légicos ¢ extra-légicos. A flutuacdo no ‘uso habitual do conceito de conseqiiéncia iria - em parte a0 menos - estar naturalmente refletida cm uma tal situagdo ‘compulséria. Principios UFRN Natal v.8 10 p.220-283 Jules. 2001,

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