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TTHIAGO LOPES LIMA NAVES FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. So Paulo: Revista dos Tribu. nais, 1992. GOMES, Luiz Flavio, CERVINI, Raul. Crime organizado: enfoques criminolégico, jurfdico (Lei 9.034/95) e politico-criminal. Sdo Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. HASSEMER, Winfried. Seguranca ptiblica no Estado de Direito. Revista Bra. sileira de Ciéncias Criminais. S4o Paulo, n. 5, jan./mar. 1994. LOPES, Mauricio Ant6nio Ribeiro, Apontamentos sobre o crime organiza- doe notas sobre a Lei 9034/95. Justiga penal: criticas e sugest6es. Sao Paulo; Revista dos Tribunais, 1995. NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. A lei da “caixa preta”. Justica penal: criticas e sugestdes. S40 Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. PIMENTEL, Manoel Pedro. Contravengdespenais. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. ‘ REZENDE, Beatriz. Vargas Ramos Gongalves de. Do concurso de pessoas, Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1993. 162p. (Dissertagio de Mestrado). i SANTOS, William Douglas Resinente dos, PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Comentérios a lei contra o crime organizado (Lei n. 9.034/95). Belo Hori- zonte: Del Rey, 1995. SILVA, Juary C. A macrocriminalidade. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. TOLEDO, Francisco de Assis. Principios bdsicos de direito penal. Sao Pau- Jo: Saraiva, 1984. 424 ] “PUNICAO E ESTRUTURA SOCIAL”: AS IDEIAS CRIMINOLOGICAS DE RUSCHE E KIRCHHEIMER Rodrigo de Abreu Fudoli Sumério. 1. As historias das prisdes. 2. “Punigo e estrutura social”: 0 mar- xismo’a servigo da criminologia. 3. Méritos. 4. Desenvolvimentos posteriores. 5. Criticas. 6, Especificidades do caso brasileiro. 7. Conclusdo. 8, Referéncias bibliogréficas. 1 ASHISTORIAS DAS PRISOES ‘So muitas as interpretagdes sobre a consolidagdo da penitenciéria, no século XVIII, como local especifico para a execugdo das penas privativas de liberdade. Dentre os esforcos feitos nesse sentido, destaca-se oestudo de Rusche eKirchheimer, Punigdo e Estrutura Social (1939). Almejamos anotar as prin- cipais criticas feitas & obra dos crimindlogos alemées. As penitencidrias nascem no século XVI, mas a expansfo ea consolida- 40 de tais instituigGes, na qualidade de locais precfpuos para abrigar condena- dos & pena privativa de liberdade, sao posteriores: coincidem coma Revolugio Industrial e com o advento da sociedade capitalista (século XVI). Lé-se ami- tide na historiografia tradicional que os fatores que redundaram na adocao ma- ciga da pena privativa de liberdade, em substituigao As penas capitais e aos castigos corporais, derivam de idéias iluministas, vidas por afastar as priticas Punitivas de que langava mao o Antigo Regime. 425 DE ABREU FUBOLE 2 REUFUDOLE O Século das Luzes ndo mais se harmonizava com tais priticas. Era pre- ciso humanizaro sistema penal. A racionalidade que governou as idéias wiunfan. tes no século XVII desvinculou o Direito de fundamentos mégicos ou religio. os,’ para conferir-Ihe lastro na natureza humana e na vontade geral dos mem- bros da comunidade (contrato social). (grande desenvolvimento cultural havido desde 1500? serviu de substrato para que os iluministas possibilitassem um sensfvel avango nos estudos sobreas, relagGes sociais. . Sendo assim, repudiaram-se as penas cruéis; eivindicou-sea observin- cia do principio da legalidade; o castigo imposto ao violador de lei penal, doravante, impunha-se que fosse proporcional as lesGes causadas por ele & sociedade; o uilitarismo derivado da filosofia burguesa direcionou a finalidade ‘a para a prevengiio geral.’ “ eee paint inte do fluminismo no sisternapenal, racionalizan- do e humanizando as penas, conferindo fundamento ético de acordo comos valores ent&o despontados. As figuras que impulstonaram tais mudancas se eternizaram, Howard, Bentham e Beccaria simbolizaram os reflexos do cimbio de paradigma do pensamento ocidental sobre o sistema penal. A retrospectiva histérica tradicional das prises peca, nfo raro, pela linearidade e pela falta de perspectiva critica. Sendo assim, insatisfeitos coma explicagdo usual sobre as modificagGes profundas sentidas no Século das Li- es, relacionadas com os métodos de punigdo, criminélogos do século XX se 1 Conon Clave 156, 468-460). rts btbome do Antigo Regine onsets els Filgsofos rai para quem uma ordem social mais juste surgtia com o uso éa Fan. dGs eno vigees,cono a a congo humana des pera iat dn tomaram-se ultrapassadas, por ingénuas. Os iluministas se convenceram de que o homem nfo precisva aguardar a vida etera para ser feliz: podera desfrutardesse sentiment desde f 8 ‘Tera 2 Oprogresoatngdo pola isis nari nfs o mo ndtv, informa Bass “Teeter, p. 371-372, superaram o antigo método dedutivo eas técnicas metafisicas eri 3. BUENO ARUS, 1994, p. 250. 426 = REVISTA DO CAP. esforgaram em encontrar resposta mais satisfatOria& seguinte pergunta: “A con- solidagao da prisio foi realmente fruto de gloriosos esforgos humanitérios, ou tal processo vem ancorado em necessidades outras?” Sao 0s te6ricos das chamadas teorias criminoldgicas conflituais, inte- grantes da sociologia da puni¢do, que se incumbem de solucionara referida questo. Tais escritores niio concordam com a assertiva de que a pena visa essencialmente a0 controle do crime, nem de que a criminologia exerce 0 papel daciéncia mitigadora do fracasso do sistema penal. Os trabalhos conflituais consideram a punigao um objeto independente do crime e da criminologia e nao sceitam a correlagao direta entre o crime ¢ 0 castigo Ocontrole social é estudado tendo-se em conta a influéncia do poder na estuturago da ordem social. umina-se “a complexidade na configurago das relagbes sociais das sociedades industriais, sobre a base do sistema de produ- foe distribuigao dos recursos que as gerenciam" > A sociologia conflitual néo se prope a responder: “por que os homens ‘cometem crimes?” Diversamente, problematiza a prépria ordem social. B nesse palamar tendencialmente globalizante de idéias, mais do que em um nivel indivi- dual, que reside a explicagao sociolégica do crime. A énfase das buscas criminoldgicas transpdc-se da criminalidade para os processos de criminalizagdo. Onovo questionamento tem cunho macrossociolégico: “Com base em que leis sociais se distribui e se concentra o poder de definiga0?”” Explicar o crime eas insttuigdes que 0 circundam — como a penitenciéria—significa adentrar taracionalidade que justifica a ordem social, sempre produto hist6rico do ho- memem sociedade* Segundo Minhoto (2000, p34), “ts costas dos prinefpios que informam o direto penal existem Priticas e interesses polticos,cultrais € econdmicos concreto,cuja andlise constitu condigéo ‘sem a qual a distitas modalidades puntivas nfo podem ser historicamente especificad BERGALLI, 1993, p. 32. DIAS © ANDRADE, 1992, p. 243. BARATIA, 1999, p. 118 DIAS e ANDRADE, 1992, p. 246. 427 RODRIGO DE ABREU FUDOLI A vertente eriminol6gica confitual,oposta &criminologia do consengop seja dito, ndo étnica. Retine em um mesmo recipiente dois lquidos no tox. mente misciveis.° De fato tanto so adeptos da criminologia confiual autores marxistas"” quanto também o so autores ndo-marxistas, Estes, embora tam, bbém afastem as pautas de condutas monoliticas existentes em uma sociedade definem o conflito segundo critérios diversos, como a desigual distribuigao de autoridade (Dahrendorf) ou a disciplina (Foucault). Seja como for, adote-se 4 primeira ou a segunda vertente, a criminologia do conflito se destaca da criminologia tradicional por sublinhar como. lei penal se forma, e quemé esco- Inido para serdelinglente. Cestudo dos efeitos positivos do crime (“qual a funcionalidade do crime? Que servigos ele prestacerta ordem social?” um dos enfoques da criminologia © 9 Conforme a criminologia do consenso (Durkhéim © De Merton), 0s membros da sociedade porilbam a mesma gama de valores, gue no representa, portinto os iteessessustentaos pelos grupos hstorcamentedetentores do pode. 10 DIAS e ANDRADE, 1999, p. 254 : 11 Aqui, o confit sed ene dus classe, ume detentora dos meios de produ, a outro. 0 rime 6 contemplate rao das relgdes de produto soins capitalists. Par Barat 1959, . 166), “a aplicagao seletiva das sangOes penais estigmatizantes, ¢ especialmente o cércere, éum > ‘momento superesutcalexsecial para a manvtengdo da ecala vertical da sociedad” Para ‘Quinney p56), "2 zeit penal smplesmente uma forma de controle coercitvo exetedo por tumaclasse dominant sobre uma clasebalhadoradespida de pode, sob as rgrasdo capitals Trav CL anda Liska (1987, p. 195-196), para quem srepressfo penal é mts susetvel de se dar quando classes dominaats nolan aieaas seus interesses, Certs sos as descr) « exrtas pessoas (os desempregados) so ameagadores. A conseaintia é o alargumento do peat de contol socal penal desenvolvimento das piss um efor sistemico para 0 controle das massasurbanascompostas por imigranss, nos séelos XVM XIX, e também pao gerenciamento da fora de trabalho, Trntava-se de ensinar ao wabaadores sespeto ropriedadeprivad, mediante a segregagiodaqscles qu ainda havinm intojetadotal valor, esseaca ordem capitalist qu cnt sisal 12. Adit, segundo Garta-Pablo de Moline, “acistncia na sociedade de ua plualidade pos subgrupos que, eventalmente apresentam dsrepéncias em suas pats valoratva” (0997, p.259). 428 REVISTA DO CAP. conflitual, foi feito por Rusche e Kirchheimer, que relacionaram as respostas jpunitivas com oestado do mercado de trabalho." 2 “PUNIGAO E ESTRUTURA SOCIAL”: 0 MARXISMO A SERVICO DA CRIMINOLOGIA Rusche e Kirchheimer se debrugaram sobre a determinacZo da extensio dainfluéncia de fatores socioecondmicos sobre o desenvolvimento dos méto- dos de puni¢o. Uma teoria econémica de fundo materialista serve de fio con- dutor para as suas pesquisas." Todas as explicacdes dadas pelos autores so permeadas pela terminologia marxista, como € o caso das expresses mercado de trabalho; exército industrial de reserva, ¢ luta de classes. Em breves linhas, a teoria marxista se baseia no postulado de que a soci- edade tem estrutura e organizacio definidas. Os principais vetores de determi- nagiio das préticas sociais de um povo sfo a politica e aeconomia, Esta, repre sentada pelos modos de produgdo, é 0 local de poder e controle, ¢ condiciona cada aspecto da vida social (0 direito, a politica, a moralidade, a filosofia ea religiao). Marx langou mio de metéforas arquitet6nicas —base e superestrutura — para descrever a organizacdo social. A base da sociedade, ou estrutura, éocu- pada pela economia. Tudo o mais, como as relagGes politico-ideolégicas, cons- 13. Verifcada a ligase esreitado pensamento de Rusche e Kichheimer coma sociologia do cont to, convém sumariar 0 contexto em que “Punigio e estrutura socal" foi redigido. O livro €0 primero fruto da fase americana do Instituto de Pesquisas Sociais (Escola de Frankf) Em 1931, Rusche se prontificou a escreversobreasrelagdes entre punigao emercado de trabalho. ‘manuscrito foi enviado apés sua saida do Instituto da Alemanka, em virtude da perseguigio nazista, Atendendo a conselhos de estadiosos americanos, ue entendiam que o trabalho deveria ser reformulado e atualizado, Kirehheimer recebeu atarefa de ampliaro ratamento do tema 14 DIAS © ANDRADE, 1992, p. 263 429 | | ay RODRIGO DE ABREU FUDOLI ‘ RODRIGO DE ABREU FU titui a superestrutura, cujo papel, apesar de relevante, é sempre condicionado pela base econdmica da sociedade. ‘A sociedade se divide em duas classes: a dominante e a subaltema, En. quanto a primeira se constitui dos detentores do poder econdmico, a iltimacon- sgrega os trabalhadores. A riqueza acumulada pela classe dominante tem sua ori- gemnaexploragao da classe subalterna, ¢, até que seja implantado ocomunismo, € fatal a existéncia conflitiva entre as duas classes. B essa luta que provocae. permite mudangas nas conformagGes social institucional de uma sociedade, Marx pouco escreveu sobre os temas do crime e da pena, mas seus estu- dos inspiraram pesquisas na érea da estrutura social e das mudangas histéricas, com base no papel desempenhado pelo direito penal em uma sociedade de classes."* A obrade Rusche e Kirchheimer inter-relaciona trés fatores: mercado de trabalho, sistema punitivo, ecércere."* 4 Atese principal de “Punigao e estrutura social” é a de que toda forma de reagio punitiva se relaciona comas variag6és da estrutura social, particularmen- teas condigies econdmicas. A chave para entender as reagc8 sociais ao crime € arelagao entre o capital eo sistema punitivo: as necessidades de uma socieda- de produtora de mercadorias determinam, diretamente, os métodos punitivos. Sendo assim, a penitencidria seria um “subproduto das necessidades do sistema capitalista de produgao.”"” As condig&es do mercado de trabalho —a forma em” ue se apresenta a forca de trabalho & disposigao nesse mercado — afeta 0 sistema penitencifrio, Se hé escassez de mao-de-obra, restringe-se a liberdade 15 A perspectiva marxsta aplicada ao estudo da eriminalidade, no foi utilizada somente por ‘Rusche Kircher, nem foram eles primeiros escitores ase uilizar do arcabougoconceitual formuledo por Mare. Pasukanis, antes de “Punigao e Estrutra Social”, e Ignatelf, depois, enfatizaram o papel dos métodos de puniglo naluta de classes ena manutenéo da hegemonia da classe dominante. 16 BARATTA, 1999, p, 189. 17 SILVA, Carlos Augusto Canédo Goncalves, p. 30. SUTHERLAND e Cressey, p. 341. Ch também Barata,p. 192. 430 REVISTA DO CAAP {das camadas subalternas, para que elas supram a caréncia da forga de trabalho, mediante a exploragiio de seu trabalho nas prisdes. Inversamente, em caso de cexcedente na mao-de-obra, utilizam-se expedientes punitivos cruéis, que facili- tamaeliminagdo de amplos setores populacionais, 3 MERITOS Para Melossi,"* “Puni¢do e Estrutura Social” ainda é um valido sus- tentéculo do amplo campo de estudos aberto sobre e punigio. Uma critica co- mumente encontrada ao trabalho dos dois integrantes da Escola de Frankfurt relaciona-se com a sua suposta incompletude tedrica. Entrementes, Melossi re- corda, em defesa dos autores, que estes em nenhurn momento pretenderam ver aplicada de forma onipresente e onitemporal suas idéias. O livro nfoé um estu- do exaustivo dos sistemas punitivos. O objetivo perseguido foi outro: relacionar ‘05 métodos de punic&io com uma estrutura que continha elementos ideolégicos. Ademais, a publicago do trabalho redundou em um aporte definitivo para a historiogratia da pena privativa da liberdade. Em Carceree fabrica, escrito em parceria com Pavarini, Melossi" reafir- mou a relevancia da percepcao de Rusche e Kirchheimer sobre a conexao entre ‘o modo de produgao capitalista ¢ a origem da pena de prisio, nfo existente no sistema produtivo feudal. Baratta” pondera que, embora os resultados obtidos por Rusche ¢ Kirchheimer, com seu enfoque ideolégico, acerca da consolidagao da priséio néio sejam unanimes nem incontestéveis, ¢ inegavela imreversibilidade de seu éxito, no nivel epistemol6gico, ou seja, no que tange ao método, aos princfpios 18 MELOSSI, Georg Rusche and Otto Kirehhelmer, 1980, p. 17-27, apud SANTOS, Michael, 1995, internet. 19 MELOSSI e PAVARINI, 1979, p.21 20 BARATTA, 1998, p. 193. 431 RODRIGO DB ABREU FUDOLI z Ropgeooipe}Avaet rupee ee © asrelagdes do saber cientifico. A pesquisa alcangou resultados insuscetiveig de desprezo,¢ é essencial para uma reconstrugao hist6rica da consolidagag ¢ da reforma do carcere. Linebaugh? aponta que Rusche ¢ Kirchheimer nao incidem nas mesma falhas de Foucault, em cujo trabalho nao se problematizam o dinheiro ¢ outras formas da produgo material. Em Punigdoe Bstrutura Social, 20 estudar acone. xiio evolutiva da punigdo com o modo de producao, vislumbram os autores a verdadeira relagdo entre industrializagio c crime, a qual esté na comparacéo entre os diversos perfodos econdmicos na histéria do trabalho. Dessa forma, aponta-se que, na Alta Idade Média, predominaram as raul- tas ¢ peniténcias; na Renascenca (ascensao do Capitalismo), predominaram a matilagao ¢ 0 exilio, com o fim de controlar e exterminar os proletétios que aderiram a um modo de vida vagabundo, resistindo a escravatura da explora- ¢¢40; no Mercantilismo, predominaram os desterros (nas col6nia), para organi- zara exploragio, ¢ as Casas de Correco (nas metr6poles); no Huminismo, predominou o confinamento solitéio penitécirio(ascensio daindustalza. ¢G0e do sistema penal). ‘Na apresentaco da edigfo original do livro, Sellin® anteyiu: mesmo os ‘que enxergarem na analise de Rusche e Kirchheimer um determinismo unilateral ficardo estimulados comas consideragdes feitas, de magnitude rara neste cam- po de pesquisa. Outro trunfo dos autores, para ele, foi'o desnudamento da {intima relag2o entre a punigao eas condigdes culturais que a envolvem. Para Bamese Tecters, o provocante trabalho da dupla alema deixou como legado “uma clara idéia de como mudangas softidas no sistema socioeconémico alteram fundamentalmente as formas de pensamento e de aco, no que tange 20 crime e a punigao”.® 21 LINEBAUGH, 1983, p. 103 22 SELLIN, na apresentoglo da edict de 1968 de Punishment and social structure, p. VI. 23. BARNES e TEETERS, p. 376, Trad. live 432 1 REVISTA DO CAAP. abe acrescentar que 0 livro contém vasto material estatisticoe histérico. Rusche e Kirchheimer estavam certos quando afirmaram que o fim dos suplicios ¢ a adogao definitiva da pena privativa de liberdade ligaram-se & mu- danca do modo de producto. A organizacao interna feudal diferia muito daque- Japropugnadaa partir da Revolugio Industrial. Os autores também acertaram 20 vislumbrar que, no tempo dos suplicios, o corpo do condenado nao tinha qualquer utilidade, situago que se modificaria com o advento da sociedade industrial que vingou em seguida, e na qual o corpo do condenado passou a possuirum alto valorde mercado." Garland,® autor que nao se furtou de consignar criticas aos resultados obtidos com o trabalho dos autores alemies, admitiu que os pontos falhos nao encobrem seu valor. Punigdo e Estrutura Social, nesse sentido, abriu novas tilhas para um estudo anteriormente inexistente. Ao lado de contribuir ‘magnificamente para acigncia, estabelecendo os lagos entre o mercado de tra balho ea punico, também nao se pode olvidar que mostrou em que medida politica criminal pode ser afetada pela luta de classes e pelo controle exercido sobre as classes mais baixas. Dois méritos sdo apontados no trabalho de Rusche ¢ Kirchheimer por Zaffaroni:® 0 pioneirismo e o acerto no tratamento do discurso jurfdico-penal, de forma a desmitificar a pretendida funcdo manifesta da prisao da pena. O trabalho de Rusche e Kirchheimer talvez seja excessivamente marxista, mas, de toda forma, é importante. A idéia de que a prisio estd imediatamente ligada ao surgimento do modo de producdo capitalista é muito esquemética, néio correspondendo exatamente & realidade. Mas nao hé diividas sobre a insereo dapena privativa de liberdade em um determinado modelo de produgao. Acer- 24 Segundo Christie, “para que o rabalho seja feito ¢ preciso tratar os presos com um mfnimo de ignidade ctamibém garantir que as condicGes materiais nose deteiorem demasiado. (..] Sendo importantes para aeconomia os presos sober ligeiramente na hierarquia. Adquirem pelo menos alguma importincia” (1998, p.71). 25 GARLAND, David, Punishinent and moder society, apud SANTOS, Michael, 1995, intemet, 26 ZAFFARONI, 1999, p. 56-57. 433 RODRIGO DE ABREU FUDOLI tam os autores, portanto, ao ligé-las as relagdes econdmico-Sociopoliticas de uma dada sociedade, evitando-se, evidentemente, que se elabore una teria esquemtica, reducionista, Essa éa opinido de Carlos Augusto Cando Gong. ves da Silva” © postulado de Rusche e Kirchheimer, segundo o qual cada sistema de producao descobre e aplica um método de punieo em sintonia com suas rela. ‘g0es de produgao, néo é propriamente novo, porque deriva da aplicacio do chamado principio da menor elegibilidade, formulado no século XTX pelos fil6sofos sociais.** Nota-se, no entanto, que o discurso que envolve Punigdoe Estrutura Social é radicalmente inovador sob outro prisma, qual seja, o da interpretagdo marxista que permite uma articulagao da categoria mercadode trabalho, Para Juarez Citino dos Santos,” a maior contribuicao de Rusche e deKirchheimer foi afirmarem que o sistema punitivo 6 ifn fenémeno jurtdico- politico (super-estrutural) que guarda lagos estreitos com o conjunto das rela- gGes de produgao da sociedade (estiutura econdmica). Desde que nao seja mais necessério fazer uso da forga de trabalho para o alavancamento do capita- lismo, a prisdio deixa de fazer sentido, e outras formas de punigdo emergem. Foucault sublinha algumas referencias essenciais do trabalho de Rusche ¢ Kirchheimer. A primeira delas é 0 abandono da iluséo da penalidade como sendo essencialmente um método de preveneao da criminalidade e que, depen- dendo do sistema politico ou social de que se trata, a politica criminal pode ser mais rigorosa ou suave, pender para 0 lado da expiago ou para o lado da reparagio, perseguir o infrator da norma penal, ou ser induzido a 27 SILVA, Carlos Augusto Canédo Goncalves, 2000, p. 31. 28 Segundo tal principio, prisdo nZo pode permitir aos internados um nfvel de existéncia igual ou melhor que 0 patio de vida dos proletérios detentores do menor salévio. Supunba-se, asin, earantira preferibilidade (clegibilidade) do trabalho livre, mesmo em condigdes depladveis, 20 regime de vide prisional. 29 SANTOS, Juarez Citino, 1981, p. 45, 30 FOUCAULT, 1995, p. 27 434 REVISTA DO CAAP. sesponsabilizagdes coletivas. Outro trunfo do trabalho foi a andlise dos sistemas punitivos, nao mais doestrito ponto de vista da armadura juridica ou das opgdes ‘jcasda sociedade, mas também sob o seu aspecto concreto. Ademais, desmitifica- seaeficiéncia da pena para efeitos de prevencio geral. Por fim, demonstra-se como se relacionam os regimes punitivos ¢ os sistemas de produc. 4 DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES Desdobramentos importantes da teoria de Rusche e de Kirchheimer de- monstram a amplitude da sua influéncia sobre os pensadores do direito penal, da criminologiae da sociologia, Mencionem-se, em primeiro lugar, as investigacdes de Spitzer; que, ‘embora nfo se refira expressamente As teses de Puni¢do e Estrutura Social, deixa entrever que a classe dominante sente necessidade de controlar as classes subalternas. A teoria marxista aponta os efeitos nefastos do excedente de forca de trabalho, elemento caracteristico da sociedade capitalista. Esse excedente origina dois grupos populacionais distintos. O primeiro deles, o lixo social, denuncia a faléncia ea inabilidade do sistema capitalista, e meramente se recusaa participar dos papéis a eles incumbidos pelo modo de producao capitalista, sendo, assim, relativamente inofensivo ao sistema capitalista, J40 segundo grupo, adinamite social, potencialmente interfere nas relagies de dominagao estabelecidas,¢ por talrazio a classe dominante sente necessidade de controlé-lo. As ligagdes feitas por Chiricos e Delone™ entre métodos de punigéoe mercado de trabalho igualmente derivam da teoria de Rusche e Kirchheimer. Suas explicagées a respeito da conexao entre reserva de trabalho e punic&o so basicamente de trés ordens. A primeira centraliza suas atengSes no valor econ6- 31 SPITZER, Steven. Toward a marsian theory of deviance, 1994, p. 404-405, apud SANTOS, ‘Michael, 1995, internet. 32 CHIRICOS, Theodore e DELONE, Miriam . Labor surplus and punishmemt: a review and assessment of theory and evidence, 1992, p. 426-432, apud SANTOS, Michael, internet. 435 RODRIGO DE ABREU FUDOLI mico do trabalho e na motivacdo para a criminalidade patrimonial. A segunda se concentra nas necessidades politicas do capital, mormente no que tange & legitimagiio e ao controle. A terceira enfatiza componentes ideolégicos, como crengas que existem sobre as causas do crime ¢ do alarme social produzido pela criminalidade, ‘Apés examinar dezenas de estudos empfricos que inter-relacionaram mer- ‘cad de trabalho e punigao, os autores concluiram pela existéncia de consisten- tes sinais da relag&o entre as duas variveis, ¢ de que essa relagio nfio éafetada pelas taxas de criminalidade. Concluem que as politicas penais estatais desem- penham um papel direto ¢ efetivo no controle do mercado de trabalho. Em outro momento, Chiricos aprofunda sua teoria, Suas pesquisas apon- tam no sentido de que as mazelas sociais decorrentes das decisées politicas ~ tomadas pelas agéncias governamentais —e econdmicas ~ tomadas pelos deten- tores do capital —sio encobertas pela instrumentalizagao do que ele chama de panico social (difusio da violéncia e das drogas para jusificaro alargamento do aparato punitivo estatal, “ainda que“as taxas de criminalidade estejam decrescendo”).” Seus argumentos sio sustentados com a démonstra¢o dos meios pelos quais o Estado controla as parcelas populacionais fragilizadase minoritirias. A linha de argumentago de Chiricos, como se nota, pode clara- mente ser vinculada ao pensamento introduzido em Punicdo e Estrutura Social. Reiman ¢ outro que, mesmo sem citara teoria de Rusche e Kirchheimer,~ visivelmente desenvolve sua teoria da derrota de Pyrrhic fundamentadoem fragmentos encontrados em Punigéo e Estrutura Social. A critica de Reiman 33. CHIRICOS, Theodore Moral panicas ideology: drugs, violence, race and punishment in America. In Justice with prejudice race and criminal justice in Amerie. Guilderland: Harrow and Heston, 1996. (LYNCH, M. J; PATTERSON, E. B. (Ed), p. 20, SANTOS, Michael, 1995, intent. ‘Trad. ive, 34 “O sistema funciona de uma determinada forma porque ele mantém uma imagem particular do crime: a imagem de que o erime 6 urna ameaga proveniente dos pobre.” REIMAN, leffey. Te rich get richer and the poor get prison, 1998, p. 5,cit.apud SANTOS, Michael, 1995, interet. ‘Trad. livre. 436 REVISTA DO CAAP. 20 sistema de justica criminal tem tracos marxistas, e faz a conexdo entre a esirutura social, aeconomia eo fenémeno criminal. O sistema de justiga criminal éconcebido para no funcionar, objetivando-se, com isso, beneficiar os deten- tores do poder. Essa é a teoria da derrota de Pyrrhic.” Embora advirta que no pretende reviver qualquer espécie de teoria da conspirago, Reiman assina- laque 0 fracasso na redugio de criminalidade ndo passa de uma mensagem ideol6gica que legitima a ordem social positiva para beneficiar os detentores do poderio econdmico, mediante o desvio da opinio publica para atos praticados pelos pobres e desprotegidos, salvaguardando os ricos e privilegiados. Os ricos recebem tratamento preferencial, enquanto que os pobres so demonizados, para que se crie um ambiente no qual se sinta a necessidade de controle de seus atos. ‘Melossie Pavarini® desenvolveram as idéias de Rusche e Kirchheimer, segundo as quais ha um principio organizador de disciplina no centro da prisioe da fabrica, Para os dois autores italianos, em Carcere e Fabrica, ao travarum contrato laborativo, o trabalhador assente em assumir a posicdo de subordina- fo que lhe 6 imposta, Existe uma correspondéncia entre o recebimento de um salério pelo trabalho assalariado e 0 pagamento de uma pena pela prética de um crime, O tempo a unidade que une ambos. Constitui-se mum valor de troca que depende da tarifacdo graduada da pena. Tal desenvolvimento corrobora a operatividade do conceito de mercado de trabalho, tal qual é proposto por Rusche e Kirchheimer, apesar de mostrar também sua insuficiéncia, uma vez que deixa de lado o elemento disciplina. ‘Tendo como ponto de partidaa teoria de Rusche e Kirchheimer, Jankovic” formula duas hipéteses. De acordo com a primeira delas, a relagdo entre de- semprego ecarcerizacao é estatisticamente significante, independentemente do 35. O Rei Piro (319-318/272 aC, demrotou 0 Império Romano, mas a bataha the trouxe muitas perdas. Desde entio, denomina-se“pirica” toda vitéra conseguida a um prego excessivamente alto. 36 MELOSSI PAVARINI, passim. 437 he | RODRIGO DE ABREU FUDOLI volume de crimes. O desemprego ¢ 0 recurso ao cércere so duas Varidveis diretas, ndo importando o volume de crimes cometidos. O desemprego é a va. rivel independente (indice de situagao na economia) ¢ determina a freqiiéncig de encarceramento e a populagao da prisao. Por sua vez, a priséo € a varidve] dependente (indice de rigor punitivo), que pode aumentar (com redugiio decri- mes) ou diminuir (com aumento de crimes), dependendo, exclusivamente, da situagio do mercado. Se as condigdes de mercado se deterioram, aumenta a taxa deencarceramentoy se melhoram, caem essas taxas. Os resultados obtidos por Jankovic apontaram para a consisténcia da primeira hipétese. ‘Conforme segunda hipétese formulada, o tamanho da populao prisional varia em proporgao inversa is taxas de desemprego. A prisio é a varidvel inde- pendente ¢o desemprego, a varidvel dependente. Esta hipdtese testa autilidade da prisio no controle do mercado de trabalho (qual o efeito da politica crimi- nal sobre a economia?), €, por isso, é chamada de hipétese ulilitaria, Se, num dado momento, aforca de trabalho ¢ insuficiente, a economia ¢ a punicfo ten- dem a preserva-la; caso contrdtio, tendenfa elimind-la. Esta hipdtese, por sua vez, nao foi confirmada nem excluida pelas informagGes reunidas.* “Punigfio estrutura social” ainda influenciou sobremaneira outros livios nos quais se tratou de dar, ao processo de consolidacio da pena privativa de liberdade, explicagéies alternativas aquelas que podemos chamar de iluministas. ‘Trés proposigées sfio comuns as obras de Rusche ¢ Kirchheimer (Puni- ~ (edo ¢ Estrutura Social) ¢ de Foucault (Vigiar e Punir). Em primeiro lugar, a afirmagdo de que apontar a fungio real desempenhada pelo cércere, na socie- dade, é fandamental para a correta interpretagio histérica dessa instituigo. Em seguida, a conclusdo de que levar em consideragao cada forma espectfica de 37 JANKOVIC,Ivan . Labor market and imprisonment, p. 101, apud SANTOS, Michael, 1995, inemet, 38 JANKOVIC, Ivan. Labor market and imprisonment, p. 101, apud SANTOS, Michael, 1995, internet. A amostra da pesquisa foi delimitada por indices estaiticos nacionais (de 1926 a 1974) ¢locais (Sunshine, de 1969 a 1976), nas dimensbes de “nfvel de desemprego” ede “uivel de prisdes", not BUA. 438 REVISTA DO CAAP. sociedade na qual o cércere surgiu é imprescindivel para que essa fungio real seja percebida;” finalmente, a constatagdo de que as sangGes penais nd so aquilo que parecem ser: os métodos de punigao encobrem metas que escapam }atenciio do observador menos atento. Esse enfoque, denominado materialista, ou politico-econdmico, por Baratta,” opGe-se ao enfoque mais corrente entre os juristas, e que se pode chamar idealista, tendo como ceme as teorias dos fins da pena. Qualquer das vertentes estudadas na teoria da pena pressupde que a sano penal é uma forma de se combater a criminalidade. A forma pela qual essa meta deve ser atingida é que se reveste de grande controvérsia, ha pelo menos dois séculos,e oprincipal embate se dé entre as teorias prevencionistas gerais (intimidacio) € especiais (reeducagao) Bueno Anis," fundamentado nas idéias de Rusche e Kirchheimer, nfio hesita em asseverar que a légica das necessidades econémicas, no século XIX, induz 8 adogo maciga da pena privativa de liberdade como método de puni- sfo, pois permite minuciosa gradacdo da pena.a ser aplicada e flexibilidade da pena aser executada, O principio da proporcionalidade, o tempo, oregime de vida do condenado, tudo concome para o céleulo da utilidade social da pena. Pelooquese viu, é licito concluir que, emboraas assertivas de Rusche e Kirchheimer ndo possam ser hoje aceitas como um dia se pensou que pudes- sem, oenfoque macrossociolégico utilizado pelos autores, no estudo do fend- meno social que € acriminalidade, ainda é bem recebido pela criminologia criti ca. O livro trilhou pioneiramente caminhos nessa area de estudos, e, até hoje, ainda 6 um dos melhores trabalhos jé produzidos a respeito, 39 BARATTA, 1999, p. 191. 40 Para Barat, (1999 p. 191), “a sociologia e a histéria do sistema penitenciio chegaram a cconelusées, a propésito da ‘Fungi real” da instituigo carceréria na nossa sociedade, que fazem ‘com que o debate sobre teora ds objetivos da pena paregaabsolutamenteincapaz de conduzir ‘aum conhecimento cientifice desta insttuigao”, 41 BUENO ARUS, 1994, p. 250-151. 439 REVISTA DO CAAP. [RODRIGO DE ABREU FUDOLI capitalista, com a conseqtiente relagao entre punigao e estrutura social produzi- dapor esse modo de produgio?” Por fim, Melossijulgoua teoria de Rusche e Kirchheimer insuficiente para explicaro encarceramento a partir do momento em que passou a existir excesso demao-de-obra, Nacléssica obra escrita a0 lado de Pavarini, Carcere e fébrica, Melossi desenvolve sua anilise critica. Segundo ambos," apesar de Rusche ¢ Kirchheimer negarem que as diferencas religiosas tenham influenciado na difu- sfo da penitenciéria, fica claro que as experiéncias francesa (cat6lica) e holan- «esa (protestante) foram bem diferentes, e que foi na base do protestantismo— emcujo contexto se afirmou o capitalismo — que nasceu a experiéncia das Casas de Trabalho. Zalfaroni,* depois de destacar 0 mérito pioneiro da obra, faz uma ressal- va,referente & simplista vinculagao entre a pena eo mercado de trabalho, ¢ a0 desprezo pelo fator disciplinar. A disciplina, componente que seria essencial para a compreensio da fun- «fo desempenhada pelo cércere em sua formulagiéo inicial (origens do capitalis- mo), 86 foi desenvolvida muito tempo depois, por Foucault, e, em seguida, por Melossi e Pavarini, estes tltimos atendo-se mais & transformago de uma massa de camponeses, recém-chegados as cidades, em seres humanos disciplinados para o severo trabalho fabri. Foucault é outro importante autor que, mesmo destacando a relevancia das idéias de Rusche e de Kirchheimer, deixa entrever que o foco deve ser deslocado para o que chama de economia politica do corpo, na qual se deve inseriro sistema punitivo: “Ainda que nao recorram a castigos violentos ou san- sgrentos, mesmo quando utilizam métodos ‘suaves' de trancar ou comrgir, ésem- 5 CRITICAS Os resultados obtidos por Rusche e Kirchheimer em Puni¢do e Estruty- ra social estao longe de ser acatados & unanimidade. Pelo contrétio, so diver- sas as criticas elaboradas ao citado trabalho. ‘Melossi* condenou, em primeiro lugar, a énfase excessiva no mercado de trabalho como a causa da introdugao da pena privativa de liberdade, na fase de transigao entre feudalismo ¢ capitalismo. Segundo Melossi, foi adisciplina o fundamento verdadeiro para a implementaglo do cércere, o que € corroborado pelos regulamentos fabris, que reforcavam a necessidade disciplinar, dando, as- sim, suporte @ ideologia burguesa. - Outro reparo feito por Melossi se refere a0 reducionismo de Ruschee Kirchheimer, que pretenderamexplicaro complexo tecido social dofenémeno punitivo to-s6 pelo conceito de mercado de trabalho. Tal @onceito, embora ti, é,no abalizado entender do professor bolonhés, insuficiente. As modificagbes havidas na estrutura do sistema punitivo sto melhor explicadas pela estrutura interna dainstituicao prisional, como integrante de um programa maior, burgués. ‘A segunda parte de Punigdo e Esirutura Social, enti, essa foi severa- mente criticada pelo jurista italiano, o qual entendeu que Kirchheimer deixou muito a desejar a0 tentar aplicar a teoria de Rusche,20 periodo compreendido enire 1880-1930, incluindo a ascensio do fascismo. Ademais, o final do livig teria falhado na interpretago de acontecimentos contempordneos. ‘Ainda na interpretagdo de Melossi, a questo que realmente importa set respondida concemne as mudangas a longo prazo: “corresponderiam elas aos iferentes estados do mercado de trabalho na sociedade capitalista modem2?”, como a extensio da hipétese de Rusche nos faria crer, ou “corresponderiam clas a transformagies sociais mais profundas, ligadas ao modo de producdo © MELOSSI e PAVARINI, 1979, p.77. 4 Zaffaroni (1991p. 56-57) e Baratta (1999, p. 166-167) notam a austncia do fator “sciping” rnaandlise de Rusche e Kirebheimer. 42. MELOSSI, Punishment and social structure, 1980, p-20-23, apud SANTOS, Miche, 195, internet. 441 440 REVISTA DO CAP +e culo. Hawkins” frisa seu descontentamento quanto as conclusdes alcangadas por Rusche e Kirchheimer, os quais néo foram além de meramente asse verar a inevitabilidade da influéncia das forcas econdmicas e sociais sobre os sistemas depunigio. Assim, percebe-se que o tratamento unilateral, centrado apenas em fato- resecon6micos, conferido & questo da criminalidade, é repelido.em coro pelos comentadores de Punigdo e Estrutura Social. Nao havendo explicagao unila- teral para a complexa questiio da origem e a funcdo da prisdo, varias perspecti- vas, além da econémica, dever ser utilizadas para que se explique essa moda- lidade de resposta penal: nao pode ser negada, por exemplo, a influéncia do Racionalismo, a partir do século XVI; da conjuntura politica, religiosa e social queenvolverama reforma penal;** e de uma grande variedade de fatores que determinam as decisGes politicas a respeito da pena. Porexemplo, a deportagao foi um método de punicao habil a contomar uma crise do sistema carcerdrio, em vez de se justificar por razées econdmicas, ‘AsCasas de Correco, embora inicialmente erigidas com intuito lucrativo, ni puderam se auto-sustentar, sendo mantidas por instituigGes de caridade e im- postos. pre docorpo que se trata ~do corpo e de suas forgas, da ilidade e da dociidade delas, de sua reparticio e de sua submissio." Os autores que, sob a influéncia dos escritos de Marx, interpretarama histéria das prises, nao levaram em conta o panoptismo em suas anilises, A relago unilateral entre métodos de punigaoe estrutura de classes no permits que tzis autores discemnissem a tecnologia do poder existente nos sistemas prisionais. As limitagGes do marxismo —rejeicio das formacées ideoldgicas itn. sérias em prol das reais relagGes sociais ~ esto visiveis em Punigdo estrutu- ra social. A hist6ria das prisdes se relaciona apenas perifericamente coma histéria dos modos de producao. E tudo o que nao seja reduttvel aos modos de produsdo 0 panoptismo de Bentham, porexemplo, nfo é~é sistematicamen- ignorado pela perspectiva marxsta ‘Como demonstrou Foucault, ndo se podem simplificarasrelagdes entreo ‘modo capitalista de produgdo as origens e natureza do sistema prisional. 0 verdadeiro liame entre um e outro é mais complicado: a pristo teria servido como balao de ensaio para o exercicio de‘uma nova tecnologia do poder, medi- ante a contraposigdo provocada entre os prisioneiros eo proletariado. e fBesatag™ prcbooes dah valiale de Sribch ntact once nit A critica de Jankovic merece exame. Em Labor Market and ‘ 2 ee Imprisonment, no qual estio consignados os resultados de um estudo tebricoe aii periodo: ivro foi escrito (1939). A fnuagdio industrial nas prises, no ern que oll fo esto (1935) 27 campo, que iedtaramn a aplicabilidade da tese de Rusche e Kirchheimer nas legislacao editada naquela época sofreu intensa influéncia de fatores econdmi- P aaplic Kir cos. A grande depressio ainda surtia seus efeitos. Dessa forma, qualquer andl ‘modemas sociedades ocidentais, foram apontadas as falhas principais de Puni- : fio Estrutura Social:a falta de explicagao sobre o uso continuado da prisio, sistemas de punig&o feita naquele momento hist6rico evidentemente teria a cago sobre Like em anneal cas tepanizagno 0 desenvolvimento daprisio | 08 dias atuais, ea sobrerrepresentagao da incidéncia da pena de multa como softiam influéncias do desenvolvimento econdmico acontecidos no mundo live. ‘Noentanto, insinua Hawkins que 0 economicismo de Rusche Kirchheimer (as forcas econ6micas determinam a politica criminal) € inadequado e beira oridt- 47 Para Hawkins, a metifors de “Yorgas” conduzindo os destnos do homem no &condizente com arealidade (1983, p92) 48 Para Wright, "ndo 6 mais natural colocar um ladrlo no efrcere por dez anos do que decepar sua mio, enforcé-to, ov envié-lo a uma comunidade rural para trabalhar. Todas as eagbes citadas ‘epresentam opedes poiticas.” (1973, p. 25) Trad. livre 49 JANKOVIC Ivan. Labor market and imprisonment, p94, apud SANTOS, Michael, internet. 45 FOUCAULT, 1995, p. 28 46 HAWKINS, 1983, p92. No mesmo sentido, NEDER, 1994, p.39. 443 442 REVISTA DO CAP. RODRIGO DE ABREU FUDOLL ug." A principal forma de controle social era a aplicago das penas corpo- nals ¢ capitais. Caso nao houvesse condenag&o a tais penas, 20 escravo, alvo predileto do direito penal, aquela época, se impunham ferros e trabalhos forga- dos. Assim dispunha o art. 60 do Cédigo Criminal do Império. ‘Com tal expediente, a produtividade do escravo era preservada em prol deseu dono, ¢efetuava-se uma ligacdo entre o direito penal piiblico e o direito penal privado, uma vez que, segundo o art, 60 ja citado, cabia ao senhor manter oescravo “com um ferro e pelo tempo e maneira que o juiz designar” Assim, € correto dizer que, mesmo apés a Revolugao Francesa, na Euro- a,0 Brasil viveu ainda muitas décadas de Antigo Regime, com suas respectivas préticas punitivas. Trés fatores conduzemattal conclusfo: as Ordenagées Filipi- as continuaram em vigor no Brasil até 1830; ainda depois dessa data, o conde- nado continuou sendo considerado um objeto; finalmente, aos trabalhadores escravos, nas fazendas, aplicava-se uma sorte de direito penal privado.” Napassagem do século XIX para o XX, como advento da Repiblica, o direito penal brasileiro foi profundamente modificado, processo esse que acom- panhou a formagdo da burguesia no Pafs. Mas o cendrio tupiniquim, mesmo como advento da Repiiblica, nao se alterou de imediato. Assim, foi somente muito tempo depois que as necessidades prementes de m&o-de-obra sentidas na época da Revolugdo Industrial, na Europa, levaram arregimentacZo da for- sade trabalho por meio da restricdo a liberdade de prostitutas, vagabundos e mendigos, que o panorama brasileiro adquiriu contomos semelhantes: 0 Cédigo Penal de 1890 punia a vadiagem (art. 399) e a greve (art. 206): “o teorema juridico era o mesmo: nfo trabalhar era ilicito, parar de trabalhar também. Em suma, punidos e mal pagos."** modalidade de punig&o tipicamente capitalista: ainda ¢ a pena privativa de libep. dade, juntamente com a probation, a principal pena das sociedades capitalistas ‘Segundo interpretam Sutherland e Cressey,” a pressuposico basica dessa, teoriaé ade que o crime é um fendmeno inerente as classes mais desfavorecidas, enquanto a reagio social contra ele oposta € exercida pelas classes que detém 9 poder politico. Esse raciocinio entra em colapso quando deixa entrever a falsa idéia de que, em tempos de boas condiges econdmicas, nao hé razes paraa delingtiéncia, a0 passo que, grassando 0 desemprego, o crime passa.a ser mais tentador. Seguindo tal pensamento, se, em épocas de desemprego, a delingiién- cia gerada pela necessidade de suprimento das necessidades econdmicas for reprimida de forma suave, as taxas de delingtiéncia aumentam. Essa citcunstin- faz com que a classe dominamte comine severas penas para inibir as tenta- (Ges criminosas das classes inferiores. A reagdo ao crime € de cumho punitive. A falha neste raciocinio est4 em no se esclarecer se so as taxa de delinguléncia ou se é 0 mercado de trabalho que determina a reago social punitiva. Os deterministas econémicos néo se preocupam em solver esta diivida, porque pres- ‘supdem serem as condigdes econémicas que determinam as taxas tanto de cri- me quanto de desemprego, e, conseqiientemente, a forma de,reagao social 20 crime, 6 ESPECIFICIDADES DO CASO BRASILEIRO A hist6ria do penitenciarismo no Brasil é bem mais recente que a européia ‘e anorte-americana. Tenha-se em mente que o modo de produgdo prevalente no Brasil até o século XIX era escravista, Em um sistema assim moldado, a privagio de liberdade assumia carter meramente complementar a outras for- ‘mas de punigo. Ndo convinha que o controle social se exercesse mediante a privagio da iberdade da forga de trabalho, em prejuizo dos objetivasde P= | sr 90, 9 195, 52 BATISTA, 1990, p. 124, SB BATISTA, 1999, p. 98 ‘BATISTA, 1990, p. 36. 50. SUTHERLAND e CRESSEY, 1974, . 342-343, 444. 445 yl RODRIGO DE ABREU FUDOLL O sistema de produgao capitalista, que entao se implantava, trouxe cons. g08 superacio da idéia de castigo, substituida pela idéia de cura. A influbncia do positivismo biologicista se fazia sentir com veeméncia, ¢ 0 criminoso passou a ser visto como um doente que precisava ser regenerado. O sistema penal lastreado em penas corporais ¢ vigente até o final do século XIX era, nesse ‘momento, abandonado. Isso se deu, ressalte-se, no momento hist6rico de ad taco brasileira ao sistema capitalista,e de nascimento das experiéncias federalista erepublicanaem nosso Pais. ; (Os homens foram agrupados em duas categorias: a dos normais e a dos anormais. Os cidadios “honestos” correspondiam & primeira classe; os “crimi- rnosos”, i segunda. O principal pardmetro da normalidade era 0 exercicio de trabalho, e, nesse compasso, inculear no individuo habitos laborativos significa- vaadequé-lo & normalidade. Observe-se, a respeito, que tal raciocinio, embora ainda perdure vigoro- so, eembora encontre ressondncia plena no ambito discursivo ~ vide as teorias sobre a ressocializagao—nao correspofide a realidade dos fatos: a grande mai- ria dos atos criminosos no tem como raiza falta do habito de trabalho. © Cédigo Penal de 1890 adotou o sistema pensilvanico, modificado pelo sistema progressivo irlandés, O eixo do sistema executivo de penas compunks- se da prisfo celular, da reclusio eda pristo disiplina (art. 43). Essa foia imeira experiéncia penitencidria brasileira.* s = Tnpleta a Replica, a ordem burguesae a pena privativa de liberda- de ocuparam seus respectivos espacos. Alls, no Brasil as circunstincias que justficaram a substituigao dosiste- rma de penas existente nas OrdenagGes Filipinas, baseado em penas corporais € de morte, por um sistema fulerado na aplicago de penas privativas de liberda- de, ligam-se muito mais ao fato de que os brasileiros regressaram de seus estt- dos na Europa e se fascinaram pelas idéias humanizadoras proprias daquele 55. NEDER, 1994, p. 26. Cf. ainda BATISTA, 1990, p. 35. 446 REVISTA DO CAAP. periodo (fim do século XVII). O fervor intelectual europeu iluminista encantou aclite agréria brasileira, A transicao para o capitalismo sentida na Europa, ocasiio em que a as- censo da pena privativa de liberdade permitiu o controle das massas, seu trei- namento para o trabalho fabri e a alienacao das classes subalternas, ¢ amesma transigdo, ocorrida no Brasil, ocorreram em contextos amplamente diversos. Por aqui, nfo havia fabricas para treinanento de m&o-de-obra, dominava uma economia agréria semi-feudal e grassavam formas de criminalidade diversas das européias: “Reformar nosso sistema penal era como usar os mais novos chapéus evestidos da moda parisiense."* Ocontrole social exercido sobre a massa de escravos, que, no Brasil- Império, tinha nas fazendas seu campo de atuago, manifestando-se por meio da aplicacao dos castigos da vigilancia dos capatazes e capities-do-mato, agora havia sido completamente alterado.*” Com a aboligio da escravidioe a proclamago da Reptiblica, o controle social desloca-se do eixo da produgao. Era necessério, destarte, quea Policia ea Justica, principais agéncias do contro- le social formal, fossem integralmente reestruturadas. ‘Os novos contornos do controle social passam a ser delineados pelo Cédigo Penal de 1890 pelo Decreto n. 1.313/1891: ambos previam fébricas- prises para que os menores se iniciassem em atividades laborativas. Ao lado disso, cominavam-se penas privativas de liberdade de curta duracéo, exigindo- se que o preso, ao ser liberado, providenciasse trabalho. O condenado reinci- dente, 0 vadioe omendigo eram remetidos a colénias penais. Finalmente, a0s trabalhadores livres que houvessem cometido atos prejudiciais & organizacdio do trabalho cominavam-se penas privativas de liberdade. A interrelagdo entre cér- cere e fébrica comegava ase fazer sentir ®* 436 SILVA, Denis Franco, 2000, p. 106. 57 Jo controle social exercido sobre os trabalhadores pobres e livres, esse nfo ‘mas, conforme Neder, era um desdobramento das préticas poltica-ideo (1994, p.37), 58 BATISTA, 1990, p. 125. 5 do escraviseno 447 RODRIGO DE ABREU FUDOLL No entanto, « novas propostas punitivas delineadas nos planos t&6rico ¢ legal, objetivando a reeducagdo ou a cura do condenado, nfo levaram.a resulta. dos préticos congruentes. Tal programa ressocializador, amparado no trabalho obrigatério ena disciplina, tendo por base a ordem burguesa implantada naque- Je momento hist6rico brasileiro (aboligio da escravidao e incremento do valor dotrabalho livre), ficou restrito’ esfera discursiva. As préticas punitivas deveri- ‘am ser modemizadas, era o que se dizia, A eficiéncia da ago ressocializadora era exaltada, O lemaera a “educagio para o trabalho”. ‘A realizacdo prética desses ideais, entretanto, nunca existiu: “A histéria do sistema penitenciério na formulagao social brasileira esta marcada pelo “confinamento’ e pelo ‘exterminio’:"® I certo que # pena de morte nfo encon- trou guarida no Cédigo Penal de 1890, o que se explica pelas necessidades histéricas do perfodo iniial republicano (necessidade de mao-de-obra live em substituigdo & escrava). Mas tal modalidade de sancao penal; nfo prevista de direito, na prtica foi imposta pela realidade de uma formagao histérico-social i se impunha.® . “ noi el penal brasileiro que sucedeu as OrdenagSes Filipinas foi total ‘mente inadequado, seja para alcance de seus efeitos declarados (ressocializagio ce humanizacio) quanto para eventuais e no confessados fins de dominagdo.e controle social. ‘Aanélise de Neder a respeito dessa contradi¢do entre o discurso (re- ‘buscado, bem formulado e fundamentado em tendéncias liberais) ¢ os resulta- dos praticos (autoritérios) nos métodos punitivos brasileiros se prolonga até os (NEDER, 1994, p. 27-28). 448 REVISTA DO CAAP dias atuais, Ou seja, tal sistema é, com as devidas ressalvas, basicamente 0 mesmo até os dias de hoje. A tese de Neder, entio, é a de que, mesmo na fase histérica brasileira em que se precisou de méo-de-obra, em virtude da derrocada do modo de produ- sfoescravista e do advento do modo de produgao capitalista no Pats (inicio do século XX), as agéncias de controle social formal enalteceram muito mais os valores trabalho e disciplina do que promoveram a ressocializagao do conde- nado. Sendo assim, embora aplique a metodologia de Rusche e de Kirchheimer, segundo a qual o crime e a punicdo se relacionam com a constituigiio e comas alteragées sofridas pelo mercado de trabalho, e embora isso seja verdade tam- bém quanto & constituigao da ordem burguesa no Brasil, Neder nfo aplica auto- maticamente a teoria dos dois autores alemaes ao caso brasileiro, nem cré na correlagio simplista segundo a qual a mio-de-obraescassa leva &ressocializacio, enquanto que a mao-de-obra excedente leva a pena de morte. ara Neder, “o pensamento e a acdo juridico-penal no Brasil tem produ- ido efeitos muito mais ideologicos do que politicos ¢ econdmicos”. No Brasil, 0s vagabundos, prostitutas, vadios e portadores de sofrimento mental nao so instrumentalizados em sua forga de trabalho, como o foram na Europa, mas, isso sim, desprezados, exterminados, deixados & mingua, excluidos. Denis Franco Silva também nao acredita na utilidade das teses de Rusche eKirchheimer para a andlise do caso brasileiro, porque, por aqui, 0 processo de industrializagao, alavancado a partir da Primeira Grande Guerra, foi diverso. No Brasil, a fabrica eo cércere vieram de forma tardia, em descompasso com o processo histérico europeu. Como etapas fundamentais da evolugdo capitalista, ‘como a acumulagao primitiva de capitais, o cerceamento dos campos e aafluén- 62 NEDER, 1994, p29 61 NEDER, 1994, p. 29. 6 SILVA, Denis Franco, 1999, p. 105-106, 449 RODRIGO DE ABREU FUDOL cia de mio de obra para as cidades, niio ocorreram, os fundamentos econdy cos que levaram & consolidago da pena privativa de liberdade na Europa nig se encontravam presentes no Brasil. A respeito do momento atual, pode-se dizer que 0 capitalismo industrial jése encontra superado. © momento vivido guarda importancia equivalente ag da Revolucao Industrial. Hé quem o chame de Terceira Revolugio Industrial, capitalism financeiro notado hodiemamente caracteriza-se pela exis- téncia de instituigdes jé consolidadas; pela auséncia de um sistema econdmico que lhe oferega oposigiio —basta lembrar 0 desmonte em cascata da economia socialista em diversos pafses, apds a dissolucao da Unido Sovietica. O capitalis- mo jd ndoé visto como alternativa, mas como "\inico sistema existente quantoa propriedade e gestio dos meios de produgao”.* Diante de tal perspectiva, nfo hé ambiente para os sistemas penais fulerados no ideal reeducativo das penas privativas de liberdade, * ‘Tendo em vista que sio os interesses ¢ valores vigentes em determinado momento hist6rico que pautam o delineaménto da politica criminal, entende-se que, doravante, a pena tende a perder seu carter declarado de ressocializagto, inclinando-se na diregao de um utilitarismo maior, como, por exemplo, a indeni- zagao da vitima. De certa forma, despubliciza-se o direito penal, a partir do ‘momento em que a vontade real € substitufda pela verdade consensuada” 7 CONCLUSAO + Acriminologia do conflito reputa equivocada a explicacao da consoli- dagdo da pena privativa de liberdade como decorréncia direta das idéias iluministas + Rusche e Kirchheimer, em 1939, valendo-se do manancial teGrico mar- -xista, objetivaram provar que, longe de ser fruto de preocupagdes humanitérias, 66. SILVA, Denis Franco, 1994, p. 107, rodapé. 67 SILVA, Denis Francoa, 1999, p. 108 450 REVISTA DO CAAP a.consagraio da pena privativa de liberdade, em substituigdo as penas corpo- raise capitais, revelou a estreita relagio entre métodos punitivos e estrutura s6cio-econdmica * Quando o mercado de trabalho precisa de mio-de-obra, evitam-se penas rigorosas ¢ intteis, para que os presos tenham sua forga de trabalho ex- plorada, em pro] do alavancamento da economia, + Inversamente, quando ha superabundiincia de mao-de-obra, o controle social sobre os estratos mais desfavorecidos se dé de outras formas, * Dentre os méritos apontados a teoria, destacam-se o pioneirismo; a elevada contribuigao para a historiografia da pena privativa de liberdade; a de- niincia da desigualdade de classes na sociedade capitalista; ea abertura de um vvasto campo de estudos sobre os métodos de punigao, * Ocexcessivo determinismo econdmico €0 principal defeito atributdo & obra Punigdo e Estrutura Social: outros fatores, inclusive as idéias humanité- ‘las propugnadas pelo Tluminismo, concorreram para a implantagio generaliza- dado cércere como pena auténoma. + No que se refere ao caso brasileiro, a teoria de Rusche e Kirchheimer tem pouca aplicagéo, ou tem uma aplicagao diferida, porque, no Brasil, aneces- sidade de mao-de-obra livre requerida para a implementago do projeto burgu- &s somente se deu no final do século XIX. 8 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BARATTA, Alessandro. 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Em um Direito Penal garantista, duas sao as grandes conquistas da * Mestrando em Ciencias Penais pela FADUFMG, Professor da Faculdade de Dirito Milton (Campos € do Unicentro Newton Paiva, 455

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