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Da Autora: O Mito da Necessidade Como co-Autora/Organizadora: Brasil: Questées Atuais da Reorganizacio do Territério Exploragdes Geograficas Redescobrindo o Brasil Geografia: Conceitos e Temas Ind Elias de Castro DERG: Instinmts de Geoeisncias Geografia e Politica Territério, escalas de ago e instituigdes BERTRAND BRASIL Copyright © 2005, Ind Blias de Castro Capa: Leonardo Carvals a UFRG: itoragio: Instituto de Geociencias sammie Biblioweca impresso no tasfexisto: 20988 Printed in Brazil | ata: 13 j ou CAP-Brasil. Catalogacio na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros ~ RJ Castro, 351g” Geografiae politica: territrio, escalas de agdo € instituigdes/Ind Elias de Castro, — Rio de Jancito: Berceand Brasil, 2005, 3049. Inclui bibliogeaia ISBN 85-286-1161-2 1, Geografa politica. 2. Geopolitics. I. Titulo, cpp ~ 320.12 05-3619 cDU- 321.01 ‘Todos os direitos reservados pela EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. Rua Argentina, 171 — 12 andar — Sio Crist6vdo 20921-380 — Rio de Janeico— RY Tel: (Oxx21) 2585-2070 — Fax: (Oxx21) 2585-2087 Nio é permitida a reprodusao total ou parcial desta obca, por ‘Quaisquer meios, sem a prévia autorizagio por esrito da Eaitora. Atendemos pelo Reembolso Postal, Para Rafaela, que cresceu, Sumério ° Antes Ade aiQioo Prefécio... Capitulo 1 — Introdugao Capitulo 2 — Relagdes entre territério e conflito: © campo da geografia politica wn 39 Da politica & geografia politica 40 Geografia e projeto politico-terrtorial do Estado-nagio 5s Ratzel ea geogratia politica ei 7 A geografia politica contemporiinea 79 Capitulo 3 —O poder ¢ 0 poder politico como problemas - : 95 © poder como problema . 36 modelo Estado moderno territorial 106 Territorialismo e a ordem estatal contemporinea 122 Organizagao territorial do Estado modern wan. 124 © papel da administracao piiblica : 126 Centralismo e federalismo. 129 O municipio em debate 135 @7@ Capitulo 4 — Espaco e representacio politica. Geografia eleitoral nnn a 139 Dimensdes geogrficas dos sistemas de representagio politica 140 Comportamento eleitoral 159 Capitulo 5 — Estado e teritério no Brasil contemporineo 163 Federalism svn sone 164 sistema de representasao proporcional 169 Territério e sistema politico 175 Representasao parlamentar, interesses e territ6rio 179 Regionalismo e cultura politica A cidadania como problema .. Capitulo 6 — O sistema internacional contemporéneo: globalizacéo e organizagées supranacionais wane. 213 A globalizacao como problema As dimensdes da globalizagio © novo sistema internacional Para concluir — Reencantando a geogeafia politica 277 Glossério, 283 Bibliografia 291 Tabelas Tabela 1. Tabela 2. Tabela 184 Tabela 4 186 Tabela $ sn Agradecimentos Nunca éemais lembrar que a claboracio de um livro jamais ¢um trabalho individual, Para ele concorrem diver- S08 autores, cujo esforgo anterior de pesquisa e reflexio disponibiliza informagées e anilises que so retomadas, comparadas, crticadas e definem patamares a partir dos uais 0 conhecimento vai progressivamente avangando. Mas para ele concorrem também aqueles que participam, com os recursos de que dispéem, para o cansativo trabalho de leitura critica dos originais, de formatacio do texto, organizagio de figuras, busca daquela cafexéncia hibliogré- fica perdida, de atualizacdo das informagées utilizadas € tudo o mais que um livro requer. Sao a estes tiltimos, participantes do GEOPPOL — Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Politica e 0 Territério —, que coordeno no Departamento de Geogeafia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que quero agradecer. Anex-doutorando Rafael Winter Ribeiro (que agora jé € doutor) e as doutorandas Rejane Christina Rodrigues e Renata Fraga agradeco a leitura, as eriticas € sugestdes para tornar 0 texto mais facil ¢ inteligivel; aos mestrandos Juliana Nunes Pereira e Fabio de Oliveira Neves e ao bolsista de iniciagao cientifica Danilo Fiani @°@ wk euaspecastao GQ ceopatee Pttia agradeco o levantamento de informages e 0 socorro, sem- pre solicito e competente, para organizar as tabelas, as figuras, a bibliografia, para localizar uma referéncia, para melhorar as figuras e para disciplinar meu editor de texto, sempre rebelde comigo. Um agradecimento especial aos meus alunos do curso de graduagio em geografia da UFRJ que foram os primei- +05 leitores criticos do material, quando ele ainda estava em fase de quase esboso. As dificuldades ou facilidades 4que eles demonstravam frente ao texto que lhes era apre- sentado me estimulavam e ajudavam a tentar melhoré-lo. Essa troca confirmou a importancia da etimologia da pala- vra ensinar (docere), que tem a mesma raiz de aprender (discere). Os franceses, als, fis a este sentido duplo, tém uma palavra apenas para ensinar e aprender. Nao poderia deixar de assinalar e agradecer a impor- ‘iincia do apoio financeiro do CNPq e da FAPERJ, cujas bolsas de pesquisa possibilitaram os recursos materiais € pessoais necessérios para a elaboracio deste livro. @v®@ Prefacio ‘A idéia deste livro surgiu da necessidade de reencantar a politica na geografia, submersa na crenga difusa de que 05 conflitos de interesses nas sociedades e no territério se resolvem na solugio dos conflitos produtivos, ou seja, daqueles conflitos que emergem do confronto das forcas que se organizam, comandadas pela l6gica da produgio e da acumulagao. Esta perspectiva, que reduz toda a ordem social a0 econémico, felizmente vem se esgotando frente as ‘questdes que se impdem & disciplina sobre a necessidade de compreender os conflitos distributivos, que surgem na sociedade e no territério a partir de valores simbélicos ine- rentes & légica da cidadania, da justiga e do direito que s6 se resolve no campo da politica e de suas instituigées, ambas emergindo e se legiimando na arena dos conflitos de interesses que se organizam nos espagos das sociedades. (utra necessidade mais pratica também se impés para reunir o material aqui apresentado, ou seja, a de superar a falta de textos atualizados disponiveis em portugués, reco- brindo alguns conteiidos essenciais da geografia politica No entanto, este livro no é um manual de geografia poli- tica, embora contenha os temas bésicos que todo manual da disciplina deve ter ¢ contemple a discussio de questaes @u®@ mstauinspe castno rp ota cessenciais das relagdes entre a geografia e a politica. Seu objesivo maior é reinttoduzir a politica na geografia, incor- porando a sua agenda temas e conceitas da prépria politica, necessarios & compreensio dos conflitos ¢ das tensées nos espagos socias,e a partir delesrepensar as questdes necessé- rias a atualizagio de uma geografia da politica no pais. Mais do que abordar 0 problema muito geral das rela- «Bes entre oespaco ea politica, que pode dizer tudo ou no dizer nada, 0 objetivo aqui é, a0 contrétio, tentar com- preender como a politica, no seu sentido institucional e operacional, invadiu as mais diferentes dimensées do mundo contemporaneo e nos coloca diante da necessidade de estudar como a geografia hoje é informada pela politi a. Pata isto € necessério ir além do que Giddens (2003) muito oportunamente criticou como consenso ortodoxo que dominow a perspectiva dos grandes modelos explicati- ¥05, hoje postos em causa pelas suas limitagdes, e recorrer 4 um pluralismo teérico-conceitual mais adequado a anéli- se das muitas dimensdes dos fenémenos aparentemente contraditérios da atualidade. Mas este livro tem ainda outra pretensio, a de se colo- car 8 margem da confusio intelectual e do discurso teérico cobscuro da corrente das ciéncias sociais pés-modernas e do relativismo epistemol6gico que nega o fato e a possibilida- de de construgdo de um conhecimento objetivo sobre a realidade. A acida, porém oportuna, eritica de Sokal Bricmont (1999) a estas correntes que sacudiu 0 ambiente intelectual francés e americano em 1996 nos alerta sobre (08 riscos dessas perspectivas para as ciéncias sociais, no @x® Preficio sentido de produzir mais apatia do que ago no necesssrio engajamento para a transformagao do mundo em diregio uma maior justiga distributiva, Mesmo consciente do desencanto do presente, forte- ‘mente marcado pelas frustragdes das promessas no cum- pridas do luminismo, tanto liberal como socialista, e do fim das utopias que faziam brotar movimentos politicos € sociais voltados para a construgio de um futuro melhor, este livro tem o cuidado de nao cair na armadilha do rela- tivismo e do niilismo* faceis, que nos demitem do cansati- ‘vo mas necessério compromisso de compreender a realida- de através do incessante didlogo da elaboracao tedrica com ‘© fendmeno, dislogo este que s6 a pesquisa e a construgio do conhecimento sio capazes de propiciat. Afina, s6 assim € possivel, pelo método cientifico, colocar novas questdes as teorias para transformé-las, sempre que for 0 caso, € paralelamente com o conhecimento da realidade ser capaz de torné-la melhor. Para quem levanta diividas sobre a validade atual de conceitos como realidade, fato, empiria, método cientifico, conhecimento, conceito ete., sugiro a leitura urgente e atenta de Sokal e Bricmont. Este livro percorre alguns temas em que se articulam fundamentos conceituais e perspectivas intelectuais da rea- lidade, adequadas a um campo do conhecimento que se convencionou chamar de geografia politica, além de ‘outros, mais préximos a ciéncia politica, mas que sio sem } Confit 1 Exclusio Iavegrasio 2 Regulamentagio y Para os sistemas democréticos so sentidas, seja nos patses ce regides onde a pritica é mais antiga, seja nas novas demo- cracias do Terceiro Mundo ¢ do Leste da Europa. Na tealidade, se a propalada desnacionalizagio do capital tornou o mundo dos negécios menos ideolégico, © apoio da nacionalidade que garante alguns interesses das empresas pode ter uma contrapartida cara em impostos € nas restrig6es da legislagao sobre o trabalho e o meio ambiente, Por isso, a estratégia de fragmentar a produgio Por um novo € amplo quintal globalizado impde novos patamares de negociagdes entre Estados e empresas, cuja decisdo de localizagao final depende do desiderato das eli tes que os representam ¢ do projeto de nagio que elas tém ‘em mente. E neste contexto que a escala do lugar adquire 6 w © 0 sistema internacional contemporiineo. ‘um papel importante ¢ a representagio local pode ampliar bastante o espaco da sua politica. ‘Outros desdobramentos devem ser acrescentados as mudangas apontadas aqui. Na dirego das transformagies ‘em curso pelo processo de globalizacio, os limites & hege- monia do poder do Estado-nagio sio disputados por um novo grupo de atores. Com a dissolugio do “paradigma da Guerra Fria”, o arsenal militar de defesa dos Estados cencontra-se inadequado para enfrentar as novas questdes de seguranga e defesa mundial que emergem. As ameagas no vém mais de outros Estados, mas sim de questdes nao mili- tares, caracterizadas por riscos mais complexos, provocados por agentes difusos, como os desastres ambientais, 0 trafico de drogas, a corrupgio transnacional, o terrorismo etc., ou seja, no novo cenario internacional os Estados e suas nagbes cenfrentam hoje mais riscos ¢ perigos do que inimigos. sexto elemento do processo, 0 territério, é a arena privilegiada dos conflitos e opgdes colocados pela globali- zagio. Mesmo a escala mais local tem hoje possibilidades de articulacio global. A acessibilidade a tecnologia dife- rencia cada vex mais os lugares, que podem ser hoje classi- ficados como “rapidos” ou “lentos” (Toffler, 1990), ou Luminosos ow opacos, como props Milton Santos. As van- tagens locacionais continuam sendo importantes, apenas 6s seus contetidos mudaram e, com eles, muitos lugares perderam sua posigio numa hierarquia competitiva, tanto nacional como global. O esquema a seguir sintetiza a dife- renga entre os espagos de fluxos € 05 de lugares € a econo- ‘mia nacional, interposta entre as logicas de uns e outros: 6m © wastissoecasto GE Coatie Pon economia Gtonat, /—] _*" ECONOMIA NACIONAL, {ESTADO/TERRITORIO ESPACOS DE 1 a Tica Na perspectiva sociolbgica de Giddens (1991:67) e na geogrifica de Santos (2000), a globalizagao pode ser defi- rida como a intensificagdo das relagbes sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais so modelados por eventos ESPAGOS DE FLUXOS ‘ocorrendo a muitas milhas de distancia e vice-versa. A glo- balizagao se refere essencialmente ao processo de distan- ciamento entre tempo e espaco, na medida em que as modalidades de conexio entre diferentes regides ou con- textos sociais se enredaram através da superficie da Terra ‘como um todo. AAs economias nacionais so substituidas do ponto de vista locacional, o que impée tendéncias & busca de prati- as politicas, institucionais e legais harmonizadas com a © «© 1 O sistema internacional contemporinco. tendéncia & globalizagdo para fazer frente a um novo tipo de competigdo, agora locacional como expresso no esque ‘ma, Q aumento da mobilidade dos fatores impée aos gover- nos nacionais a necessidade de estratégias para ampliar a competitividade sistémica do conjunto ou de parte do seu territério, através do investimento nos farores de menor tmobilidade, como a qualidade da infra-estrutura tecnolégi- cae da mdo-de-obra, Assim, as forgas-chave e propulsoras na economia global sio as partes dos sistemas de produsio territorializadas (Storper, 1994), [~ CONJUNTO DE LUGARES. <“—— Alabicrguia 0) TECNICA Baixaherarquia Hegemon“ COMPETITIva ———> "ssn | ot 6» © tsb sums De castno Gera Pots © novo sistema internacional As novas tendéncias contemporaneas, como novo paradigma tecnol6gico, novos padrdes de comércio inter- nacional, gestio das interdependéncias e conflitos através da tendéncia de harmonizagio das diferencas nacionais, se impdem a organizagao dos interesses na escala internacio- nal. Porém, ntum perfodo da histéria em que as relagées eco- némicas, como jd é corrente falas, ocorrem em um mundo lobalizado, as relagdes politicas se do ainda no sistema de Estados-nages, € interessante recuperar 0 significado conceitual das chamadas relacGes internacionais, ou seja, a negociagao de interesses conduzida pelos Estados como ato- res politicos credenciados para tal eas diferentes perspecti- vas sobre 0s formats possiveis para essas relagdes — que tanto podem levar aos acordos e pactos como as guerras, O sistema internacional, da forma como ele se encon- tra modelado na atualidade, baseia-se nas estratégias his- toricamente elaboradas pelos Estados, a partir de suas pos- sibilidades frente aos outros, para a escolha de posigdes favordveis com telacio as guerras e aos acordos. A questio da soberania tem sido um argumento fundamental como parametro, tanto para a legitimidade da guerra como para ‘© encaminhamento das escolhas nos acordos interestatais. No entanto, as mudangas atuais trazidas pelos avangos das tecnologias — aplicadas & informatica, as informages € aos armamentos — tém levado a procura de novos cend- rios para as relagdes internacionais, nos quais a soberania € posta em causa, as guerras mudam de sentido e a possi- © wu @ J O sistema internacional contemporineo.. bilidade de circulagio de informagdes facilita 0 apareci= ‘mento de redes que criam formas de convivéncia interna~ ional. A bibliografia sobre o tema é importante e numero- sa, mas, nos limites deste trabalho, apresento apenas qua- to proposigées sobre os padres mais amplos da guerra e da transformaséo da ordem internacional que considero titeis a uma analise em geografia politica. Para a primeira, recorro a Raymond Aron (1980:321) ¢ sua tentativa de elaborat as bases tedricas das relagGes inter- nacionais. Referindo-se a outro trabalho seu — Paz e guer- ra entre as nagdes (Aron, apud Aron, 1980) —, ele afirma: “Procurei aquilo que constituia a especificdade das relages internacionais ou entre os Estados, e penso té-Io encontrado na legitimidade e legalidade do recurso a forga armada por parte dos atores. Nas civilizagSes superiores essas relagiies parecem ser as tnicas, dentre todas as relagdes sociais, que admitem 0 carster normal da violéncia." Continuando, ele se pergunta se “esta caracteristica especifica [das relagSes interestatais}, ou seja,a auséncia de tribunais e de policia; 0 direito a0 recurso & forga; a pluralidade dos centros de deci so auténoma; a alternancia e continuidade da paz e da ‘ucrra poderio fundamentar uma teoria cientifica” (Aron, 1980:323). [Nas sociedades atuais, organizadas em Estados, os ato- tes coletivos — as sociedades — atribuem 0 monopélio da violencia legitima a uma instancia interna, 0 proprio Estado. Aplicando este principio a esfera internacional, © ws © wns euins oe casrao GQ) ceva erotia porém, deve ser considerado que ela € composta por atores coletivos que atribuem © monopélio da forga a uma ins- ‘ncia interna propria, eno a uma forga externa, estranha ales. Assim, ele continua: de fato pluraidade dos atores coletivos implica duplamen- te 0 espago geageific: o territ6rio em que estéestabelecido cada um desses stores e 0 campo dentro do qual se desenro- lam as celagdes entre 0s atores. Fazem parte de um mesmo sistema os atores que mantém entre si elagdes de tal nature- za que cada um considera a posigdo de todos os demais nos cieulos prévios is suas decsies (|. Nio havendo mono pélio da violencia legitima [no campo dentro do qual se dlesentolam as relagdes entre os ators) eada ator garante a propria seguranga com suas frgas, sozinho ou em eombina- <0 com os aliados Em sua longa argumentagdo para sustentar sua vonta- de te6rica, Aron designa as relagdes interestatais como 0 centro das relagdes internacionais ¢ destaca os dois perso- rnagens destas relagGes: 0 diplomata eo soldado, que sim- bolizam, para ele, as relagdes entre Estados que so condu- zidos & negociagao e guerra (Lévy, 1992:40-41). A prima- zia do Estado e do interestatal ¢ reafirmado como inva- riante, como a explicagio mais pertinente da organizagio do mundo. Mesmo apés a releitura de sua obra, incluindo outros sistemas, como 0 econdmico, as relagdes centro- periferia, os vinculos entre o sistema interestatal ¢ 0 siste- ‘ma econdmico e a gestago de uma sociedade internacio- 6 «© 1 (0 sistema internacional cantemporineo, nal, 0s Estados ¢ seu monopdlio da violéncia legitima per- manecem, para Aron, como o principal fator estruturante. Suas relagdes, a paz e a guerra organizam o mundo. ‘A segunda proposigio € de outro trabalho, também longo, com mais de 800 paginas, que da mesma forma busca demonstrar a importincia das guerras para a histé- ria da formagio do Estado modetno e do Estado-nacio e para as relagdes internacionais. Philip Bobbitt (2003) caracteriza a época atual como “o fim da longa guerra”, {que para ele iniciou-se em 1914 e encerrou-se apenas em 1990, € aponta para a superagao da forma Estado-nagao e para a sua substituigao pelo que ele chama de Estado-mer- cado. Este, ao contrério da forma atual, que extrai sua legitimidade do reconhecimento da sua soberania sobre 0 ropde-se maximi- zar as oportunidades de seu povo”. Segundo 0 autor, s6 0 seu territério, “acena com outro pact Estado-mercado ser capaz de cumprir as promessas do Iuminismo que 0 Estado-nagio ndo conseguiu, Seus argumentos fandamentam-se nas mudangas pro- vocadas pelos avangos tecnolégicos no campo dos arsenais de guerra, que tornam insuficientes as estratégias de uma ‘ordem internacional baseada nas soberanias do modelo de Estados-nagées e na autoridade dos tratados, convengées de Estados ow instituigies internacionais formais, como a ONU ou a OMG, Em sintese, nesta anilise, as ordens constitucionais que protegem os direitos humanos ¢ as liberdades s6 poderdo ser garantidas pelas operagdes de rmercados internacionais do Estado-mercado. Este formato proposto considera as novas articulagdes estratégicas que 6» © INA ELIAS DE CASTRO @ Geografia e Politica se dio através das redes globalizadas, que integram espa- ‘g0s nas mais diferentes partes do mundo e reflete um cené- rio que nao se diferencia muito da formula de um Estado ‘exemplar do liberalismo, que nem os filésofos liberais mais radicais ousaram pensar. A terceira proposigdo destaca que a questio das dife- rengas entre os Estados no dominio de recursos tecnolégi- os ow da possibilidade financeira de acessé-los tem sido crucial ao longo da histéria. Nas mais de 600 paginas de Ascensao e queda das grandes poténcias, Paul Kennedy (1989:2) articula 0 “conflito militar” no contexto da “transformagio econdmica” e indica que 4 forga relativa das principais nagGes no cenério mundial ‘nunca permanece constante, principalmente em virtude da taxa de crescimento desigual entre diferentes sociedades, e das inovagdes tecnolégicas e organizacionais que proporcio- pam a uma sociedade maior vantagem do que a outra (..) [pois] quando sua capacidade produtiva aumentava, os pat ses tinham normalmente maior faclidade de arcar com © ‘nus dos armamentos em grande escala, em tempos de paz, ede manter ¢ de abastecer grandes exércitos ¢ armadas durante a guerra (..), a tiqueza é necessiria a0 poderio mili- tar e& hegemonia, Para o autor, o sistema internacional se encontra sem- pre estruturado em torno das vantagens das grandes poténcias, mas é sempre pressionado pelas poréncias em ascensio que querem modificé-lo para adequé-lo aos seus 6 «8 © O sistema internacional contemporiineo. interesses. Mesmo levando em conta as mudangas tecnolé- sicas atuais, é possivel perceber que ele nio vé grandes alterages em relagio ao cenério de tensies que dew inicio & Primeica Guerra Mundial, quando ele afirma que as inti- midagdes € as tentativas de negociagdes favoriveis Ale- manha, conduzidas pelo Imperador Guilherme Il, “no ram uma receita para o sucesso num mundo cheio de Estados-Nagdes egoistas e desconfiados” (Kennedy, 19892210). A quarta proposiclo, mais radical, de Manuel Castells, (20004), nao recupera historicamente o Estado como ins- tituigao e tem como foco a crescente diversificagao e frag- mentagio dos interesses sociais nas sociedades contempo- ineas, que se organizam em redes através das quais se agregam tais interesses sob a forma de identidades (re)construfdas, Assim, para esse autor, as maltiplas identi- dades submetem ao Estado-nagio as reivindicages, exi- sgincias e desafios da sociedade civil (Castells, 2000b:316). Continuando, ele acrescenta que estas circunstancias esva~ ziam o Estado-nacdo, que passa a “vagar nos mares dos fluxos globais de poder” (Castells, 2000b:321), e afirma ‘que todas estas circunstincias forgam a descentralizasao do poder do Estado central ¢ 0 fortalecimento do que ele chama de Estado-nagao local, que reconstr6i sua legitima- Gio e instrumentalidade “navegando em redes transnacio- nais e integrando sociedades civis locais". As analises de Castells apontam pois para um outro tipo de guerra, muito mais destrutiva, pois afeta os proprios fundamentos sobre © w © wnt ims os castro QB) cepts Poe (0s quais se assentaram os pilares do Estado nos cinco sécu- los da sua hist6ria, ow seja, a centralidade territorial do mando e da obediéncia. Em outro texto, “Hacia el Estado red?” (1998), Cas- tells explicita melhor o sew argumento com base nos novos ‘marcos institucionais da Unio Européia onde se poe em pratica a idéia fundamental de uma difusio do poder de ‘centros para 0 poder de redes. Para ele, a pratica de sobe- rania partilhada através de redes institucionais que se arti- culam horizontal e verticalmente,integeando niveis decis6- rios nacionais, regionais ¢ locais indica 0 surgimento de um novo tipo de Estado que no € o Estado-nacdo, mas que nao o elimina, mas sim o redefine. Ha porém em sua proposigio um problema de escala, jd que a Unio Euro- péia & a experiéncia inovadora de elaboragio de um novo

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