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Uma longa permanéncia em uma escola publica de Primeiro grau desvenda os meandros da producao das dificuldades de escolarizago que atingem grande parte das criangas brasileiras das classes populares. De um lade, uma escola, via de regra, precéria como Instituicéo de ensino; de outro, alunos vistes pelo filtro do Preconceito racial e social de profundas raizes cultural em geral, informades por pseudo-conhecimentes cientificos que inculpam os pobres pelo fracasso da escola. Como Sylvia Leser de Melle resume muito. bem, o resultado néo poderia ser ‘a escola nao aceite acrianco como ela 6 e a crianga néo ‘celta a escola tal como ela funciona”. Eis 0 desafic sobre o qual @ autora nos estimula a pensar com este livro que, segundo Jerusa Vieira Gomes, “desde seu langamento, estava destinade @ provocar grande impacto na comunidede cientifico-académica, especialmente nes Greas de Psicologia e Educacdo. No que concerne @ Educagéo, as repercussées desta obra foram de tal monta que, em 1995, mereceu prémio de livro de maior relevancia pora a area, concedido pela APEOESP”. | APropucho po Fracasso EscoLar Historias de Submissio e Rebeldia Tce fee es ‘ ‘SP, Brau rat, Maca Helen Sou ‘A produgia do fracas (Maria Heleea Sous Pato, — Sio P Bibliograi ISBN 83-7396. 1. Baudantes — Condigoes socials 2. Fracanso escolar 3 Preconceios 4 eicacional 5. Repetinca 6, Sociologia cefvencional |. Talo 90.2300 cpp-371.28 fantces para eatilogo sistematieo: 1, Fracamo escola: Edueagho 371.28 Maria Helena Souza Patio A PRODUGAO DO FRACASSO ESCOLAR Historias de submissdo e rebeldia Casa do Psicélogo” © 2000 Casa do Psicclogo® Livaria¢ Editora Lida. 2 edsto, 2000 ~Casa do Psicblogo® Liveariae Editora Lida It reimpressio: 2002 2 reimpressio: 2005, Vedigtio, 1990-T.A. Queiroz, Editor, Lida, Ireimpressio: 1991 ‘2 reimpressiio: 1993 3 reimpressiio: 1993 Reservaclos todos os direitos de publicago em I{ngua portuguesa a Casa do Psicdlogo® Livrariae Editora Lida, Rua Mourato Coelho, 1.059 - Vila Madalena—05417.011 Sio Paulo- SP - Brasil Fone (11) 3034.5000 Enmail: casadopsicologo@ casadopsicologo.com.br hitp://www.casadopsicologo.com.br # proibide a reprodusfo total ov parcial desta pablicasdo para qualquer finalidade, sem autorizagio prévia por escrito dos editores Impresso no Brasil / Printed in Brazil Agradecimentos ste estudio ndo teria sido possivel sem a colaboragio das educadoras € funciondrios, dos alunos ¢ dos pais dos alunos da escola municipal onde foi feito o trabalho de campo. apoioda Pundagio Carlos Chagas, onde grande parte-da pesquisa se desenvolveu, teve um papel f 1 Bernarde A. Gatti e Vitor H. Paro, pesquisadores do Departamento de Pesquisas Educacionais dessa Fundagio, compare ima leitura critica e valiosas sugestoes, Dermeval Saviani, Alfredo Bosi, Celso de Rui Beisiegel, Sylvie Leser de Mello e Lino de Macedo foram membros da banca do concurso de livre-docéncia no qual ho foi apresentado como tese no Instituto de Psicologia d e So Paulo; suas contribuicoes certamente continuario a ser incorporadas 8 nossa produgdio ao longo dos préximos anos, Denise Trento, lanni Scarcelli ¢ Sandra Sawaya foram companheiras soliddrias ¢ corajosas de uma longa ¥ n baitro pobre ¢ uma piiblica da cidade de Sio Paulo, A autora agradece 20 CNPq e & Finep pelo apoio financeiro em diferentes momentos da realizagao desta pesquisa MHSP. Prefacio a segunda edigao Desde seu langamento, este ivro de Maria Hel @ provocar um grande impacto na comunidade pesquisas, reverso, o sucesso escolar. No que concemne & educagio, epercussdes desta obra foram de tal monta que, em 1995, merece 0 premio de livro de maior relevancia para a rea, concedido p APEOESP. Assim, se, a0 apresentar a ediglo original, Sylvia Leser de Mello reconheciaque wm livro forte e sugestivo comoeste nie necessitava comentdiri es fo, penso, nada eeessirio dizer. Aulora e cbra sto sobejamente (re)conhecidas por si mesmas. Eis porque lisonjeou-me tanto o convite de ara que en dissesse algumas palavras sobre ele. Ese 0 foi para aproveitar esta oportunidade ¢ chamar a atenglio dos ‘atuais Ieitores para aspectos que, a despeito de sua relevancia, acabam quase sempre embacados pelo vigor das idéias centrais. Refiro-me as farnlias que refletem, muito além da n mmiliar¢ educagko escolar, os estereétipas e os preconceitos no que coaceme as pessoas pobres e, especialmente, & vida familiar te entre clas. Uma nova apropriagiio do texto, ppouco mais acurada, € 4 minha proposta. Politica e profissionalmente comprometida com o seu tempo, Maria busca coletiva de noves rumos para.a Psicologia porque seu inconformismn eom os altos indices de evasllo e repeténcia, em escolas pablicas de primeiro grau, fi suficiemte no intuito de realizar as das tarefas por ela assumidas na Introdugio deste livro: revisar crticamente a literatura sobre fracasso escolar e dar continuidade as pesquisas nessa sea. No que diz respeito a revisdo da literatura, contida na primeira te do livro, além de uma coniribuigio inestimavel ao estudo das relagées entre a ciéncia psicoldgica ¢ a educagio, cla fomece o$ fundamentos par i de novos saberes concernentes & escolarizagiio das camadas populares. Em relagio A pesquisa — apresentada e discutida na segunda parte deste livro —, a0 invés de limitar-se & continuidade prometida, o que Maria Helena faz € um: ‘ruptura teérico-metodolégica, que Ihe permitira analisar o fracasso de maneira inovadora, enquanto processo psicossocial E, embora também esta obra x6 possa ser integralmente compreendida em seu conjunto, éda (re)leitura cuidariosa dessa segunda parte que emerge, em certa medida, o reconhecimento desse mérito. Nela.a autora, além de demonstrar a intima relagdo entre teoria e pesquisa, convida 0 Te -ompanhar 0s sucessivos passos de sua pesquisa de campo. De uma pesquisa inovadora, pioneira mesmo, desde as bases tecricas que a fundamentam —em especial 0 conceito de cotidianidade, segundo Agnes Heller —, & metodologia e até 2 escolha dos sujeitos. Para o pesquisador — em especial o jovem pesquisador ¢ 0 pos graduando, ainda iniciantes no trabalho de campo — esta obra oferece uma preciosa liga de rigor em pesquisa quslitativa, quando ainda € tio. precério o entendimento dessa modalidade de fazer ciéneia. Este rigor vel na eacollia ds Insttumentos de coleta de dados: gio e entrevista. Sem divida, a entrevista € sempre insuficiente quando se trata de apreender as relagées intersubjetivas No caso da situagiio escolar, 0 recurso a observagio, jf tradicional na Psicologia, toma-se essencial ao pesquisador de campo interessado nox aspectos mais sujeitos & camuflagem, ao encobrimento, quando 0 seu objeto de Pesquisa envolve esterestipos.e preconccitos. Se es ambigiidades podem. Ser percebidas nas falas, as contradigbes entre o discurso e a agi pedagdgica s6 se revelam por meia da comparagdo entre eles, discurso. ‘¢ato. Em outras palavras, este livro demonstra, de mancira inequivoca, ‘que a face menos vis(vel do fazer pedagSgico sc torna acessfvel quando se conjugam observagio e entrevista. Mas o rigor da pesquisadora ressalta, também, 0 cuidlado na escolha dos sujeitos. Reconhecendo os Tim anilises que privilegiacam apenas os profissionais da escola, « pesquisadora inclui, também, as familias e cs alunos que apresentam luma histéria de fracasso escolar. E, pela vez primeiraya perspectiva dos Sujeitos 6 levada em conta no estudo do que se convencionou chamar fracasso escola Jo, Maria Helena (re)coloca em debate a relagio entre escola e vida familiar Mas, observem, a autorape essarelasfio em novostermos, i medida que recorrea aspectos da hist6ria de vida familiar das professoras, em s busca de melhor compreender a atividade docente. Assim, ao contrapor a Pritica pedagégica de duas professoras, Maria Helena revela-nos, Propriedade, como a histéria pessoal ¢ a familiar influenciam: a maneira particular de cada uma delas perceber a familia ea crianga pobre, a partir de esterestipas e preconceitos; © modelo disciplinar que norteia as suas relagbes com os altinos; as concepgées sobre as aprendizagem em seu sentido mais resirto; a atitudes por elas assumiclas 1no intrincado jogo das relagbeshierdrquicas de poder no interior da escola. E tudo isso influencia a valorizasio institucional atribuida a cada Drofessora, que, ao fim ¢ a0 cabo, vai tefletir-se em sua agio pedagSgica. Todavia, é a0 contrapor a perspectiva da instituigSo & dos sujeitos, fala € alunos, que Maria Helena mostra, a0 seu leitor, a maneira insidiosa de se produzr o fracasso escolar: no basta prodici-lo na cotidano escolar, 6 necessirio inculcé-lo nas mentes enquanto a escoia se esforca Portodos os meins,em dacilizar as corpar. Nas falas das mics, juntamente ‘com a valorizagio da escola, a autora identifica os sentimentos de ilegitimidade e de fracasso — anteriormente interiorizados ¢ em cuja ‘continunidade a escola revelaempenho, Identifica, ainda, a perplexidade Siaate du fiavasse esculur dos Mh0s, “wna profunda dificuldade de compreender 0 que acontece ¢ wna anguistia de ndo seber como explicar, ‘muitos vezes contornada pela repeticdo do discurso considerado-o tinico Aegitime (0 discurso competente), em suas wirias verses”. Mas Maria Hielena atribai uma ceria ambiguidade a esses diseursos, a medida que se © século XIX caracteriza-se por uma contradigaio bisica: neste perfodo a sociedsde burguesa atinge sen apogeu, segrega cada vez mais 12. Ancontrri do que acontecia na ala burguesia, que teve nos mead do século XIX ‘a idade de curo das pesoas em Hae madura, na qual os homens stingiam 0 ponte ‘uliirante de suas carreras, de sua renda e de sua atlvidade (Hobsbawn, 1979, pa 15, ‘Nasociologia freionalista norte arericana, esa lasura na class operiria enterida ‘come um process de conetituigo de dhas clases sociaisdstinas: a classe “baixar flue & classe “buisa-balea A produsdo do fracas escolar 39 al ¢ se torna inflexfvel na admissio dos que vem de. baixo. No nivel politico ¢ cultural, mantém-se viva a renga na ‘possibilidade de uma sociedade igualitiria num mundo onde, na verdade, ‘apolarizagdo social ¢ cada vez mais radical. Entre as pequenas conquistas de uma minoria do operariado ¢ a acumulagio de riqueza da alta bur ‘guesin cavara-se um abismo que saltava aos olhos. Justficd-lo serd a tarefa clas ciéncias humanas que nascem ¢ se oficialicam neste periodo, Por mais que se dese énfase & melhoria geral das condigées © Perspectivas de vida trazida pela nova estrutura social, a pobreza que ainda dominava a vida da maior parte dos trabalhadores era por demais, Visivel e contradizia concretamente as palavras de ordem da revolugio francesa. Tal como ocorrera neste movimento revolucionério, batalles, de miserdveis participaram ativamente da Comuna de Paris (1871), liderada nao mais pela burguesia mas pelos seus antigos aliados, agora ‘antagonistas.!¥ Mesmo enire os opersrios especializados que conse- ‘uiram atingir um padrdo de vida que guardava semelhangas remotas ‘com o estilo de vida burgués, a vida era pesada, Conseguiam, a duras pena, manter uma fachada de respeitabilidade: comiam pouco, domniam. ‘mal, economizavam migalhas ¢ eram constantemente perseguidos pela imin€ncia da misétia, Segundo Hobsbawm (1979), “a distancia que os separava do mundo burgaés era imensa ~¢ intranspontvel" (p. 240). ‘A visio de mundo da barguesia nascente foi profundamente marcada pela crenga no progresso do conhecimento humano, na racionalida na iqueza e no controle sobre a natureza, O idedcio iluminista s taleceu com o visivel progresso ocorrido na produgio e no com resultado, segundo se acreditava, da racionalidade econdmicae E, fato compreensivel, esta ideologia encontrou maior recep mo entre aqueles mais diretamente beneficiados pela nova ordem ci ¢ social em ascensio: “os cfreulos mercantis € 0s financistas, ¢ proprictirios; os administradores sociais e econdmicos de espt scientfico, a classe méia instrutda, os fabri Mos er do un burgsés, como Hobsbawm chama asegunde metade do séeuks XIX, io fo uma era de revolugdes ou de movimentes de mata. 0 fitodea "miscelinen ‘dos pores da idadeter apoiado a Camuna dew apo tse de Da Marcuse quase cen anos depos) de quo potencal de isurrecZo estava mals nos marginais e subproltirios do quene proletaviade prepriamente di, 40 Mana Helena Souza Pato ideologia (Franca ¢ Inglaterra), ela irradiou-se para as mais diversas © distantes regides, tomanda-se voz corrente intemacional, Em termos individuais, 0 seifsmade man, racional e ativo, representava 0 cidadiio ideal. (O fato de 0s novas homens bem-sucedidos o serem aparentemente or habilidade © mérito pessoal — jé que nfo o ecam pelos privilégios advindos do nascimento ~ confirmava uma visio de mundo na qual o sucesso dependia fandamentalmente do indivtduo; como afirma Hobsbawm (1979), “um individualismo se ionalista © pro= sressista dominava o pensamento ‘esclarecido’ "(p. 37), Tudo contribuia, éenire 05 vitoriosos na nova ordem, para o desenvolvimento da crenga a liberdade individual nom mundo racional como o valor maximo de onde advisiam todos os resultados positivos em termos de progresso cientifico, técnicoe econdmico. A ordem feudal ainda em vigor, com seus esforgos no sentido de fazer frente aos avangos econdmicos e politicos de uma parcela da plebe, constitufa o mais sério obsticulo & realizagio das aspiragSes da burguesia; por isso, um dos principais objetivos politicos dos que se o iluminista e do modo de produgao capitalist uma ordem social que em tese libertaria 4 todos 08 cidadaos do tradicionalismo medieval obscurantista, supersticioso e irracional, que dividia os homens em estruturas hlerdrqulvas segundo criterios indetensavers. © liberalismo cidssico, tal como formulado pelos fildsofos economistas dos séeulos XVI-XVII, era a ideologia politica da bur- guesia, A Declaragiio dos Direitos do Homem ¢ do Cidadiio, de 1789, documento representativo das exigéncias burguesas, nio é, segundo Hobsbawm, um libelo a favor de uma sociedade democriticae igus & acima de tudo, “um manifesto contra a sociedade hierérquica de Privilégios dos nobres”: prevé a existéncia de distingdies sociais, tem a Propriedade privada como um direito natural ¢ inaliendvel, preconiza a igualdade dos homens frente & Lei e as oportunidades de sucesso pro- fissional, mas deixa claro que, embora seja dada a todos os competidores apossibilidade de comegar no mesmo ponto de largada, “os corredores ‘ido termina juntos”. A produce de fracas escolar “a de ensino feriones de que a divisio social em classes superiores: no critério 0 talento individual itd, mais adiante, nos ajudar a compreender os caminhos trilhados pela psicologia nascente pelas ‘explicagdesdo fracasso escolar, onacionalismo, cuja primeiraexpresséo oficial é obra da barguesia de 1789, 60 pano de fundo que nos permite entender, pelo menos em parte, 0 advento dos sistemas nacionais de ensina. Através da defesa de um regime constitucional, a burguesia screditava estar sendo porta-voz dos interesses “do pove sindnimo de “nagio”.'S A pesquisa histérica revela que uma polfiica educacional, em seu sentido estrito,'6 tem inicio no século XIX ¢ decorre de trés vertentes da visio de mundo dominante na nova ordem social: de u ‘no poder da raz ¢ da ciéncia, legado do iluminismo; de outro, o projeto liberal de um mundo onde a igualdade de oportunidades viesse a Substituir a indesejivel desigualdade baseada na heranga familiar; finalmente, a luta pela consolidagio dos estados nacionais, meta do ‘nacionalismo que impregnou a vida politica européia no século passado, Mais do que 0s dois primeitns, « idealogia nacionalicta parece ter sido a Principal propalsora de uma politica mais ofeasiva de implantagio de redes pdblicas de ensino em partes da Europa e da América do Norte ‘nas dltimas décadas do século XIX. A renga gencralizada de que chegara o momento de uma vida Social igualitiria c justaerao cimento ideoldgico que unia forgase punha fem relevo a necessidade de instituir mecanismos sociais que garantissem 15, No momento histrico em que emerge, ets identifica ento estes dois concekos 29 mesmo tempo revoluciondvia ~ na medida em que mpugna a vis de mando dominant ae nto, jusificadora da extruturs social sob as monarquinssbnolatn ‘conservaons poi contén uma concepedo de homem, de sociedade ede histria ‘que obscurse apercepcto da reaidade social nascere,facende cre exitencia fe integra ¢ rciprocidade onde hi comradigaoe interessesinconcilaveis ¢ de fqualdade © Nberdade onde se sediments uma nova forma de desigualdade © de opreaito 16, Segundo Zanowi (1972), potica educacionl "1 ag sistemitica« perrianente do Estado dirigica &orientopto, supervisdo © provisto do sistema tducatvo escolar (9.22, “e Maria Hiden Sousa Pate 4 transformagio dos stiditos em cidadios, Para isto, a constituigio determinaria direitos e deveres; 0 aparelho judiciério, considerado um poder independente, g ‘a imprensa livre ficaria e as eleigdes garantiriam a participagaio popular nas decisdes, através da escolha de seus representantes ¢ da rejcigio dos maus governantes. Para grant 4 nacional ¢ popular, que eno se supunha posstvel 1uma sociedad de classes, a educagio escolar recebe, segundo Zanotti (1972), uma fundamental missio: “a ilustragBo do povo, a instrugho publica universal, obrigatéria, a alfubetizago como instrumento-mie (que atingird © resultado procurado. A escola universal, obrigatsria, comam —e, para muitos, leiga ser também o meio de obter a grande tunidade nacional, er ocadinho onde se fundirdo as diferencas de credo e de raca, de classes e de origem’ (p. 21). Daf para a concepgiio da escola como instituig2o “redentora da humanidade” foi um passo pequeno, 0 que nao significa afirmar que os sistemas nacionais de ensino tenham assumido proporetes significativas de imediato; ao contrario, do final do século XVIL até meados do século seguinte, a presenga social da escola ¢ muito mais intengio de um grupo de intelectuais da bburguesia do que realidade, =A inexisténcia de uma efetiva politica educecional neste perfoco, apesar de sua prescrigdo legal, deveu-se, segundo andlises historicas, a vérias circunstincias: 1) « pequena demanda de qualificagio de mio- de-obra no advento do capitalismo ¢ as maneiras alternativas de supri- Ja; 2) adesnecessidade de acionar a escola enquanto aparato ideol6gico hos anos que se seguem a revolusio francesa, até pelo menos o final da primeira metade dos oitocentos; 3) as presses inexpressivas das classes, Populares por escolarizacio, nos primeiras anos da nova ordem social; 4) a propria marcha do nacionalismo e suas comtradighes. Quanto a relagdo entre escola e capital no sutorizam a conclusio de que, de 1780 até pelo menos 1870, aescola tenha sido uma institu essiria i qualificagio das classes populares para o trabalho que movia os setores primério ¢ secundéio da economia capitalistayNa Gri-Bretanhs, por exemplo, a transfe obrado campo para a cidade foi o resultado da passagem para industrial que implica uma diminuigo da populagio agricola e aumento erescente da populagéo urbana, Estas andlises indicam também que a A producao do fracas escelar transformagies sociais do que pela introdugin de na producto agricola "Com estas transforma reduzidos, a partir de 1815, » uma massa expropriada, 0 que levou Hobsbawm (1982) aafirmar que “em termos de produtividade econdmica esta transformacios: ci ‘emtermos de sofrimento humano, uma tragédia’” (p. 66). A industrislizagdo heneficiou-se deste contingente de camponeses erradicados que s sias (1981). em “farta mo- el, quese sujcita aqqualquer saldrio, vivendo emcondices de miséria, promiscuida ‘A questiio da adequagiio dessa novaclasse de trabalhadores asnovas condigdes de trabalho era resolvida através de outros meios que no a eseolarizagio, Namedida em que a méquina ainda nfo era o principal instrumento de produgio, as existentes eram de funcionamento simplese ‘grande parte da produciio téxtil se dava através dotrabalho manual ouem teares rudimentares que funcionavam nas casasou empequenas oficinas, ‘grande problema de qualificagaa da mao-de-obra nao era aquisigyio de abitidades especiticasmas sobretucle de atindec compativeic cama nava maneira de produzir: “.. tato operdrio tinha que aprender a trabalhar de ‘uma maneira adequada inddstria, on seja, num ritmo regular de trabatho dicério inincerrupro, inteiramente diferente dos altos © baixos provocados twolida doartesio independente. A milo-de-obra tinha também que apr dora responder 20s incentivos monetirios.” (Hobsbawm, 1982, p. 67) ‘As medidas mais imediatas ¢ eficazes de io da classe trabalhadora inclufam impor uma disciplina rigida no ambiente de tra- bbalho, pagar pouco 20 operrio para forgé-Io a trabalhar sem deseanso durante toda a semana para poder sobreviver, recarter a uma mio-de- ‘obra mais décil, como as mulheres e as criangas, € mediar a relagio 17, A fei das cereas, por exermpo, zeabou com o cutivo comunal da Idade Média, com ‘acultura de sbsistincia © com a relay rlo-cemorcal com a tera, faze da ‘Gra-Bretunha um teritrio de alguns prandesproprictrias e de mites arencatiios ‘comercais que cuntratavar tabalhadoresrurss, 0 que promoves sintstorizagio ‘do modo capitalisa de produ. 4a Mama then Souza Pato entre patrdes e empregados pela ago vigilante ¢ cobradora de in: termedidrios que garantiam a dis-iplina do trabalhador. De outro lado, 2 demanda de trabalhadores tecnicamente habilitados estava suprida no primeiro pafs capitalists; ainda segundo Hobsbawm, a lenta semi-in. dustrializagao da Gri-Bretanha nos séculos anteriores ao dezenove produziu um contingente suficiente de habilitados. Este fato-a levou, a ccontrario dos paises do continente, a nio dar maior atengtio & educagdo téenica e geral durante muito tempo. No entanto, mesmo quando a especializagtio técnica do operdrio passa a ser uma necessidade, seu ireinamento ¢ feito no proprio trabalho; por isso, cabe afirmar que a fabrica foi, nos anos de consolidagtio do capitalismo, a escola profissionalizante por exceléncia. Neste periodo, a escola também nfo é necesséria enquanto ins tituigo destinada a fixar um determinado modo de soeiabilidade; sua dimensio reprodutora das relagdes de produgio, via manipulagio e do. mesticagio da consciéncia do explorado, também era dispensivel num "momento em que este ainda nio se constitfm como forga de oposigio ao estado de coisas vigente e enquanto as instituigdes religiosas davam conta do papel justifieador das desigualdades existentes. Além disso, € preciso lembrar que “no infeio do processo de aseensio, é verdade que ‘nova classe representa um interesse coletivo: o interesse de todas a: classes niio-dominantes” (Chauf, 19814, p. 100), Neste sentido, a un lade de suas idéias € real num certo 1 cA medida que a se transfo d i digdes para que seus interesses particulares aparegam como universais ¢ se tornem senso comum. Como vimos, é somente em torno de 1830 que a classe operdria comega 4 se organizar e a engrossar as fileiras das descontentes com 2 nova estrutura social; porém, nio ser4 antes das iltimas décadas desse sécalo e dos primeiros anos do sécuilo XX que as jzagdes opersrias se tornaro ativas como forgas antagGnicas nos paises industriais capitalistas. Entre 1780 e 1848, os trabalhadores, ‘compartilham da ilusdo da chegada de um mundo novo, livre de opressiio ¢ pleno de oportunidades ¢ formam uma espécie de “comunidade de destino” com as demais parcelas sociais insatisteitas com a dominagao da nobreza, Nao se esté ainda na “era do capital”; embora rica de mobilizagdo politica, a primeira metade do século XIX ¢ sobretudo a “eradas revolugbes” que, como vimos, tém como alvo os antigos regimes, A prey “6S B certo que 0 desejo de ascensio social fazia parte deste sonho ‘igualitdrio ¢ libertério, As vias que ofereciam aos pobres alguma pos- sibilidade de se aproximarem de alguma forma dos ricos eram as que traziam prestigio, mas nio riqueza: 0 saccrdécio, 0 magistério © a burocrocia. A maquina esiatal se ampli nentando © mimero de funcionarios piblicos; formalmente, 0 século XIX esté distante da estiticn sociedade hieriquica do passado, As duas revolugSes abriram possibilidades de carreiras profissionais e as linhas que dividiam as lasses eram menos impermedveis. Porém, a maioria da populoglo 1 finha acesso ans cargos burocriticos de maior prestigio e devia se Contentar com madestos cargos enquanto servidores civis, mas isto bastava para que os que 0 conseguiam vivessem o encantamento de ixar a categoria dos trabalhos bragais. Se a precétia rede de ensino pblico fundamental exisiente nesta primeira metade de sécalo teve alguma fungao social, esta foi a de preparar este pequeno contingente mcionérios publicos de médio ¢ baixo escaldio requerido pelo desen- nto do estado modern. inalmente, andlises hist6ricas do nacionalismo tém permitido concluir que os movimentos nacionalistas conscientes praticamente ine- xistiram antes de 1830," Mais que isso, tudo indica que na primeira meiade deste século os movimentos nacionalistas fora do mundo burgués ¢ fora da Europa no passavam de movimentos protonacionalistas, Mesmo em sua segunda metade, o nacionalismo de massa ainda no era uma realidade nas nagdes emergentes, até pelo menos 1860. Assi embora 0 século XIX tenha concluido 0 processo de consolidagio das estados nacionais modemos, segundo Julian Marias (cf. Zanotti, 1972, p. 14), € "a panir de 1870 que a nagao ¢ o grande pressuposio da vida Politica européia”. Até endo, os sist onais de ensino so muito ais anseio da pequena ‘eda pequema nobreza / classes empresariais, nesta época, preferiam os grandes metcados em ‘expansio, ¢a grande massa popular, para quem a religgio era o grande indicador da nacionalidade, ainda nio tinha qualquer interesse digno de nota pela escola elementar, Afinal, os aparatos ideolégicos por exceléncia ainda era a Igreja e x fart [A respeito des movimentos nacionalistas no século XIX, veju Hobstuwm (1982, ap. 5: 1979, cap. 7, Maria Hokona Soave Hato E somente nos paises capitalistas liberas, estiveis e présperos, qu ‘partir de 1848, a escola adquire significados diferentes para diferentes gTupos ¢ segmentos de classes, em fungo do lugar que ocupam nas relagdes sociais de produgio. Neles, a escola & valorizada como instrumento real de ascensi e de prestigio social pelas classes médias ¢ Pelas elites emergentes. Como instituigdo a servigo do desenvolvimento tecnolbgico necessério para enftentar as primeiras crises do nove modo de produgio, de modo a rac aumentar € acelerar a produgiio, la interessa aos empresérios, Como manutengio do sonho de deixar a condigdio de trabalhador bragal desvalorizado e de vencer na vida, ela € ‘almejada pel ssa de trebalhadores miserdveis de uma forma ainda frigil e pouco organizada, ‘Os sistemas de ensino nilo so, portanto, una realidade du 105 do século passado. Emboraos 1 4408 varios tipos de escola revelem um inegével progresso, € preciso Jembrar que este aumento foi sensivel nos niveis secundério e superior. Meso nos pafses que jd contavam com um sistema piblico de ensino, Primaria, segundo Hobsbawm (1982, p. 211-12), era nciaca e onde existia limitava-se a ensinar rudimentos de leitura, moral. Algm disso, nio se deve esquecer que ‘em torno de 1850 a grande maioria dos que se dedicavam ao ensino das primeiras letras era constituida de protessores privados © governantas dedicados &s criangas da burguesia. Apesar da vulgarizacio do livro € dda €nfase na necessidade de uma lingua nacional oficial, aimensa maioria da populagiio mundial pecmaneceu analfabeta até por volta de 1870. Certamente, foi levando e: todos estes aspects que Zanotti (1972), a0 periodizar a histéria da politica educacional no mundo ocidental em tr8s grandes etapas, coloca como marco da primeira 0 ano de 1870, quando, até 1914, se atribui A escola a miss de redimir a humanidade. A partir de 1870 vigora, em vérias partes do mundo, 0 idedrio nacionalista em sua segunda versio: o da construgio de nagdes Uunificadas, independentes e progressistas, Para que a dimensiio desen. , faz-se necessério que as nacBes-estado sejam we grandes, condigao para serem econdmica, tecnolégica nie vidveis, Os idedlogos das nagdes-estado insistiam em, que deveria haver somente uma I{ngua e um meio de instrugdo oficiais: € assim que a uni 1gwa, dos costumes ¢ 4 aquisigio da cons- A produsd do fecasso occolar a ade seré a primeira missio da escola no. mundo lista do século passado. O tema da igualdade dos cidados, inde cera vista c 10 espontiineo mas como algo que precisaya ser cons- tenfdo; nesta construgio, a escola, como instituiglo estratégica na impo siglo da uniformidade nacional, expandiu-se como sistema nos p mais desenvolvidos."? O sentido missionirio atribuido 4 escola ¢ © papel de apéstolos leigos de que os professores foram investidos ficam patentes na andlise documental realizada por Zanotti. Entre os documentos analisados, 0 \liscurso feito pelo presidente da Argentina quando da inaugu Escola Normal Nacional de Professoras de Rosario, em 1869, exemplar: “Inangurar uma escola ¢ fazer um chamado a todos os poderes do hem: sendo o ato mais benéfivo, mo ato mais Solene, porque signific solocar-se, como nunca, diante do porvir (..).Assisto com os senbores, 4 majestosa ceriménia © pego ao senhor bispo que a encerre deixando air suas béngios sobre 0 novo edificio para que ele fique sanificado ‘como um templo ¢ as esienda em seguida sobre 0 bergo da crianga, sobre a terna solicitude da mie, sobre 0s campos ¢ colhcitas, sobre nosso povo e seu destino.” (Zanotti, 1972, p. 25) A.crenga no poder da escola foi fortemente abalada pela Primeira ‘Guerra Mundial. 0 século XX tem inicio desmentindo s escola obrigatdria e gratuita viera para transformar a humanidade, para Tedimi-la da ignordincia e da opressio. A posse do alfabeto, da cons- titigdo ¢ da imprensa, da ciéncia ¢ da moralidade nito havia livrado os homens da tirania, da desigualdade sociale da exploragao. Bste conflito mundial desferiu um duro golpe nos liberais gue acreditavam nos supespoderes da escola ¢ os levou a investirem contra a pedagogia tradicional, na elaboragio de uma pedagogia que promovesse espiti- ‘walmente 0 ser humano. Se 0 movimento escolanovista jé era uma realidade no final do século XIX (as primeiras escolas novas datam da lidade,a escola e outa insttuigbes ‘de wnifiagio nacional provoeavam reagies cootre-nacionalistas em areas de Pvoamento nio-homogéneo; apenas nae reas mals homogénens & que todas a3 ‘cuvadas soins embarcaram na ideal'zagao da escola com insttniglo redeatora (Hobsbawm, 1982, cap. 1) 48 Mara tena Souza Pace a de oitenta desse século), 6 de 1918 a 1936 —a segunda etapa da politica educacional, segundo Zanotti — que ele se propaga com uma 0 discurso fraturado ue predominou no perfodo em que vigoraram as idéias escolanov quando nao repete a tentativa de colagem deste discurso afirmand que escola que af esté ¢ inadequada éclienteta carente Un exemplo de pesquisa que foge est regs éa pesquisa de Campos eGolenstin (1981) 0 essino obrigatrio em esiangas fra da escola’ un esti da popula ‘de 78 14 anos exclu da escola na cidade de Sto Paulo A product do fracas excelar 155 Diagnésticos da precariedade da escola piblica de primeiro grau ccontinuam a conviver, muitas vezes no mesmo texto, com a afirmagio ‘de que, devido principalmente ainfluéncias externas Aescola, ss eriangas pobres sdo portadaras de dificuldades escolares que thes sio inerentes. Assim, se € verdade que a pesquisa da situagia da escola e do ensino ganhouw novo fOlego nos ditimos aos, é verdade também que as afirmagdes sobre as caracterfsticas da clientela continuam aser es mesmas dos anos setentac imunes, portanto, i erftica da teoria da caréncia cultural © a resultados de pesquisas que tm posto em xeque algumas das atirmagSes medulares que a constituem, Em textos recentes, jf roduzidos no bojo das rupturas temitica, teérica e politica a que nos referimas, as trés afirmagGes que se seguem podem ser frequentemente encontradas: 1. As dificuldades de aprendizagem escolar da crianga pobre decorrem de suas condigbes de vida. Este pressuposto, bem como varias afirmagdes derivadas, encontra-se em plena circulagio no pensamento educacional, o que mostra que ainda estamos sob a influéncia da teoria «da caréncia cultural, em sua versio que afirma apresenga de deficiéacias ‘ou distirbios no desenvolvimento das capacidades ¢ habilidades psiquicas da clientela, Este postulado tem sido um das principios nortcadores dda maneira atual de pensar 0 problemas da escala ¢ sua soluydu. Bit 1979, umn urtigo dedicado a ressaltar os determinantes intra- escolares do fracasso escolar das criangas carentes afirmava: “Os ‘curriculos excolares siio plancjados partindo do pressupasto de que a crianga jt domina eertos conecitos elementares, que sto pré-requisitos Para a aprendizagem, Isso pode ser verdadeiro para aquela que, 1 familia, aprendeu esses conceitos; mas niio 0 é para as que vivem em ambientes culturalmente pobres quanto a contetidos que sto tipicos das lasses economicamente favorecidas, embora ticos em aspectos que a escola no costuma valorizar” A partirdesta posigiio, mais préxima das teorias da diferenca cultural, 0 mesmo autor divulgava, em 1983: “As wondigdes escolares so hoje mecanismos de seletividade poderosos Sua natureza ¢ qualidade sto de teor tal que contribuem para a fracasso ‘scolar das criangas de origem social economicamente desfavarecida Inds que grande parte desse fracasso se deva sem diivida a pobreza Material de que essas criangas sao vitimas"; ¢, mais adiante, na mesma iblieago: “Quando a situago do fracasso na escola ou na sociedsude & 156 Marsa Helene Souza Pato individualizada ¢ explicada em termos de tragos ou caracieristicas de ccada qual, aquilo que nesta sociedade 6 universal, on seja, « exploragiio econémica que produz condigdes de vida incompattveis com 0 desempenho bem-sucedido, & transferido para o plano do particu Coerente com esta visio, mais préxima das teorias do déficit, passou-se a defender a necessidade de “adaptar o ensino A crianga cultural © ‘economicamente desfavorecida”, de dar-Ihe oportunidade de “vencer cerias etapas dentro de um ritmo mais lento”. Mas se as condicdes de vida destas criangas sio incompativeis como desempenho bem-sucedido, serio validas as tentativas de levé-las ao sucesso escolar através de mudangas na escola, postura cocrente c: rizagio dos fatores intra-escolares na explicagio do fracass Em 1981, aliteratura sobre o fracasso escolar continuaya a registrar a mesma afirmagio que encontramos-em meados da década de setenta: © professor idealiza, mas no encontra nas salas de aula da periferia um aluno “sadio, bem alimentado, com uma familia organizada e atenta nos, seus problemas pessoais e com prontidio para aprender”, o que equivale a dizer que o aluno com que o professor se defronta, nestas escolas, & doente, mal alimentado, com uma familia desorganizada ¢ esate aos seus problemas pessoais e sem prontido para aprender. Lado a lado com pesquisas que desvendam mecanismos excolares de produgo do fracasso vem crescendo, nos dltimas anos. mimera de pesquisas que se dedieam a demonstrar as deficiéncias cognitivas da crianga pobre, tendo como referencial te6rico a teoria de Jean Piaget. Em muitos aspecios semelhantes as pesquisas que fundamentaram tworia da caréncia cultural, estas investigagdes frequlentemente chegam a conclusdes surpreendentes que no s6 contrariam conhecimentos jé acumulados pelas ciéncias humanas como também ferem as préprias leis do bom senso: ¢ o caso, por exemplo, da afirmagio segundo a qual ‘estas criangas “nio falam lingua nenhuma”, Em outro lugar, fizemos uma anilise desta produgdo com o objetivo de problematizar quest®es tradicionalmente respondidas de modo afirmativo na literatura especia- lizada: a pobreza dificulta 0 desenvolvimento cognitive e intelectual? A Tinguagem popular é deficiente? A interagiia mie-crianga na pobreza é Iesiva a0 desenvolvimento infantil? A estimulagao ambiental, nesse meio, € insuficiente para promover 0 desenvolvimento das capacidades ¢ ha- bilidades envolvidas na aprendizagem da leitura e da esc A proc co fracas escolar 157 Albeia as pesquisas que contrariam as teses que defendem, a literatura stual ainda revela sinais de forte adesio a esteredtipos e pre- cconceites sociais quando afirma, por exemplo, que as criangas oriundas das favelas “nio se referem nunca ao futuro ¢ as préprias mies, quando entrevistadas, nao vishumbram o futuro do filho além de acharem que ele pode trabalhar num bar da esqui a levando em conta tantos resultados de pesquisa que reiteridamente confirmam o interesse € 0 tempenho das familias de baixa renda no sentido de ga fills o miximo de escolatidade possfvel."* No periodo de quase um século, portanto, mudam as palavras, permanece uma explicagao: as criangas pobres niio conseguem aprender na escola por conta de suas deficiéncias, sejam elas de natureza biologics, psiquica ou cultural. 2.4 escola publica é wna escola adequada as criangas de classe média ¢ 0 professor tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal. Baseadas na teoria da diferenga cultural, estas duas afirmagées complementares comparecem com frequéncia, nos iltimos treze anos, nas publicagdes sobre as condigdes do ensino na escola Pablica de primeiro grau; © pressuposto de que a escola nio leva em Conta os padres culturais da primeira socializagdo destas criangas tomou-se lugar-comum na literatura educacional desde o inicio dos anos Setenta, Mas quem conhece estes padres? Embora defensora da te da diterenca, Lemos (1985), a0 contrario da maioria dos pesquisadores, € educadores, alerta para a ignordncia existente a esse respeito, Mesmo quando a fundamentagao te6rica deixou de ser nio-critica [paraser crflico-reprodutivistae, pouco depois, critica, este continuoua ser lum pressuposto coavergente ¢ recorrente, a pono de Brandi ¢ cola boralores terem verificado que, de 1971 « 1981, apesquisa educacional oncluin ‘pela distinciacultural entre aescolae sua clientela maja AScaracteristicas do material diditico, dos conteidos eda linguagem que “seapresentam como estranhas A erianga" (p. 49), Nas discusses sobre Alfabetizagio este pressuposto também encontrou ressoniincia, levando a jelusdes de que “o fracasso nilo se deve tanto a0 método, mas muito iso fato de formase contesidox, naescola, estaremdistantes da crianga feta Com aqual a professora se depara” (p. 50). J. Arespita da educasioe do futuro des fll, prodarides apatr de outros efeencias teGricase metodoligics, veja Mello (1988) ¢ Dushan (1978) [A despeito do caniter duvidoso destas afirmagées, cada vez mais evidenciado pelas pesquisas sobre a qualidade do ensino, elas continuam presentes no discurso educacional no decorrer dos Gitimos anos. Em 1979, um artigo bastante difundido continuava a afirmar: “A pouca scnsibilidade ea grande falta de conhecimento dos professores a respeito dos padirses culturais diferentes do seu priprio geram atitudes modos sde-comportamento para com os alunos pobrese para com acomunidade ‘onde devem atvar que siio catastr6ficos tanto para a aprendizagem dos alunos como para uma aio educativa mais ampla no meio em que estio situados.” Da mesina forma, viries artigos que tratam da importante questio 4a demoeratizagio do ensino, publicados em 1980, também partem da crencana deficiéncia/diferenga da clientela majoritiriada escola pablics de primeiro grau em relago aos seus pares de classes média e alta Num destes uttiges, faz-se referéncia anecessidade de “Verificar o grau de adequagaio entre as propostas ¢ orientagSes curriculares, a forma de trabalho do professor e as caracterfsticas da clientela” ¢ 2 importine de se proceder a “akeragdes curriculares que atenter para as reais condigdes de aprendizagem da maioria da populagio em idade de frequentar a cscola”. Aliadas as informagdes sobre o nivel de desenvolvimento psicolégico destas eriangas forecidas pelos testes ¢ pesquisas tradicionais, estas afirmagdes podem ser interpretadas como favordveis d implementagio de uma escola especial para as eriangas das classes populares que corre o risco de ser menos exigente do que a ofe: recida as criangas das classes média ¢ alta. Um outro artigo sobre este mesmo tema, afirmava no mesmo ano: “através de pesquisas iniciais de diagndstico, constatames que os con- tetidos dos programas, os métodos pedagdgicos © os padres de desempenho exigidos da maioria da clientcla das escolas pablicas (...) baseiam-se em modelos psicopedagégicos destinados a criangas ideais, ‘que retratam os padrdcs das criangas de classe média. Estes padries diferem muito das criangas encontradas nos bancos escolares. O que 0s sistemas educacionais esto oferecendo sio, pois, contetidos, métodos ‘eexigéncias que atuamde forma camuflada como mecanismos de seleeo dentro da pripria esteutura escolar, condenando a crianga pobre a wm censino nil sdequad e, portanto, a0 fracassoescolar num sistema obvia- mente ndo-igualitério.” A prota do jracasso excedar 159 Estes pressupostos comportam algumas observagées. Além de desconhecerem 0 habitus, certamente heterogéneo, dos variados segmentos das classes populares que habitam a periferia das grandes cidades de preencher esta lacuna com suposi Preconceitos. os pesquisadores, 0 atribuir o fracasso escol criangas pobres & sua falta de “capital cultural” para fazer frente as cexizéncias culturais da escola, esquecem-se de um aspecto fundamental da teoria da reprodugao: seus autores referem-se 8 relagio professor. aluno no ensivo universitério francés, onde um corpo dacente de alto nivel exige de seus slunos conhecimentos ¢ estilos de pensamento ¢ Jinguagem a que geralmente s6 os mais ricos tém acesso. Os enunciados de Bourdieu e Passeron sobre asexigéncias culturais do ensino superior francés serio generalizéveis para as escola priméias piblicas brasi: leiras? Seus professores, especialmente nas primeiras séries, avaliam seus alunos segundo critérios que passam por estilos mentais ¢ verbais caracteristicos cle uma elite intelectualizada? Seus professores possuem ‘capital cultural” e 0 exigem de seus alunos? Seri que esta escola chega a veicular “o saber da classe dominante” e os sltos indices de podem ser explicados como resisténeia, por parte dos alunos, ‘a imposigao deste saber? ‘Da mesma forma, proposigdes como as que se seguem, encontradas ‘em publicagoes recentes, amber comportam questianamentos: "aescola parte de um modelo abstrato de crianga, que corresponde a classe bburguesa”; “os professores pressupdem que seus alunos pobres tém 0 ‘mesmo cabedal de experiéncias das criangas de suas prOprias familias, ensinando-os como ensinariam a seus filhos”; “os professores saem da escola normal com uma visio idealizada do aluno ¢ ao se defrontarem com seus alunos reais, taxam-nos de “carentes’, deficientes’, ‘privados, culturalmente’ porque niio respondem is expectativas que nertsiam sua Priticadocente'”. A afirmayio de que os professores geralmente carecem de “competéncia técnica” nio é incompativel com a afirmago de que as escolas pablicas de primeiro grau estzio preparadas para atender a um outro tipo de cliemtela? Até que ponto 6 verdade que os prafessores artem do pressuposto de que esias criangas so parécidas com seus Filhos © as ensinam como tais atéo momento em que, em pleno processo educativo, s¢ apercebem da diferenga? A visio negativa que tém da clicnicla € resultado de seu contato com elas na escola ou € anterior a 160 esse contato? Estas criangas “saem da escola etiquctadas e estigmati zadas” ou jf estio etiquetadas ¢ estigmatizadas quando ncla ingressam’ Finalmente, uma terceira afirmagiio, muito presente nas publicages recentes, também precisa ser questionada: 3. Os professores nao entendlem ndcriniuan seus uno de classe basa por trem pau seen ane falta de conhecimento a respeito dos padrbes culturais do: ‘thm pobre, en fen de aa congo de clase mdi. Afrms10 significa nio 56 pressupor que este conhecimento existe mas também {que sua ausEncia entre 0s professores nilo guarda qualquer relagio com 4 natureza da literatura especializada. Por isso, & necessério reafinmar. © desconhecimento a respeito dessas eriancas ¢ peneralizado ¢ esti presente também no corpo do conhecimento cientifico: portanto, mesmo que esse professor tente suprir suas locunas de informagio e corrigir seus veges de classe entrando em cantato com 0s textos que the estio mais i imifo, 6 provivel que continuard a desconhecer seus alunos pobres, julgando que es conttece. Cabe perguntar se muitos dos equivocos dos professores a respeito da clientela niio resultam do contato com text que, a ttulo de Tomm-os ou de sanar suas defciéncias de Formac podem estar confundindo-os ainda mais, Sua alegada “falta de sensibilidade”, por sua vez, pode também ser intensificada pela Cconfirmacio ciemtifica de seus preconceitos de classe. Além disso, niio é descabido perguntar se outros determinantes inerentes & propr dinimica das préticas.e processos em curso nas escolas nfo potencializam cesta “insensibilidade”. A respost pergunta, coatudo, requer uma metodologia de pesquisa que d2 mais conta da complexidade da vida nossas escola, ‘Ao contririo do que se costuma afirmar, hé muito 0 que fazer na firea da pesquisa educacional. Para que os erros do passado nio cont ‘nuem a se repetir, é fundamental reexaminar » questo do método. Au- tores que se dedicam & andlise da produgio cientifica nessa area sto suldades € impasses metodoldgicos. m fingulo importante do problema quando ‘A pesquisa empirica nio tem permaneciclo insensivel As ma- ddangas ovorridas no discurso acad®mico sobre Fiducagdo. Nao apenas 4 prodegao do fracasso escola 161 Se verifica a substituigio de conceitos funcionalistas por outros tomados a0 marxismo como, também, a prépti ncira de identificar os pro- blemas de investigacao tem se alterado (...). Na prética, porém, Teconcepiualizacbes © mudancas do enfoque nao tém enc contraparte inteiramente satistatoria nos procedimentos de investi ‘uilizados, Conceitos marxistas, por promissores que sejam 20 nivel reflexo tevrica, nio se prestam facilmente a recortes empiricos (..). AS dificuldades na aplicagio de formulagdes marxistas em pesquisas ‘manifestam-se claramente em alguns trabalhos de mestrado ¢ de douto- Famento, Ap6s elaborado referencial tedrico a partir do qual se anuncia Aaintengiode utilizar o método dialético, deseavolve-se um tipo de andlise que, 1 ndo ser pelo emprego de conceitos tomados ao marxismo nao Aifere, na verdade, do modelo, relegado sob a pecha de positivist, nco- positivista ou empiricista, predominante em épocas anteriores.” (p . 65) 0 ecletismo teGrico-metodolégico é uma preceupagio de Frigotto (1985), para quem “a ciéncia dos que se colocam na éptica dos domi: nantes ¢ tendencialmente ums ciéneta positivista” niio se faz sem romper com a ideologia dominante. Es iio € resultado da ciéncia, € sua condicio, & 0 primeiro passo decisivo Para que ela possa constituir-se rigorosa ¢ verdadeiramente.” Quanto 20 ccletion, ulin; “Subjecemte a esta postura ecieuica existe a idéia de que a mesma representa a sintese de posigses diferemes num todo coe- Fente,intercomplementar compreensivo, Trata-se de um tipo de ‘consenso i andlogo aos arranjos politicas que se do no interior da Iburguesia para salvaguardar os interesses de classe, Ocomre, entretanto, “que © processo de construgio do conhecimento, ainda que relacionado ‘G0 0 todo social, ndo se confunde com a barganha politica.” A respeito fesultados das pesquisas, conclui: “O resultado, quer da pesquisa vista, quer da idealista, & um conjunio de anilises fragmentadas, ais. que ficam apenasaa nivel da pseudoconcreticidade. So andlises ;eonfundem o concreto com oempftico." Confirmando as observagies (Gouveia ¢ Frigotto, ndo raro encontramas relaidrios de pesquisa nos 4 uma fundamentagdo tecrica marxista corresponde uma investi- nna qual a realidade € segmentada em “variiveis”. Mesmo assim, nio dirfamos, como Esteves (1984), que “apesquisa ional esté hoje onde sempre esteve, desde 0 seu infcio” (p. 9). Do 162 Mara Hetena Soxr20 Pate onto de vista da metodologia, parece mais acertado afirmar que se vive um momento de transigio ¢ de reavaliagio no qual muitos pesquisadores estio cientes dos problemas de método sem, contudo, tet condigdes de recolvé-los, ¢ poucos jé os formularam com clareza no marco teérico do materialismo dialético. Por isso, uma discussiio ‘metodoligica, amplae profunda, configura-se como a tarefa mais urgente na drea da pesquisa em ciéncias humanas, tendo em vista a superagio de “syerdades” e de simplificagbes que podem estar continuamente atvando contra os interesses das classes socials a que se referem. SEGUNDA PARTE A vida na escola: verso e reverso da racionalidade burocrdtica aie dfenter 4 com patevras, avid, tinda mois quando ala & ‘esta que ve, Severna; mas se responder oo pad 2 peng que fia, la, vida, a respon om ana presenga viva endo hmelhor resposia ‘que oexpeticlo ds vide Wl desir seu fo ‘gue tanbé se chama vida, ver africa que a mesmia teimoxamente. se fabrica Vida ¢ Morte Severina JOAO CABRAL DE MELO NETO A teoria e a pesquisa desafio maior que se ecloca ao pesquisador da escola, hoje, 60 de repensar seus pontos de refertncit tebrico-metodaldgicos. Isto ‘Porque, a partir da inegivel contribuigio trazida pela teoria dos aparelhos ideolégicos do Estado, formulada por Althusser, a vanguarda sobre a educagio escolar no pais vislumbrou novas possi ‘eonceber a escola numa sociedade de classes. Foi a partir de entio que A representacio dominante de escola como insttuigio social a servigo da ascensio social dos mais eapazes, independeniemente de s ‘a estrutura social, pOde ser superada por um conceito de escola como inslituicdo reprodutora das desigualdades sociais geradas no nivel ca divisio © da organizagio do trabalho, © ingresso da filosofia da educagio brasileira na teoria materialista hisi6rica deu-se, ponanto, através de uma versio desta teoria que reduz superestrutura a um simples reflexo ¢ expressiio da base econdmica.! A critica a essa versio da filosofia da préxis, considerada dogmética e [pouce dialétiea, tem por base, na filosofia da educagde brasileira, os instrumentos conceptuais trazidos por Gramsci que resgatam a instincia Alas superestruturas como lugar de produgio e reprodugio social, de 105 limites mpostos por esia redo a filosofia ds educaco foram analisads por Snyders em Ercole, lense ¢ Inter de claves. Agnes Heller, no entant, considera | imponanteasinalar queesse marxismo positivist. apesir das limitagSes com que se pop dasa de Mary, teve wr fargo social qual j,adesalar"o marae, iante do mito da citncia. Em outras palavras, a aniculao do marxismo com © Positivism modern fi, segonds cla, ti enccessria me momentocie que ABhusser A realizou: sua constinicio come cigncia, num periodo historiso ert que anda Predominara a fé ma cidacia eo narxismo pera st egtieidads, foi expevialnente ‘allow sua preserva (Heller, 1982b,p. 38-39). 168 Maree Heke son repetigdo e criagiio, ¢ a cultura (da qual faz parte a ideologia) como uma das formas da préxis social O conceito de hegemonia est intimamente ligado a esta concepg30 da produgiio de idéias: “Uma classe é hegemdnica nao s6 porque detém Propriedade dos meios de produsio € 0 poder do Estado (isto 6, 0 controle juridico, politico e policial da sociedade) mas ¢ hegemdnica sobretuslo porque suas idéias e valores sdo dominantes, mesmo quando se luta contra ela.” (Chauf, 1981, p. 110) Esta valorizagio da insténcia superestrutural docedificio social enriquece a teoria materialistahistérica ‘quanio possibilidade de captara légica do movimento numa sociedade de classes, afastando-a tanto do economicismo quanto do filosofismo; da mesma forma, a militancia politica ganha expagos na definigio de cstratégias rumo a transformagio social estratural. Foi por este caminho que o pensamento educacional brasileiro de vanguarda resgatou recentemente a reflexio sobre o papel transformador da escola para 0 povo do beco sem safda em que havia sido colocada pela adog? s da letra, das idéias que Althusser expressara em Ideologia e aparethos ideoldgicos do Estado. A filosofia da prixis, enquanto referéncia teériea para pensar escola piblica num projeto de mudangas sociais profundas, abrange irae concepgties a respeite no sé de quem fa7 2 histéria mas também, ‘de como e em que instancia social ela se faz. Estas concepgoes coniém, portanto, diferentes versdes sobre 0 papel dos protagonistas da vida ma escola num projeto d= mudanca social radical e implicam diferentes proposias relativas a implementagio da politica educacional. Portanto, sua escolha como quado tesrico da pesquisa do rendimento escolar, além de uma questo de método, coloca 0 pesquisador diante do problema de decidir sobre que dimensio da vida social sua andlise incidiré, ou seja, de escolher entre as varias teorias geradas no fmbito desta filosofia 6 2. O fatode as dase valores ds classes dominantes se imporem eteren enceme poder de carnenciento ede conservagdo oo Fazem ests idias (uw a Kdeolagia,comtudo, absolutt ednicas. Outs conjunios de idsas, ours vistes de mundo esto sempre implica ov explicitamente presentes, com maior ow menor possibiligaée de ‘manifesta. Gramsci as char de conra-ideologias Cha ecuss-te aldeiic-as ‘como ikcligicas, pois restrings o conceto do ideologia i ideias © valores compro ‘metidos eon a mistificago, a servi dos imeresses da classe que demo poder. rouge frcassoescor 167 A critica as pesquisas realizadas no marco das concepsdes funcionalista de sociedade ¢ positivista de ciéncia, bem como a busca le6rica de aproximaggo das ¢sferas sociale individual, tradi separadas nas ciéncias human: recente do conhecimento sociolégico: a sociologia da vida cotidiana, 8 ‘qual se eneontra ligado © nome de Agnes Heller, pensadora marcista comprometida com a busca da fundamentacdo teérica para um projeto politico de "mudar a vida” nas sociedades atuais marcadas pela exploragio econémica ¢ pela dominagio cultural? Por estar voltada para as relagies entre a vida comum dos homens comuns ¢ os movimentos da histéria, e por nio perder de vista a especificidade das pessoas envolvidas nas ages que tecem a vida olidina, sin obra é particularmente promissora como referencia teérica para reflexio sobre a escolarizacto das classes suballemas, nos paises apitalistas do terceiro mundo, concebida como proceso histérico tecido POF todos os que se confrontam em cada unidade escolar. Tanto que, a0 mesmo tempo em que. no Brasil, o pensamento helleriano era pereebido ‘como uma perspectiva inovadora e promissora para a pesquisa sobre a escola, duas pesquisadoras faziam o mesma no México © ponto de partida de Heller é uma eritica ao pensamento de Marx. partir do que considera uma contradi¢aa fundamental na obea de Marx,‘ Agnes Heller, pensadora huingara radicada na Australia, nascida fem 1929 ¢ disepula de Luckécs, elabora uma teoria na qual redefine o sujeito, o lugar e as estratégiax da transformagito social neyadora da 4sociedade de classes. De acordo com sua andlise, ora a classe operiia comparece nessa obra como autora da histéria, ora as contradigies 3. Nossoprimeirocontto com esi autora dawse to cuso“Sociolog dl Vide Cotiiana”, Imintsrado na graduagioem Ciéncias Soca da FFLCH.UISP pelo pra, José de Soura Martine, ee 1982, ‘Trur-e de Justa Ezpelets e Elsie Rockwell, do Centro de lvestigacidn y de Estudios [Avanzadosdo Istituto Poliéanico Nacional de México, cas prineiro eetiton nea perspectva toric, foram publicados recentemente no rail (1986), ‘esta forms, eti-s recusando a relaciona-se gam 9 pensuvenio de Marx comme 3 fos um dogma ele um pai reignso capaz de explicat todos os problemas sociais ‘presentes¢ fturos. NXo se propde também a mata exe pal, pois este gesto ainda sonfigurari uma relago finitca com a teorn; "Marx & uma tradi de vida 80 la escrituraeagrada;¥ preciso levar em sorta» periods hstSrica em que le catevea™ eller, 19828 p. 15) 168 Marea Hola Soura Pa inerentes & formasio capitalista so tomadas como seu motor. Nesta segunda versio, 0 processo histérico € tido como objetivo, nao pal pela subjetividade de uma classe nem dé um individuo, & uma conse- qiiéncia necessiria desse modo de produgio. Deste ponto de vista, a classe operiria deixa de sero sujeito da historia, pois esta se processaria como decorréneia do desenvolvimento das forgas produtivas. Vejamos ‘como esta contradigiio ¢ expressa pela propria A. Heller (1982b): *..0 sistema de Marx contém ums contradigio particular: por um lado, Marx. consiruiu filosoficamente 0 sujeito da revolugio, ou seja, formulow a hipétese de uma classe que, necessariamente, enquanto classe, através, de um proceso revolucionaiio, liberta toda a humanidade. Por outro lado, descreveu a sociedade capitalista de modo a demonstrar que as Icis econdmicas conduzem necessariamente a uma revolugio histérico- ." (p. 14) Esta contradigio interna gerou, a seu ver, categorias teéricas opostas no préprio pensamento marxista: hé os que deixam de Jado a questiio do sujeito ¢ se voltam para a objetividade das leis do desenvolvimento econdmico e outros que desenvolvem o mito da classe operiria revoluciondria e ignoram a c -conomia, considerando- a imelevante. A. Heller analisa criticamente estas duas teses,® a partir da constatagdo de que, nos acontecimentos sociais de nosso tempo, nem. sempre a classe operirin pode ser tomada como o sujeito da histéria. Diz elanesta mesma obra: "Nao questiono 0 fato de que aclasse opectria possui um papel historico extremamente significative”, pois a histGria ccontém exemplos eloguentes disto. “Minhas dividas referem-se ape {A teoria de que uma s6 classe possa assumir o poder ser a tinica repre sentante datransformago.” (p. 17) Marx refere-se a uma s6 classe social ‘em sua teoria da revolugao; para Heller, uma teoria revolucionsiria fala 4 todos 08 que tém carecimentos radicais e no pode, portanto, referir- se apenas a uma determinada classe, Assim como hi estratos operérios que no exprimem estes carecimentos, h4 outros segments sociais (mulheres, jovens, minorias raciais, ete.) que os exprimem.? Mais do que ist, rev a utopia marxista da socisdade sm Estado © xem produgio de mmercadriase defende ese segundo qual, 10 séeula XX, ndo¢ mais possive pensar re etingo do Esa «no desaparscimento da produyde de mereadoras, A questo ‘agora éoetea: que Estado queremos consiruir € que tipo de produgao de mercadorias ‘quotenos implinar. 7. Ee corceto€ detinido pr Heller nos seguintes termos:odesenvolvimenta da soci fracinssexctr 169 ‘Tendlo em vista avangar o pensamento marxista no sentido de dar conta dlas questdes politicas, sociais e econdmicas que emergem no século XX, dedica-se A construgio de uma teoria que apresente alternativas filosficas ¢ sociolGgicas para questBes que no poderiam ter sido colocadas por Marx e seus seguidores até recentemente, pois, sio desafios atuais, A partir da constatagdo de que a subjetividade (no sentido da ualidade, da pessoa, do sujeito) f ida do Pensamenio materialistahistérico, Heller a resgatae u coloca no centro do processo histérico, entendido como expressiio do homem em busca de sua hamanizagio* Uma de suas prineipais contribuiges 20 marxismo contemporineo é, portanto, a colocaso da temitica do individuo no

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