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Estado, atores politicos e governanca Eduardo Marques Esto artigo apresenta ¢ discute elementos assaciados A utilizagao do conceito de governanga urbana em estudos sobre politica politicas pdblicas em cidades. As politicas péblices séo atravessedas por conexdes entre diversos atores, estatais e ndo estatais, cruzando fronteiras or- rizacionais e influenciadas por diveras instituigSes. Essas interagdes ‘envolvem confltos, interesses, ideias e desigualdades de recursos poli- ticos, Embora esses elementos sejam quase indiscutiveis na literatura internacional, @ mesmo nacional que trata de polticas pubicas, tém pequena influéncia nos estudos urbanos latino-americanos. Introduzir um quadro conceitual que pormita incorporartais elementos. 20 estudo de polticas ¢ politica urbanas é 0 objetivo deste artigo. Acredito ‘que 0 concelto de gavernanga pode ajudar a preencher essa lacuna. A governanga, no entanto, tem significades diferentes (RHODES, 1996; STOKER, 1998), e 6 mesmo possivel afirmar que alguns autores esperem do termo mais do que um conceito pode entrega: (KOOIMAN et al., 2008). Na América Latina, governanga tem circulado com significados bastante diverses, alguns deles fruto de uma incorporago acritica da divulgagdo internacional do conceito, 0 que resulta em uma substancial cacofonia. Neste artigo, pretendo contribuir para 2 construgéo de uma def nigdo anatitica de governanga que amplie 0 faco de estudos de polticas no Brasil para além do governo e. ao mesmo tempo, integre o estudo da poiftica (politics) com 0 das politicas (policies), especificanda os elementos sob investigagao ao invés de apenas nomeé-los. Conceituo governanga como os padres de relagao entre atores estatais ¢ nfo estatais, conectados por relagdes formais € informais, tegais e ilegais, no interior de ambientes institucionais especificos e fortemente infiuen- ciados pelos legados politicos e de politicas de cada setor de politica piblica, Definido dessa forma, 0 conceito deixa em aberto a possibili- dade de varias configuragdes de poder e resultados politicos diversos, mas também evita pontos de vista normatives que estabelegam previa- ‘mente 0s resultados a encontrar nas andlises. Artes-de realizar esse esforgo de construgéo conceitual, entre: tanto, 6 necessario sistematizar os pontos de vista que a meu ver tém ficado implicitos no debate, discutindo crticamente os principais uses do ~conceito governanga no Brasil. Assim, defino e debato na seco seguinte © que denomino as seis fiogdes presentes nos debates brasileros, para apresentar em seguida um conceito alternative de governanca. Na toroeita seeao, discuto os principais elementos a incorporar a0 estudo de padrées de governanga em cidades brasileres. A concluséo, por fim, sumariza as principais afirmagées do artigo, Os usos de governanca 0 termo governanga tem sido usado com significados muito dife- Tentes, mas no pretendo discutir detalhadamente essas definigdes, tarefa jé realizada em detalhes por outros autores (RHODES, 1996, STOKER, 1998), Por vezes, a pelavra foi utiizada penas coma uma ‘metéfora para governo (WILSON, 2000; WILSON et al., 2011), Em muitos outros casos, o conceit designava 0 governo em politicas com forte inter: dependéncie; tals como questées metropolitanas ou gestéo da égua, com diferentes énfases na participagdo social JACOBI, 2005; ABERS; KECK, 2009), Em geral, porém, € possivel dizer que a ideia de governanca, no Brasil, esteve essociada a duas formas de organizar o governo, levando a dois diferentes conjuntos de resultados, discutidos a seguir, Gestao puiblica, redugao do Estado e integragdo de atores privados Neste caso, o termo governanga surgiu na década de 1990 para Gesignar um processo especifico de elaboragao de politicas com clara associagao com a reforma do Estado - Estado minimo ¢ gestao publica erencial. A construgao do conceito, nesse caso, partiu de um diage néstico sobre as falhas do Estado na promagao do desenvolvimento {econdmico), levando a um receitudrio do que seria necessdrio cons- truir a fim de reformé-lo, permitindo melhores politicas com menos governo. Ao longo do tempo, entretanto, o receitudrio do que fazer sendo transformado. Muitas foram as linhas que levaram a esse ponto de viste da gover nanga permeada por uma visdo negativa do Estado influenciada pela Nova Gesto Publica. Dentre elas, devo listar a crise das grandes econo- mmias ocidentais nos anos 1970, @ busca por uma maior eficiéncia, @ introdugao da concorréncia com empresas privadas € Importagao «le ferramentas de esto do setor privado para a gestao publica, Tal viséio permeou grande parte das polticas promovidas por governos @ entidadles multilateriais para o chamado Sul global (BANCO MUNDIAL, 1989; OCDE, 1995). Apés alguns anos e depois de diversas refornas mal sucedicias, entretanto, ficou evidente que a prescrigéo neoliberal centrada apenas na redugao do Estado nao seria suficiente para promover o desenvotvi- mento (MOORE, 1993). Desenvoveu-se entdo uma segunda geracdo dessa mesma litera ‘ura, centrada em novas fungdes do Estado, especialmente as decicadas a regulagao, Essa agenda ecoava os debates do neoinstitucionalismo na economia, 08 quais associavam os niveis de desenvolvimento econdmico as instituigdes presentes em um certo pais (NORTH, 1990}. Segundo essa geragdo de estudos propositivos sobre o Estado, ao invés de reduzi-lo seria necessério reformulé-lo para separar suas capacilades de regulador das jé antigas atividades ligadas & promogao direta do desenvolvimento. O rece tuério inolufa a criagdo de novas agéncias para a regulaggo e a promocée da produgao privada de bens piblicos, bem comio a construgao de estru- turas de incentivos, com uma intensidade tao grande que autores como Raco (2013) sustentaram a construgdo de um “capitatismo regulatério” ras politicas urbanas no caos inglés. Dentre os promotores dessa viséio encontram-se de forma destacade os governos briténcio € norte-amert cano, mas também orgenizagdes multiaterais, especialmente 0 Banco Mundial e a OCDE (OCDE, 1995). Na década de 1980, essas organizaches promoveram poiticas de ajuste estrutural em paises pobres e em desen- volvimento, mes ignoraram os contextos e as condicdes politics ocais. As falhas dessa gerado de polticas leveram a intensas criticas contra essas organizagbes (externas @ internas @ elas), ¢a geragao subse ‘quente de poiiticas integrou, 20 menos parciaimente, dinamicas policas locais e instituigdes. Como resultado, temas como comupeao, construcao institucional, produgdio de consensos e cooperagio. prestagao de contas, legitimidade e sustentabilidade eftraram fortemente na agenda dessas instituigdes desde os anos 1990 (MOORE, 1993). Nas palavras do préprio Banco Mundial: “A Africa precisa no apenas de menos governo, mas de um governo melhor [.J” (WORLD BANK, 1989, p 5.) 'No caso brasileiro, as discusses locais sobre reforma do Estado foram intensas, mas datadas nas administragdes de Femanda Henrique Cardoso, nos anos 1990. Segundo os debates ento desenvolvidos, se goemenge 183 & governablidade e govemanga deveriam ser mantides separados € entendidos como duas capacidades diferentes deservoWvidas no interior dos sistemas politicos. A governabilidade remeteria as condigdes que garantem a deciso em politicas pUblicas, enquanto a governanga Geveria ser entendida como as “condigdes financeiras e administratives que 0 governo tem para transformer em realidede as decisées que toma” (BRESSER PEREIRA, 1997, p 7), ou “a capacidade de p6r em prética as, decisdes dos governos” (BRESSER PEREIRA, 1997, p.-18). A proposta ineluie a redefinigao das fronteiras do Estado, com éreas exclusivas para @ sua ago, e outras que deveriam ser concedidas ou prvatizadas. As pol ticas ureanas ocuparam um lugar de destaque nessa agenda baseada fem desresponsabilizagao do nivel federal e criagao de incentivos para Drivatizagao a ou a concessao de polticas como transportes, habite¢éo, saneamento e limpeza urbana. Essa reforma chegou a aprovar legisla: gées estratégicas para suas propostas, como e reletiva as organizagoes sociais, mas néo avangou na sua implementaco, até mesmo de acordo com o seu préprio formulador (BRESSER PEREIRA, 200%) ‘A reforma partiu do pressuposto de que o Estado poderia operar fora do sistema politico, ou mesmo da politica. Com excegéo dos estudos sobre as agéncias reguladoras, essa linha de andlse quase desapareceu desde a década de 2000, principaimente apés o inicio das governos Lula. Embora autores como Boschi (2003), Diniz (2003), Azevedo (2000) ¢ Azevedo e Mares Guia (2000) tenham produzido andlises sobre a reforma do Estado compativeis com uma compreensao mais densa da produgao de poltticas, a maior parte dos debates entéo desenvolvidos apenas defendeu es polticas tederais entdo em implementacao (ARAUIO, 2002), Avolovidade do declnio da reforma do Estado em debates académicos revela 0 quanto @ agenda de pesquisa no Brasil 6 orientada por conjun- tures e debates politicos, ao invés de por problemas de investigacao, 0 ‘Que torna o acimulo de conhecimento de longo prazo uma tarefa cffel Governanga Democratica / Participacao Social Para outra parte significativa da literatura nacional ¢ latino-ameri- cana, 0 conceito de governanga esta ligado &s questBes de participaggo Social, democracta, controle social e movimentos sociais em varias reas de politicas. De certa forma, a governanca ocupa aqui o mesmo Papel que a ideia de “poder local” ocupou nos debates desenvolvidos na década de 1980, mesolando descentralizagao, democratizacao e partic ago em nivel local. Em termos empiricos, essa literatura concentra-se na recente ctiagdo de instituigdes participativas. no bojo da redemocratizagao brasileira, incluindo a criagao de Consethos de politicas publicas, Orca: imentos participativos e Conferéncias nacionais (CARDOSO; VALLE, 2000: SANTOS, 2002). Por vezes, elas foram vistas como espagos ce demo- cracia deliberativa, mas também foram consideradas por outros como arenas neocorporativistas (CORTES; GUGLIANO, 2010). A maior parte dessa produgao nao especifica 0 conceito de gover nanga com o qual esté trabalhando, embora a maioria dos textos sugira que a definigdo inclui certos resultados do governo, como maior accoun- ‘ability dos governantes, reconhecimento de direitos e participagao no processo de decisao, Tal como acontece na literatura anterior, o Estado é visto com descontianga, mas nesse caso por ser consideradlo como uma fonte de controle e tutela, 0 que poderia ser atenuado pelo desenvoivi mento do controle social € da participacéo institucionalizada, Também deforma semelhante & perspectiva anterior, o termo governanga s6 pode ser aplicado quando o proceso politico contém determinacios elementos ou leva a certos resultados. Mas, enquanto a literatura anterior estava interessada nas mudengas-do-desenho institucional que conduzenr 2 eficiéncia, essa linha de argumentagao esta interessada nas mudancas, ‘que aumentam o controle social Embora haja excegdes, a maior parte dessa produgao nao leva em conta satisfatoriamente as intensas transformagdes politicas ¢ instituclo nals desde a redemocratizacao, com excegao, obviamente, do aumento a participagao social e algumes referéncias ao federalismo. A conse quéncia 6 que essa literatura incorporou apenas perifericamente dois elementos centrais para 0 funcionamento da politica e das politicas no ‘momento atual ~ a importéncia das dinémices eleitoriais e dos partidos =, € 88 especificidades das recentes reformas das pollticas puiblicas Esses problemas s80 causados, oo menos em parte, pela tematizagao da participagdo © dos movimentos soviais pelo ngulo da autonomia, coma se mobilizagdes ndo fossem construidas dentro de redes que os conectam a outros atores sociais (incluindo estatais), e como se suas demandes no fossem construidas socielmente em constante didlogo com os enquadramentos politicos @ com os conjuntos de direitos ¢ poli ticas consolidedas em (¢ por) instituigSes politicas, Para sermos completamente preciso, & necessério efirmar que uma parte da literatura mais recente sobre os movimentos socials, diferen- temente, parte do conceito neoinstitucional de encaixe para trazer para co, lores polos e eovemanga 185 Eduardo Marques 2 centro de anélise as mtitipias conexdes entre o Estado © as orgeni zagdes da socieade civil (HoUTZAGER; LAVALLE; ACHARYA, 2004; TATAGIBA, 2011), Tendo mantido uma distancia segura da ideia de auto. homia dos movimentos, essa linha de investigagao tem produzido uma melhor compreensao das miltiplas conexdes entre as mobilizagaes 8s institulgSes politicas. Isso poderla gerar um didlogo fecundo com a ogo ampliada de governanga apresentado aqui, embora a governanga do seja destacada por essa literatura. Por outro lado, tal visao 6 ainda minoritéria no interior dos debates sobre os movimentos sociais e sobra a sociedade civil Seis ficgdes locais € um conceito altemativo de governanga Tomando como base essa breve apresentagao da literatura, ‘sumarizo agora os principais problemas analiticos causados pelos atuais enquadramentos do conceita. Considero que deles decorrem 6 ficedes sobre a politica e as politicas: a e De governo pare governanga - A governanga é considerada como luma_alternativa a-governo, embora-ndo fique claro de que forms aquela poderia substituir este na formulagao e na implementagao de politicas, qualquer que seja a ideia de governaga que tenhames, Essa ideia, 8s vezes implicita, provavelmente se crigina no viés antiestatal dos dots paradigmes hegeménicos discutides anterior. mente. Qualquer arranjo de goverranga envolve grandes quanti dades de governo e de agdes do Estado, sendo portanto os seus atores absolutemente centrais para a compreensao des situagdes cexistentes. A governanga envolveria processos necessariamente positives ligados a0 bem comum - Para que essa ficgéio pudesse ser verda- deira, a0 menos uma das seguintes condigSes deveria estar sempre Presente na politica: i) os atores politicos deveriam sempre estar ‘operando para o bem comum; i) certos atores deveriam sempre comportarse dessa manelra, e seriam hegeménicos; i) algumas instituigGes deveriam forgé-los a fazé-lo, Os mais vatiados estudos j8 demonstraram, de forma cabal, que os sistemas politicos variam Substancialmente, mas no parece légico esperar que qualquer uma dessas alternativas ocorra em um mundo poltico realista, A governanga faria hierarquias desaparecerem, produzindo hor- zontalidade - Ao contrério de tal perspective, ha boas razdes para crermos na reconstrugdo de hierarquias, a0 invés da sua subs tituigo por elementos completamente horizontais. Na verdade, contra 0 senso comum, a literatura sobre gs redes de politicas Ja demonstrou de maneira eloquente que até mesmo as redes so marcadas por diversas formas de hierarquia, consicerando as posigdes, as estruturas, 0s acessos e os fluxos contidos nelas {LAUMAN; KNOKE, 1987; MARQUES, 2000; 2003). Além disso, os atores patticipam de processes politicos com seus recursos ©, como as desigualdades de recursos nao diminuem pela mera inclusdo de outros atores na formulacao de politicas, nao ha razBes para acreditar em horizontatidade, ‘Ao promover a patticipacéio, 2 governanga significaria automatica- mente mais democracia - A literatura sobre politicas publicas J mostrou que, dependendo das instituigées em vigor © das estrate- las e agdes dos atores envolvides, a participagao institucionatizada pode levar a captura de recursos de forma quase monapolista por grupos ordanizados, aijando do proceso grupos mais necessitados, ‘mas menos organizaddos e com menor capacidade de organizagao, e vocalizagao- Isso tende a acontecer especialmente nas-estruturas comorativistas, afastando, ao invés de aproximar, os resultados dla democracia (PIERRE, 2011). A governanca significaria eficiéncia ou capacidades - Essa ficgao 6 estava presente na literatura sobre a reforma do Estado, mas sobrevive até hoje com uma ideia de governanca local que a define como “processos decorrentes da relagdo entre goveno e socie- dade civil na realizagdo dos objetivos publics” (CKAGNAZAROFF. 2009}, Le Galés (20414), diferentemente, define a goverianca como um “processo ... para atingir objetivos especificos”. A substiluigdio de “pilblico” por “especitico™, aqui, remove a unidade normativa e permite que as anélises encontrom empiricamente varios resul todos. Na prética das agdes do Estado, tudo pode dar errado, mesmo {que todos 0s “bons” desenhos institucionais estejam presentes Descobrira quem tals objetivos beneticiam deve ser um produto da andlise, a0 invés de fazer parte do conceito, enviezandio os estucios. A governanga envolveria sempre dimensées prescritivas ou norma tivas ~ Com isso, o uso do conceita nos deixaria livres para conjec- lurar sobre o “bom governo” ou “as melhores praticas”. Observemos separadamente as duas dimensdes. Com relegao & primeira exoressdo, autores cldssicos como Joseph edvanda Maroves 8 ‘Schumpeter e Harold Lasswell sugeriram, nos anos 1930 e 1940, que 2 pergunta relevante diz respeito a se especificar para quem 0 govemno & * bom, ou “quem obtém o que, quando e onde” (LASSWELL, 1936), A ideia de melhores préticas, por outro lado, fol intensamente disse- minada recentemente por agéncias muttilatereis, como o Banco Mundial, ‘No Brasil, alguns autores desenvolveram 0 conceito alternativo de boas Praticas (Farah, 2007), 0 qual difere do do Banco Mundial porque permit varias soluges para cada problema de politica. Embora esse seja um desenvolvimento importante, ambas as ideias assumem que: i) as pol ticas podem “viejar" entre os contextos ¢ i) a concepgao e a imple mentagao de boas politicas envalvem, orincipalmente, encontrar boas solugées técnicas. A literatura sobre as politicas pablicas jé mostrou intensamente que as politicas “viajam” com grandes dificuldades ontre as diferentes condigées locais, Por outro lado, éjé relativamente consen- ‘sual que os processes politicos - atores, confltas, aliangas - e as condl- ‘bes locais (instituigdes, dentre outros) so os elementos que mais explicam os resultados das politicas piblicas, e no os seus desenhos. Consequentemente, nao é exagero afirmar que aprendemos mais sobre © funcionamento dos. governos ede suas politicas por meio-do-estudo das "piores préticas” (entendendo as politicas que deram errado), do que estudando as melhores e mais bem sucedidas. Como podemos ento definir 2 governance, de forma a aproveitar as potencialidades do conceito sem incorrer nos problemas discutidos cima? A partir de autores como Stoker (1998) ¢ Le Galés (2011), defino overnanga como os padrées de relacdo entre os atores estatais @ nda estatais, conectados por relagdes formais e informais, legais e ilegais, que operam nas varias fases da produgo de pollticas no interior de ambientes institucionais especfficos e fortemente influenciados polos legades politicos e de polticas de cada setor de p vemos mais de perto os varios elementos dessa definig&o: As distingdes entre Estado e sociedade e entre politica ¢ polticas do analiticas ¢, apesar de cada um desses campos estar associado a caracteristicas especiticas, intimeras formas de conexéo esto presentes entre eles, o que influencia o proceso politic. Todas as fases de elabo- ago das politicas envolvem atores estatais e nao estatals que atuam e exercem influéncia sobre as politcas. 0 concelto de governanca permite a Incorporacdio sistematica de atores estatais e néo estatais, sem esta belecer frontelcas rigidas e preestabelecidas entre eles. Além disso, 0 proceso de decisao politica dificmente é autérquico, no sentido do poder emanar de um nico decisor ou implementador Quase sempre depende de vérias organizagbes, como ja fol discutido intensamente pela literatura das redes de politicas pablioas (LAUMANN: KNOKE, 2987; MARQUES, 2000; 2003). No entanto, nao me parece que a governange corresponda apenas a um conjunto de redes auto-orga: rizadas, como sustenta Rhodes (2006). Ela € composta também pelas instituig6es e organizagdes que cercam os atores conectados por tais redes, bem como por suas configuragdes @ recursos de poder, ou, para usar uma expressao classica da andlise politica, a “estrutura de poder existente em cada caso. Para autros autores, # governanga deveria ser entendida como os arranjos entre 0s atores baseados em redes de relagdes, sendo distinta de outras madelidades de produgdo e de coordenagéo orgenizadas por i) Mercados ou ii) hierarquias (RHODES, 1996; 2006). Apesar de concordar novamente com a centralidade das redes, acredito que essa 10 6 necessariamente a melhor interpretacdo que se pode ter, uma vez que as redes também estao presentes nessas outras formas de produzir coordenagao nos mercados, em todas as relagdes de troca, © nas hierér quias, nas-superposigdes-0-conexdes.entre-as-organizagdes.-Como ja sustentava a Sociologia relacional de forma cloquente (TILLY, 2000), as tedes representam o tecido da sociedade e esto presentes em variadas ‘emutantes formas de conexdo entre os diversos atores. Outre dimensao importante diz respeito a0 fato de 4 ideia de gover rnanga admitir ainda a incorporagao de processos ilegais e informais as interpretagdes sobre as polticas piblicas. Muitas vezes, tals processos foram entendidos como rufdos, defeitos ou problemas menores que deveriam (@ poderiam) ser eliminados das politicas, sendo desejével que nos concentréssemos apenas em lagos formais e intencionais, assim como em processos legals. Diversos autores ja destacaram que ‘uma parcela significativa do processo de produgao de paltticas pablicas envolve atividades e relagdes informais. Varios dos vinculos organizacio nals existentes so de fato relagdes pessoais ¢ informais mobilzadas ‘em ocasides formals, mas construftos para outros fins ou sem propdsito algum. 4 institucionalizagao dessas relagdes em algum momento espect fico faz parte dos processos de construgdo e desconstrugao dos tipos de vinculo presentes na redes entre pessoas © organizacbes, endo de um processo acabado e defintivo, Adicionalmente, uma parte significativa dos processos politicos envolve elementos negativos, falhas, erros, © até mesmo processos Est, ones pentense gavernancs 8 eduando Meraues 2 legals. isso acontece nao s6 na América Latina mas também em paises com instituices muito mais consolidadas, j4 descrito pela idoia dos {ridngulos de ferro nos EUA (FIORINA, 1989), ou pelas diffculdades para ntar as redes entre as organizagdes. 0 conceito de governanga pode exatamente permitir a incorporagio empirica de tais dimensoes, ‘embora uma interpretagao positiva aprioristica de governanga impessa que isso acontega, Como ja se mencionou, é spenas a inciusdo desse “lado negativo” da governanga que pode permitirnos descobrir por que e quando acontecem dimensdes ou processos considerados negativos. Finalmente, a idela de governanga permite a incorporagdo em um Unico conceito anaiitico de varias padres de conexao entre os atores e as instituigdes, o que torna muitas situagdes comparaveis. A ideia aqui, entrotanto, nao é apenas a existéncia de varios padres de governanga em casos distintos, considerando-se suas caracteristicas. Padroes de governanca diversos podem coexistir no mesmo lugar e no mesmo momento, por exemplo, em diferentes teas politicas ou em aspcetos especificos delas. 0 estudo comparativo desses padrées pode ajudar ‘a compreender como as varias configuragdes de atores, instituigées ‘edes interagem para criar diversas, condigdes de produgao de politcas. Atores, legados institucionais e politicas ptiblicas Quais seriam entdo os mais importantes atores e instituigées a considerar, no caso das politcas urbanas? € possivel sustentar teori- camente a importéncia de quetro grupos de atores nos padrées de governanga urbana ~ burecracias © agéncias estoteis de ciferentes Riveis de governo, politicos @ partides politicas, empresas privadas cujo Processo de valorizagao se baseia na produgéo da cidade, e os movt mentos sociais. Por outro lado, as conexdes, disputas e aliangas entre esses atores ocorrem no interior de varios contextes institucionais, que também devem ser considerades. Embora parte substancial do que se segue seja de amplo conhecimento, a sistematizagao das informagdes ajuda a construir o quadro conceltual proposto. No Brasil, uma das caracteristicos institucionals mais abrangentes @ ser considerada € o federalismo com trés niveis de governo. Na grande ‘maioria dos setores de polticas, © governo federal tem um importante + Em Marques (2013), ensaio uma eplicaggo desse concalto para mapear 0s padrées ‘de governanga oresentes nas polices urbanas em Sdo Paulo. papel nos processes decisérios, mas os governos locais (estedos ou muni Chpios, dependendo do setor da politica) possuem panéis proeminentes na entrega de servigos e em sua implementagéo (ARRETCHE, 2012). Os legados das polticas publicas, por outro lado, tendem a ser marcados pelo histérico de cada setor, o que define as responsabilidades pelas polticas para cada nivel de governo, no apenas em termos legais mas também com relagdo aos seus prestadores viretos. No caso das politicas urbanas, planejamento, uso e controle do solo, transporte pablico sobre pneus, coleta de tio e drenagem urbana estao sob a responsabilidad dos muni cipios, enquanto transporte piiblico ferrovidrio, policiamento ¢ regulagao ambiental so claramente de controle dos estados. Habitacao. controle do tréfego, abastecimento de agua, esgotamenta sanitério Sao providos tanto petos estados como pelos municipios, dependendo da presenca de companias lovais e de acordos de concessao. Parte substancial desses ‘Servigos € contrataca com empresas privadas, 0 que explica a importancia dos capitais do urbano discutidos 2 seguir. Surocracias locais tendem a ser fracas na maioria dos municipios, apesar de suas capacicades estarem crescendo rapidamente, em grande parte devido aos incentivos das poli ticas federais (ARRETCHE et at, 2012}. Entretanto; mesmo quando-poue insulados e capazes, 0s atores estatais presentes no setor esto no caminho de produgao das polticas piiblicas, sendo portanto encarregacios de uma parcela significativa das decisdes, assim como da sua implemen: taco. A consideragdo dos atores estatais é, pois, fundamental para a ‘compreenséo do arranjo de goveranca de qualquer poitica, Essas caracteristicas do federalismo brasileiro formecem especitic dades importantes para a formagao das coalizdes poiiicas loceis. Dife rentemente do caso dos Estados Unidos, os govemos locais tém acesso a recursos financelros relativamente estavels para tais poiiticas no Brasil. 'Nos municipios maiores e mais ricos, esses recursas tm origem tanto em impostos de base focel (IPTU ¢ ISS) quanto em transferéncias federeis Mas, mesmo municipios pequenos e pobres tém acesso a transferéncias federais autométicas e/ou cirecionadas a polticas (ARRETCHE, 2012) Portanto, apesar de @ promogao do crescimento ser um objetivo politico importante (¢ gerar discursos politicos com consequéncias eleitorzs) do é a base mais comum e estével para a coaliza0’das elites. como no caso das "maquina de crescimento” de Molotch (1976). Por outro lado. ‘no caso brasileiro, empresas privadas S80 centrais no financiamento das campanhas eleitorais, por meio de contribuigdes legeis ilegais. Mes a promogao de discursos em tomo do crescimento e da criagao de conexde: ese governance sta, ates oo arto Marques 192 que alimentem campanhas pode ser aleangada por melo de relagoes ‘com fornecedores privados de servigos e de obras piblicas, ao invés de incorporadoras, como nos casos mais comuns presentes na literatura intemacional (e descritos pelo modelo da maquina de crescimento). Essa Giferenca, baseada em razbes politices ¢ fiscais, pode trazer grande espe- * cifcidade para as coalizées, quando comparadas com o contexto interna. Cional. No Brasit, as coalizdes urbanas podem passar pela terra ¢ pela renovago urbana, mas também por projetos piblicos de construgao em grande escale, que envolvam pontes, viedutos, ténels, por exemplo. Outro aspecto institucional central é a presenga do que a literatura nacional denomina presidencialismo de coalizao (FIGUEIREDO; LIMONG!, 1999}. Desde 0 retorno @ democracia, nenhum presidente brasileiro obteve controle sobre poder legislative, mas a grende matoria da legis- lagdo_aprovada tem sido enviada pela presidéncia. Isso ocorre devido & combinagao de poderes legislativos nas mdos da presidéncia e de varias instituiges dentro das cdmares legisiativas, as quais deram grande poder 0s partidos @ aos lideres no Congresso, promovendo a disciolina parti- déria, Some-se a isso a ocupagao de posigdes-chave no executivo, que & intensamente_negociada entre a_presidéncia-e-os-partidos-pollticos, evando 4 um modelo presidencialista com fortes tragos de parlamente- rismo. 0 resulteido é um executive forte (contrariando a hipétese da litera- tura internacional hegeménica), mas cuja forga depende das negociagdes ‘com 03 partidos (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999). Embora essa descrigao iga respeito 20 nivel federal, o mesmo tipo de situago se observa local- ‘mente, once “municipalismos de coalizéo” também se fazem presentes. © papel do poder judiciario também tem sido reforgado, tanto no que diz respeito as tendéncias para a judicializagao da politica quanto pelos novos papéis ocupados pelo Ministério Pablico, designado pela Constituigao como o defensor dos chamados direitos difusos (ARANTES, 2000). Devido a essa responsabilidade, o Ministério Pablien pode iniciar lum processo judicial sem 0 envolvimento do individuo ou do grupo cujo direito tenha sido violado. Essa nova institulgdo tem produzide impor: tantes efeitos nas politicas socials, inclusive nas politicas urbanas, Apesar de federais, essas caracteristicas também esto presentes Nos nivels estadual e municipal. Estudos existentes sobre as politicas locais sugerem que 0 papel dos vereadores € pequeno em termos de ropor legislagao (especialmente legislago que néo faga parte da ‘agenda do prefeito), excete em momentos de aprovagao de importantes. legislagdes urbanas, tais como o Plano Diretar, a Lei de uso do solo, ou grandes projetos urbanos que envolvam legisiagao especifica. Nesses momentos, 0s vereadores ocupam um papel-chave no processo dect sério, ¢ diferentes grupos sociais atuam intensamente, exercendo fobby sobre o legislativo. Na maior parte do tempo, entretanto, a sua influéncia sobre as polttcas ocorre pela ocupagao ou pelo controle de posicdes no executive em troca de apoio legislativo. No caso de Sao Paulo, desde a metade dos anos 1980 esse poder tem sido exercido pelo controle por parte dos vereadores de uma significativa parcela dos servigos pres tados pelas subprefeituras (antes administragdes regionais), respon. sdvels pela regulagdo sobre construgdes, por pequenas obras de pavi mentacao de ruas, fiscalizagdio da coleta de lixo @ outros servigos de manutengao diria. Esses poderes locais S20 concedicios pelos prefeitos 1205 vereadores, uma vez que eles quase nunca conquistam maiaria elei toral e tém de compor amplas aliangas parlidarias, na construgdo de ‘municipalismos de coalizdio”. Além de burocracias, politicos e partidos politicos, outros atores felevantes incluem empresas privacias envolvidas com a producaa da cidade, ou 0 que denomino de capitais do urtsano. Por capitais do urisano nd pretendo designaragdes coletivas ou individuais de interesses capr talistas localizados em cidades, na constitui¢go de alguma forma de corporatismo local. Nas cidades brasileiras contemporaneas, 0 conjunto de capitais realmente relevante para as politicas urbanas 6 aquiele que extrai seu proceso de valorizagao diretamente da produgiio ¢ do funcio namento da cidade. Eles so compostes por pelo menos trés tipos cife rentes, considerando-se suas relagdes com 0 Estado e 0 papel do solo Urbano nos seus processos de valorizagao. ‘Um primeiro tipo de capital do urbsano inclu a indtistria ca incorpo: raga, jé tratada pela sociologia urbana marxista destle os anos 1970 (TOPALOY, 1974). Seus ciclos de valorizagio so fortemente denendentes da disponibilidade de terras e tornam-se cristalizados em locais eapeci ficos. Seus produtos 30 vendidos diretamente no mercado, que tende a ser compatitivo exceto no caso de projelos construidos em locais muito importantes, com caracteristicas de monopélio. Durante cada ciclo, esses capitals interagem com as construtoras com os proprietarios de terra (podendo sobrepulé-los), mas seus lucros tém origens bastante distintas, Enquanto as construtoras buscam lucros industriais € 0s proprietarios de terra cobram pelo uso do soto, os incorporadores lueram com o desenvol vimento de projetos que alterem os valores da terra deviddo @ mudancas de uso. Como a terra nao 6 produzida, seu prego 6 associa a0 uso Estado, ators potion &pocenang x ‘que ela recebe, Ao mudar 0 uso do solo, os incorporaderes mucam 0 ‘seu prego € criam assim um sobrelucro capturado por quem controla 0 processo, Estado influencia as suas taxas de lucro ao regular e planejar © solo urbano, mas geraimente nao é um comprador direto dos produtos imobiliavios. A forte énfase da literatura de estudes uroanos 20 papel esses atores justifica.se pela sua capacidade de transformar 0 uso do solo e, com isso, criar tendéncias espaciais que influenciam regites inteiras da cidade. Por razOes bvias, 0s interesses dos incorporadores so fortemente localizados no espaco. Em termos de agao coletiva, os mals importantes atores desse tino, ‘no Brasil, Sao os sindicatos de incorporadoras e empresas do mercado imobilidrio (no caso de S80 Paulo, 0 SECOV!). Sua acdo normalmente é observada durante © proceso de aprovagao de leis municipels - tais como Planos Diretores, legislagao de uso e ocupagto do solo, etc -, fazendo lobby pelo setor. Mas, além dessa pressao corporativa, que mais se verifca no setor é a pressao individualizada sobre 0 poder piibico ea classe politica para a aprovagao de empreencimentos especticas. A indistria da incorporagao tern-se modificado em S80 Pavlo nas Gitimas: décadas,-em-parte-seguindo-as-mudangas-do- mercado nacional dda habitago, Ao menos trés ciclos produtives aconteceram desde a rede- ‘mocratizagao. Os dois primeltos, ocorridos entre 1985 ¢ 2003, eram alta- mente concentrades teritorialmente no centro expandido, a regido mais rica {a cidade, e focados na produpao de alto padrdo, especialmente durante 0 primeiro periodo (MARQUES, 2005). Aprofundando as achados de Shimbo (2012), Hoyier (2014 reorganizou os cicios e propés um terosiro ciclo a partir: de 2008, com proporgées maiores e crescentes de unidades habitacionais de baixo valor cirigidos para a classe mécia baixa e construidos por grandes empresas, viabiizadas pela abertura de capital de incorporadoras. no mercado de agSes desde 2006 (SHIMBO, 2012}. Nesse ciclo, a locelizagao dos projetos tencieu a sor menos concentrada nas reas centre, As poltcas federais recentes do Minha Casa Minha Vida certemante reforgaram essa tendéncia, torando dificil distinguir em futuro préximo a procugéo pética dda via mercado, considerando o formato de implementagso de poltica, © segundo tipo de capital do urbano inclui equeles envolvidos na produgao de infraestrutura urbana. Em termos de processos produtivos, ele tem similaridaces com a inddstria da construgao em geral, visto que seus proceso de produgéo combinam fatores de produgao para criar mercadorias (construgées). Mas nesse caso a terra urbana néo se conf ura como uma questao a resolver, nem representa um elemento central nos processes de valorizagao. A disponibilidade de tera é resolvida pelos compradores dos servigos, que também definem as localizacdes das obras, sejam eles incorporadoras privadas (que criam loteamentos * e necessitam de infraestrutura), seja o Estado (que compra infraestru: {ura urbana em geral). Como suger em Marques (2000; 2003), a grande maioria desse mercado atua como um oligopsénio - diversos vende: dores, mas apenas poucos grandes compradores, grande parte deles agéncias estatais que lancam editais e contratam a construgao cle infraestruturas. Portanto, a formacao de pregos, a quantidade e a quail: dade dos produtos nesses mercados dependem substancizlmente: do ‘que acontece no interior do Estado. Esses mercados tém, como conse- ‘uéncia, caracteristicas politicas intrinsecas, e as empresas privadas tém fortes incentivos para tentar influenciar o Estado. A presenca de corrupgao poltica, portanto, nao € derivada apenas polos desenhos instituctonais, mas também da conformagéio do mercado. Um terceira e titimo grupo de capiteis do urbano envolve pres- tadores de servicos urbanos, tais como transporte piblico urbeno ¢ coleta de fixe, Assim como no caso anterior, o Estado é praticamente ‘'Gnico-comprador-e-repete-a-estrutura- de-concorréncieroligospanica, assim como 2 natureza politica do mercado. Da mesma forma que no caso anterior, a importancia do solo urbano é pequena, Diferentemente daquele outro mercado, entretanto, os contratos nao esto pulverizados no tempo e no espago, so mais raros, muito duradouros e atingem regies espaciais amplas. Isso cria especificidades para os padrdes de governanga, aumenta os interesses em jogo em cada mudanga de politica ou nos episédios de contratagao de servigos, mas concentra os interesses durante a vigéncia de contratos e concessées na implemen tagdo, na fiscalizagao e na regulagao dos servigos. Outra especificidade 6 que, nesse caso, o que esté em questao é o prdprio funcionamento ‘a manutengao da cidade, o que tomna este setor muito menos suscetivel 8s crises financeiras e fiscats do que os anteriores. Um comentario adicionat sobre os capitais do urbano deve ser feito ‘quando se considerar sua importéncia entre as empresas privadas nacionais do Brasil. Dada a construgao historica da economia brasileira, as empresas privadas nacionais, estrangeiras ¢ o Estado especializaram-se em setores specifics, na conformacao do que Lessa ¢ Dain (1982) demominaram ‘le triplice alianca. Essa diviséo foi naugurada nos primeires anos da industa lizago, nos enos 1930, mas foi reforgada petas dinamicas econdmicas dos governos militares nos anos 1970. 0 Estado @ as empresas privadas estran- std, sores pices e governance Ecvatdo Moraues 8 fires engajaram-se, respectivamente, em infraestrutura/bens Intermed. £08 € nos mais modemas ramos da indistria de transformagdo. Os capitis brasieiros especiatizaram-se principalmente no setor bancéio (setor poste- "lormente privatizado de forma intensa nos anos 1990) e na construgo cil, Esse setor representa hoje, inclusive, um des setores econdmicos em que. § {empresas brasitciras operam intemacionaimente como muttinacionais, Um Elemento adicional diz respeito 20 fato de as elites locals se encontrarem “s fortemente envolvidas com os setores die construgéo @ de incorporagéo, Embora haja apenas evigéncias locaizadas e episédicas, estudos de caso apontam para a existéncia de um nimero consideravel de prefeltos e secre trios municipais que séo ligados diretamente & industria da construgaa/ incorporagao, ou se encontram ligadios a esta Glime por times vinculos de ‘ede. Isso cra, obviamente, grandes dliculdades para as polticas de plane- Jamento ou de regulagdo da terra. Essa diffculdade poltica é ainda maior Porque a terra sempre fot um ativo econémico muito importante para as eles locas, cada a fragiidede histérica do mercado financeto no pais, A importancia dos capitais urbanos é, portanto, inegavel, embora seja necessério especificer em cada caso que capitais e com quais caracteristcas se fezem presentes.nos padrbes-de govemance das poli ticas urbanas, 'Na outra ponta da estrutura social estéo os atores populares. No caso de Sao Paulo, os movimentos soci foram muito fortes nas décades de 1970 © 1980, constituindo-se em importantes atores da mudanga de regime para a democracia (SADER, 1988). Ao longo dos anos 1980, ‘8 metrépole sediou importantes movimentos e assoclagées, organizadas Pringipalmente em toro das demandas de sate, saneamento ¢ habe tagao. A produgio de programas de habitagéo, baseados em autocons ‘rugdo em So Paulo e outras cidedes da regi, fol infuenciada deci- desde a década de 1990, em parte devido a presenga de outros canals de participagéo e agao politica apés a democratizagao, incluindo ONGs e participacao direta na execugao de politicas publices. O principal tera de ago dos movimentos sociais em Sao Pauio hoje é habitagdo, espe- cialmente nos movimentos de moradores do Centro, que promovem @ E ocupagao de prédios abendenades nessa regio (TATAGIBA, 2011). Ao mesmo tempo, as reformas recentes das pollticas aumenteram substan: ciaimente @ participagdo social na produgao das mesmas por meio dos. Conselhos de Politicas ¢ das Conferencias Nacionais (TATAGIBA, 201.4). A sociedade civil organizada tem, portanto, ocupado um novo papel & transite da “centralidade ativa” para a “centralidade passive", de acordo com autores como Gurza Lavalle, Castello e Bichir (2008). Os Conselnos proliferaram desde os anos 1990 nos governos locais e, posteriormente, no-nivel federal. Mais recentemente, diversas. Conferencias.Nacionais, especificas de setores de politicas, foram criadas de forma a estimular a particioaeao e incluir um maior nimero de participantes do que aqueles presentes nos Conselhos regulares de politicas pablicas. Portanto, movimentos sociais podem ser relevantes e influentes no padrdes de governanga urbana, dependendo das configuracdes institu clonais e das estruturas de poder locais, tanto mediante mobilizacdes coletivas quanto participando de instituigdes participativas locais. Conclusao Neste artigo, apresentel um concelto de governanga para o estudio da politica e das politicas urbanas. Esse conceito pode contribuir pera a Incorporagao precisa e sistematica de atores processos externos 20 Estado, relagdes informais e mesmo ilegais. Tal contribuigao, entre: tanto, s0 serd relevante se se escapar de conceituagées normativas e aprioristicas de governanga. Diferentemente, sugiro a incorporagao dos padres de relagao entre atores, estatais e nao estatais, cercados por instituigdes € legados especificos e conectados por vinculos de diferentes naturezas e em constante dindmica. Sob 0 ponto de vista i i a 197 Eeuarto Maraves 8 Instituoional, € fundamental considerer os papéis do federalismo e do tesidenoialismo de coalizao. No que diz respeito aos atores, s2o poten ‘sialmente importantes as burocracias ¢ as agéncias estatals (inclusive Judiciais), os politicos, os capitals do urbano e os movimentos sociais. A proominéncia de cada um deles dependeré, substancialmente, des estruturas de poder local, das instituigdes presentes em cada caso ¢ dos padrées de relagao entre eles, Bibliografia ABERS, R.; KECK, M. Mobilizing the Stote: The Erratic Partner in Srazil's Participatory Water Policy. 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