You are on page 1of 14
4° PARTE: ARTIGOS HISTORIA ATRAVES DA IMPRENSA — ALGUMAS CONSIDERACOES METODOLOGICAS Renée Barata Zicman* (Prof? do Depto. de Teologia da PUC-SP) Nas relages da Historia com a Imprensa destacamos dois grandes campos de estudo. O primeiro, que chamamos de Historia da Imprensa, busca recons- tuir a evolugdo histérica dos érgdos de Imprensa e levantar suas principais caracteristicas para um determinado periodo. O segundo campo-objeto do presente artigo — ¢ 0 da Historia Através da Imprensa, englobando os trabalhos que tomam a Imprensa como fonte priméria para a pesquisa historica. A pesquisa historica sobre a Imprensa no Brasil é ainda um campo relati- vamente virgem e © principal problema enfrentado s4o os proprios limites impostos pela quantidade limitada de dados e pela falta de fontes estatisticas. Excetuando-se os trabalhos pioneiros e hoje ja classicos de W. Sodré e F. Nobre dentro de uma linha de interpretag3o mais geral, e os mais recentes de Mota, Capelato, Prado, Ferreira, ABI e Séguin', a Historia da Imprensa no Brasil ainda “‘engatinha”. Principalmente nos ultimos dez anos vimos aparecer uma série de traba- Ihos que utilizam o jornal como fonte documental da histéria, a maioria inse- rindo-se na categoria de monografias académicas e teses universitdrias. De fato a Imprensa é rica em dados e elementos, e para alguns perfodos é a unica fonte de reconstituigao histérica, permitindo um melhor conhecimento das socieda- des ao nivel de suas condigdes de vida, manifestagdes culturais e politicas, etc. Seu estudo € enriquecedor sobretudo quanto se tem interesse pela Historia Social. Histéria das Mentalidades e Historia das Ideologias. * Renée Barata Zicman € professora da PUC-SP e atualmente prepara tese de doutoramento na Université de Paris | Sorbonne, Franga. 89 Entre as varias vantagens da utilizagao da Imprensa como fonte documen- tal da Hist6ria destacamos trés: a) Periodicidade: Os jornais s4o “arquivos do quotidiano” registrando a memoria do dia-a-dia, e este acompanhamento didrio permite esta- belecer a cronologia dos fatos histéricos; b) Disposigdo Espacial da Informagdo: Para cada periodo tem-se a possi- bilidade de inserg4o do fato histérico dentro de um contexto mais amplo, entre os outros fatos que compdem a atualidade; c) Tipo de Censura: Diferentemente de outros tipos de fontes documen- tais, a _Imprensa sofre apenas a censura instanténea e imediata. Sob este aspecto mesmo as colegdes de arquivos s4o menos interessantes pelo fato de sofrerem quase sempre uma triagem antes de serem arqui- vados. Entretanto apesar da Imprensa ja se apresentar como fonte histérica bastante utilizada no Brasil, percebemos que mesmo se freqiientemeente con- sultados e citados, os jornais sdo raramente estudados e analisados. Em geral os trabalhos que se utilizam da Imprensa como fonte auxiliar da pesquisa hist6- rica tomam-na como fonte precisa, fazendo a informacdo valer por si mesma. O grande distanciamento tomado em diregdo ao texto jornalistico, sob pretex- to de ai perceber a mensagem implicita de maneira objetiva, faz com que se esqueca da propria natureza do texto e da imagem elaborados no contato imediato da realidade em movimento. Com rarfssimas excegOes”, para os historiadores 0 jornal é antes de tudo uma fonte onde se “‘recupera” o fato histérico — uma ponte ou trampolim em diregdo a realidade — ndo havendo entretanto interesse por sua critica interna’. Contrariamente 4 tendéncia geral destes trabalhos, acreditamos que o estudo mais atento dos 6rgdos de Imprensa tomados como fonte do conbeci- mento historico deve ser um pressuposto necessdrio de todo trabalho que utiliza este tipo de fonte documental. Partimos da hipétese geral que a Impren- sa age sempre no campo politico-ideolégico e portanto toda pesquisa realizada a partir da andlise de jornais e periddicos deve necessariamente tragar as princi- pais caracteristicas dos Orgaos de Imprensa consultados. Mesmo quando no se faz Histéria da Imprensa propriamente dita — mas antes o que chamamos Hist6ria Através da Imprensa — estd-se sempre “esbarrando” nela, pela necessi- dade de historicizar os jornais. Por outro lado devemos lembrar que na Imprensa a apresentacdo de noticias nfo é uma mera repetic#o de ocorréncias e registros mas antes uma causa direta dos acontecimentos, onde as informagdes ndo sio dadas ao azar mas ao contrdrio denotam as atitudes proprias de cada veiculo de informagdo todo jornal organiza os acontecimentos e informagdes segundo seu proprio “filtro”. 90 A Imprensa como um todo constitui uma realidade especifica com for- mas proprias e podemos mesmo dizer que a informagao é fornecida aos leitores através de uma escrita propria — a escrita dos artigos, manchetes, titulos, etc - que chamamos de “escrita de Imprensa”*. H4 uma linguagem especifica da Imprensa produzida pelo sistema global de informagao, correspondente as diversas fungdes do jornalismo, ¢ ligada ao proprio modo de produgdo jorna- listico. Ela é composta por trés elementos principais: a expressdo escrita (tex- tos, manchetes,...), a expressdo iconica (fotos, desenhos,...) ¢ a composigdo do joma) (distribuigdo dos artigos e colunas pelas paginas do jornal)*. Vamos observar que o problema da linguagem propria da Imprensa estar presente a0 longo de todo 0 processo de Informagao (na selegdo das fonte noticiosas e no proprio curso da transmissdo). A anilise dos discursos de Lmprensa coloca entdo 0 problema da metodo- logia: deve-se recorrer a um método que leve em conta a dupla substancia e natureza propria do jornal sua forma e¢ scu conteddo, inter-dependentes © inter-atuantes — e que centre a anilise no discurso de Imprensa, considerando as caracteristicas proprias deste tipo de escrita. Entramos entao no campo do Método da Anilise de Conteudo que sera abordado neste artigo. A idéia deste artigo vai entdo em duas diregdes: a) apresentacdo de um esquema geral para a caracterizagio da Imprensa: b) apresentacdo de alguns elementos e aspectos do Método da Andlise de Contetdo para estudos da Imprensa, e de pistas de aplicagdo deste instrumental metodolégico. Referimo-nos aqui apenas aos jornais, ou seja, 4 Imprensa Escrita Quoti- diana, mas acreditamos porém que os elementos levantados podem servir, de uma maneira geral, para o estudo de outros tipos e categorias de Imprensa ({mensudrios, semanirios, etc) guardadas as especificidades de cada um destes suportes de comunicagao. Trata-se apenas de indicagdes preliminares que mereceriam um maior aprofundamento que ultrapassa entretanto 0 ambito deste artigo. Também neste sentido evitamos entrar numa discuss4o mais técnica restringindo-nos a apresentaydo geral de algumas consideragdes metodologicas. BREVE RESUMO DA IMPRENSA NO BRASIL Até 1945/50 a Imprensa Brasileira caracteriza-se por pequenas empresas com capitais e negdcios limitados e gestéo improvisada, primando por suas posigdes politicas: © que se costuma chamar de “Imprensa de Opiniao”. Esta Imprensa tinha caracteristicas claramente politicas e apaixonadas, ultrapassan- do a simples funga4o de “‘espelho da realidade” para tornar-se um instrumento ativo de opinigio piblica. Cada jornal parecia dirigir-se prioritariamente a um tipo de publico e 0 jomalismo era quase que um exercicio literério. Durante 91 todo este periodo — principalmente durante a Republica Velha — a Imprensa Escrita Quotidiana desempenhou um importante papel na cena politica. Para esta Imprensa — especialmente para o periodo anterior 41930 - a auséncia de dados é quase completa e deve-se recorrer 4 compilagdo em diferen- tes fontes para se chegar a algumas estimativas. Sera somente para 0 periodo posterior 4 1955 que poderemos reconstituir séries estatisticas completas. A partir da década de 1950 (fendmeno presente jé desde os anos 30) observamos algumas modificagdes na Imprensa Quotidiana: o tradicional “jornal de opinido” vai sendo substituido por um novo tipo de Imprensa com © aparecimento da “‘Imprensa de Informago”, que nega as. caracteristicas politicas © ideolégicas tao marcantes na Imprensa do periodo anterior. O julgamento critico vai sendo substituido pela pretensa “objetividade”. £ também neste momento que surge a Imprensa Sensacionalista Popular, caracterizando-se pela cultura da violéncia e pela dramatizag4o do quotidiano, com titulos enormes, ilustragdo abundante e textos condensados. Observa-se também 0 inicio do processo de concentragao das empresas jornalisticas com o surgimento dos grandes grupos de Imprensa e o desapareci- mento dos pequenos jornais politicos, acompanhados pelo declinio da estru- tura organica dos jornais. Mais recentemente tem-se observado o desenvolvimento do “Jornalismo de Interpretacdo” que pretende apresentar uma sintese de informacdo deta- Ihada com anilise critica, como uma espécie de comentirio analitico da atuali- dade. Entretanto este tipo de tendéncia jornalistica ainda é minoritaria e mar- ginal na Grande Imprensa®. No estudo da Imprensa trés campos interessam-nos particularmente, € aqui recuperamos a formula classica de Pierre Albert: “‘atrés”, “‘dentro” e “em frente” do jornal’. O “atrdés” do jornal é tudo aquilo que contribui 4 sua realizagdo e intervém no seu controle: sociedade proprietdria, empresa editora e corpo de redatores e jornalistas. Por “dentro” do jornal entende-se as caracteristicas formais da publicacdo, o estilo de apresentacdo das matérias noticias, 0 quadro redacional (distribuigaéo dos artigos pelas varias colunas e segdes do jornal), a publicidade, a parte redacional (principais colunas e segdes) e as principais tendéncias da publicagao. Finalmente o “em frente” do jormal tespeito a audiéncia da publicacao ou ainda seu pablico-leitor alvo. Estes trés campos definem dois grandes momentos de andlise: a) Caracterizagdo geral do(s) jornal(is) consultado(s); b) Andlise de contetdo do discurso de Imprensa. Nunca é demais lembrar que estes dois momentos - que comportam os dois elementos constitutivos da natureza propria da Imprensa, a saber: sua 92 forma e seu conteado ~ correm sempre paralelamente, com relagdes de inter- dependéncia e inter-determinagao. ESQUEMA GERAL PARA CARACTERIZACAO DA IMPRENSA A seguir apresentamos os principais aspectos a serem abordados no pri- meiro momento da andlise — caracterizagdo geral dos jornais - acompanhados de observagdes relativas a sua importancia e seu interesse particulares. Em fungao dos objetivos e das hipoteses de cada trabalho poderd se enfatizar alguns aspectos em detrimento de outros. Quatro grandes eixos englobam esta caracterizagdo geral: a) Aspectos formais e materiais do jornal a.1. qualidade do papel a.2. formato a.3. numero de paginas 4, tipografia: tamanho, tipo de impressdo, etc. a.5. ilustragdes: fotos, desenhos, caricaturas, gréficos, etc. a.6. primeira pagina: a “vitrine” do jomal a.7. composigdo: organizagdo © distribuigao das colunas ¢ secyoes; disposigdo dos textos, titulos e ilustragdes no interior das paginas do jornal 4.8. nome: elemento de reconhecimento e de identificagao do jornal® a.9. sistema de titulos: titulos, sub-titulos e inter-titulos das matérias ¢ artigos (denotam geralmente o “sentido” escolhido pelo jornal) b) Aspectos historicos do jornal b.1. origem do jornal: local de publicagdo; data de fundagio; mem- bros fundadores; contrato social da empresa b.2. proprietarios e diretores do joral: nas diferentes fases; vinculos politico-ideologicos;, obras e escritos principais b.3. proposta do jornal: andlise de numeros especiais — primeiros no’; nos de mudanga de diego; 9s comemorativos de aniversirios? b.4. corpo de redagdo do jornal: editorialistas e articulistas; tipos de vinculos com a empresa jornalistica b.S. principais campanhas encampadas pelo jornal: especialmente durante o periodo estudado. ¢) Aspectos econdmicos do jornal ¢.1, financiamento: controle aciondrio da empresa; exercicios finan- ceiros; doagdes; assinaturas e vendas avulsas, anuncios publicita- tios 93 c.2. tiragem: um dos elementos mais interessantes e que permite apre- ciar a importancia relativa de cada jornal'® c.3. publicidade: fornece também indicagdes sobre 0 tipo de publico leitor e sobre 0 clima econdmico do periodo estudado c.4. difusio: sistema de vendas e de distribuigdo (implica também no comportamento de compra) c.5. prego: estabelecer relagSes com custo-de-vida, salério-médio € numero de paginas do jornal d) Aspectos da clientela do jornal: o piblico-leitor ao d.1. destinatdrios “explicitos”, segao de “carta ao leitor”, anuncios publicitérios, doadores ocasionais d.2. idade, sexo, situagdo profissional, classe social e regio geografica METODO DA ANALISE DE CONTEUDO O aparecimento da Andlise de Contetdo esta ligado ao desenvolvimento das Ciéncias Sociais a partir dos anos 1920/30''. Inicialmente dedicava-se a estudos quantitativos da Imprensa, desenvolvendo trabalhos essencialmente voltados para o material jornalistico e definindo-se ent4o como “uma técnica de pesquisa para a descricdo objetiva, sistemdtica e quantitativa do conteado manifesto da comunicagdo”'?, E um método que se aplica prioritariamente 4 andlise dos “‘discursos”, abrindo-se sobre um vasto campo: a rigor toda forma de comunicag%o pode ser analisada e descrita pelo método da Anilise de Contetdo. Nos anos 50 e 60, paralelamente ao desenvolvimento dos estudos linguis- ticos, assistimos a uma ampliagdo do campo de aplicagdo das técnicas da andlise de conteado: em disciplinas diversas como a Sociologia, Histéria, Psicologia, Ciéncia Politica, Jomalismo, etc'?. O método da Andlise de Contetdo consiste num conjunto de técnicas e instrumentos metodologicos capazes de efetuar a exploragdo objetiva de dados informacionais ou “‘discursos”, fazendo aparecer no contetdo das diversas categorias de documentos escritos — artigos de Im- prensa, entrevistas, questiondrios, documentos histéricos, textos literdrios, etc — alguns elementos particulares que possibilitam a elaboracfo de um certo tipo de caracterizacdo. Este instrumental metodologico polimorfo e polifun- cional caracteriza-se fundamentalmente como um exercicio de desocultagdo fornecendo-nos uma melhor “descrig#o” dos textos e permitindo-nos avangar para além das significagdes primeiras dos discursos e escapar dos perigos da compreensdo espontanea’* Sem entrar no mérito da caracterizagdo dos quatro tipos de Andlise de Contetdo (Andlise Tematica, Andlise Semiologica, Andlise de Discurso e Ana- 94 lise de Argumentagao), trataremos aqui mais especialmente do método da Andlise Tematica. Este método interessa-se pelo significado dos discursos independentemente de sua forma lingiiistica, centrando-se na andlise do con- teudo dos discursos. Desenvolve-se a partir de temas ou itens de significagdo relativos a um determinado objeto de estudo e analisados em termos de sua presenga e freqiiéncia de aparecimento nos textos analisados. Revela-se espe- cialmente interessante quando se trabalha sobre uma grande quantidade de documentos e em estudos sobre motivacdes, opinioes, atitudes e tendéncias, como por exemplo num estudo sobre as atitudes da Imprensa frente a um determinado fato. Uma Ultima observagdo antes de passarmos para as caracteristicas e eta- pas deste método: ele é definido pelo tipo de documento analisado e pelos objetivos de cada trabalho. Cada pesquisador deve definir suas proprias regras, adaptando as técnicas existentes e os indicadores de andlise em funcao do tipo especifico de documento utilizado e das necessidades também especificas de cada pesquisa. O importante € detinir-se inicialmente um determinado tipo de convengdo ¢ respeiti-lo ao longo de todo o trabalho, sempre tomando-se cuidado contra as classificagdes excessivamente arbitrdrias. Como veremos mais adiante, trata-se de um método essencialmente comparativo, combinando andlises quantitativas e qualitativas e permitindo considerar as variagdes ocorri- das sobre um determinado intervalo de tempo. 1. Enunciado de Hipotese e Formulacao de Objetivos Estes dois momentos funcionam como uma espécie de “guia-geral” para a andlise e indicam as dimensdes e diregdes que esta deve tomar 2. Definigg0 do Campo de Observacao — a Constituiggo do “Corpus” E a fase em que se define 0 conjunto de documentos a ser analisado, no caso da andlise de Imprensa, os artigos concementes a um tema de interesse encontrados e selecionados entre os jornais consultados. Na andlise da Imprensa dois critérios basicos devem ser obedecidos na constituigéo do “corpus”: os textos devem pertencer a uma mesina categoria de Imprensa, em geral definida por sua periodicidade (jornais quotidianos, revistas semanais, etc); e, os textos selecionados devem ter um “referente constante”, ou seja, o tema de interesse de cada pesquisa. Vejamos o caso de um exemplo concreto através de um estudo sobre a imagem do Movimento Surrealista na Imprensa francesa no periodo do entre- guerras'*. O primeiro critério de selegdo do “corpus” foi o “referente cons- 95 tante”, a saber o movimento surrealista escolhido como tema de pesquisa. Assim todos os artigos selecionados discorrem diretamente sobre o tema ou fazem-lhe referéncia mais ou menos explicitamente. O segundo critério que permite a andlise comparativa dos artigos diz respeito a categoria de Imprensa selecionada para estudo, e no caso em quest&o onde o objetivo maior era o estudo sobre a apresentag4o e repercussdo do Surrealismo, a escolha recaiu sobre a Imprensa escrita quotidiana. Em fungdo dos objetivos de cada pesquisa outros critérios ainda impdem- se na definigdo do “corpus”: a) jornais que se dirigem a um tipo determinado de publico quanto a sua posi¢ao social, politica e econdmica (pablicos seme- Ihantes ou diversos conforme o objetivo da pesquisa); b) jornais de posigdes politico-ideologicas semelhantes ou diversas; c) jornais com diferengas ou se- melhangas de forma; etc. Para uma melhor visualizagdo do material-base de pesquisa pode-se repre- sentd-lo graficamente: numero de artigos a ser consultado por jornal e por periodo estudado. 3. Levantamento de {ndices e Elaboragio de Indicadores de Anélise 3.1. Categorizagdo: definigdo de “classes” ou “‘categorias”’ de andlises E uma das faces mais importantes da andlise e consiste na operagfo de classificagdo de elementos levantados nos artigos segundo critérios anterior- mente definidos. De acordo com 0 interesse de cada pesquisa elabora-se concei- tos ou nogdes gerais a partir dos textos permitindo traduzi-los num determi- nado numero de elementos de sentido andlogo e numa representagdo simplifi- cada dos artigos. Este processo de categorizag4o ocorre portanto em duas etapas: a) Inventdrio: Jevantamentos dos varios elementos constitutivos dos artigos b) Classificagdo: redistribuicgfo destes elementos em grupos ou tipos andlogos Uma vez mais lembramos que cabe ao pesquisador criar e definir suas proprias categorias de andlise, em fun¢4o do texto analisado e dos objetivos de sua pesquisa. 3.2. Codificagao FE quando realiza-se a distribuigao das unidades-temas por categorias atribuindo-se a cada uma das categorias um simbolo nominal ou numérico. No caso dos estudos de Imprensa privilegiamos trés aspectos: 96 a) presenca (ou auséncia): verificagéo da presenga ou auséncia das uni- dades-temas e categorias em cada um dos artigos analisados, funcio- nando como um indicador significativo para a andlise. Cabe aqui obser- var que em alguns casos a varidvel de auséncia é mais importante que a propria presenga do tema nos artigos, dai a énfase dada na andlise dos “siléncios” do discurso de Imprensa. b) freqiiéncia: é uma das medidas mais utilizadas e diz respeito a regula- ridade quantitativa de presenga ou aparecimento do tema nos artigos consultados. Podemos medir a “freqiiéncia simples”, isto é o numero de veves que cada unidade-tema ou categoria aparecem no texto ou “frequéncia ponderada™. atribuindo-se pesos e valores diferentes as unidades-tema tegorias no calculo de sua freqiiéncia de apare- cimento em fungdo de sua importancia frente ao tema estudado. ©) orientacdo ou tonalidade: diz respeito & posigdo do jornal frente ao tema de estudo e engloba quatro aspectos: c.1. positiva: toda informagdo favoravel ao tema (+) c.2. negativa: toda informagao desfavoravel ao tema ( -) c.3, neutra: toda informagdo sem conotagdo de favorabilidade (0) 4. ambivalente: toda informagdo que ndo explicita a posigao do jor- nal sobre 0 tema (+) Em geral nas andlises de Imprensa definimos dois grandes campos de estudo’*: a) Estudo da tendéncia de um jornal (ou de uma série de artigos de um mesmo jornal): estudo baseado na consulta de artigos no interior de um determinado jornal — andlise “intra-jomnal” ; b) Estudo comparativo de tendéncias (orientagdes e atitudes) de diferen- tes jornais frente a um mesmo tema ou fato: comparago da impor- tancia de um mesmo tema entre os diferentes jornais consultados — andlise “inter-jornais” Em fungao destes dois campos de estudo, dos objetivos de cada pesquisa e dos trés indicadores acima levantados (presenga, freqiiéncia e orientag%o), podemos construir uma série de graficos e tabelas. Como veremos as medidas ou indicadores do espago ocupado pela informagfo no jomal referem-se geral- mente a dois aspectos: a localizag4o do artigo no interior do jornal e a drea ou superficie do artigo (medida em nimero de colunas ou em termos de pagina, meia-pdgina, um-quarto de pagina). As medidas e contagens realizadas podem ser expressas de diversas maneiras, a saber!” : 97 freqiiéncia de aparecimento do tema no(s) jornal(is) e no{s) perfodo(s) estudado(s) — no de vezes que aparece — hierarquia das unidades-temas em termos de freqiiéncia localizag4o do tema no interior das paginas do jornal — na 1# pdgina, altima pagina ou nas paginas interiores — Se¢do ou coluna do jornal em que aparece o tema drea ou superficie do jomal dedicada ao tema no(s) periodo(s) estu- dado(s) presenca do tema na primeira p4gina do jornal — ne de vezes que aparece — destaque dado (valorizag4o tipografica das “‘manchetes”) tipo de matéria dedicada ao tema (editorial, reportagem, entrevista, cronica, etc.) ilustrago n¢ de ilustragdes sobre o tema ~ superficie das ilustracdes relativas ao tema Para cada artigo pode-se elaborar uma ficha-de-caracterizago condensan- do as principais informagéos necessdrias a andlise: nome do jornal, data, coluna ou sec4o, n° da pagina, titulo e tipo de matéria, jornalista/redator, distribuicao especial da matéria (superficie do artigo, n9 de colunas, presenga/auséncia na 1@ pagina do jornal, aspectos tipograficos, fotos ou ilustrag6es). Apresentamos a seguir alguns exemplos de Historia Através da Imprensa onde usou-se ou poder-se-ia usar 0 método da Anilise de Conteido: a) A busca de dados e elementos para o estudo de um determinado fato historico, como por exemplo: a Histéria do Movimento Operdrio Brasileiro através da andlise de jornais da Imprensa Operdria’® ; b) A imagem de um determinado fato histérico na Imprensa, como no estudo de E. Benassaya sobre o Movimento Surrealista e como no trabalho de R. Raymond sobre a imagem dos Estados Unidos na Imprensa francesa!® ; c) Comparagdo de varios jornais sobre a apresentac4o de um mesmo fato, fazendo transparecer as respectivas tendéncias dos periddicos consultados, como num estudo sobre o estatuto, o papel ¢ o lugar da mulher na sociedade pernambucana no seéulo XIX; d) Estudo de um tema durante um longo perfodo como por exemplo a questo do aborto e da limitagao de nascimentos” ; e) A representacdo de determinado fato ou personagem e movimento hist6rico em jornais de posigdes polftico-ideologicas semelhantes, como na pesquisa de V. Borges sobre as relagdes entre Getulio Vargas e a Oligarquia 98 Paulista através da andlise dos orgaos de imprensa dos grupos oligérquicos, ou ainda num trabalho sobre as impress6es da elite frente aos movimentos opera- rios através de artigos do jornal “O Estado de Sd Paulo”?! ANALISE DE CONTEUDO E INFORMATICA Achamos que seria interessante terminar este artigo com algumas obser- vacdes sobre as aplicagdes da anilise informatizada. Nao sendo especialistas na matéria nao nos caberia aqui propor os métodos sofisticados da Informatica, mas apenas levantar algumas questdes relativas 4 sua aplicac4o aos estudos historicos, especialmente aos estudos sobre a Imprensa. Este método apresenta inameras vantagens ao pesquisador, possibilitan- do-lhe um maior rigor analitico, uma maior flexibilidade de andlise (pela possi- bilidade de reutilizagdo dos dados de pesquisa ou ainda pela introducao de novos elementos no programa) e maior rapidez, liberando 0 pesquisador de tarefas drduas ¢ improdutivas. Para sua utilizag%o 0 pesquisador deve precisar as operagdes de andlise, os métodos de trabalho e seu programa”?. Na andlise dos discursos de Imprensa deve-se preparar e codificar os textos selecionados (os artigos de jornais) em fungao dos objetivos da pesquisa, do programa realizado e das possibilidades de “leitura’” do computador util do, para assim permitir a construgdo de listas e indices de freqiéncias. Distin- guimos em geral dois métodos: método de selegdo (registro de freqiiéncia de palavras-chaves ou de uma associag4o de conccitos) e o método de transforma- Gao (registro de unidades-temas, “recortando”-se os artigos em grandes unida- des)? As possibilidades das técnicas estatisticas ¢ do método quantitativo fornecidos pela andlise informatizada so enormes. Ele ¢ especialmente indica- do quando se trabalha sobre um grande niimero de varidveis, onde a anilise manual revela-se dificil ou em alguns casos imposs{vel” . A rigor nfo ha necessidade do dominio ou conhecimento cientifico deste tipo de metodologia para a sua aplicacdo pratica, bastando-se poder contar com um centro de programacdo e seu pessoal especializado. Existem mesmo programas “prontos” que podem ser adaptados as necessidades e objetivos de cada pesquisa. Na drea de Ciéncias Sociais foi desenvolvido em universidade americanas 0 programa “SPSS” — Statistical Package for the Social Science, que apresenta uma multiplicidade de aplicagdes. B. Fausto e. J. Love em recentes trabalhos utilizaram-se deste tipo de programa?’. 99 CONCLUSAO Como colocamos no inicio deste artigo, nosso objetivo foi apenas o de indicar algumas pistas e sugerir alguns problemas metodoldgicos da andlise da Imprensa. Cabe entretanto lembrar a guisa de conclusfo que um método nao é “vale-tudo” ou “‘prét-a-porter”, e nfo deve funcionar como uma “‘camisa-de- fora” para a andlise. Nunca é tarde demais para insistir sobre a natureza dialé- tica das relagdes entre método-teoria-objeto de estudo: é este vaivém constante que nos afasta dos perigos do empirismo e do formalismo. Isto é ainda mais pertinente no caso da andlise de artigos de Imprensa, que devem ser sempre localizados e inseridos historicamente sob 0 risco de cairmos numa anilise formal do discurso “tA a gosto de certas correntes da teoria literdgia”, como lembra F. Hardman”®. Para finalizar gostarfamos ainda de ressaltar que nenhum' método por mais “exato” que seja, ndo garante por si s6 o valor cientifico de um estudo. O que se vé muitas vezes é que por trds desta “‘garantia de cientificidade” baseada em formulas e célculos (no “revestimento matemAtico” das descrigdes e raciocfnios estat{sticos) e que d4 a impress4o de rigor e seriedade a pesquisa, revela-se uma grande superficialidade””. NOTAS 1 Cf. N.W. Sodré, Histéria da Imprensa no Brasil, SP, Martins Fontes, 1981; J.F. Nobre, Histéria da Imprensa em Séo Paulo, SP, Leia, 1950; M.H Capelato e C.G. Mota, Historia da Folha de Sdo Paulo, SP, Imprensa, 1981; M.H. Capelato e M.L. Prado, O Bravo Matutino, SP, Alfa-Omega, 1980; M.N. Ferreira, A Jmprensa Operdria no Brasil, Petr6polis, Vozes, 1978; ABI (Associag&o Brasileira de Imprensa), A Jmprensa na década 20, RJ, mimeo, 1980 e A. de Séguin, Os didrios do Rio de Janeiro, tese de mestrado, UFRJ, mimeo, 1982 e La Presse de Sao Paulo et Rio de Janeiro, thése de 3é cycle, Paris, mimeo, 1984. Penso nos trabalhos de V.P. Borges, Getilio Vargas e a Oligarquia Paulista, SP, Brasiliense, 1980 e de F.F. Hardman, Nem Patria Nem Patrdo, SP, Brasiliense, 1984, onde os autores apesar de nfo apresentarem anilise sistemdtica e profunda, apontam ao menos para as principais caracteristi- cas dos Orgdos de imprensa consultados. 100 Sobre este aspecto ver M. Mouillaud, “Le systéme des journaux”, in Langages, n° 11, Paris, Set. 1968, e C. Hermelin e A. Cipra, La Presse un outil pédagogique, Paris, Retz, 1981 A este propdsito ver V. Morin, 1 Ecriture de Presse, Paris, Mouton, 1969 Cf. Hermelin e Cipra, op. cit.. p. 77 Para um maior aprofundamento destas caracteristicas ver A. de Seguin, Ia Presse de Sao Paulo et Riv de Janeiro, op. cit., € sobre a Imprensa nos anos 20, ABI, op. cit. Ct. P. Albert, “Comment étudier un journal?”, in Cahiers Frangais, n@ 178, Paris, La Documentation Francaise, Out-Dez 1976. Os nomes dos jornais sdo ricos em indicagdes sobre a historia, 0 conteido € 0 publico do jornal. Geralmente referem-se 4 hora de aparecimento do jornal (“Correio da Manha” e “Jornal da Tarde’), ao local de edigzo (“Folha de Sao Paulo”, “Correio Paulistano”) ou ao contedado (“O Com- bate” ¢ “A Terra Livre”). Neste sentido ver por exemplo a recente publicacdo comemorativa do centendrio de fundagdo do jomal “Diario Popular”, Sdo Paulo (SP), ano CI, n° 32.801, 8.11.1984 Com exceg4o dos trabalhos de A. de Séguin, op. cit., ainda nao existem. Também sao dificeis os dados sobre publico-leitor, receitas e capitais dos jornais, principalmente para o periodo anterior a 2# Guerra Mundial. Ver neste sentido os trabalhos pioneiros desenvolvidos nos Estados Unidos por H. Lasswell, B. Berelson ¢ P. F. Lazarsfeld. Cf. B. Berelson, Content Analysis in Communication Research, NY.111 Univ. Press, 1952. Sobre estas novas aplicagdes do método da Andlise de Contetdo ver por exemplo, L. Bardin, 1,’Analyse de Contenu, Paris, PUF, 1980; J. C. Gar din, Les Analyses de Discours, Suisse, Delachaux et Niestlé, 1974: R. Mucchielli, L’Analyse de Contenu, Paris, EME-ESF, 1974, e M.C. d° Unrung, Analyse de Contenu et Acte de Parole, Paris, Delarge, 1974 Para a definig4o do método da Andlise de Conteddo baseamo-nos no livro classico de L. Bardin, op. cit. 101 21 22 23 24 2s 26 27 Cf E.G. Benassaya, La Presse face au Surréalisme de 1925 a 1938, Paris, CNRS, 1982. Cf. R. Mucchielli, op. cit., p. 57. Sobre as varias técnicas de medidas e cdlculos dos jornais consultar a obra classica de J. Kayser, Le Quotidien Francais, ‘Paris, Armand Colin, 1963 (editada pela primeira vez em 1959). Cf. entre outros M.N. Ferreira, op. cit.; F.F. Hardman e V. Leonardi, Historia da Industria e do Trabalho no Brasil, Sto Paulo, Global, 1982, H. Linhares, Contribuigdo @ Histéria das Lutas Operarias no Brasil, SP, Alfa-Omega, 1977; S. Magnani, O Movimento Anarquista em Sao Paulo, SP, Brasiliense, 1982; e L.M.O. Silva, Movimento Sindical Qpendrio na Primeira Republica, tese de mestrado, Unicamp, mimeo, 1977. Cf. E. Benassaya, op. cit. e R. Raymound, Jmages des Etats-Unis dans la Presse Francaise, Paris, Gallimard. Cf. Gouaze et alli, La Loi de 1920 et l’Avortement - Stratégies de la Presse et du Droit aux procés de Bobigny, Lyon, PUL. Cf. V. Borges, op. cit., e cit., e B. Weinstein, “Impress6es da Elite sobre os Movimentos da Classe Operdria - A Cobertura da Greve em O Estado de Sao Paulo (1902-1907), in M. H. Capelato e M. L. Prado, O Bravo Matuti- nO, op. cit. Ver a este respeito L. Bardin, op. cit., cap. V. Sobre a aplicagao da Informatica 4 Andlise de Contetido dos discursos de Imprensa ver R. Mucchielle, op. cit. Para maiores indicagdes sobre este programa ver N. Nie et alii, Mc Graw ~ Hill Book Company, 1975. Cf. B. Fausto, Crime e Cotidiano, SP, Brasiliense, 1984 e J. Love, A Loco- motiva, RJ/SP, Paz e Terra, 1982. Cf. F. Hardman, op. cit., p. 21 Para um aprofundamento desta questdo ver J. Prevost, “‘A propos d’un livre de Sociologie de !"Education”, in Actes de Recherche en Sciences Sociales, n? 55, Paris, Minuit, Nov. 1984. 102

You might also like