You are on page 1of 12
COORDENADORES Giovanni Alves Mirian Gongalves Maria Luiza Quaresma Tonelli Wilson Ramos Filho ( PAPEL DA MIDIA ENCICLOPEDIA DO GOLPE voi.2 INSTITUTO IE ae Projeto Editorial oe PRAXIS canalOeditora 1* edigao 2018 Bauru, SP Copyright© Projeto Editorial Praxis, 2018 Coordenador do Projeto Editorial Praxis Prof. Dr. Giovanni Alves Consetho Editorial Prof. Dr. Giovanni Alves (UNESP) _Prof, Dr. Ricardo Antunes (UNICAMP) Prof. Dr. José Meneleu Neto (UECE) Prof. Dr. André Vizzaccaro-Amaral (UEL) Profa. Dra. Vera Navarro (USP) Prof. Dr. Edilson Graciolli (UFU) Capa Giovanni Alves Foto da capa Francisco Proner Ramos Curador juridico Reinaldo Santos de Almeida Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) P2142 O papel da midia: enciclopédia do golpe — Vol.2/ Giovanni Alves et al. (coord). — Bauru: Canal 6, 2018 233 p. 23 cm, (Projeto Editorial Praxis) ISBN 978-85-7917-4 2-8 1, Comunicagio de massa - Aspectos politicos 2. ‘Comunicagdo de massa e opiniio piblica 3. Propaganda politica 4, Impeachment - Brasil 1. Alves, Giovanni. II. Goncalves, Mirian, IIL. Tonelli, Maria Luiza Quaresma, IV. Ramos Filho, Wilson. V. Titulo. DD 320.14 Projeto Editorial Praxis Free Press is Underground Press wwweditorapraxis.com br Impresso no BrasilPrinted in Brazil 2018 (Os verbetes publicados sio de responsabilidade exclusiva dos autores, luz dos direitos fandamentais de conscitncia e de expressio,e nio correspondem necessariamente & posicio da Editora, dos organizadores,coondenadores e curadorjuridico da obra, SUMARIO INTRODUGAO JORNALISMO A BRASILEIRA. ......0.000200cccseeeseesseeteesseeneeeseenees 5 Mino Carta AGENCIA LAVAJATO 0.000. ..000eeecee Paulo Moreira Leite .W COMUNICAGAO PUBLICA .... Laurindo Lalo Leal Filho CONSTITUIGAO MIDIATICA Rogerio Dultra dos Santos DIARIOS NACIONAIS.........0000000000 Fernando Anténio Azevedo 39 FAKE NEWS .. Camilo Vannuchi FALSO CONSENSO Miguel do Rosério FASCISMO ... - Bajonas Teixeira de Brito Junior 66 FOTOGRAFIA .. Lula Marques Rodrigo Vianna GRUPO RBS... Marco Weissheimer 93 IMPERIALISMO : Francisco Sierra Caballero MANCHETES . Olimpio Cruz Neto 12 MERCADO Francisco Fonseca 129 ‘MISOGINIA - 137 Fleonora Menicucci Jidlia Martim NAO REGULAMENTAGAO ......... 146 Tarso Cabral Violin ODIO A ARTE - 154 Christiele Braga Dantas ORGANIZAGOES PATRONAIS........60000cc0cceceeseceseteseeesereeeess 159 Renata Mielli PACTO DAS TEVES...... - 166 Altamiro Borges REACIONARISMO EM REDE ... 17 Sandra Bitencourt REDES SOCIAIS.....00.000000eeseeee ceveeeeeeseeseeseesees 178 Emerson U, Cervi REVISTAS SEMANAIS. .........-.- - 186 Frederico de Mello Brandao Tavares SEQUESTRO DO JORNALISMO ... 194 Frederico Filllgraf TELEJORNAIS ... we : sess 200 Bia Barbosa TERRORISMO ECONOMICO - 208 Bruno Santos VOCACAO GOLPISTA.. Paulo Henrique Amorim VOZ DE DEUS...... 6.260206 0 cece eee + 28 Elson Faxina ‘VOZES DOS DONOS +. 226 Patricia Cornils REDES SOCIAIS Emerson U. Cervi! As Redes Sociais Online (RSO) substituiram, nas ultimas décadas, o interes- se, o ntimero de acessos e a centralidade dos websites tradicionais no ambiente digital. No que diz respeito as interacées, a internet surgiu como mecanismo de contados par-a-par, via e-mail. No entanto, o desenvolvimento de aplicativos que permitem as relagdes entre grupos fez crescer o interesse por esse tipo de pagina online. O passo seguinte foi a migracao para as paginas de RSO de contetidos que circulavam originalmente em websites tradicionais. O efeito dos ambientes digi- tais sobre o debate de temas piiblicos cresceu exponencialmente com a chegada das RSO*, Pela sua alta capacidade de atracao, hoje os contetidos que mais circu- lam em ambientes online sio aqueles que passam pelas redes sociais. Houve na dltima década uma concentracao de acessos, interesses e postagens em paginas de RSO, principalmente Facebook, Whatsapp, Instagram e Twitter. Embora com diferentes caracteristicas e funcionalidades, os aplicativos sero tra- tados aqui como RSO por permitirem o contato par-a-par ¢ a difusao de conte. tidos em grupos formados por algum tipo de interesse comum. Ao contrario do que se imagina, as RSO nao sao espacos abertos indistintamente, como os websi- tes tradicionais. Elas t8m limitadores que sio impostos pela propria formagio dos grupos ou comunidades ¢ pelos mecanismos que os responsaveis pelas paginas possuem para direcionar contetidos, notadamente os algoritmos, mas também as hashtags e os plug-ins de links de textos externos a RSO. Ainda assim, ndo se pode mais pensar em algum fenémeno social de grande porte sem considerar a intervengao do que se convencionou chamar de ambiente digital (Jenkins, 2006). Antes das RSO tomarem conta do interesse humano na internet, esperava-se um potencial emancipatério dos espacos digitais, Fles seriam grandes facilitado- res do exercicio da cidadania. Por consequéncia, as RSO deveriam servir como uma fonte de bigdata sobre preferéncias, opiniées, gostos e humor dos usuarios 1 Gientista politico, professor do Programa de Pés-Graduacdo em Ciéncia Politica da Universidade Federal do Parand e coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicagio Politica e Opinio Piblica (CPOP). 2 Para uma discussio detalhada sobre as caracteristicas principais e diferencas entre web 1.0, web 2.0 e ps-web ver Gomes, 2004. THB oPAPELOA MiOW | EnciCLOPEDIA D0 GoLPE vo..2 a servico do aprofundamento das interagdes entre os usudrios (Aguado & Na- varro, 2013). A reducdo das barreiras econémicas e culturais para a participagao daria voz 4s minorias anénimas até entdo. Uma profusio de fontes ¢ de visdes de mundo sobre temas publicos surgiria das intervengdes nos espacos digitais. No entanto, com as RSO, o que se concretizou foi a “sociedade dos segredos” (Pas- quale, 2017), com trolls’ e bots' estimulando o acesso a determinados contetidos, com informagées distorcidas, distantes da realidade e que levam os usuarios a pensar e a agir em um mundo idealizado, favorecendo os comportamentos emo tivos, baseados em crencas e valores pré-estabelecidos, e néo na razéo que parte de consideragées faticas do mundo real. A ideia de que nao hé, para quem ja est conectado & internet, barreiras para participar das RSO, aliada ao fato de que milhdes de pessoas interagem cotidia- namente nas redes sociais, intervindo em postagens de terceiros ou produzindo seu proprio contetido, é falsa. Ela transmite a impressdo de que todos tém as mes- mas condigées de intervengao nesses espagos. Existem, porém, capacidades dis- tintas para producao e difusdo de contetidos nas RSO. O que as RSO produzem de fato é uma ambiente semiptiblico para o debate de temas piiblicos®. Elas podem inclusive reforcar desigualdades de condigdes de manifestacao j4 existentes no debate off-line. Distintas capacidades de difusdo de contetidos explicam os efeitos que as RSO impéem sobre contetidos externos a elas, notadamente com origem de meios de comunicasio tradicionais. Do ponto de vista do proprietério da RSO, a fonte de poder é a capacidade de analisar comportamentos a partir de bigdata. Numero de acessos e interagdes a determinado espaco ou contetido indica capacidade de mo- bilizacao. Uma consequéncia da concentracao de trafego da internet em RSO é0 direcionamento da publicidade comercial a esses espagos. Assim, quem tem mais acessos consegue monetarizar seus contetidos - e como a publicidade comercial migrou para as redes sociais, todo o sistema de producao de contetidos comercial seguiu a mesma direcdo. Meios de comunicacao tradicionais se obrigaram a abrir 3. Participante das redes sociais cujo comportamento tende a desestabilizar a discussio e as pessoas envolvidas. Seu objetivo é provocar emocionalmente os integrantes de uma comunidade ou part cipantes de um debate sobre assunto potencialmente controverso, 4 uma abreviagio da palavra em inglés “robot”, usado para definir perfisfalsos em RSO. Trata-se de um programa de computador criado produzir comportamentos repetitivos, Em redes sociais tem alta capacidade de difusio de conteiidos. 5 Aqui tratamos exclusivamente das paginas de redes sociais abertas, que agregam milhes de con- tas e diferentes interesses de interagio, Pesquisas, como as de Mendonga (2009) tém demonstrado que espagos online mais especializados e com menor volume de participantes conseguem contri- buir para uma interago racional entre seus membros, que normalmentejé possuem algum tipo de conhecimento especifico sobre o assunto. eves soains 119 perfis em todas as RSO quando perceberam que os links nas redes sociais multi- plicavam os acessos aos contetidos de seus websites. As RSO introduzem uma complexidade adicional, pois atuam em uma velo- cidade superior a dos meios tradicionais, influenciando a forma de producao des- ses iltimos (Campos, 2008). Outra consequéncia é que, em se tratando de temas pliblicos, as redes favorecem o surgimento de climas de opiniao mais instaveis ¢ de dificil identificagao devido & maior mobilidade e fragmenta¢ao dos usuarios (Feijéo et al, 2009). A desproporgao na forma de acesso aos contetidos dos meios de comunicagao, os mecanismos de direcionamento nas RSO ea concentracio da publicidade comercial explicam as transformagées no comportamento dos meios de comunicagao tradicionais no Brasil. Até o advento das RSO, o modelo predominant diferenciava os contetidos jornalisticos dos interpretativos/opinativos. Os contetidos jornalisticos estavam dissociados do interesse comercial - ou pelo menos nao havia uma busca expli- cita pelas audiéncias. Com as RSO, a rentabilidade dos contetidos passou a ser diretamente proporcional ao volume de acessos a eles. Isso leva & consequente substituigao do modelo comercial de midia equilibrada em busca do cidadao médio para um modelo digital radicalizado, que tem por objetivo se aproximar de um dos extremos e nio no centro. © ambiente das RSO gera dindmicas que afetam a forma como os cidadaos se relacionam entre si e com as informagées. Mas, principalmente, altera a forma como os atores politicos (individuos ou insti- tuigdes) canalizam suas informagées ao puiblico (Van Dijck, 2016). Isso contribui para o aumento do interesse, ntimero de interagées e circulacdo dentro de polos extremados de discussao. As RSO provaram que posicées extremas, ainda que em minoria, s4o mais, ativas que as centradas (Santiago et al, 2017). E nas redes sociais nivel de atividade é igual a rentabilidade. Isso fez com que os meios de comunicagao tradicionais abandonassem o modelo de jornalismo comercial, substituindo-o por contetdos mais apelativos. Ao mesmo tempo, surgiram websites que “imitam” o formato de meios de comunicagio em busca da credibilidade deles para produzir e difun dir contetidos falsos, as chamadas fake News. Pesquisas documentaram que na campanha presidencial norte-americana de 2016 dezenas de milhares de tweets foram escritos por bots (KOLLANYI, HOWARD e WOOLLEY, 2016). Com as RSO, surgiram empresas especializadas em produzir e difundir noticias falsas que se retuitam, ocupando espaco de destaque nos contetidos que conseguem grande circulacéo nas redes. As caracteristicas apresentadas até aqui dio as RSO as condigées perfeitas para se transformarem em espacos que corroem a democracia. Por um lado, ha uma falsa imagem de que todos tém acesso a tudo e, principalmente, que to- dos tém as mesmas condigées para participar e difundir conteddos. Por outro, proprietérios ¢ administradores das RSO com capacidade para impulsionar e 180 oPAPELOA MiOW | EnciCLOPEDIA D0 GOLPE vo..2 direcionar contetidos nao assumem responsabilidades pelos efeitos desse direcio- namento. Some a isso a alta concentragio de recursos publicitarios nos espagos das RSO. Agregue a necessidade que os meios de comunicagao tradicionais ttm de seguir atras da publicidade. O toque final é a capacidade que intermediarios de contetidos tém para produzir fake news, criarem péginas parecidas com meios de comunicagao tradicionais, usarem trolls e bots para alavancar contetidos par- cial ou totalmente falsos, seja em favor de determinados grupos e personalidades publicas ou em desfavor de outros. A soma de todas essas caracteristicas gera 0 oposto do esperado inicialmente da internet e tem como efeito a dissociagao entre participagdo e cidadania. Pode ser na forma de um furaco para a democracia, como aconteceu com a primavera arabe. Ou como dcido que corréi lentamente a democracia, substituindo 0 cidadao pelo cinico que busca destruir qualquer interacio legitima, Dada a complexidade que o sistema ganhou, a saida tem sido buscar algum tipo de responsabilidade algoritmica, transparéncia e responsabili- zacio dos agentes das RSO (Pasquale, 2017). O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016, é um exemplo de intervencao das RSO nas discussées publicas. na esfera politica, nao na social. Nao foi um movimento espontaneo surgido da sociedade para as instituigdes de representacao, Foi, ao contrario, com a sociedade seguindo os estimulos que vinha recebendo das elites politicas e sociais, catalisados pelos meios de comunicacao tradicionais e com a potencializagao das RSO. A crise politica que resultou no impeachment em 2016 deu-se entre final de 2014 ¢ inicio de 2015, embora ndo exista um consenso sobre o evento detonador do processo. Pode ter sido 0 comportamento do candidato derrotado em 2014, Aécio Neves (PSDB), que apresentou deniincias & justica eleitoral sobre possiveis fraudes nas eleigdes daquele ano. A consequéncia natural de tal atitude (inédita entre os derrotados a presidéncia até entdo) seria o enfraquecimento da imagem publica da presidenta reeleita. Outro ponto de partida pode ter sido 0 temor que a elite politica passou a sentir dos avancos das investigagdes realizadas pelo Mi- nistério Publico Federal contra lideres de todos os partidos politicos relevantes do Pais, O fato de Rousseff nao colocar freios na Operacao Lava Jato, em curso desde 2013, teria isolado politicamente a presidenta e detonado a crise. Ou entao, o pon- to de partida do impeachment teria sido a eleigio, em janeiro de 2015, do entio deputado Eduardo Cunha (PMDB) para a presidéncia da Camara de Deputados. Cunha, aliado de Rousseff no primeiro mandato, candidatow-se a presidéncia da Camara como opositor ao governo e venceu o concorrente indicado pelo partido da presidenta (outro fato inédito). A partir de entao, o impeachment passou a contar com o mais importante aliado, o presidente da Camara, responsavel pela execucio institucional do processo. Independente do ponto de partida da crise na esfera politica, ela ainda passou por dois estagios antes de resultar no impeachment propriamente dito. Se fosse teve inicio eves soains 181 apenas a imaturidade para enfrentar a derrota, medo de ser preso ou disputas por indicagées a cargos politicos, nao teria transbordado da esfera politica para a social. Mas, paralelo a tudo isso, o Brasil passava por uma crise social desde 2013, com estagnacao da economia e incapacidade do governo para apontar solucées. sem passar pelo sacrificio da elite econémica. Ao cobrar dos setores produtivos a parte que Ihes cabia para combater a crise, o governo Rousseff se indispés com 0 “mercado” e esse foi o ponto de inflexao que transformou uma crise politica em crise de representacao social, tornando-a fatal para o governo. Ea partir de entio que as RSO desempenham um papel importante. Flas condensaram os interesses de uma elite politica contrariada, de uma elite econdmica insatisfeita, dos meios de comunicacio tradicionais enfrentando um novo concorrente e de uma classe média urbana temendo ser a maior prejudicada pela crise econémica. Todos os elementos descritos acima foram manuseados de forma profissional por agéncias e instituicdes politicas que utilizavam ao mesmo tempo (i) meios de comunicagao tradicionais produzindo um “jornalismo de campanha® em busca de mais interacdes e da retomada de reconhecimento publico; (ii) intermedia- dores de contetidos falsos ou parcialmente falsos’ para explorar o medo e o pre- conceito dos usuarios das RSO via desinformacao; e (iii) comportamento reativo de usudrios ainda com pouca ou nenhuma experiéncia como usuarios de RSO, levando propagacao de contetidos sem verificacao e ausente de senso de respon- sabilidade pelos préprios atos. Um consércio digital formado por elites politicas descontentes com as op- Ges do governo Rousseff, elites econdmicas insatisfeitas com os efeitos de politi- cas publicas e uma classe média urbana pouco informada das consequéncias da crise passou a responsabilizar o governo Rousseff pelos seus problemas reais ow potenciais. Com as escolhas dos tipos de cobertura dos meios de comunicagio tradicionais, tudo foi sublimado na imagem abstrata do combate a corrupsao. As RSO foram o instrumento adequado para desestabilizagio politica, a ferramenta ideal aos ataques pessoais irresponsiveis, o mecanismo eficiente & mobilizagao populista de solucdo fécil para problemas complexos - usada principalmente pelo Ministério Piblico Federal -, 0 vetor para recolocacao dos meios de comunicagio tradicionais como distribuidores de contetdos relevantes e a valvula de escape para segmentos da populagao que até entéo nao tinham experimentado formas 6 Definido aqui como um tipo de jornalismo que se concentra na producio de conteddos para refor «ar ou comprovar determinada posicéo pré-estabelecida pelo meio de comunicacio. A manuten ‘0 da posigio prévia é0 que determina as pautas, oenquadramento predominante até mesmo as fontes a serem ouvidas sobre o tema. Raramente as fake news difundidas nas redes sociais sio totalmente desprovidas de alguma rela «com a realidade. las guardam uma parte de informages reais, mas, a partir dels, difundem idealizagies deslocadas da realidade 182 oPAPELDA MIDI | EnciCLOPEDIA D0 GOLPE vo..2 tio amplas de manifestacdo das suas insatisfagées*. Durante o processo de impe- achment de Rousseff, as RSO foram tudo isso, menos um elemento em favor do aprofundamento das discussées democriticas, do esclarecimento publico para tomada de deciséo consciente e da busca pela integragio social. O resultado foi a queda na qualidade da democracia, com redugao na confianga nas instituig6es = inclusive no judicidrio -, polarizacdo e ideologizacao vazia do debate, apresenta- 40 das deficiéncias das elites politicas e econdmicas do pais - notadamente o ca- rater antropofigico da elite politica - e demonstragées de comportamento pouco civilizado do cidadao médio brasileiro - notadamente a aporofobia’ e emociona- lidade exacerbada nas RSO. A impossibilidade de responsabilizar os envolvidos nas discussées nas RSO é a origem do retrocesso na nossa democracia e do avan- 0 dos discursos de édio" No entanto, seria um equivoco concluir que as RSO so responséveis pelo desfecho do processo de impeachment de Rousseff. Isso equivale considerar a tecnologia como determinante das ages humanas, quando na verdade sio as in- satisfa¢des, incompeténcias e pré-conceitos existentes na sociedade que explicam 08 fatos politicos ocorridos entre 2015 e 2016. As patologias sociais que aparecem nas manifestacées online nao foram criadas pelas RSO; inclusive estiveram pre- sentes nas manifestagées de rua, off-line. Elas fazem parte da sociedade brasilei- ra. As RSO ofereceram uma ferramenta para tornar os agentes patolégicos mais explicitos. Além disso, é dificil medir quanto que das manifestagées radicais nas RSO sao de seres humanos e quanto é difusio de contetidos por bots ou trolls. E possivel imaginar que as RSO sao mais doentes que seus usuarios. ‘As proprias redes poderiam ter sido usadas como espaco para contraposi- 540 das fake news, manifestagéo ideolégica e puramente emocional. Para isso, bastaria que os meios de comunicagio tradicionais tivessem optado por manter 9 modelo comercial, com predominio da apuracéo e manutengao da busca pela 8B equivocado transpor automaticamente os comportamentos identificados nas RSO para toda a populagio brasileira, De acordo com a Pesquisa Brasileira de Midia (2016), 39% dos brasileiros diz nao acessar a internet nem uma vez por semana. Além disso, a concentragio dos usuitrios se dé nas regides metropolitanas do Pais, Dos 69% que acessam internet, mais de 98% dizem usar pelo menos um aplicativo de redes socais, Desses, rés em cada quatro diz ter uma conta ativa no Facebook. 9 Aporofobia, conforme definido por Cortina (2017), é aversio a pobre manifesta publicamente de forma expliita ou implicit. ‘Trata-se de uma das patologias socias, assim como racismo, xenofo- bia, antissemitismo, misoginia ou homofobia, 10 Discurso deédio aqui é entendido como qualquer expressio que incita, promove ov justfica o ddio ow aversio a determinado grupo social de maneira intolerante. Tem o objetivo de estigmatizar ¢ abrir espaco para hostilidades, dissolvendo o sentimento coletivo pela difusio de mensagens des- trutivas. Assim, discurso de édio é entendido como uma patologia social. Virios paises jé adotam medidas legais para combater odiscurso de ddio, ustamente por nao poder ser confundido com 0 livre diteto & manifestacéo. AEDES socins 183 objetividade ao invés da opsao por maior potencial de mobilizacdo emocional. Masa decisao editorial nao foi essa. Incorporaram blogueiros polemistas aos por- tais de contetidos, articulistas sem compromisso com a realidade e talentosos em distorcer fatos a favor de suas préprias vises de mundo. Ao fazer isso, 0s meios de comunicagao tradicionais deixaram-se engolir pelas RSO. Os responsaveis pela decisio defendem-se dizendo que nao havia opsao. Era isso ou o fim, pois a sociedade nao estava interessada em financiar a produgao equilibrada e im- parcial de contetidos. A tinica opgao seria o jornalismo de campanha difundido nas redes sociais com apoio de hashtags, trolls e bots administrados por agentes. politicos. De uma forma ou de outra, os meios de comunicagéo pagaram um alto preco pelas escolhas e por estimularem debates online baseados na pés-verdade" Apesar de tudo isso, se houver alguma responsabilizacdo formal dos provedores e difusores de contetidos, aliada ao aprendizado que o proprio uso da ferramenta permite, é possivel imaginar que as RSO tenham menos impacto sobre o debate e as posicdes publicas de individuos e instituigdes no futuro. REFERENCIAS AGUADO, J. & NAVARRO, HT. Comunicacién mévil, ecosistema digital ¢ industrias culturales, In J Aguado, C. Feijéo, & I. Martinez (coords). La comunicacién mévil. Hacia un nuevo ecosisteme digital Barcelona: Gedisa, 2013. CAMPOS, F. Las redes sociales trastocan los modelos de los medios de comunicaci6n tradicionales. Re vista Latina de Comunicacin Social, N. 11 Y. 63, 2008 (p. 287 2293). CORTINA, Adela. Aporofobia, el rechazo al pobre: un desafio para la democracia. Madrid: Ediciones Paid6s, 2017, FEIOO, C, etal. Exploring a heterogeneous and fragmented digital ecosystem: Mobile content. Telema tics and Informatics, N. 25 V. 3, 2009 (p. 282 a 292) GOMES, W, Transformacées da politica na era da comunicacio de massa, Sao Paulo, Paulus, 2004 JENKINS, H. Convergence culture. Where old and new media collide. New York: University Press, 2006 KOLLANYI, B, et al. Bots and automation over Twitter during the second U.S. presidential debate. COMPROP Data Memo, 2016. Disponivel em: http:/ipoliticalbots org/wp-content/uploads/2016/10/ Data-Memo-Second-Presidential-Debate pdf MENDONGA, R. FA cooperagéo na deliberag4o piblica: um estudo de caso sobre o referendo da proi bigao da comercializagio de armas de fogo no Brasil. Dados - revista de ciéncias sociais, V. 52, N. 2, 2009 (p-507 542) PASQUALE, Frank. A esfera piblica automatizada, Revista Libero. N. 29, 2017 (p. 16235). 11 Aqui, pés-verdade é entendida como as circunstancias nas quais os fatos objetivos tém menos relevincia para moldar as opinies dos individuos em uma discussie do que o apelo & emogio e is erencas pessoais. 184 opAPeLOA MiOw | EncicLoPEDIA D0 GoLPE vo..2 RELATORIO. Pesquisa Brasileira de Midia, Secretaria de Comunicagio da Presidéacia da Repablica - Thope. Brasilia 2016. SANTANDER, P, et al. Redes sociales, inteligencia computacional y prediccién electoral: el caso de las primarias presidenciales de Chile 2017, Cuadernos.info, N.41, 2017 (p.41 256) VAN DIJCK, J. La cultura della conectividad: una historia critica de las redes sociales. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2016. ADEs soains 185

You might also like