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Cinco ligdes de psicandlise MINISTRADAS EM CELEBRAGAO AO VIGESIMO ANIVERSARIO DA CLARK UNIVERSITY, EM WORCESTER, MASSACHUSETTS, SETEMBRO DE 1909 Minhas senhoras e meus senhores! Para mim € uma sensacao nova e desconcertante estar como conferencista ante um ptiblico 4vido de saber do Novo Mundo. Suponho dever essa honra tao somente & associacao de meu nome ao tema da psicandlise, dai ser minha intengao lhes falar sobre psicandlise. £ do modo mais conciso pos- sivel que vou procurar Ihes dar uma visao geral sobre a histéria do surgimento e dos desdobra- mentos desse novo método de investigagio e de cura. Se existe um mérito em se ter chamado a vida a psicandlise, esse mérito nao é meu.1 Dos primérdios da psicandlise eu nao participei. Eu era estudante, ocupado com meus tiltimos exa- mes, quando outro médico vienense, 0 doutor Josef Breuer? aplicou pela primeira vez tal procedimento em uma garota acometida de histeria (1880-1882). E com essa histéria de do- enga e tratamento que vamos nos ocupar agora, Ela pode ser encontrada em pormenor nos Estu- dos sobre a histeria, que veio a ser publicado por Breuer ¢ por mim.! Antes de iniciar, apenas uma observacio. Nao sem satisfacao fiquei sabendo que a mai- oria de meus ouvintes nao pertence a area mé- dica. Nao tenham a preocupagio de que se faz necessaria uma especial formagao em medicina para acompanhar que tenho a expor. Pér certo que em determinado momento vamos ter um tanto com os médicos, porém logo nos aparta- remos para acompanhar doutor Breuer em seu tao particular caminho. A paciente do doutor Breuer, uma garota de 2 anos, de elevados dotes intelectuais, no curso de sua enfermidade, que se estendeu por mais de dois anos, desenvolveu uma série de disttirbios corporais e animicos, a que bem se fazia necessdrio levar a sério. Apresentava uma paralisia com rigidez. de ambas as extremidades do lado direito, que também foram tomadas de insensibilidade, , por vezes, essa mesma afec- io atingia os membros do lado esquerdo do corpo; tinha perturbagdes nos movimentos ocu- lares e variados comprometimentos na capa- cidade da visio, dificuldades para sustentar a cabega, uma intensa tussis nervosa, asco diante dos alimentos, e, em uma ocasitio, durante vé- rias semanas, incapacidade de ingerir liquidos, nao obstante a sede que a atormentava, uma diminuigio na capacidade da fala, que pro- grediu até a perda da capacidade de falar ou entender sua lingua materna, e, por fim, esta- dos de auséncia, irritabilidade, delirios, alte- racio da personalidade como um todo; € a essas perturbacoes logo vamos atentar. Ao ouvir sobre tal quadro_patolégico, mesmo nao sendo médicos os senhores, ten- derdo a supor que se trata de um grave sofri- mento, provavelmente do cérebro, a permitir escassas perspectivas de restabelecimento, em pouco tempo podendo levar ao colapso da paci ente. Ora, os médicos vao fazé-los saber que para uma série de casos com tio graves mani- festagdes justifica-se outra concepcio, jé bem mais favorvel. Quando surge tal quadro pato- l6gico num individuo jovem do sexo feminino, cujos 6rgio vitais internos (coracio, rins) se revelam normais a uma investigacio objetiva, ainda que se tenha experimentado violentas comogées de animo, e quando ao nivel dos deta- hes os sintomas particulares se desviam do que se poderia esperar, os médicos tomam 0 caso por bastante grave. Afirmam eles nao se tratar de um acometimento organico do cérebro, mas daquele estado enigmatico que desde os tempos da medicina grega se chamava histeria, capaz de simular toda uma série de quadros de sério sofrimento. Assim sendo, nao tomam 0 quadro por uma ameaca & vida, sendo provavel mesmo um pleno restabelecimento da satide. Dife- renciar tal histeria de um grave sofrimento orginico nem sempre é algo muito simples de fazer, Mas nao precisamos saber como é feito um diagnéstico diferencial desse tipo; para nés, basta a garantia de que justamente 0 caso da paciente de Breuer era um desses casos em que médico especialista algum erraria ao diagnos- ticar como histeria. Nesse ponto podemos com- plementar o relato da enfermidade da seguinte forma: a moléstia apareceu quando ela cuidava do pai ternamente amado, acometido por grave doenga que acabou por levé-lo & morte; em con- sequéncia de sua propria moléstia, ela foi obrigada a deixar de Ihe prestar auxilios. Até aqui nos foi vantajoso caminhar com os médicos, e eis que agora temos de nos separar deles. Mas, diga-se, no esperem os senhores que, com isso, para o doente as perspectivas do tratamento médico devam melhorar substan- cialmente por se diagnosticar a histeria em vez de sentenciar uma séria afeccao orginico- cerebral. Diante de grave enfermidade do cére- bro, a arte médica é 0 mais das vezes impotente, mas mesmo diante da afecgao histérica 0 mé- dico nao sabe o que fazer. Vé-se obrigado a dei- xar a benevoléncia da natureza quando e como cla vai querer realizar seu esperangoso prognéstico.t Assim, com o conhecimento da histeria nao se tem grandes mudangas para 0 doent qua- dro se altera mais para 0 médico. Podemos observar que, diante do histérico, sua atitude difere inteiramente da que ele esbosa diante do doente orginico. Ao primeiro ele nao quer dis- pensar a mesma ateng&o que ao segundo, uma vez que leva bem menos a sério 0 seu softi- mento, mesmo que pareca alegar atribuir a ambos a mesma seriedade. Porém nao € s6 isso a concorrer. © médico, que em seu curso tanto aprendeu sobre as causas das doengas ¢ das mudangas patolégicas que sao vedadas ao leigo, por exemplo, nos casos de apoplexia ou de tumor cerebral, pode formar ideias que até certo ponto sto acertadas, por Ihe propiciarem a com- preensio das peculiaridades do quadro clinico. Porém, diante dos detalhes dos fenémenos histéricos, todo o seu saber e toda a sua for- macio anatomofisiolégica e patolégica o deixam desamparado. Ele nao é capaz de entender a histeria, diante dela mais se pondo como um leigo. E isso por certo nao faz justica a quem de resto sempre se orgulha de seu saber. Por isso, os histéricos acabam por perder a sua simpatia: © médico os considera pessoas que infringem as leis de sua ciéncia, tal como os ortodoxos veem os hereges; atribui a eles toda a malig- nidade possivel, culpa-os de exagero e de propo- sital engano, de simulagao; e os pune com a su- pressio de seu interesse. Pois essa censura o doutor Breuer nao rece- beria quanto & sua paciente; devotou a ela sim- patia e interesse, ainda que de inicio nao sou- besse como ajudé-la. Provavelmente, o que faci- litou foram as notaveis qualidades espirituais e de carater da paciente, das quais deu teste- munho histérico clinico por ele redigido. E, além disso, sua amorosa observagio logo o fez encontrar 0 caminho que possibilitou 0 pri- meiro auxilio terapéutico. Observouse que em seus estados de auséncia, de alteragio psiquica aliada A con- fusio, a enferma se punha a murmurar algu- ‘mas palavras que pareciam provir de uma cone- xo de que seu pensamento se ocupava. O mé- dico, tomando nota dessas palavras, inseria-a num estado de hipnose, a cada vez Ihe repe- tindo aquelas palavras, para estabelecer uma relagao com ela. A paciente aceitou, e com isso reproduzia antes do médico as criagbes psi- quicas que a dominavam durante as auséncias e se deixavam revelar naquelas palavras exter- nadas de maneira desconexa. Eram belas fanta- sias de uma tristeza profunda, nao raro de uma beleza poética, sonhos diumos, que, via de regra, tomavam como ponto de partida a situ- agao de uma garota junto ao leito do pai adoen- tado, Sempre que narrava um bom niimero de tais fantasias, ela se libertava e via-se recon- duzida & vida animica normal. O bem-estar, que perdurava por varias horas, no dia seguinte dava lugar a uma nova auséncia, que da mesma forma era suprimida mediante a enunciagao de novas fantasias que entdo se formavam. Nao podemos fugir & impressio de que as mudan- gas fisicas que se manifestavam nas auséncias eram consequéncia do estimulo proveniente das formagées de fantasias com elevado grau de afetividade. A propria paciente, que nesse pe- riodo de sua enfermidade estranhamente falava € entendia apenas o inglés, deu a esse novo tratamento o nome de “talking cure” [cura pela fala}, ou, entao, brincando, caracterizava-o como “chimney sweeping’ [limpeza de chaminé Logo se descobriu, por acaso, que por meio de tal limpeza da alma podia-se obter algo mais do que uma eliminagao passageira de turvacdes animicas sempre recorrentes. Também sin- tomas de sofrimento desapareciam quando na auséncia, de alteragio psiquica aliada A con- fusio, a enferma se punha a murmurar algu- ‘mas palavras que pareciam provir de uma cone- xo de que seu pensamento se ocupava. O mé- dico, tomando nota dessas palavras, inseria-a num estado de hipnose, a cada vez Ihe repe- tindo aquelas palavras, para estabelecer uma relagao com ela. A paciente aceitou, e com isso reproduzia antes do médico as criagbes psi- quicas que a dominavam durante as auséncias e se deixavam revelar naquelas palavras exter- nadas de maneira desconexa. Eram belas fanta- sias de uma tristeza profunda, nao raro de uma beleza poética, sonhos diumos, que, via de regra, tomavam como ponto de partida a situ- agao de uma garota junto ao leito do pai adoen- tado, Sempre que narrava um bom niimero de tais fantasias, ela se libertava e via-se recon- duzida & vida animica normal. O bem-estar, que perdurava por varias horas, no dia seguinte dava lugar a uma nova auséncia, que da mesma forma era suprimida mediante a enunciagao de novas fantasias que entdo se formavam. Nao podemos fugir & impressio de que as mudan- gas fisicas que se manifestavam nas auséncias eram consequéncia do estimulo proveniente das formagées de fantasias com elevado grau de afetividade. A propria paciente, que nesse pe- riodo de sua enfermidade estranhamente falava € entendia apenas o inglés, deu a esse novo tratamento o nome de “talking cure” [cura pela fala}, ou, entao, brincando, caracterizava-o como “chimney sweeping’ [limpeza de chaminé Logo se descobriu, por acaso, que por meio de tal limpeza da alma podia-se obter algo mais do que uma eliminagao passageira de turvacdes animicas sempre recorrentes. Também sin- tomas de sofrimento desapareciam quando na hipnose ela se recordava, com a exteriorizacao de afetos, da ocasiao por forca de cuja conexio aqueles sintomas haviam aparecido pela pri- meira vez. “No vero houve um periodo de in- tenso calor, e a paciente sentia uma sede exage- rada; ento, sem que pudesse indicar motivo algum, de stibito se Ihe tornou impossivel beber. Tomou na mao 0 ansiado copo d’agua, mas, tio logo tocava-o com os labios, repelia-o como se fosse uma hidr6foba. Era evidente que nesses segundos ela se encontrava em estado de auséncia. Vivia apenas de frutas, de meldes € assemelhados, para atenuar a sede a torturé-la. Quando isso j4 durava em torno de seis sema- nas, durante a hipnose ela passou a discorrer sobre sua dama de companhia inglesa, de quem. no gostava, e entao narrou, com todos os sinais de asco, que certa vez entrara no quarto da ultima e ali viu 0 caozinho dela, um animal repugnante, bebendo de um copo. Nao disse nada, pois queria ser gentil. Depois de ter dado enérgica expressdo a raiva contida, pediu de beber, bebeu sem inibicio grande quantidade de agua e despertou da hipnose com 0 copo nos labios. Com isso, a perturbacao desapareceu para sempre.5 Permitam-me que me detenha um mo- mento nessa experiéncia! Até entdo, ninguém climinara um sintoma histérico por tais meios, nem penetrara to fundo na compreensio do que o teria causado. Haveria de ser uma desco- berta prenhe de consequéncias, caso se corro- borasse a expectativa de que também outros sintomas, possivelmente a maioria, apareciam desse mesmo modo nos doentes e eram, desse modo, suprimidos. Breuer no poupou esforgos para disso se convencer e passou a investigar de maneira planificada a patogénese de outros e mais sérios sintomas de sofrimento. E assim se deu de fato; quase todos os sintomas haviam surgido como resfduos, como precipitados, se preferirem, de vivéncias plenas de afetos, que mais tarde viemos a chamar “traumas psi- quicos’, e sua peculiaridade se esclareceu por meio da ligagao com a cena traumatica que os causou. Para dizé-lo em termos técnicos, eles eram “determinados” pelas cenas cujos resf- duos mnémicos eles figuravam, e j4 nao se precisava descrevé-los como esforgos_volun- tarios ou enigmiticos de neurose. Deve-se pen- sar apenas num desvio em relagao aquela expec- tativa, Nem sempre se tinha uma vivéncia tinica a deixar como sequela o sintoma, mas, 0 mais das vezes, eram traumas numerosos, no raro muito semelhantes, além de repetidos, que provocavam tal efeito. Essa inteira cadeia de lembrangas patogénicas devia ser reproduzida em ordem cronolégica, e, por certo, em sentido inverso: a tiltima em primeiro lugar e a pri- meira em tltimo lugar. Era completamente impossivel penetrar até o trauma primeiro, e em geral o mais eficaz, caso se saltasse por sobre os que vieram depois Por certo vocés vao querer ouvir de mim ainda outros exemplos de causa de sintomas histéricos, além da aversto a Agua pelo asco de ver 0 cio beber do copo. Porém sendo aqui o caso de cumprir meu programa, devo me limi- tar a bem poucas provas. Assim, Breuer relata que os disturbios da visio da paciente remetem a outras circunstancias “do tipo segundo o qual, com ligrimas nos olhos, sentada junto a cama do pai enfermo, de repente esse Ihe pergunta pelas horas; ela nao via de modo claro e esfor- gou-se em trazer o reldgio para perto dos olhos de modo que 0 mostrador aparecesse bastante grande (macropsia e strabismus convergens); ou esforgou-se para reprimir as lagrimas, para que © doente nao as visse”s E, diga-se, todas as im- pressdes patogénicas advinham da época em que tomou parte dos cuidados do pai enfermo. “Certa vez, em meio a grande angiistia, vigi- ava o pai, que estava altamente febril, e, tensa, esperava por um médico de Viena que viria fazer a operacao. A mie se afastara por algum tempo e Anna estava sentada junto ao leito do enfermo, o braco direito pousado sobre o espaldar. Ela entrou num estado de sonho desperto e viu, como vindo da parede, uma serpente negra se aproximar do enfermo para picé-lo. (£ muito provavel que na campina que se estendia por tras da casa realmente houvesse aparecido algumas cobras ¢ assustado a garota, provendo-lhe agora material de alucinagio.) Quis enxotar © animal, mas estava como que paralisada; a0 pender sobre o espaldar, o braco direito havia ‘dormido’, tomando-se anestésico e parético, e, quando ela o contemplou, os dedos se converteram em pequenas cobras com cabecas mortas (as unhas). £ provavel que ela tenha procurado cagar a serpente com a mio direita paralisada e, com isso, a sua prOpria anestesia e paralisia entraram em associagao com a alucinagao da serpente. Quando essa desapareceu, em sua angiistia desejou rezar, mas faltava-lhe toda e qual- quer linguagem, nao conseguia falar em ne- nhuma, até que, finalmente, encontrou um verso infantil em inglés e pode continuar a pensar e orar nessa lingua.” Com a lembranga dessa cena na hipnose, foi eliminada a rigida paralisia do braco direito, que persistia desde 0 infcio da doenga, e 0 tratamento chegou ao fim. Quando anos depois comecei a aplicar 0 mé- todo de cura e tratamento de Breuer em meus proprios doentes, tive experiéncias _perfei- tamente concordes com as dele. Uma senhora de cerca de 4o anos estava com um tique, um ruido muito peculiar, semelhante a um estalo de lingua, e ela 0 produzia a cada excitacio e também a nenhuma circunstincia visivel. Ti- vera sua origem em duas vivéncias, e seu trago comum estava em que ela se prometera nao fazer ruido algum e, nao obstante, por uma espécie de vontade contraria, rompia o siléncio precisamente com aquele ruido. Uma das vezes, quando finalmente conseguira fazer dor- mir a filha adoentada e se dizia que deveria entao ficar em completo siléncio para nao a des- pertar; outra vez, quando em uma viagem de coche com os dois filhos, por ocasiio de uma tempestade, os cavalos se assustaram e ela cui- dadosamente queria evitar qualquer ruido para nao espanté-los ainda mais. Dou esse exemplo em vez de outros presentes em Estudos sobre a histeria, Senhoras e senhores, se me permitem a ge- neralizacao, que em tao breve exposicao é inevi- tavel, podemos apreender 0 conhecimento até aqui adquirido da seguinte forma: nossos doen- tes histéricos padecem de reminiscéncias. Seus sintomas sio residuos de certas vivéncias (traumaticas). Uma comparagio com outros simbolos mnémicos de outros campos talvez venha a nos levar mais fiundo na compreensio dessa simbologia. Mesmo os monumentos com que adornamos nossas grandes cidades sio tais simbolos mnémicos. Quando fazemos um pas- seio por Londres, diante da maior estagao da ci- dade encontramos uma coluna gética ricamente adornada, a Charing Cross. No século XIII, um dos antigos reis plantagenetas, fazendo com que fossem conduzidos os restos mortais de sua amada rainha Eleanor até Westminster, erigiu cruzes goticas em cada estagao ferrovidria em que passaria o féretro; Charing Cross é o iiltimo dos monumentos em que a lembranga desse cortejo fiinebre seria recebida7 Em outro ponto da cidade, nao distante da London Bridge, pode- se avistar uma coluna mais moderna, porten- tosa, chamada simplesmente The Monument. Deve estar ali em meméria do grande incéndio que, em 1666, iniciou-se nas cercanias ¢ des- truiu grande parte da cidade. Esses monu- mentos so também simbolos mneménicos tal como os sintomas histéricos, até 0 ponto em que a comparagao pareca se justificar. Mas 0 que diriam vocés a um londrino que ainda hoje se mantivesse melancélico ante 0 monumento a0 cortejo fimebre da rainha Eleanor, em vez de ir atras de seus negécios com a pressa exigida pelas modernas relagdes comerciais ou de se regozijar com a jovem rainha de seu coragio? Ou entao, que ante 0 Monument viesse a chorar a incineracio de sua amada cidade, ainda que essa ja de ha muito se tenha reerguido com es- plendor tanto maior? Tal como esses londrinos nada praticos portam-se todos os histéricos e neuréticos; nao apenas recordam as vivéncias h4 muito transcorridas, mas permanecem-lhes aderidos em afeto, sem se desvencilhar do pas- sado, negligenciando a realidade efetiva e o pre~ sente. Essa fixagao da vida animica aos traumas patégenos é uma das caracteristicas mais importantes e de maior significado pritico das neuroses. £ de bom grado que Ihes concedo a objecio, e & bem possivel que a estejam a formular neste momento, pensando no historial clinico da paci- ente de Breuer. Todos os seus traumas provi- nham de um periodo em que cuidava do pai adoentado, e seus sintomas s6 poderiam ser apreendidos como sinais mnémicos para a enfermidade e morte desse tiltimo. Desse modo elas correspondem a um trauma; e por certo que uma fixagio na lembranga do finado, tio pouco tempo depois de seu falecimento, nada tem de patol6gica, correspondendo mais a um processo de sentimento normal. Isto eu Ihes concedo: na paciente de Breuer, a fixacio nos traumas nada tem de casual. Mas, em outros casos, como no tique por mim tratado, cujas causas remontavam havia mais de quinze e dez anos, 0 carater de fixagao anormal ao passado é bastante nitido, sendo provavel que a paciente de Breuer da mesma forma o tivesse desen- volvido se nao tivesse sido submetida a tratamento catirtico logo depois da vivencia dos traumas e da génese dos sintomas. Até agora elucidamos apenas a relagao dos sintomas histéricos com o historial de vida do paciente; em dois outros momentos da obser- vacao de Breuer podemos ainda obter uma indi- cacao sobre como atentar ao processo de adoeci- mento e recuperacio. Em primeiro lugar, deve- se ressaltar que, em quase todas as situacdes patogénicas, a paciente de Breuer teria repri- mido [unterdrticken] intensa excitago, em vez de Ihe possibilitar seu transcurso por meio dos cor- respondentes signos de afeto, palavras e agoes. Na trivial experiéncia com o cao de sua dama de companhia, por consideragao a essa sufocou toda manifestagao de seu intenso asco; en- quanto fazia vigilia junto ao leito do pai, teve 0 permanente cuidado de nao deixar transparecer ao enfermo nem um pouco de sua angiistia e de seu doloroso aborrecimento. Quando, mais tarde, reproduziu essas mesmas cenas diante de seu médico, 0 afeto entao inibido surgiu com particular viruléncia, como se até entio tivesse sido represado. Sim, o sintoma, que nessa cena se fizera pendente, recobrou maxima inten- sidade a medida que se aproximava de sua causa, para desaparecer apés a completa reali- zacao dessa tiltima. Por outro lado, foi possivel fazer a experiéncia de que recordar a cena di- ante do médico manteve-se algo sem 0 menor efeito quando, por alguma razio, isso trans- correu sem desenvolvimento de afeto. Os des- tinos desses afetos, que poderiam ser repre- sentados como grandezas passiveis de ser deslo- cadas, foram decisivos tanto para o adoecimento quanto para o restabelecimento. Com isso, vimo-nos coagidos & hipétese segundo a qual 0 adoecimento teria sobrevindo porque os afetos desenvolvidos nas situagées patogénicas blo- quearam uma saida normal, e a esséncia do adoecimento entao consistiria em que esses afe- tos “estrangulados” foram submetidos a um emprego anormal. Eles persistiam em parte como duradouros lastros da vida anfmica e fon- tes de continua estimulacdo para ela prépria; em parte experimentavam uma transposigao para inervagdes e inibigdes corpéreas inabituais, que se apresentavam como sintomas corporais do caso. Para esse tiltimo proceso, cunhamos 0 nome de “conversao histérica’. Normalmente, uma determinada parte de nossa excitagao ani- mica € aleatoriamente conduzida pela via da inervagao corporal, e disso resulta que a conhe- amos como “expressao das emogoes”. Ora, a conversio histérica exagera essa parte do trans- curso de um processo animico investido de um. afeto; ela corresponde a uma expressio da emocao muito mais intensa, guiada por novas vias. Quando uma corredeira se divide em dois canais, um deles se congestionara tao logo a cor- rente depare com um obstéculo no outro. Como veem, estamos em vias de chegar a uma teoria puramente psicolégica da histeria, na qual indicamos os processos afetivos de pri- meira ordem. Uma segunda observagao de Breuer nos forca agora a atribuir maior signi- ficado aos estados de consciéncia nos tragos ca- racteristicos do acontecer patolégico. A paciente de Breuer demonstrava miltiplas condicdes animicas, estados de auséncia, confusio e mu- danga de cardter juntamente com seu estado normal. No estado normal ela nada sabia daquelas cenas patolégicas e da conexio delas com seus sintomas; esquecera-se das cenas ou, em todo caso, havia dilacerado a conexio paté- gena. Quando inserida na hipétese, apés um consideravel dispéndio de trabalho, ela conse- guia voltar a evocar essas cenas na meméria, € por esse trabalho de recordagao os sintomas eram suprimidos. A interpretacio desses fatos seria bastante desconcertante se as experiéncias e os experimentos do hipnotismo j4 nao tives- sem indicado 0 caminho. O estudo dos fend- menos hipnéticos fez com que nos familia zassemos com a concepgdo que de infcio nos pareceu estranha, de que num mesmo indi- viduo si0 possiveis mais agrupamentos ant- micos, que realmente se mantém indepen- dentes uns dos outros, mas “nada sabem” uns dos outros, e de modo alternante atraem para si a consciéncia. Em casos desse tipo, caracte- rizados como double conscience, eventualmente também se chega de forma espontinea a obser- vacio. Quando, em tal cisto da personalidade, a consciéncia se mantém ligada a um desses dois estados de maneira constante, chama-se a esse de estado animico consciente, e, a0 separado dele, de inconsciente. Nos fendmenos conhe- cidos da chamada “sugestao pés-hipnotica’, em que uma ordem dada durante a hipnose mais tarde se impde, mandatiria, no estado normal, tem-se um destacado arquétipo para os influxos que 0 estado consciente pode experimentar mediante o que lhe é inconsciente, ¢, segundo esse padrao, certamente se chegard a dar conta das experiéncias no caso da histeria, Breuer decidiu-se pela hipétese de que de tais estados animicos nasciam os sintomas histéricos, que ele chamava de hipnoides. Trata-se de exci- tagdes que, em tais estados hipnoides, facil- mente se tornam patégenas, pois esses estados nao sio as condigdes para um transcurso nor- mal dos processos excitatérios. Portanto, surge do processo excitatério um produto atipico, precisamente o sintoma, que penetra como um corpo estranho no estado normal, e do qual, por essa razio, desvia-se 0 conhecimento da situ- acao patégena hipnoide. Onde existe um sin- toma ha também uma amnésia, uma lacuna de recordacao; ¢ 0 preenchimento de tais lacunas inclui a supressao das condigdes de surgimento do sintoma, Receio que esta parte de minha exposigao nao Ihes tenha parecido transparente. Mas devem levar em conta que sao intuigdes novas e dificeis, que talvez nem possam ser tornadas muito mais claras; prova disso é que nés ainda nao fomos longe com nosso conhecimento. Ademais, a postulagao de estados hipnoides por Breuer se mostrou inibitéria e supérflua, tendo sido abandonada pela psicanilise de nossos dias. Logo vou fazé-los saber, pelo menos medi- ante sugestdes, quais influéncias e processos se deixam desvelar por tras da diviséria dos esta- dos hipnoides postulados por Breuer. Vocés devem ter tido, e com razdo, a impressao de que a pesquisa de Breuer s6 poderia resultar numa teoria bastante incompleta e num esclare- cimento pouco satisfatério dos fenémenos observados, mas teorias acabadas nao caem do céu, e com tanto mais razio ficariam descon- fiados se alguém Ihes apresentasse uma teoria que j4 desde o inicio se mostrasse sem lacunas nem arestas. Por certo que teoria assim s6 pode- ria ser filha de especulago e nao fruto da inves- tigacao dos fatos isenta de pressupostos. Minhas senhoras e meus senhores! Quase a0 mesmo tempo em que Breuer exercia a talking cure com sua paciente, em Paris, 0 mestre Char- cot iniciava as pesquisas sobre as histéricas em Salpétrigre, das quais haveria de resultar uma nova compreensao da doenga. A época, tais resultados ainda nao eram conhecidos em Viena. Mas quando, na década seguinte, Breuer e eu publicamos a comunicacao_preliminar sobre os mecanismos psiquicos dos fenémenos histéricos, relacionada ao tratamento catartico da primeira paciente de Breuer, vimo-nos todos na trilha das investigagoes charcotianas. Equi- paramos as vivéncias patogénicas de nossos pacientes a sonhos psiquicos iguais aqueles so- nhos corp6reos, cuja influéncia sobre paralisias histéricas fora estabelecida por Charcot, e a pr pria tese de Breuer sobre estados hipnoides nao sendo mais que um reffexo do fato de que Char- cot reproduzira artificialmente aquelas para- lisias histéricas na hipnose. © grande pesquisador francés , de quem fui aluno entre 1885 € 1886, de sua parte nao era foi muito inclinado a concepgdes psicolégica: seu aluno, P. Janet, que buscou se adentrar de maneira mais profunda nos processos_psi- quicos peculiares & histeria, € nés seguimos seu exemplo ao situar a cisio animica e a fragmen- tagao da personalidade no cerne de nossa con- cepcao. Em Janet se tem uma teoria da histeria que leva em conta as teorias dominantes na Franga sobre o papel da heranga e da degene- ragio, Para ele, a histeria é uma forma de alte- ragio degenerativa do sistema nervoso que se manifesta por meio de uma fraqueza inata da sintese psiquica. As pacientes histéricas desde o inicio se mostravam incapazes de manter a infcio se mostravam incapazes de manter a multiplicidade dos processos animicos em coe- sio numa unidade, e dai surgia a tendéncia a dissociagio animica. Se me permitem uma comparacao banal, porém evidente, a histérica de Janet remete a uma mulher frdgil que sai para fazer compras e volta carregada de caixas € pacotes. Ela nao consegue dominar aquele amontoado com os dois bracos e dez dedos, raz3o pela qual he cai um primeiro pacote. Agacha-se para apanhé-lo, e eis que outro the escapa, ¢ assim por diante. Essa suposta fragi- lidade das histéricas nao se harmoniza com 0 fato de entre elas se poder observar, além dos fenémenos de queda de rendimento, também exemplos de aumento parcial da capacidade de desempenho, como que 20 modo de uma repa- racao. Na época em que a paciente de Breuer esquecera sua lingua materna e todas as outras linguas, até o inglés, seu dominio do idioma chegou a ponto de ela se ver em condigdes de, caso Ihe apresentassem um livro em alemao, poder fazer dele uma tradugio impecavel e flu- ente lendo a pagina em voz alta. Quando mais tarde me propus a continuar as pesquisas iniciadas por Breuer, logo cheguei a outra concepgio sobre o surgimento da disso- ciagao histérica (cisao da consciéncia). Tal diver- géncia, decisiva para todos os demais efeitos, teria necessariamente de se dar, uma vez. que, como Janet, eu nao partia de experimentos de laboratério, mas, sim, de tratamentos terapéu- ticos. © que me impelia era, sobretudo, a neces- sidade pratica. O tratamento catirtico, tal como Breuer o exercera, pressupunha que se trou- xesse os pacientes para uma hipnose profunda, pois somente no estado hipnético ele teria o conhecimento das ligagdes patogénicas, que Ihes faltava em seu estado normal. E eis que a hipnose, como recurso caprichoso e, por assim dizer, mistico, comecou a me desagradar; quan- do fiz. a experiéncia de que, apesar de todos os esforcos, conseguia introduzir ao estado hipn tico pouco mais de uma fragao de meus doen- tes, decidi renunciar & hipnose e tornar o trata- mento catértico independente dela. Como nao podia a meu bel-prazer alterar o estado psfquico da maioria de meus pacientes, pus-me a traba- Ihar com seu estado normal. No entanto, num primeiro momento, isso me pareceu empreen- dimento sem sentido nem perspectiva. Impu- nha-se a tarefa de averiguar da pessoa doente o que nao se sabia e o que ela prépria nao sabia; como se poderia esperar, mas como se poderia esperar averigué-lo? Entdo veio em meu auxilio a lembranca de um experimento muito assombroso e prolifico em ensinamentos que eu havia presenciado junto a Bernheim em Nancy. Na ocasido, Bernheim nos mostrou que as pessoas que ele introduzira no sonam- bulismo hipnético, fazendo-as vivenciar nesse estado todo o tipo de coisas, apenas aparen- temente haviam perdido a lembranga da vivén- cia sonambiilica, sendo-lhes possivel despertar tais lembrangas também em estado normal. Quando ele Ihes perguntava sobre as vivéncias sonambiilicas, de inicio diziam nada saber, porém, quando nao desistia, quando as pressi- onava, garantindo a elas que o sabiam, as lem- brangas esquecidas retornavam, ¢ isso em todos 0s casos. Assim o fiz também com meus pacientes. Quando chegava com eles a um ponto em que afirmavam nada mais saber, eu Ihes assegurava de que, sim, eles sabiam, que deveriam apenas contar, e ousava afirmar que a lembranca cor- reta seria a primeira que lhes ocorresse no mo- mento em que minha mao Ihes pousasse na testa. Desse modo, sem recorrer & hipnose, con- segui averiguar dos pacientes tudo 0 que fosse necessario para 0 estabelecimento da conexio entre as cenas patogenicas esquecidas ¢ os sin- tomas por elas ocasionados. Mas era um pro- cesso penoso, extenuante, que nao poderia se apropriar a uma técnica definitiva. Entretanto, nao desisti sem extrair con- sequéncias decisivas das observacdes feitas nesse proceso. Foi assim que pude atestar que as lembrangas esquecidas nfo tinham sido per- didas. Elas estavam de posse do doente e em associago a0 que ainda nao Ihe havia asso- mado, a algo de que tinha conhecimento, mas havia uma forca a impedir que se tomnassem conscientes. ¢ as forcava a se manter inconscientes. Era possivel supor com certeza a existéncia dessa forca, pois sentia-se um esforo ali atuante por ocasido do empenho em intro- duzir, em oposigao a essa forga, as lembrangas inconscientes na consciéncia da pessoa doente, A forca que mantinha de pé o estado patolégico era percebida como resisténcia da pessoa doente. E eis que sobre essa ideia de resistencia fundamentei_ minha concepgao de_processos psiquicos. Anular essas resisténcias provou ser algo necessério ao restabelecimento; agora, entdo, a partir do mecanismo da cura era pos- sivel formar ideias bem especificas sobre o pro- cesso de adoecimento. As mesmas forgas que hoje, como resisténcia, opdem-se a tomada de consciéncia do que foi esquecido seriam as mesmas a atuar nesse esquecimento e a repri- mir da consciéncia as vivencias patogenicas. A esse processo por mim hipotetizado nomeei repressiio e considerei-o provado mediante a ine- gavel existéncia da resisténcia. Também se poderia perguntar quais seriam essas forgas e quais as condigdes da repressio em que agora reconhecemos o mecanismo pato- génico da histeria. Investigagao semelhante de situagdes patogénicas, que se pdde conhecer por meio do tratamento catértico, autoriza aqui uma resposta. Em todas essas vivéncias, 0 que esteve em questo foi 0 afloramento do estimulo de um desejo que se mostrava incompativel com as exigéncias éticas e estéticas da personalidad. Tinha se dado um breve conflito, e o final dessa luta interna foi que a representagdo, que ante a consciéncia aparecia como portadora daquele desejo inconcilidvel, sucumbiu & repressio e, juntamente com as lembrancas atinentes a ela, foi impelida para fora da consciéncia e esque- cida. Assim, a inconciliabilidade da representagdo em quest4o com o eu! do paci- ente foi o motivo da repressdo; as forcas repres- soras eram as exigéncias de carter ético, ¢ tam- bém outras exigéncias do individuo. A aceitacio da estimulagio de um desejo inconciliével ou a persisténcia do conflito teriam suscitado ele- vado grau de desprazer; esse desprazer teria sido poupado pela repressio, que desse modo se mostrava como um dos dispositivos de pro- tego da personalidade animica. Em detrimento de muitos outros, vou Ihes contar um tinico de meus casos, no qual é pos- sivel discernir com suficiente nitidez as condi- bes e as vantagens da repressdo. Por certo que para minha intengdo aqui mesmo esse histérico clinico teré de ser abreviado, deixando-se de lado alguns importantes pressupostos. Uma jovem garota, que fazia pouco perdera seu amado pai, de cujos cuidados participei — situago andloga a da paciente de Breuer -, quando a irma mais velha se casou, nutria pelo jovem cunhado uma particular simpatia, que facilmente podia ser mascarada como ternura parental. Essa irma logo adoeceu e veio a fale- cer, enquanto a paciente estava ausente com sua mae. As ausentes foram chamadas as pres- sas, sem que se lhes fizesse saber do doloroso acontecimento. Quando a garota chegou ao leito da irma morta, por um breve instante se lhe assomou uma ideia, que encontrou expressio aproximada nas seguintes palavras: agora ele estd livre e pode se casar comigo. Podemos tomar como certo que essa ideia, que delatava & sua consciéncia um amor intenso e nao consciente pelo cunhado, foi logo entregue & represstio no instante seguinte a agitag3o de seus senti- mentos. A garota adoeceu de graves sintomas histéricos, e quando a acolhi em tratamento, 0 que se salientava era que ela havia esquecido por completo aquela cena junto ao leito da irma e a mogio odiosa e egoista que entdo surgira. No tratamento ela recordou, reproduziu o fator patogénico em meio aos indicios de violenta emocio e, por meio desse tratamento, fez-se cu- ada Talvez eu possa Ihes ilustrar o processo da repressio e sua relagao necessiria com a resis- téncia mediante uma comparagdo grosseira, € eu a quero pincar precisamente da situa¢ao em que agora nos encontramos. Suponhamos que aqui, nesta sala e neste auditério, cuja calma e atengdo exemplares eu no conseguiria louvar a contento, estivesse um individuo que se com- portasse de modo perturbador, e que, por suas risadas, tagarelices e movimentos dos pés, des- virtuasse a atengdo de vocés de minha tarefa. E que eu declarasse que desse modo nao prosseguiria a ministrar, e com isso entre vocés se levantassem alguns homens vigorosos e, apés um breve embate, pusessem o elemento perturbador da porta para fora. Desse modo, ele € “reprimido”, e eu posso continuar minha conferéncia. Mas, com isso, para que a pertur- bagao nao se repita, quando o expulso tenta novamente entrar na sala, os senhores, que fize- ram valer minha vontade, colocam suas cadei- ras contra a porta, e assim se estabelece uma “resisténcia” apés uma consumada repressao. Se agora vocés transferirem ambas as locali- dades para 0 psiquico, como 0 “consciente” e como 0 “inconsciente’, terZo diante de si uma imagem bastante boa do processo da repressio. Os senhores podem ver entio onde se encontra a diferenca de nossa concepgao para com a de Janet, Deduzimos a cisio psiquica nao de uma insuficiéncia inata para a sintese do aparato animico, mas explicamo-a dinami- camente por meio do embate de forgas ani- micas em conflito, reconhecemos nela o resul- tado de uma reniincia ativa de ambos os agru- pamentos psiquicos, um em relagio ao outro. A partir de nossa concepgio, suscitam-se agora novos questionamentos em grande mimero. A situagdo do conflito psiquico é sem diivida bas- tante frequente, um anseio do eu por defender- se de lembrangas penosas se observa com toda a regularidade, sem conduzir ao resultado de uma cistio animica. Nao se pode afastar a ideia de que sdo necessarias ainda outras condigoes, caso 0 conflito venha a ter por consequéncia a dissociagao. De bom grado também Ihes con- cedo que, com a hipétese da repressio, nao nos encontramos no final, mas, sim, no inicio de uma teoria psicolégica, porém nao temos alter- nativa além de avancar passo a paso, devendo confiar a consumacao do conhecimento a um trabalho mais amplo e mais profundo. Desistam da tentativa de trazer 0 caso da paciente de Breuer para o ponto de vista da re- pressio. Esse histérico clinico nao se presta a isso, pois s6 se obtém com o auxilio da influen- cia da hipnose. $6 mesmo se desativarem a hip- nose voces poderao perceber as resisténcias repressdes, vindo a formar uma representaco certeira do real processo patogénico. A hipnose encobre a resistencia e torna de livre acesso uma certa regio animica, para tanto acumu- lando a resistencia nas fronteiras dessa regiao, ao modo de uma muralha, a tornar inacessivel todo o restante. © que de inestimével aprendemos com a observagao de Breuer foram as noticias sobre a ligagao dos sintomas com as vivéncias patogé- nicas ou com os traumas psiquicos, e, por isso, agora nfo podemos nos furtar a apreciar essas compreensées do ponto de vista da teoria da re- presso. No inicio, de fato, nao se vé como da repressio pode se chegar a formagio do sin- toma. Em vez de proporcionar uma complexa dedugio teérica, retomarei neste ponto a ima- gem que anteriormente usamos para a repres- so, Considerem que, com o distanciamento do elemento perturbador e com o estabelecimento da vigilancia junto a porta, o assunto nao ne- cessariamente se encontra encerrado. O que pode bem suceder & que o elemento expulso, agora irritado e de todo fora de nossas vistas, continue a nos dar trabalho. Ele jé nao esta entre nés, livramo-nos de sua presenga, de seu riso escarnecedor, de suas observagdes 4 meia- ‘voz, mas, em certo sentido, a repressao nao foi bem-sucedida, pois de fora ele conduz um espe- tdculo insuportavel, e seus gritos e socos na porta so um estorvo a minha conferéncia mais do que seu anterior comportamento malcriado. Sob essas circunstincias, haveriamos de nos regozijar de alegria se, por exemplo, nosso esti- mado presidente, doutor Stanley Hall, quisesse assumir o papel de mediador e apaziguador. Ele falaria com o elemento inconveniente lA fora e entio voltaria exortandomnos a que o deixis- semos retornar, com a garantia de que se com- portasse melhor. Acedendo a autoridade do doutor Hall, decidimos entao suspender a re- pressio, a alma e a paz voltando a se instaurar. Porém essa nao é na verdade uma descrigao adequada da tarefa que compete ao médico na terapia psicanalitica das neuroses. Para dizé-lo diretamente: pelo exame dos doentes histéricos e de outros neuréticos che- gamos a conviccao de que neles fracassou a re- pressio da ideia a que esteve atrelado 0 desejo insuportivel. Expeliram-na da consciéncia e da lembranga, aparentemente se pouparam de grande soma de desprazeres; ocorre que no in- consciente continua a existir o estimulo do desejo reprimido, & espreita de uma oportunidade para ser ativado e, entende-se com isso, para enviar & consciéncia uma formagao substitutiva, desfi- gurada e tornada irreconhecivel, & qual de pron- to se associam essas mesmas impressdes de desprazer, das quais se acreditava poupado por meio da repressio. Essa formacio substitutiva para a ideia reprimida — 0 sintoma ~ é imune a outros ataques da parte do eu defensor, ¢ no lugar do breve conflito surge agora um sofri- mento que no cessa com o tempo. No sintoma constata-se, juntamente com os indicios de desfiguragio, um resto de semelhanca, trans- mitida, de algum modo, com a ideia origi- nalmente reprimida; as vias nas quais a formacio substitutiva se consumou podem ser descobertas durante o tratamento psicanalitico do paciente, e para sua cura é necessdrio que 0 sintoma seja de novo transportado por esses mesmos caminhos até a ideia reprimida. Se o reprimido for novamente conduzido a atividade animica consciente, e isso pressupde a supe- ragio de resisténcias consideraveis, 0 conflito psiquico que surge dai, e que o doente desejaria evitar, sob a conducao do médico encontra saida melhor do que a oferecida pela repressio. Exis- tem varias de tais execucdes que, adequadas a um fim, levam conflito e neurose a um final feliz, em alguns casos sendo possivel alcanga-las combinando umas com as outras. A persona- lidade do paciente pode ser convencida de que foi sem razao que rechacou o desejo patogenico, sendo instada a aceitd-lo, no todo ou em parte, ou esse mesmo desejo se faré conduzido a um. objetivo mais elevado, e, por isso mesmo, inob- jetével (chama-se a isso sublimagao). Se assim no for, reconhece-se seu rechago como algo justo, ainda que se substitua o mecanismo automatic e, com isso, insuficiente da repres- so por uma condenagio com 0 auxilio das operagGes espirituais mais elevadas do ser hu- mano; chega-se assim a seu dominio [Beherrschung] consciente. Desculpem-me caso nao tenha conseguido expor aos senhores de maneira claramente apre- ensivel os pontos capitis do método de trata- mento ora chamado psicandlise. As dificuldades nfo se encontram apenas na novidade do ob- jeto. Sobre o tipo de desejos inconciliaveis que, nao obstante a repressio, continuam a se fazer sentir a partir do inconsciente, e sobre as condi- Ges subjetivas ou constitutivas que devem se encontrar numa pessoa para que se consuma tal fracasso da repressao e se tenha uma formagio substitutiva ou de sintoma, sobre esses aspectos ainda serao dadas algumas informagoes, medi- ante observagdes pontuais. Minhas senhoras e meus senhores! Nem sem: pre € facil corresponder & verdade, sobretudo quando se precisa ser breve, tanto que hoje sou obrigado a corrigir uma imprecisio que cometi em minha tiltima conferéncia. Eu Ihes dizia que ao renunciar & hipnose eu forgava meus pacientes a me comunicar o que lhes ocorrera quanto ao problema que acabévamos de tratar — cles bem sabiam, nao obstante, que 0 supos- tamente esquecido e a ocorréncia que ali emer- gia sem ditvida conteriam o que se buscava, de modo que eu fazia a experiencia de que 0 que ocorresse em seguida em meus pacientes traria algo pertinente e comprovaria ser a continuagao esquecida da lembranga. Ora, isso no é de todo correto; apenas por brevidade apresentei algo tao simples. Na realidade, sé nas. primeiras vezes acontecia de o esquecido pertinente ser obtido por um simples esforgo de minha parte. Caso se fizesse seguir 0 proceso, sempre suce- diam fatos que nao poderiam ser os perti- nentes, pois nao se coadunavam, e os préprios doentes os rejeitavam como nao pertinentes. Aqui, 0 esforgo ja nao seria de auxilio, e de novo se poderia lamentar ter renunciado a hipnose. De tal maneira perplexo, aferrei-me a um preconceito, e sua justificacio cientffica veio a ser comprovada anos depois por meu amigo C. G. Jung e seus alunos. Devo dizer que, as vezes, é bastante uitil ter preconceitos. Eu tinha em alta conta o rigor da determinac3o dos processos animicos ¢ no podia acreditar que uma ocor- réncia do paciente, por ele produzida em tenso estado de atengiio, fosse inteiramente arbitréria e carente de relagio com a representagdo esquecida que buscévamos; que no fosse idéntica a essa, tal se explicava satis- fatoriamente pela situacao psicolégica pressu- posta. No doente em tratamento, duas forcas atuavam uma contra a outra: por um lado, a sua aspiragao consciente de trazer a consciéncia 0 esquecido presente no inconsciente; por outro, a resisténcia, nossa conhecida, que se revolvia contra 0 tomar consciente do reprimido ou de seus derivativos. Se a resisténcia fosse igual a zero ou muito reduzida, 0 esquecido fazia-se consciente sem ser desfigurado; nesse caso, podia-se supor que a desfigurago do que se buscava seria tanto maior quanto maior fosse a resisténcia contra o tornar consciente do que se buscava. O pensamento que, na pessoa doente, sobrevinha no lugar daquele que se buscava dava-se ele proprio como um sintoma; era uma formacio substitutiva nova, artificial e efémera para o reprimido, que tanto mais se Ihe desse- melhava quanto maior a desfigurago pela qual passou sob a influéncia da resisténcia. No en- tanto, em razao de sua natureza como sintoma, ele demonstrava certa semelhanga com o que se buscava, e, em caso de resistencia nao muito in- tensa, a partir da ocorréncia haveria de ser pos- sivel adivinhar 0 procurado, que entao se dissi- mulava. Em relagio ao elemento reprimido, a ocorréncia tinha de se comportar 20 modo de uma alusio, de uma apresentagio desse em dis- curso indireto. No ambito da vida psiquica normal, conhe- cemos casos em que situagdes andlogas a que supomos proporcionam resultados seme- Ihantes. Um desses casos é 0 do chiste, Por meio de problemas da técnica psicanalitica fui obrigado a me ocupar com a técnica da for- macio de chistes. Quero Ihes expor um tinico desses exemplos, que, por sinal, é um chiste em lingua inglesa, Conta a anedota! que dois homens de negé- cios pouco escrupulosos tinham conseguido arrebanhar grande fortuna por meio de uma série de empreendimentos bastante arriscados, ¢ em dado momento se esforcavam para ingres- sar na alta sociedade. Entre outros meios para tal, pareceu adequado se deixar retratar pelo pintor mais eminente e mais caro da cidade, cujas telas eram tidas por acontecimentos. Numa grande soirée, os quadros, caros, foram expostos, ¢ os dois donos da casa conduziram pessoalmente o mais influente critico ¢ conhe- cedor de arte até a parede da sala onde ambos os retratos estavam expostos lado a lado ~ sua intengao era a de arrancar do critico algum juizo de admiracio. Ele contemplou os quadros por algum tempo, entio sacudiu a cabeca como se nao tivesse entendido e se limitou a per- guntar, apontando para 0 espaco livre entre ambos os retratos: And where is the Saviour? [Mas onde esta 0 Salvador’). Vejo que vocés riem todos ante um bom chiste, em cujo enten- dimento queremos agora adentrar. Entendemos que o conhecedor de arte quis dizer “vocés s20 dois picaretas, como aqueles entre os quais 0 Salvador padeceu na cruz”. Mas ele nao 0 diz, € em vez disso manifesta algo que num primeiro momento parece curiosamente inapropriado deslocado, e, no momento seguinte, o reconhe- cemos como alusao ao pretendido insulto, esse que de pleno direito ele vem substituir, Nao podemos esperar reencontrar no chiste todas as relagdes que conjecturamos para a génese da ocorréncia em nossos pacientes, mas queremos insistir na identidade da motivacao entre chiste € ocorréncia, Por que nosso critico nao pode dizer diretamente aos dois picaretas 0 que gos- taria de dizer? Porque juntamente com seu an- seio de dizé-lo na cara e sem rodeios atuam nele motivos bastante consistentes em sentido con- trario, Nao é algo isento de risco ofender pes- soas de quem se é héspede, e tais pessoas dis- poem de vigorosos punhos de um sem-ntimero de servicais. Pode-se facilmente incorrer no des- tino que na conferéncia anterior eu trouxe em analogia com “repressdo”. Por essa Tazo, 0 © tico nao expressou diretamente o xingamento que pretendia, fazendo-o sob a forma desfi- gurada de uma “aluso com omissio”, e, se- gundo nosso entender, essa mesma constelagio 6 culpada, uma vez que o paciente, em vez do esquecido que se busca, produziu uma ocor- réncia substitutiva mais ou menos desfigurada Minhas senhoras e meus senhores! Se- guindo a Escola de Zurique (Bleuler, Jung, et al), faz-se bastante adequado caracterizar como “complexo” um grupo de elementos de repre- sentacio investidos de afeto. Com isso, vemos que para buscar um complexo reprimido par- timos de uma pessoa que dele esteja padecendo e dele ainda recorde, e temos todas as perspec- tivas para adivinhé-lo se o paciente puser a nossa disposicao mimero suficiente de suas ocorréncias livres. Deixamos entao o doente falar o que quiser, atendo-nos & premissa de que nio Ihe pode ocorrer outra coisa além do que indiretamente depender do complexo bus- cado. Se esse caminho para descobrir o repri- mido lhes parece de todo circular, quanto a isso pelo menos posso Ihes garantir ser 0 tinico vié- vel. Quando exercemos essa técnica, um incémodo est4 no fato de que o paciente fre- quentemente se interrompe, faz uma pausa € afirma nada saber, nao lhe ocorrendo absolu- tamente nada. Se assim fosse e ele estivesse certo, outra vez nosso procedimento se compro- varia insuficiente, S6 mesmo uma observacio mais sutil vai demonstrar que tal denegacao das ocorréncias na verdade jamais sobrevém. Essa aparéncia se produz apenas uma vez que, sob 0 influxo das resistencias, que se disfarcam sob diferentes juizos criticos acerca do valor da ocorréncia, 0 paciente ou se recolhe ou torna a por de lado a ocorréncia percebida. A maneira de se proteger disso esté em prever essa con- duta e exortar o paciente a no se preocupar com essa critica. Sob a total rentincia a seme- Ihante selegao critica ele deve dizer tudo 0 que Ihe passe pela mente, mesmo quando 0 tomar por incorreto, por nao pertinente, por carente de sentido, ¢, sobretudo, quando Ihe for desagra- davel ocupar 0 pensamento com tal ocorréncia. Por meio de sua obediéncia a essa prescrigao, asseguramo-nos do material que haverd de nos por na trilha dos complexos reprimidos. Para o psicanalista, esse material de ocor- réncias, que o paciente, menosprezando-o, ar- roja de si de vez em quando sob a influéncia do médico, encontra-se sob a influéncia da resis- téncia, constitui como que o minério em estado bruto, do qual vai extrair valioso metal, com 0 auxilio de simples artes de interpretagio. Se quiserem, junto a um paciente, produzir um conhecimento rapido e provisério dos com- plexos reprimidos, sem, no entanto, adentrar seu ordenamento e suas relagdes, podem exa- miné-lo mediante o experimento da associago, tal como constitufdo por Jung? e seus disci- pulos. Esse procedimento serve ao psicanalista tanto quanto a andlise qualitativa serve a0 qui- mico; na terapia dos pacientes neuréticos, tal procedimento é dispensavel, mas é indis- pensdvel para a demonstraco objetiva dos com- plexos e para a investigacio das psicoses, essas que a Escola de Zurique abordou de modo tao bem-sucedido. A elaboracio das ocorréncias que se ofe- recem ao paciente quando ele se submete a regra fundamental da psicandlise nao é 0 tinico de nossos meios técnicos para a descoberta do inconsciente. Servem ao mesmo fim dois outros procedimentos, a saber, a interpretagao dos so- nhos € a apreciacao dos atos falhos e casuais. Meus prezados ouvintes, concedo aos senhores que por muito hesitei sobre se antes de Ihes dar este breve panorama do inteiro campo da psicandlise nao seria preferivel ofe- recer-lhes uma apresentacao pormenorizada da interpretago dos sonhos. Um motivo pura- mente subjetivo e aparentemente secundério me demoveu dessa ideia. Pareceu-me quase escandaloso apresentar-me neste pais, voltado a objetivos priticos, como “intérprete de sonhos”, antes que vocés pudessem saber da importancia que pode reivindicar para si essa arte antiquada € escarnecida. A interpretagao dos sonhos é, na realidade, a via regia para o conhecimento do in- consciente, o fundamento mais seguro da psica- nilise e daquele mbito do qual todo traba- Ihador deve haurir seu convencimento e sua formagao. Se me fosse perguntado como al- guém pode se tornar psicanalista, eu respon- deria que mediante o estudo de seus préprios sonhos. Com o devido tato, até agora todos os adversarios da psicandlise se esquivaram de dignificar a “interpretagao dos sonhos”} ou pre- tenderam passé-la por alto com as mais tanto quanto a andlise qualitativa serve a0 qui- mico; na terapia dos pacientes neuréticos, tal procedimento é dispensavel, mas é indis- pensdvel para a demonstraco objetiva dos com- plexos e para a investigacio das psicoses, essas que a Escola de Zurique abordou de modo tao bem-sucedido. A elaboracio das ocorréncias que se ofe- recem ao paciente quando ele se submete a regra fundamental da psicandlise nao é 0 tinico de nossos meios técnicos para a descoberta do inconsciente. Servem ao mesmo fim dois outros procedimentos, a saber, a interpretagao dos so- nhos € a apreciacao dos atos falhos e casuais. Meus prezados ouvintes, concedo aos senhores que por muito hesitei sobre se antes de Ihes dar este breve panorama do inteiro campo da psicandlise nao seria preferivel ofe- recer-lhes uma apresentacao pormenorizada da interpretago dos sonhos. Um motivo pura- mente subjetivo e aparentemente secundério me demoveu dessa ideia. Pareceu-me quase escandaloso apresentar-me neste pais, voltado a objetivos priticos, como “intérprete de sonhos”, antes que vocés pudessem saber da importancia que pode reivindicar para si essa arte antiquada € escarnecida. A interpretagao dos sonhos é, na realidade, a via regia para o conhecimento do in- consciente, o fundamento mais seguro da psica- nilise e daquele mbito do qual todo traba- Ihador deve haurir seu convencimento e sua formagao. Se me fosse perguntado como al- guém pode se tornar psicanalista, eu respon- deria que mediante o estudo de seus préprios sonhos. Com o devido tato, até agora todos os adversarios da psicandlise se esquivaram de dignificar a “interpretagao dos sonhos”} ou pre- tenderam passé-la por alto com as mais superficiais objecées. Se, a0 contrério, vocés forem capazes de aceitar as solugdes para os problemas da vida onirica, as novidades que a psicanilise vai exigir de seu pensamento j4 nao Ihes oferecerao dificuldade alguma. Nao se esquecam de que nossas produgdes de sonhos noturnos mostram, por um lado, a maxima semelhanga externa e parentesco in- terno com as criagdes das doencas mentais, e, por outro, sio compativeis com uma plena satide da vida desperta. Nao hé nada paradoxal em afirmar que quem, em vez de entendé-las, maravilha-se diante de tais ilusdes dos sentidos, ideias delirantes e mudangas de carater “nor- mais”, tampouco ter4 a menor perspectiva de compreender as formacbes anormais de estados animicos patolégicos. Entre esses leigos voces com certeza poderao contar hoje todos os psi- quiatras. Queiram agora me seguir por uma rasante incursao pela regio dos problemas oni- ricos. Quando estamos despertos, tratamos os so- nhos com desprezo, assim como o paciente trata as divagagdes que o psicanalista the de- manda. E também os rejeitamos, uma vez que, via de regra, os esquecemos pronta e comple- tamente. Nosso menosprezo funda-se na estra- nheza mesmo dos sonhos que no sto confusos nem disparatados, bem como no evidente ab- surdo e na auséncia de sentido de outros so- nhos; nosso rechaco ainda aponta para aspi- ragbes desinibidamente isentas de vergonha ¢ imorais que aparecem em alguns sonhos. E sa- bido que a Antiguidade nao compartilhava desse desprezo pelos sonhos. E mesmo hoje as camadas inferiores da populagao nao se deixam enganar em sua estima pelos sonhos; tal como 0s antigos, esperam deles a revelacao do futuro, Confesso que nao tenho a menor neces- sidade de hipéteses misticas para preencher as lacunas de nosso conhecimento atual, e por isso nunca pude encontrar coisa alguma que ates- tasse uma natureza profética dos sonhos. Sao coisas de bem outra ordem, ainda que igual- mente maravilhosas, que se pode dizer sobre os sonhos. Em primeiro lugar, nem todos os sonhos sto estranhos, incompreensiveis ou confusos para quem os sonha. Se vocés tomarem os so- nhos de criancas bem pequenas, a partir de 1 ano e meio, vao aché-los de todo simples e de facil entendimento. A crianga pequena sempre sonha com a satisfagio de desejos que foram despertados e nao satisfeitos no dia anterior. Para encontrar tais solugdes simples, nao se faz necessdria nenhuma arte de interpretacao, ape- nas a averiguagdo das vivencias da crianga na véspera (no dia do sonho). Sem duivida obte- riamos a mais satisfatéria solugdo do enigma onirico se mesmo os sonhos dos adultos, sem diferir dos das criangas, fossem satisfagdes de estimulos de desejo produzidos durante o dia. E assim o € na realidade; as dificuldades que se podem no caminho da solugao podem ser passo a passo eliminadas mediante uma andlise por- menorizada dos sonhos. A primeira e mais importante objegio a isso est na ideia de que os sonhos dos adultos, via de regra, tém um contetido incompreensivel, de modo algum permitindo reconhecer algo como a satisfagao de desejos. Pois a resposta aqui é: esses sonhos passaram por um ajuste; 0 pro- cesso psiquico a Ihes subjazer originalmente seria bem diferente da expresso que recebeu em palavras. E preciso que vocés diferenciem 0 contetido manifesto do sonho, tal como de forma nebulosa 0 recordam pela manha e com esforco © vestem em palavras, aparentemente arbi- trarias, dos pensamentos oniricos latentes, cuja presenga no inconsciente se pode supor. Essa desfiguracao onirica 6 0 mesmo proceso de que se tomou conhecimento ao se indagar sobre a formacio de sintomas histéricos. 0 con- tetido manifesto do sonho € o substituto desfi- gurado dos pensamentos ontricos _incons- cientes, e essa desfiguragao é obra das forcas defensoras do eu, resisténcias que na vida em vigilia profbem terminantemente que os dese- jos reprimidos do inconsciente acessem a cons- ciéncia, e em seu rebaixamento durante 0 sono conservem no minimo forca suficiente para impor ao sonho um disfarce encobridor. 0 so- nhante entao reconhece o sentido de seu sonho to pouco quanto o histérico reconhece a rela- 40 € 0 sentido de seus sintomas. Que existem pensamentos oniricos latentes e que entre eles e 0 contetido onirico manifesto realmente hé uma relagao conforme a descrita, isto é algo de que se pode convencer pela ané- lise dos sonhos, cuja técnica coincide com a psi- canalitica. Vocés devem prescindir inteiramente da trama aparente dos elementos no sonho manifesto ¢ buscar reunir as ocorréncias, que para cada elemento onirico individual sto obti- das mediante livre associagao segundo as regras do trabalho psicanalitico. A partir desse mate- rial, podem adivinhar pensamentos onfricos latentes de modo idéntico ao que foi possivel adivinhar no caso do paciente com relagao a seus sintomas e lembrangas, seus complexos ocultos. E nos pensamentos oniricos assim encontrados é possivel, sem mais, verificar até que ponto se justifica remeter os sonhos dos adultos aos sonhos infantis. © que agora substitui 0 contetido manifesto do sonho como real sentido do sonho se faz claramente compre- ensivel, atrela-se as impressdes vitais da véspera ¢ demonstra ser uma realizagao de desejos nao satisfeitos. Assim, serd possivel descrever 0 sonho manifesto, do qual ficam sabendo pela lembranga do adulto, como realizacao disfarcada de desejos reprimidos Agora, mediante uma espécie de trabalho sintético, voces poderio chegar a uma visio do processo que produziu a desfiguracao dos pensamentos oniricos inconscientes em con- tetido onfrico manifesto. A esse processo cha- mamos “trabalho do sonho”. Ele € merecedor de nosso pleno interesse teérico, ja que nele podemos estudar, como em nenhuma outra parte, quais dos insuspeitos processos psiquicos se fazem possiveis no inconsciente ou, em ter- mos mais precisos, entre dois sistemas psiquicos separados, como 0 consciente e o in- consciente. Entre esses processos psiquicos recém-conhecidos destacam-se a condensagao e © deslocamento. © trabalho do sonho € um caso especial dos efeitos de diferentes grupos ani- micos uns sobre 0s outros, sendo, portanto, 0 resultado de uma cisdo anfmica, e, em todos os tracos essenciais, ele se parece com aquele da distorcao que transmuta os complexos repri- midos mediante a repressio malsucedida no ‘sintoma. Na andlise dos sonhos, além do mais, vocés descobririo com assombro o papel insuspei- tadamente grande das impressdes e vivéncias dos primeiros anos da infincia no desenvol- vimento do ser humano. Na vida onfrica, é como se a crianca prosseguisse a sua existéncia no adulto, conservando todas as suas peculia- ridades e os estimulos de desejos, mesmo os que se tornaram inutiliziveis no decorrer da vida. Com poder irrefutdvel vio se Ihes impor todos os desenvolvimentos, repressdes, subli- magées e forma6es reativas a partir das quais da crianga, de to outra disposigao, sobrevird o assim chamado ser humano normal, que é por. tador da cultura e em parte vitima dessa, que foi com tanto esfor¢o conquistada. Também quero hes fazer notar que na ané- lise dos sonhos temos visto que, sobretudo para a figuragao de complexos sexuais, 0 incons- ciente se serve de uma certa simbologia, que em parte € individualmente varidvel; em outra parte, porém, estabelece-se de modo caracte- ristico, parecendo coincidir com a simbologia que conjecturamos por trés de nossos mitos e contos de fadas. Nao seria impossivel que as iltimas criagdes dos povos pudessem receber sua elucidacao dos sonhos. Por iiltimo, devo adverti-los que nao devem se deixar enganar pela objecio de que a ocor- réncia dos sonhos de angiistia viria contradizer nossa concepgio do sonho como satisfacdo de desejos. Abstraindo-se de que também esses so- nhos de angistia requerem interpretagao antes que sobre eles se possa ajuizar, de modo bas- tante geral deve-se dizer que a angtistia nao de- pende tio simplesmente do contetido do sonho, como se pode imaginar sem demais conheci- mentos sobre as condigdes da angiistia neuré- tica. A angiistia € uma das reagdes de recusa do eu contra desejos que se tornaram fortemente reprimidos, e, por isso mesmo, no sonho faz-se muito bem explicavel que a formacio desse se pos expressamente a servico da satisfagaio des- ses desejos. Os senhores veem que a investigacao sobre os sonhos justificarse-ia em si por meio das substitui 0 contetido manifesto do sonho como real sentido do sonho se faz claramente compre- ensivel, atrela-se as impressdes vitais da véspera ¢ demonstra ser uma realizagao de desejos nao satisfeitos. Assim, serd possivel descrever 0 sonho manifesto, do qual ficam sabendo pela lembranga do adulto, como realizacao disfarcada de desejos reprimidos Agora, mediante uma espécie de trabalho sintético, voces poderio chegar a uma visio do processo que produziu a desfiguracao dos pensamentos oniricos inconscientes em con- tetido onfrico manifesto. A esse processo cha- mamos “trabalho do sonho”. Ele € merecedor de nosso pleno interesse teérico, ja que nele podemos estudar, como em nenhuma outra parte, quais dos insuspeitos processos psiquicos se fazem possiveis no inconsciente ou, em ter- mos mais precisos, entre dois sistemas psiquicos separados, como 0 consciente e o in- consciente. Entre esses processos psiquicos recém-conhecidos destacam-se a condensagao e © deslocamento. © trabalho do sonho € um caso especial dos efeitos de diferentes grupos ani- micos uns sobre 0s outros, sendo, portanto, 0 resultado de uma cisdo anfmica, e, em todos os tracos essenciais, ele se parece com aquele da distorcao que transmuta os complexos repri- midos mediante a repressio malsucedida no ‘sintoma. Na andlise dos sonhos, além do mais, vocés descobririo com assombro o papel insuspei- tadamente grande das impressdes e vivéncias dos primeiros anos da infincia no desenvol- vimento do ser humano. Na vida onfrica, é como se a crianca prosseguisse a sua existéncia no adulto, conservando todas as suas peculia- ridades e os estimulos de desejos, mesmo os que se tornaram inutiliziveis no decorrer da vida. Com poder irrefutdvel vio se Ihes impor todos os desenvolvimentos, repressdes, subli- magées e forma6es reativas a partir das quais da crianga, de to outra disposigao, sobrevird o assim chamado ser humano normal, que é por. tador da cultura e em parte vitima dessa, que foi com tanto esfor¢o conquistada. Também quero hes fazer notar que na ané- lise dos sonhos temos visto que, sobretudo para a figuragao de complexos sexuais, 0 incons- ciente se serve de uma certa simbologia, que em parte € individualmente varidvel; em outra parte, porém, estabelece-se de modo caracte- ristico, parecendo coincidir com a simbologia que conjecturamos por trés de nossos mitos e contos de fadas. Nao seria impossivel que as iltimas criagdes dos povos pudessem receber sua elucidacao dos sonhos. Por iiltimo, devo adverti-los que nao devem se deixar enganar pela objecio de que a ocor- réncia dos sonhos de angiistia viria contradizer nossa concepgio do sonho como satisfacdo de desejos. Abstraindo-se de que também esses so- nhos de angistia requerem interpretagao antes que sobre eles se possa ajuizar, de modo bas- tante geral deve-se dizer que a angtistia nao de- pende tio simplesmente do contetido do sonho, como se pode imaginar sem demais conheci- mentos sobre as condigdes da angiistia neuré- tica. A angiistia € uma das reagdes de recusa do eu contra desejos que se tornaram fortemente reprimidos, e, por isso mesmo, no sonho faz-se muito bem explicavel que a formacio desse se pos expressamente a servico da satisfagaio des- ses desejos. Os senhores veem que a investigacao sobre os sonhos justificarse-ia em si por meio das ligagdes que fornecem sobre coisas que de outro modo seriam dificeis de saber. Porém nos chegamos a ela por fora da conexao com o tratamento psicanalitico dos neuréticos. Pelo que foi dito até aqui, podemos facilmente entender de que modo a interpretac4o dos so- nhos, quando nao € por demais dificultada pelas resisténcias da pessoa doente, conduz ao conhecimento de seus desejos ocultos e repri- midos, bem como aos complexos que eles ali- mentam, e posso pasar ento ao terceiro grupo dos fendmenos animicos, cujo estudo se tornou meio técnico para a psicanilise Sao eles os pequenos atos falhos tanto das pessoas normais quanto das neuréticas, aos quais de outro modo nao se cuidaria de atribuir nenhum valor: 0 esquecimento das coisas que poderiam saber e que também outras vezes efetivamente sabem (por exemplo, quando por um instante nao ocorre a alguém um nome pré- prio), os deslizes na fala, que ocorrem com tanta frequéncia, analogamente na escrita e na lei- tura, a0 se manipular equipamentos e perder ou quebrar objetos e coisas que tais, fatos noté- veis para os quais, se assim nao fosse, nao se buscaria determinante psiquico e se os deixaria passar como acontecimentos casuais, como uma sucesso de contingéncias, desatengio e condigoes semelhantes. A isso vém se assomar agoes e gestos que as pessoas realizam sem neles atentar de modo algum, muito menos Ihes atribuindo peso animico, como o brincar ou tamborilar com objetos, zumbir melodias, mexer no proprio corpo, na roupa e assemelhados.4 Essas pequenas coisas, os atos falhos como as agdes sintomiticas e causais, no sto tio desprovidas de significado como, numa espécie de tacito acordo, esté-se pronto a aceitar, $a0 de todo providas de sentido ja na propria situagao em que incidem, e, na maioria dos casos, € possivel interpreté-las com faci- lidade e seguranga, ¢ saliente-se que, por sua vez, elas expressam impulsos e intengdes que devem ser relegados e ocultados da propria consciéncia, ou que provém das préprias mo- goes de desejos e complexos reprimidos, que ja bem conhecemos como criadores de sintomas e de imagens onfricas. Por isso recebem a digni- dade de sintomas, e atentar a elas tanto quanto aos sonhos deve levar a se descobrir o que se es- conde na vida animica. Por seu intermédio, 0 homem, via de regra, revela seus mais intimos segredos. Caso se estabelecam com especial facilidade e frequéncia, mesmo entre as pessoas saudiveis, que de modo geral conseguiram reprimir suas mogées inconscientes, devem-no a sua insignificdncia e invisibilidade. Mas elas tém o direito de reivindicar elevado valor teé- rico, uma vez que nos demonstram a existéncia do reprimido e da formacao substitutiva sob as condigdes de saiide, Os senhores jd devem ter notado que o psicanalista se caracteriza pela crenca especi- almente estrita no determinismo da vida ani- mica, Para ele, nas exteriorizagbes psiquicas nada hé de insignificante, nada caprichoso nem nada casual; ele espera uma motivagao sufi- ciente mesmo onde nao se possa fazer tal exi- géncia; e est4 preparado para encontrar moti- vaio miiltipla para os _mesmos efeitos ani- micos, enquanto nossa necessidade causal, que se supée inata, declara-se satisfeita com uma ‘inica causa psiquica. Queiram agora os senhores coligir os meios de que dispomos para o descobrimento do ocul- to, do esquecido, do reprimido da vida animica, © estudo das ideias que por livre associacio foram suscitadas no paciente, seus sonhos e seus atos falhos e sintomaticos; acrescente-se ainda a valorago dos outros fendmenos, que resultam do tratamento psicanalitico, sobre os quais logo farei algumas observacdes sob a pala- vra-chave “transferéncia’, e comigo chegarao 4 conclusio de que nossa técnica ja esté sufi- ciente o bastante para dar conta de sua tarefa, para conduzir a consciéncia o material psfquico patogénico e com isso eliminar o sofrimento provocado pela formacio de sintomas substi- tutivos. E uma vez que nosso conhecimento da vida animica das pessoas normais e das doentes se enriquece e se aprofunda por ocasiio dos esforcos terapéuticos, este trabalho j4 no pode ser considerado apenas um atrativo especial e de exceléncia Nao sei se os senhores ficaram com a impressio de que a técnica por cujo arsenal acabo de introduzi-los vem se mostrar particu- larmente dificil. Penso que ela é bem apro- priada ao objeto com que deve se haver. Mas de muito certo se tem que ela nao é autoevidente, que tem de ser aprendida, tal como a técnica histol6gica ou a cirirgica. E possivel que se sur- preendam ao saber que na Europa temos ou- vido uma série de juizos vindos de pessoas que nada sabem dessa técnica e nao a empregam, valendo-se entio de ironia, como se devessem os senhores comprovar a exatidio de seus resul- tados. Entre esses adversdrios por certo que também ha pessoas a quem nao é estranho o modo de pensar cientifico; pessoas que, por exemplo, nao rechacariam um resultado de pes- quisa por microscépio por nao poder confirmar © preparado anatémico a olho nu, pelo menos nao antes de ter avaliado as circunstdncias com © auxilio do microscépio. Mas nas coisas da psicandlise, as conexdes para o reconhecimento sao bem menos satisfatorias. A psicandlise quer trazer ao reconhecimento consciente o que foi reprimido na vida animica, e que quem avalia, ele préprio, vem a ser uma pessoa que detém tais repressdes, e possivelmente s6 a duras penas a mantém de pé. E possivel entio que suscite a mesma resisténcia que desperta no do- ente, e, quanto a essa, € facil disfarcar-se de re- cusa intelectual, aduzindo argumentos seme- Ihantes aos que repelimos em nossos doentes com a fundamental regra psicanalitica, Assim como em nossos doentes, nao raro também em nossos oponentes podemos constatar uma not4- vel influéncia afetiva da capacidade de julgar, no sentido de um rebaixamento. A presungao da consciéncia, que, por exemplo, rejeita o sonho, fazendo-lhe tao pouco caso, esté entre os mais fortes dispositivos de protecio, em nés universalmente previstos contra a irrupgio dos complexos inconscientes, razao pela qual ¢ difi- cil trazer as pessoas para 0 convencimento da realidade do inconsciente e Ihes dar a conhecer algo novo, que contradiz seu conhecimento consciente. Vv Minhas senhoras e meus senhores! Vocés devem estar ansiando por saber 0 que foi que, com 0 auxilio dos meios téenicos descritos, nés observamos quanto aos complexos patogénicos © As mogoes desejantes do neurético. Pois bem, observamos, sobretudo, 0 se- guinte: com uma regularidade de fato surpre- endente, a pesquisa psicanalitica reconduz os sintomas de sofrimento do doente a impressdes de sua vida amorosa, ¢ isso nos mostra que os estimulos desejantes patogénicos sao da natu- reza dos componentes pulsionais eréticos; desse modo, somos levados a atribuir aos distirbios do erotismo a maxima importéncia entre as in- fluéncias que levam a enfermidade, e isso em ambos os sexos, Sei que essa afirmacio nao seré bem recebida. Mesmo pesquisadores que de coragao aberto acompanham minhas obras psicolégicas esto propensos a achar que superestimo o componente etiolégico dos fatores sexuais, veem até mim questionando sobre por que esti- mulos anfmicos de outra ordem nao dariam en- sejo aos fendmenos descritos de represssao e formagao substitutiva. A isso eu posso res- ponder: nao sei por que nao haveriam de fazé- Jo, e nada tenho a opor a isso, mas a experiéncia mostra que eles no possuem tais significados, € que, no maximo, vém respaldar o efeito dos fatores sexuais, sem nunca poder substitu(-los. Esse estado de coisas nao foi algo como que postulado teoricamente por mim; nos Estudos sobre histeria, que publiquei com 0 doutor J. Breuer em 1895, nao era esse o meu ponto de vista; tive de me converter a ele & medida que meus experimentos se faziam mais numerosos, ¢ fui levado a adentrar mais profundamente o assunto. Ora, meus senhores! Encontram-se aqui entre vocés alguns de meus amigos e seguidores mais préximos, que fizeram comigo a viagem até Worcester. Perguntem a eles e, no inicio com descrédito, de todos ouvirdo sobre a enorme importancia da etiologia sexual, até que seus préprios esforcos analiticos venham a demandar que fagam as suas. O convencimento acerca do carater correto da tese em questo nao chega a ser facilitado pelo comportamento do paciente. Em vez de prontamente nos oferecer informasoes sobre sua vida sexual, de todos os meios procuram oculté-la. As pessoas de modo algum sio sin- ceras quanto & sua vida sexual. Nao mostram livremente sua sexualidade, mas vestem um pe- sado sobretudo - uma teia de mentiras para oculté-la, como se sobre o mundo da sexualidade pairasse um mau tempo. Nao estio erradas, j4 que em nosso mundo cultural sol € vento realmente ndo se mostram favordveis & atividade sexual. Na verdade, ninguém pode revelar de forma livre seu erotismo diante dos outros. Mas quando seus pacientes observam pela primeira vez que podem fazé-lo sem emba- raco no tratamento, deixam de lado aquela casca de mentiras s6 entio se mostram em condi- ges de formular um juizo sobre a questao em debate. Infelizmente, em suas relagdes pessoais os médicos nao desfrutam de privilégio em rela- do as outras pessoas no que tange as questdes da vida sexual, e, com isso, muitos deles se acham prisioneiros desse misto de pudor e las- civia que pauta 0 comportamento da maioria das “pessoas cultas” nas questdes sobre a sexua- lidade. Permitam-me agora prosseguir_ na comunicagio de nossos resultados. Numa outra série de casos, a pesquisa psicanalitica remete os sintomas nao a vivéncias sexuais, e, sim, a vivéncias traumaticas banais. Ocorre que essa diferenciacao carece de valor por outra circuns- tancia. O trabalho de anélise demandado para o esclarecimento radical e para a cura definitiva de um caso dinico jamais se detém nas vivén- cias do periodo da enfermidade, mas em todos os casos remontard A puberdade e a primeira infincia do paciente, para entao deparar com as impressdes e os casos determinantes para o fu- turo adoecimento. $6 mesmo as vivéncias da infincia proporcionam a explicagio para a sus- cetibilidade a traumas posteriores, e sé mesmo pela descoberta e pelo tornar conscientes desses vestigios de lembranca quase sempre esque- cidos adquirimos o poder de eliminar o sin- toma. Chegamos aqui 20 mesmo resultado da pesquisa sobre os sonhos, qual seja, o de que as mocées de desejo passadas reprimidas da infincia s2o as que conferem o poder de formar sintomas, sem o qual a reagdo a traumas poste- riores transcorreria por vias normais. A essas poderosas mocoes de desejo da infancia pode- mos chamar, de modo bastante geral, de sexu- ais. Agora sim posso ter mais certeza quanto ao assombro de vocés. “Entdo existe uma sexua- lidade infantil?” — perguntarao. A infancia nao seria muito mais aquele periodo da vida caracte- rizado pela auséncia do impulso sexual? Nao, meus senhores, certamente nio é assim, nao é © caso que a pulsio sexual desce sobre as cri- angas na puberdade tal como, segundo o Evan- gelho, 0 diabo sobre os porcos. A crianga tem sua vida e atividade sexuais desde 0 inicio, ela as traz consigo ao mundo e, a partir dai, mediante um desenvolvimento rico em etapas, chega & sexualidade do adulto dito normal. Nao 6 dificil observar as manifestagbes dessa ativi- dade sexual infantil; mas 0 que ocorre nesse caso é mais uma certa arte de menosprezé-la ou de interpreti-la equivocadamente. Por um capricho do destino, para as minhas informagées, estou em condigées de invocar um testemunho proveniente bem af do meio de vocés. Mostro-lhes o trabalho de um certo dou- tor Sanford Bell, publicado em 1902 no Ame- rican Journal of Psychology. O autor é membro da Clark University, deste mesmo instituto em cujo saldo hoje nos encontramos. Neste tra- balho, intitulado A preliminary study of the emo- tion of love between the sexes, que apareceu trés anos antes de meus Trés ensaios sobre a teoria da sexwalidade, 0 autor diz tal qual acabo de Ihes dizer: The emotion of sex love... does no make its appearance for the first time at the period of adoles- cence, as has been thought. Ele fez um trabalho que, como dizemos na Europa, é de estilo americano, reunindo nao menos do que 2.500 observages positivas colhidas ao longo de quin- ze anos, das quais oitocentas eram suas. Sobre os sinais que esses enamoramentos dao a conhecer, ele expressa: The unprejudiced mind in observing these manifestations in hundreds of couples of chil- dren cannot escape referring them to sex origin. The most exacting mind is satisfied when to these observations are added the confessions of those who have as children experienced the emotion to a marked degree of intensitiy, and whose memories of childhood are relatively distinct. Mas 0 que mais surpreendera aqueles de vocés que ndo querem crer na sexualidade infantil sera ouvir que entre essas criangas precocemente enamoradas nao poucas tinham idade de trés, quatro e cinco anos. Eu nao estranharia se os senhores dessem crédito mais a essas observagdes de um conter- rineo préximo do que as minhas. Mas eu mesmo tive a sorte de obter um quadro bas- tante completo das manifestagdes pulsionais somiticas e das produgdes animicas num esté- gio primevo da vida sexual infantil, a partir da andlise de um garoto de 5 anos, acometido de angiistia, que 0 préprio pai nele inculcara se- guindo as regras da arte2 E devo lhes recordar que meu amigo doutor C. G. Jung expos nesta mesma sala algumas horas atrs a observacZo de uma garota ainda mais nova que, pela mesma circunstancia de meu paciente — por ocasiio do nascimento de um irmaozinho ~ permitiu arrolar com certeza quase as mesmas mocées sensuais, formagdes de desejo e de complexo. Portanto, ndo desespero em querer tornélos intimos com a ideia, inicialmente estranha, da sexualidade infantil, e gostaria ainda de Ihes apresentar o célebre exemplo do psiquiatra de Zurique, E. Bleuler, que, se ha bem poucos anos externou publicamente nao compreender minhas teorias sexuais, de ld para cé, em suas observagdes, tem corroborado a sexualidade infantil em toda a sua magnitude.’ Nao é dificil explicar por que a maior parte das pessoas, sejam observadores da area médica ou de fora, nada quer saber da vida sexual das criangas. Esqueceram a sua propria atividade sexual infantil sob a pressio da educagio para a cultura e nao querem ser lembrados do repri- mido. A outros convencimentos chegariam se tivessem iniciado a investigaclo com uma autoandlise, com uma revisio ¢ interpretagao de suas lembrangas de infancia. Deixem de lado a duivida e queiram me acompanhar numa apreciago da sexualidade infantil dos primeiros anos. A pulso sexual da crianga revela-se como altamente composta; ela admite uma decomposicio em muitos ele- mentos advindos de diferentes fontes. Sobre- tudo, independe da funcao da reprodugao, a cujo servico vai se por mais tarde. Serve a obtengio de diferentes tipos de sensagdes de prazer que, por certas analogias e nexos, conce- bemos conjuntamente como sexualidade. A principal fonte de prazer sexual infantil é a es- timulagio apropriada de determinadas partes do corpo, especialmente excitiveis, além dos genitais, dos orificios da boca, do anus e da ure- tra, mas também a pele e outras superficies sensfveis, Uma vez que nessa primeira fase da vida sexual infantil a satisfagiio encontra-se no proprio corpo e prescinde de um objeto estra- nho, chamamos essa fase, segundo termo cu- nhado por Havelock Ellis, de autoerotismo. E as partes significativas para a obtencdo do prazer sexual chamamos de zonas erdgenas. O ato de chupar o dedo ou mamar com deleite por parte das criangas pequenas é um bom exemplo de satisfagao autoerética com base numa zona er6- gena; 0 primeiro observador cientifico desse fenémeno, um pediatra de nome Lindner, de Budapeste, corretamente o interpretou como satisfagao sexual e descreveu de maneira exaus- tiva a sua passagem para outras e mais elevadas formas de atividade sexual. Outra satisfagao se- xual dessa fase da vida é a estimulagao mastur- batéria dos genitais, de grande importdncia para a vida posterior e que muitos individuos nao superaram completamente. Além dessas € outras atividades autoeréticas, desde muito cedo se manifesta nas criangas © componente pulsional da sexualidade ou, como gostamos de dizer, a libido, que pressupde uma pessoa estra- nha na qualidade de objeto. Essas pulsdes se apresentam em pares de opostos, como ativo e passivo; como representantes mais importantes desse grupo, nomeio-lhes o prazer de infligir a dor (sadismo), com sua contraparte passiva (masoquismo), bem como o prazer no ato de assistir, que pode ser de carter ativo e passivo; do primeiro desses mais tarde viré a se rami- ficar 0 anseio por saber, e, do iiltimo, a com- pulso para a exibicio artistica e do trabalho de ator. Outras atividades sexuais da crianga ja incidem sob 0 ponto de vista da escolha do objeto, na qual o tema principal 6 uma pessoa estranha, que deve seu significado origi- nalmente a consideragio do impulso de autoconservaciio. Mas a diferenca entre os sexos durante a infincia nao desempenha nenhum papel decisivo; assim, vocés podem atribuir a toda crianga, sem Ihes cometer injustiga al- guma, uma certa vocacao homosexual. Essa vida sexual infantil, dissolvida, abun- dante, porém cindida, na qual o impulso sin- gular procura adquirir prazer_indepen- dentemente dos outros, experimenta entio uma sintese e uma organizagao segundo duas dire- Ges principais, de modo que, com o findar da puberdade, o mais das vezes encontra-se for- mado 0 carater sexual definitivo do individuo, Por um lado, as pulsdes singulares se sub- metem ao dominio da zona genital e, por meio disso, a inteira vida sexual entra a servigo da reproducio, ¢ a satisfagao daquelas pulsdes se mantém importante somente como preparacao € favorecimento do préprio ato sexual. Por outro lado, a escolha de objeto faz recuar do autoe- rotismo, de modo que na vida amorosa todos os componentes das pulsdes sexuais querem ser satisfeitos junto @ pessoa amada. Mas a parti- cipagio nessa conformagao definitiva da vida sexual no é permitida a todos os componentes pulsionais originais. Ainda antes da puberdade, sob 0 influxo da educaco, tem-se repressdes extremamente enérgicas_ de determinados impulsos, produzindo-se poderes animicos como vergonha, asco, moral, que mantém tais repressdes ao modo de guardiaes. Na idade da puberdade, sobrevindo a maré das necessidades sexuais, junto as chamadas formagGes animicas de reacio ¢ resisténcia, vao se encontrar diques, que, ao transcurso delas, prescrevem os cha- mados caminhos normais, tornando impossivel reanimar as pulsdes submetidas & repressio. Sao sobretudo as coprfilas, isto é, as mogbes de prazer da infincia atreladas a excrementos, as mais radicalmente afetadas pela repressio, além dessas a fixagao & pessoa da escolha primi- tiva de objeto. Meus senhores! Uma proposigo da pato- logia geral nos diz que todo processo de desen- volvimento traz consigo os germes da dispo- sigdo patolégica, na medida em que pode ser inibido, retardado ou transcorrer de maneira incompleta. O mesmo vale para o tao compli- cado desenvolvimento da funcao sexual. Nem em todos os individuos ela é experimentada de maneira suave e desimpedida, deixando como sequelas anormalidades ou disposigées para adoecimento futuro (regress). Pode acontecer que nem todas as pulsdes parciais se submetam a0 dominio da zona genital; se uma daquelas pulsdes se mantiver independente, produz-se o que chamamos de uma perversto, que pode substituir a meta sexual normal pela sua pré- pria. JA mencionamos que é frequente 0 autoe- rotismo nao ser de todo sobrepujado, do que dardo testemunho, na continuidade, os mais diversos distiirbios. A igual validade originéria de ambos os sexos como objetos sexuais nao pode se manter, resultando daf uma tendéncia a atividade homossexual na vida madura, que em certas circunstancias pode se intensificar até & homossexualidade exclusiva. Essa série de dis- ttirbios corresponde as inibigdes de desenvol- vimento direto da fungao sexual; compreende as perversdes © o infantilismo geral da vida sexual, que nao é nem um pouco raro. Nao sendo assim, as disposigdes para as neuroses derivam de uma deterioragio do desenvolvimento sexual. Em relagdo as perver- sdes, as neuroses se comportam como o nega- tivo em relagio ao_positiv ; nelas podem ser rastreados os mesmos componentes pulsionais como portadores de complexos ¢ formadores de sintomas, como nas perversdes, mas atuando aqui a partir do inconsciente; portanto, eles pas- saram por uma repressio, mas, desafiando-a, puderam se afirmar no inconsciente. A psica- ndlise nos permite reconhecer que uma exterio- rizagao extremada e prematura desses impulsos conduz a uma espécie de fixagao parcial, que, na sequéncia, vai representar um ponto débil na estrutura da fungio sexual. Se o exercicio da fingao sexual normal encontrar obstéculos na vida madura, a repressao do perfodo de desen- volvimento teré quebras, justamente nos pontos em que se deram fixagées infantis. Agora talvez vocés queiram me objetar: mas tudo isso nao é sexualidade. Eu uso 0 termo num sentido muito mais amplo do que aquele em que estio habituados a compreendé-la. Li substituir a meta sexual normal pela sua pré- pria. JA mencionamos que é frequente 0 autoe- rotismo nao ser de todo sobrepujado, do que dardo testemunho, na continuidade, os mais diversos distiirbios. A igual validade originéria de ambos os sexos como objetos sexuais nao pode se manter, resultando daf uma tendéncia a atividade homossexual na vida madura, que em certas circunstancias pode se intensificar até & homossexualidade exclusiva. Essa série de dis- ttirbios corresponde as inibigdes de desenvol- vimento direto da fungao sexual; compreende as perversdes © o infantilismo geral da vida sexual, que nao é nem um pouco raro. Nao sendo assim, as disposigdes para as neuroses derivam de uma deterioragio do desenvolvimento sexual. Em relagdo as perver- sdes, as neuroses se comportam como o nega- tivo em relagio ao_positiv ; nelas podem ser rastreados os mesmos componentes pulsionais como portadores de complexos ¢ formadores de sintomas, como nas perversdes, mas atuando aqui a partir do inconsciente; portanto, eles pas- saram por uma repressio, mas, desafiando-a, puderam se afirmar no inconsciente. A psica- ndlise nos permite reconhecer que uma exterio- rizagao extremada e prematura desses impulsos conduz a uma espécie de fixagao parcial, que, na sequéncia, vai representar um ponto débil na estrutura da fungio sexual. Se o exercicio da fingao sexual normal encontrar obstéculos na vida madura, a repressao do perfodo de desen- volvimento teré quebras, justamente nos pontos em que se deram fixagées infantis. Agora talvez vocés queiram me objetar: mas tudo isso nao é sexualidade. Eu uso 0 termo num sentido muito mais amplo do que aquele em que estio habituados a compreendé-la. Li isso tenho de convir. Mas cabe perguntar se no seria mais 0 caso de vocés estarem usando 0 termo num sentido por demais estreito ao limité-lo ao ambito da reprodugio. Com isso sacrificam a compreensio das perversdes, da conexio entre perversio, neurose e vida sexual normal, e ficam sem poder reconhecer, em seu verdadeiro significado, os inicios facilmente observaveis da vida amorosa somitica e animica das criangas. Mas qualquer que seja a sua deci- sio sobre 0 uso da palavra, deve-se reter que 0 psicanalista entende a sexualidade no sentido amplo ao qual se é levado pela apreciago da sexualidade infantil Voltemo-nos ainda uma vez para o desen- volvimento sexual da crianga, Ainda hé muito a pesquisar, j4 que demos atencao mais as exte- riorizagbes somaticas que as animicas da vida sexual. A escolha de objeto primitiva da crianca, que deriva de sua necessidade de auxilio, exige nosso mais amplo interesse. De inicio ela se volta para todas as pessoas encarregadas de seus cuidados, logo em seguida passando a seus pais. A relacdo da crianga com os pais de modo algum esta isenta de elementos de coexcitagio sexual, e, nesse sentido, se mostram concordes a observagio da crianga e a posterior exploragio analitica do adulto. A crianga toma ambos os pais e sobretudo um deles como objeto de seus desejos erdticos. Com isso, no mais das vezes ela segue uma incitacao dos préprios pais, cuja ternura apresenta os mais nitidos tragos de uma atividade sexual, por mais que inibido em suas metas. pai, via de regra, prefere a filha, a mae, o filho; a crianga reage a isso com desejo, como o filho no lugar do pai, como a filha no lugar da mae. Os sentimentos que despertam nesses vinculos entre pais ¢ filhos, como nos vinculos reciprocos entre os irmaos, nao sio apenas positives, ternos, mas também nega- tivos, inamistosos. O complexo assim formado estd destinado a uma pronta repressao, mas do inconsciente ele exerce um efeito portentoso € duradouro, Podemos aqui formular a conjec- tura de que, com suas ramificagoes, ele se cons- titua no complexo nuclear de toda neurose, ¢ estamos preparados para deparar com sua pre- senga nao menos eficaz em outras esferas da vida animica. © mito do rei Edipo,s que matou © pai e esposou a mae, é uma revelacao bem pouco modificada do desejo infantil, ¢ a ele logo se contrapée, ao modo de rechaco, a barreira do incesto. © poema Hamlet, de Shakesperare, as- senta-se no mesmo terreno do complexo inces- tuoso mais bem encoberto. A 6poca em que a crianga é governada pelo complexo nuclear ainda no reprimido, parte significativa de sua atividade intelectual se poe a servigo dos interesses sexuais. Ela comeca a investigar de onde vém as criangas e, valorando sobre os indicios que Ihe so oferecidos, adi- vinha quanto as circunstincias efetivas mais do que os adultos possam imaginar. Via de regra, a ameaga material de um irmao a caminho, que no inicio é visto apenas como um concorrente, desperta seus interesses de pesquisa. Sob a in- fluéncia das pulsdes parciais ativas nela prépria, a crianga chega a uma série de “teorias sexuais infantis’, por exemplo, a de que ambos os sexos possuiriam 0 mesmo genital masculino, a de que as criangas seriam concebidas no ato de comer, vindo a nascer pelo reto, e a de que o transito entre os sexos seria um ato hostil, uma espécie de submetimento. Mas justamente a imaturidade de sua constituigio sexual e as lacunas em seus conhecimentos, em razio da laténcia do canal sexual feminino, obrigam 0 investigador infantil a suspender seu trabalho, por infrutifero. © fato é que essa investigacao infantil, bem como as diversas teorias sexuais que ela fomenta, mantém importincia deter- minante para a formagao do carater da crianga e para 0 contetido de seu posterior adoecimento neurético, E inevitvel e inteiramente normal que a cri- anga faca dos pais os objetos de sua primeira escolha amorosa. Mas sua libido nao deve se manter fixada nesses primeiros objetos, sendo 0 caso de, na sequéncia, tomé-los como meros modelos, e, a partir deles, a época de escolha definitiva de objeto, deslizar em direcdo a pes- soas estranhas. A substituigao dos pais por parte da crianga faz-se tarefa realmente indis- pensfvel, isso quando nao poe em risco a capa- cidade social do jovem individuo. Durante 0 periodo em que a repressio encontra a selegio dos impulsos parciais da sexualidade e, mais tarde, quando deve ser relaxada a influéncia dos pais, que essencialmente custeiam o dispéndio para essas repressdes, a0 trabalho pedagégico recaem importantes tarefas, que hoje nem sem- pre sao solucionadas de modo plenamente com- preensivel e inobjetavel. Minhas senhoras e meus senhores! Com essas elucidacdes sobre a vida sexual e sobre 0 desenvolvimento psicossexual da crianga, nao queiram julgar que nos distanciamos demais da psicandlise e da tarefa de eliminagao dos distir- bios nervosos. Se 0 quiserem, podemos carac- terizar tratamento psicanalitico tio somente como uma educacao continuada para a supe- racao de reminiscéncias infantis. Senhoras e senhores! Com o descobrimento da sexualidade infantil e atribuindo aos compo- nentes eréticos instintivos os sintomas das neu- roses, chegamos a algumas formulas inespe- radas sobre sua natureza e tendéncia. Vemos que os individuos adoecem quando, por obsté- culos exteriores ou auséncia de adaptagao in- terna, falta-lhes na realidade a satisfagao das necessidades sexuais. Observamos que entdo se refugiam na doenga para, com 0 auxilio dela, encontrar uma satisfacdo substitutiva. Reconhe- cemos que os sintomas mérbidos contém certa parcela da atividade sexual do individuo ou sua inteira vida sexual. Suspeitamos que a resis- téncia de nossos pacientes ao restabelecimento nao é simples, e, sim, composta de varios moti- vos. Nao apenas o eu do paciente se mostra renitente a renunciar as repressées, por meio das quais se esquivou das disposigdes origi- narias, mas também as pulsdes sexuais ndo querem renunciar & sua satisfago substitutiva, enquanto for incerto se a realidade lhes ofe- recerd algo melhor. A fuga da realidade insatisfatéria — que cha- mamos “doenga” em raz de sua nocividade biolégica, e nao obstante jamais o é sem um ganho de prazer imediato para o paciente ~ con- suma-se pela via da involugio (regressao), do re- torno para fases anteriores da vida sexual, que, em seu momento, nao careceram de satisfagao. Essa regressio € aparentemente dupla: tem- poral, na medida em que a libido, a necessidade erdtica, remete a estégios de desenvolvimento temporalmente anteriores, e formal, na medida em que, para a exteriorizagio dessa neces- sidade, so empregados os meios origindrios primitivos de expressdo psiquica. Mas ambos os tipos de regressao apontam para a infancia e se encontram na produgio de um estado infantil da vida sexual. Quanto mais profundamente os senhores penetrarem na patogénese da doenga neurética, mais vai se lhes revelar a conexao das neuroses com outras produgées da vida animica humana, ¢ elas serao das mais valiosas. Vocés nos adver- tirZo que nés, pessoas com as elevadas exigén- cias de nossa cultura, e sob a pressio de nossas repressdes internas, achamos a realidade de modo geral insatisfatéria, e, por isso, mantemos uma vida de fantasia, na qual, por meio de producées de satisfagdes de desejos, gostamos de compensar as insuficiéncias da realidade. Nessas fantasias esta contido muito da autén- tica natureza constitucional da personalidade também dos estimulos reprimidos da realidade. © homem enérgico e bem-sucedido é aquele que, por meio de trabalho, consegue converter suas fantasias de desejo em realidade. Sempre que, por resisténcia do mundo exterior ¢ fra- queza do individuo, tal nao é conseguido, surge © rechaco da realidade, 0 individuo se retrai para seu mundo de fantasias que o satisfaz ¢ cujo contetido, em caso de doenca, ele converte em sintomas. Sob certas condigées favordveis, ainda lhe continua possivel encontrar para essas fantasias outra via na realidade, em vez de dura- douramente se alhear dela mediante regresstio ao infantil. Quando a pessoa indisposta com a realidade se encontra de posse do talento artis- tico, que para nés ainda consiste num enigma, suas fantasias, em vez de sintomas, podem se converter em criagdes artisticas e, desse modo, 0 individuo escapa ao destino das neuroses e, com tal desvio, recupera a relagio com a realidade. Sempre que, persistindo a rebeliao contra o mundo real, houver caréncia ou insufi- ciéncia desse precioso talento, ai se fard de todo inevitével que a libido, na procedéncia das fantasias, tome o caminho da regressio a rea- nimar os desejos infantis e, com isso, a neu- rose. Em nosso tempo, a neurose faz as vezes do convento para 0 qual tratavam de se recolher todas as pessoas que a vida fizera decepcionar, ou que se sentiam fracas diante dela, Deixem-me inserir, neste ponto, o principal resultado a que chegamos mediante a inves- tigacdo psicanalitica das neuroses, uma vez que as neuroses nao tém nenhum contetido psi quico préprio que nao se encontre também entre as pessoas saudaveis, ou, como expressou C. G. Jung, que padegam do mesmo complexo com que se embatem também as saudaveis. De- pende de constelagdes quantitativas que relagdes de forcas em combate entre si con- duzam a uma luta pela satide, & neurose ou a um hiper-rendimento compensatério. Minhas senhoras ¢ meus senhores! Eu os privei até agora da experiéncia mais importante a corroborar nossa hipétese sobre as forcas pulsionais sexuais. Sempre que tratamos psica- naliticamente de uma neurose, sobrevém 0 estranho fenémeno da chamada transferéncia, ¢ isso significa que se dirige a0 médico uma quantidade de estimulagdes ternas, frequentes vezes misturadas a hostilidade, que nao se fun- dam em nenhum vinculo real, e todas as par- ticularidades de seu surgimento devem ser deduzidas dos antigos desejos fantasiados pelo paciente e tornados inconscientes. Ento aquela porcao de sua vida sentimental, que ele jé nao pode evocar na lembranga, é vivenciada pelo paciente na relacdo com 0 médico, e somente por meio de tal revivescéncia na “transferéncia” ele se convence da existéncia e da poténcia des- ses estimulos sexuais inconscientes. Os sin- tomas que, para usar uma comparagao da qui- mica, sto os precipitados de vivéncias amorosas anteriores (em sentido amplo) s6 podem ser so- lucionados, e transportados, para outros pro- dutos psiquicos na elevada temperatura da vivencia de transferéncia. Nessa reacio, se- gundo acertada expresso de Séndor Ferenczi,! © médico desempenha papel de fermento catalitico, que, por algum tempo, atrai para si afetos liberados nesse processo. O estudo da transferéncia pode lhes proporcionar também a chave para a compreensio da sugestio hipné- tica, da qual no inicio nos servimos como meio técnico para a pesquisa do inconsciente em nos- sos pacientes. A época, a hipnose comprovou ser um auxilio terapéutico, mas também um obsticulo ao conhecimento cientifico da situ- ago, da qual se removiam as resisténcias psi- quicas de certo ambito, a fim de acumulé-las em suas fronteiras, até se erigir uma parede in- transponivel. De resto, os senhores nao vao acreditar que 0 fendmeno da transferéncia, sobre o qual infelizmente é bem pouco 0 que posso dizer aqui, tenha sido criado por influén- cia psicanalitica. A transferéncia se produz es- pontaneamente em todas as relagdes humanas, bem como na ligagio do paciente com 0 mé- dico, sendo 0 verdadeiro portador do influxo terapéutico e atuando com tanto mais forca quando menos se suspeita de sua presenga. A psicandlise entio ndo a cria, apenas a consci- éncia a revela e dela se apodera para guiar os processos psiquicos até as metas desejadas. Nao posso deixar esse tema da transferéncia sem ressaltar que tal fenémeno nao entra em considerac&o s6 para o convencimento do paci- ente, mas também do médico. Sei que todos os meus seguidores se convenceram da exatidao de minhas afirmagdes sobre a patogénese das neuroses e bem sei que nao se chega a certeza de um tal juizo sem se ter feito psicandlise, por- tanto, a ela nao se chega sem ter observado por conta propria os efeitos da transferéncia. Senhoras e senhores! Penso que, do ponto de vista do intelecto, deve-se levar em conta sobretudo dois obstaculos ao reconhecimento dos processos de pensamento psicanalitico: 0 primeiro, a falta de habito de se considerar 0 gido determinismo vigente na vida animica, que nao conhecesse excegio; em segundo lugar, © desconhecimento de singularidades, por meio das quais processos animicos inconscientes se diferenciam dos conscientes, com os quais temos familiaridade. Uma das resisténcias mais disseminadas contra o trabalho psicanalitico — entre pacientes e pessoas saudéveis ~ conduz ao liltimo desses dois fatores. Ha 0 temor de que a psicandlise faga mal, hé o medo de chamar & consciéncia do paciente as pulsdes sexuais reprimidas, como se af estivesse associado 0 risco de serem sobrepujadas as mais elevadas aspiragdes éticas. Note-se que o paciente apre- senta feridas em sua vida animica, mas abstém- se de tocar nelas e, com isso, aumentar o softi- mento ainda mais. Podemos acatar essa ana- logia. Por certo que devemos nos abster de tocar em pontos enfermigos quando sabemos que com isso vamos apenas provocar dor. Mas é sa- bido que o cirurgiao, examinando e apalpando, no vai se esquivar do foco de uma moléstia se tem a intengao de realizar uma intervencao que deve trazer a cura completa. Ninguém pensa em lhe atribuir um 6nus em razio dos inevitéveis incémodos advindos do exame ou das reagdes adversas vindas da operagao, quan- do sua intengao foi apenas a de proporcionar ao paciente uma melhoria definitiva mediante a piora temporaria de seu estado. Condigoes semelhantes se tém com a psicandlise, e ela deve reivindicar os mesmos direitos que a cirur- gia; 0 aumento das afligdes que ela impée ao doente durante tratamento é, se observada a boa técnica, incomparavelmente menor que as infligidas pelo cirurgio, ¢, ante a gravidade do sofrimento principal, de modo geral tal softi- mento nao deve ser levado em conta. Quanto a0 temido desenlace, isto é, a destruigao do cardter cultural por obra dos impulsos libertos da re- pressdo, essa ¢ inteiramente impossivel, pois essas apreensées nao levam em conta o que com certeza nossas experiéncias nos ensinaram, ou seja, que a poténcia animica e somitica de uma mogio de desejo, sempre que fracassar sua repressio, incide com mais forga quando in desse consciente do que quando consciente modo, torné-lo consciente sé poderd enfra- quecé-lo. © desejo inconsciente nao pode ser influenciado, ele € independente de toda aspi- ragao contréria, enquanto o consciente é inibido por tudo 0 que é igualmente consciente eo vem contrariar. O trabalho psicanalitico se poe entao como um substituto melhor para a malsucedida repressio, fazendo-o diretamente a servico das mais elevadas e valiosas aspiracdes culturais. Quais sao os destinos dos desejos incons- ientes liberados pela psicanélise, por quais vias entendemos torné-los inofensivos para a vida do indiy {duo? Essas vias s¥o muitas. O resul- tado mais comum é que j4 durante o trata- mento esses desejos se fagam anulados pela atividade animica adequada das melhores mocdes que se lhe contraponham. A repressao é substituida por um juizo adverso levado a cabo pelos melhores meios. Isso é possivel porque em boa parte temos de eliminar apenas con- sequéncias dos estégios iniciais de desenvol- vimento do eu. O individuo, em seu tempo, produz apenas uma repressio do impulso desnecessario, jé que outrora ele era débil, e sua organizacio, ainda imperfeita; em sua matu- ridade e forca atuais ele talvez possa governar de maneira inatacavel o que Ihe era hostil. Uma segunda safda do trabalho psicanalitico é a de poder aportar as pulsdes inconscientes desco- bertas 0 emprego conforme a fins que ja deve- riam ter encontrado antes, se seu desenvol- vimento nao estivesse perturbado. A aniqui- lacao das mogdes de desejo infantil de modo algum 6 0 objetivo ideal do desenvolvimento. Em fungao de repressdes, 0 neurético sofreu a perda de muitas fontes de sua energia animica, cujos afluxos teriam sido valiosos para a for- magio do caréter e de atividades na vida. Conhecemos um proceso de desenvolvimento bastante adequado, o da chamada sublimagao, por meio do qual a energia de mocées infantis de desejos nao é bloqueada, mas se mantém passivel de ser empregada, substituindo-se a meta das mosoes individuais por outra, mais clevada, eventualmente jé nao mais de cardter sexual. Precisamente os componentes das pul- sGes sexuais sdo os que se destacam por tais ca- pacidades de sublimacao, de intercimbio de meta sexual por outra mais longinqua e de maior valor social. E provavel que bem aos apor- tes de energia obtidos dessa maneira para nos- sas operacées animicas estamos a dever as mais elevadas realizacdes culturais. Quando se dé prematuramente, a repressioexclui_ a mocdes que se lhe contraponham. A repressao é substituida por um juizo adverso levado a cabo pelos melhores meios. Isso é possivel porque em boa parte temos de eliminar apenas con- sequéncias dos estégios iniciais de desenvol- vimento do eu. O individuo, em seu tempo, produz apenas uma repressio do impulso desnecessario, jé que outrora ele era débil, e sua organizacio, ainda imperfeita; em sua matu- ridade e forca atuais ele talvez possa governar de maneira inatacavel o que Ihe era hostil. Uma segunda safda do trabalho psicanalitico é a de poder aportar as pulsdes inconscientes desco- bertas 0 emprego conforme a fins que ja deve- riam ter encontrado antes, se seu desenvol- vimento nao estivesse perturbado. A aniqui- lacao das mogdes de desejo infantil de modo algum 6 0 objetivo ideal do desenvolvimento. Em fungao de repressdes, 0 neurético sofreu a perda de muitas fontes de sua energia animica, cujos afluxos teriam sido valiosos para a for- magio do caréter e de atividades na vida. Conhecemos um proceso de desenvolvimento bastante adequado, o da chamada sublimagao, por meio do qual a energia de mocées infantis de desejos nao é bloqueada, mas se mantém passivel de ser empregada, substituindo-se a meta das mosoes individuais por outra, mais clevada, eventualmente jé nao mais de cardter sexual. Precisamente os componentes das pul- sGes sexuais sdo os que se destacam por tais ca- pacidades de sublimacao, de intercimbio de meta sexual por outra mais longinqua e de maior valor social. E provavel que bem aos apor- tes de energia obtidos dessa maneira para nos- sas operacées animicas estamos a dever as mais elevadas realizacdes culturais. Quando se dé prematuramente, a repressioexclui_ a sublimacao do impulso reprimido; apés a anu- lagao da repressio, a via para a sublimagao encontra-se novamente livre. Nao podemos deixar de invocar também a terceira das saidas possiveis do trabalho psi- canalitico. Certo percentual das mogdes libidi- nosas reprimidas tem direito a uma satisfagao direta e deve encontré-la na vida. Nossas exigén- cias culturais dificultam a vida para a maioria das organizagdes humanas, promovendo uma atitude esquiva em relagio a realidade e ao surgimento de neuroses, sem que se tenha um superavit de ganho cultural em razao do excesso de repressao sexual. Nao devemos nos arrogar a completamente perder de vista nossa natureza originalmente animal, como também nao deve- mos nos esquecer de que a satisfacao da feli- cidade do individuo nao deve ser vedada pelos objetivos de nossa cultura. A plasticidade dos componentes sexuais, que se manifesta em sua capacidade de sublimacio, pode, sim, repre- sentar uma grande tentacao para, por meio de sua sublimacdo continua e cada vez mais in- tensa, chegarmos a sempre maiores efeitos culturais. Mas assim como em nossas maqui- nas contamos converter em trabalho apenas determinada fragao do calor dispendido, tam- pouco devemos aspirar a alienar o inteiro mon- tante de energia dos impulsos sexuais da sua real finalidade. Nem mesmo 0 conseguiriamos, € quando a limitacao da sexualidade for algo ex- cessivamente exercida, isso traré consigo todos os danos de uma exploracio abusiva. Nao sei se os senhores vao considerar pre- sungoso de minha parte concluir aqui com uma adverténcia, Atrevo-me a fazer uma apresen- tagao apenas indireta de minha conviccdo, nar- rando-lhes um velho episédio engragado, de cuja moral deverao fazer proveito. A literatura alema conhece uma cidadezinha chamada Schilda, de cujos habitantes se contam traves- suras e espertezas possiveis. Os cidadaos de Schilda, assim se narra, possufam um cavalo com cujo rendimento estavam muito satisfeitos, ele tinha apenas um problema, 0 de consumir aveia demais, e a aveia era cara. Decidiram tirar dele esse mau costume pouco a pouco, dia a dia diminuindo a ragao em alguns graos, até ele se habituar 4 completa abstinéncia. Funcionou du- rante algum tempo, 0 cavalo ja estava sendo desmamado com apenas um gro, € no dia se- guinte, finalmente, ele deveria trabalhar sem aveia. Pois na manha desse dia encontraram morto 0 insidioso animal; os cidadaos de Schi da nao conseguiam explicar por que ele tinha morrido. Estamos inclinados a acreditar que 0 cavalo estava com fome e, sem uma certa racdo de aveia, ndo se podia esperar do animal rendi- mento algum. Eu Ihes agradeco pelo convite e pela atencao que me dispensaram,

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