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RT 4FS.23 ) ASPECTOS DA POLITICA EXTERNA INDEPENDENTE: a questdo do desarmamento e 0 caso de Cuba” Paulo S. Wrobel Introdugio AA partir do inicio do govemno Janio Quadros, em margo de 1961, 0 Brasil viveu trés anos de significativas mudangas nas prioridades © na implementagdo de suas relagdes exteriores. A tradicional alianca politica e militar com Washington, vigente até entio, havia sido fruto de um esforgo planejado executado por um diplomata que se tornou legendério na historia da diplomacia brasileira: 0 Baro do Rio Branco. Chanceler de 1902 a 1912, impressionado pelo exemplo americano de construgdo de uma reptiblica modema e progressista, Rio Branco deixou a heranga de uma “alianga nfo-escrita” com os Estados Unidos que se tomaria essencial para a compreensio das relagdes internacionais do Brasil no século XX.' Mas mesmo muito antes disso as relagdes com os Estados Unidos jé tinham relevancia especial, j& que desde os primeiros dias de independéncia o Brasil se sentiu inseguro entre seus vizinhos € procurou 0 apoio politico e militar de outros paises para contrabalangar a hostilidade das replicas hispano-americanas, Com o fim da Segunda Guerra Mundial 0 inicio da rivalidade entre Washington e Moscou, um Brasil recém-democratizado, apés oito anos de um regime autoritério largamente inspirado ma experiéncia fascista que ele proprio ajudou a derrotar na Europa, comprometeu-se integralmente com a alianga politica e militar interamericana encabegada por Washington. Assim como outras repiblicas latino-americanas, rompemos relagdes diplomaticas com Moscou em 1947, demonstrando quo breve e precéria foi a experiéncia pluralista no hemisfério. ‘A despeito de todas as imperfeigdes, 0 Brasil foi uma das poucas repiblicas latino-americanas capazes de manter por quase vinte anos eleigdes competitivas um sistema partidério razoavelmente pluralista. Durante todo esse periodo ocorreram com freqiénci mas sem sucesso, tentativas militares de interferir na politica, até que finalmente o golpe de margo de 1964 alcangou éxito. Desde a Conferéncia Interamericana de Chapultepec sobre a Guerra ¢ a Paz, realizada no México em 1945, as repiblicas latino-americanas solicitaram continuadamente_ aos Estados Unidos investimentos piblicos e privados, assim como equipamento militar.’ As reivindicagdes frustradas de um Plano Marshall para a América Latina esbarravam nas * Nota: Bste texto é uma versio revista de parte de um capitulo de minha tese de doutorado, inttulada Brazil, the Non-Proliferotion Treaty and Latin America as a Nuclear Weapon-Free Zone, apresentada em 1991 & Universidade de Londres. A tradupto € de Dora Rocha, * Ver E, Bradford Bums, The unwritten alliance: Rio Branco and Brazilian American relations (New York, Columbia University Press, 1966). Sobre a importincia de Rio Branco no desenho das relagdes exteriors do Brasil no século XX, ver E. Bradford Bums, "A bibliography essay on the Barfo do Rio Branco and his ministry", Revista Interarnericana de Bibliografia, vol. 14, n° 4, out-dez 1964, p. 406-414, * Ver Stephen G. Rabe, "The elusive conference: United States economic relations with Latin America, 1945-1952", Diplomatic History, vol. 2, n° 3, verdo de 1978, p. 279-294. Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209. 2 promessas de Washington de investimentos privados como a melhor maneira de resolver os problemas econémicos endémicos da regido. A modernidade ¢ a prosperidade, acreditava Washington, seriam a conseqiéncia inelutavel desse tipo de politica Mas as repiblicas latino-americanas pressionavam por algo mais do que esse parecer. ‘No Brasil, o governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) caracterizou-se pela intensificagao do processo de modemizagio ¢ industrilizagio iniciado nos governos Vargas (1930-1945 e 1950-1954). Implementou-se um programa para atrair investimentos privados externos, ¢ um intenso fluxo de capital privado norte-americano ¢ europeu trouxe anos de significative cerescimento econdmico, com o estabelecimento acelerado de uma moderna infra-estrutura industrial. Esse processo culminou com a construgdo de uma carissima nova capital, Brasilia, inaugurada em 1960. Ainda que tivesse tido éxito em atrair capitais privados externos para seu programa de modemizago, o Brasil, assim como seus vizinhos latino-americanos, continuow pedindo dinheiro pablico aos Estados Unidos. Diante do sucesso do Plano Marshall na reconstrugdo da Europa Ocidental, os paises latino-americanos insistiram ainda mais, através dos canais diplométicos, na obtengo de um plano semelhante. Mas, como ndo tinha nenhum problema de seguranga realmente sério na regido, em contraste com 0 que acontecia nos teatros europeu © asiético, Washington péde manter uma politica de custos minimos e baixo comprometimento em relago & América Latina, Em 1959, Juscelino Kubitschek langou um apelo em favor de um imenso programa de ‘modernizagio continental, que foi chamado de Operagdo Pan-Americana (OPA).’ A intengdo que havia por tris da OPA era forgar Washington a se comprometer com um investimento piblico de larga escala, dirigido por latino-americanos ¢ destinado a transformar as nagdes latino-americanas em economias industriais avangadas. Este seria também o primeiro passo diregdo a integrago econémica e politica da América Latina. Apostando no éxito de seu programa de modemizagdo, baseando-se na percepgio de que a América Latina no era uma Prioridade na politica global de Washington e contando com o impacto que os movimentos revolucionérios comegavam a ter na regio, a OPA foi obra de um lider que procurava aumentar a influéncia brasileira nos negécios do continente.‘ Representou também uma tentativa da diplomacia brasileira de fortalecer suas relagBes com as nagdes de lingua espanhola e de por fim as suspeitas existentes em relagdo a influéncia politica e diplomatica do Brasil como intimo aliado dos Estados Unidos. Um fator complicador para 0 langamento da OPA foi o fato de que nem o Ttamarati nem os governos dos paises latino-americanos foram previamente consultados. De fato, as suspeitas contra o Brasil tomaram-se um dos maiores obstéculos a execusdo de um programa de modernizarao econdmica na linha de Kubitschek. Os relutantes ideres latino-americanos nao tinham muito por que confiar no compromisso de Juscelino, mesmo do Brasil, com o bem-estar do continente. A reagiio de Washington também foi cautelosa. Gastar dinheiro piblico com uma regio relativamente pacifica ¢ segura no era 3 Uma defesn das motivagdes da Operacio Pan-Americana pode ser encontrada em José Honério Rodrigues, "The foundations of Brazil's foreign policy”, Internacional Affairs, vol. 38, n° 3, jul 1962, p. 324-328. A andlise ‘mais completa estd em Licurgo Costa, Uma nova politica para as Américas: doutrina Kubitschek e OPA (Sto Paulo, Martins, 1960). * Sobre a erosto gradual do estreitorelacionamento Brasi-Estados Unidos a partir do apice estabelecido durante 1 Segunda Guerra, ver Stanley Hilton, "The US, Brazil and the cold war, 1945-60: end of a special relantionship*, Journal of American History, 68, dez 1981, p. 599-624. Sobre a tentativa de Kubitschek de implementar uma politica para o Terceiro Mundo, ver Paul Manor, "Le Tiere-Monde dans la politique extérieure ‘du gouvernement Kubitschek, 1959-1961", Relations Internationales, ° 23, out. 1990, p. 289-312. Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209. 3 bem-visto entre os funcionérios do Departamento de Estado encarregados de formular a politica para a América Latina, O antigo parecer de Washington, ou seja, de que o investimento privado ¢ os mecanismos da economia de mercado eram a melhor maneira de se cchegar a prosperidade, continuava central em sua politica para a regio. Assim, embora a OPA pudesse ser entendida como uma boa campanha de relagdes piiblicas, promovida por um lider que queria fazer cessar o isolamento regional do Brasil, foi preciso esperar por uma mudanga de govemno em Washington para obter maior apoio. Com John Kennedy ¢ sua assessoria jovem e progressista, algumas novidades foram introduzidas nna mancira tradicional de os Estados Unidos pensarem sobre as questdes do continente. Em conseqiéncia, um programa de investimento piblico destinado a solucionar a pobreza e os problemas econémicos estruturais da América Latina surgiu com uma nova formula € um ‘novo nome: Alianga para o Progresso.* ‘Nao foram s6 as boas intengdes ou as novas manciras de pensar de Washington que ajudaram a langar um programa de auxilio financeiro a América Latina. O mais importante foi que’ visio de Washington sobre a questio da seguranga no hemisfério mudou completamente com a Revolugdo Cubana. Entre outras consequéncias, a revolugdo polarizou © debate politico em toda a regido ¢ introduziu ai o confronto Leste-Oeste. O alarme resultante da colocagao de armas nucleares em Cuba pela Unido Soviética em 1962 contribuiu para criar 0 clima propicio a novas politicas em relago a América Latina. A proposta original do Brasil de um programa de desenvolvimento econémico regional, ou seja, a OPA, foi considerada na época a primeira iniciativa realmente independente da diplomacia brasileiras.® Mas romper com formas tradicionais de pensar e de agir no campo das relagbes exteriores exigia mais do que boas intengdes ou frustragdes com politicas passadas. Exigia também objetivos claros ¢ uma implementagio competente, para ‘do falarem uma lideranga mais agressiva. Juscelino Kubitschek, a despeito de seu éxito politico e de suas credenciais modemnizadoras, no estava preparado para levar adiante suas timidas tentativas de reforma. Mas seu éxito no campo econdmico seguramente abriu caminho para a tentativa de assentar a politica extema brasileira sobre novas bases. Por tanto tempo defensora empedemida das posigées ocidentais na diplomacia ‘multiateral,’ a diplomacia brasileira por certo ndo achou fécil desenvolver uma maneira nova consistente de pensar ¢ implementar a politica extema do pais. Preso a uma regido que atravessava um periodo de transformagdo radical, o Brasil pretendeu construir novas bases para a sua politica extema em tomo de questdes intemas explosivas. Além disso, as relagdes, exteriores passaram a ocupar cada vez mais um lugar na politica brasileira até entio desconhecido na histéria do pais* A natureza da politica externa independente > Sobre a Alianga para o Progresso, ver Stephanie Griffith Jones, The Alliance for Progress: an attempt at interpretation”, Development and Change, jul 1979, p. 423-442, ¢ Jerome Levinson e Juan de Onis, The alliance that lost its way: a critical report on the Alliance for Progress (Chicago, Quadrangle, 1970). Uma tentativa recente de avaliar a Alianga para 0 Progresso, congregando varios partcipantes do projeto,esté em L. Ronald ‘Scheman (org), Alliance forProgress: a retrospective (New York, Praeger, 1989). Beta foi a posigto de José Honério Rodrigues no artigo citado. 7 Um bom resumo das posigSes multlaterais do Brasil nos organismos multlaterais esti em Antonio Augusto Cangado Trindade, "PosigBes do Brasil no plano multilateral”, Revista Brasileira de Estudas Politicos, n° 52, jan 1981, p. 147-217. * Chegorse wo pato de ines igus pbs fndarem ume efmera revista semi-académicachamada Politica Extemna Independente. Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209. Um acontecimento que contribuiu para mudar a agenda politico-diplomética do hemisfério no principio de década de 1960 foi o inicio de um novo governo no Brasil.’ Como ‘uma nago que se percebia herdeira de uma cultura crista de orientagdo ocidental, que tomava como modelo importantes instituigdes ocidentais (especialmente a Constituigdo americana), cra natural que o Brasil estivesse intimamente associado aos interesses globais do Ocidente. Além disso, o Brasil mantinha uma estreita relago com Portugal, seu antigo colonizador. Um os iltimos impérios coloniais, Portugal estava isolado na ONU em virtude de sua teimosia em defender 0 que restava de suas possessdes coloniais na Africa. Um grupo emergente de ages recém-independentes Iutava contra o colonialismo, extraindo dessa luta um elemento de unio para se opor a supremacia global do Ocidente. A defesa do colonialismo portugués francés trouxe para a diplomacia brasileira muitos inimigos entre essas nagbes de ‘emancipagio recente. Janio Quadros, 0 novo presidente eleito no final de 1960, era um politico self made, jovem ¢ singular. Passar de prefeito de Sao Paulo a govemador do estado ¢ a presidente da Repiblica, numa carreira mete6rica, significou realmente uma faganha para um politico que no tinha ligago com qualquer dos trés principais partidos nacionais do pis-45. Embora independente, Jnio foi eleito com o apoio da conservadora UDN numa época em que o complexo sistema eleitoral brasileiro desvinculava a eleigdo do presidente da do vice-presidente da Repiblica. O vice-presidente eleito foi assim Joo Goulart, herdeiro de ‘Vargas e candidato do PTB, & frente de uma coalizio de centro-esquerda. Este detalhe € importante, pois Jénio renunciou apenas seis meses apés tomar posse, abrindo uma profunda crise politico-institucional que em dltima insténcia s6 foi resolvida trés anos depois, com 0 golpe militar de margo de 1964. Ainda assim, os seis meses de govemno Jinio foram suficientes para que o Brasil procurasse_adotar uma nova conduta em suas relagbes exteriores. Jénio e seu chanceler, Afonso Arinos de Melo Franco,” tiveram relativo éxito no estabelecimento de um novo ‘conjunto de idéias no campo da politica extema, Essas idéias diferiam, sob aspectos ‘importantes, do padrdo anterior de apoio automético is politicas ocidentais nos organismos ‘multilaterais. Em primeiro Tugar, eles tornaram as relagSes intemacionais e a politica extema ‘um assunto piblico, muito mais debatido do que era antes. Esta foi uma iniciativa importante ‘num pais que até entio considerava essas quesides assunto de exclusiva competéncia de diplomatas profissionais."" * Uma anilise interessante, que coloca a politica extema independente em um contexto histérico mais amplo, esté em E. Bradford Bums, "Tradition and variation in Brazilian foreign policy", Journal of Interamerican ‘Saudies, vol 9, abr. 1967, p. 195-212. 1© Fitho de familia importante tanto do ponto de vita politico como intelectual, Afonso Arinos, embora no fesse diplomata de carrera, tinba experiéncia de relagdes exteriors por tertrabalhado com seu pai, Afrinio de Melo Franco, antigo representante brasileiro na Liga das NagOes, responsive, ali, pela execuglo da decisto do Brasil de se retirar da Liga em 1926. Ver E. Bradford Bums, "As relagSes intemmacionais do Brasil durante 2 Primeira Repablica”, em Boris Fausto (org), Historia geral da civilizardo brasileira, O Brasil republicano, t. 3, vol. 2 (Sto Paulo, Difel, 1977), p. 375-400. Uma das mais completas anilises até hoje realizadas sobre a politica externa independente é a de Keith Larry ‘Storrs em Brazil's indeperzdent foreign policy, 1961-1964: background, tenets linkage to domestic politics and ‘aftermath (Corell University, Latin American Studies Program, Dissertation Series n* 44, jn. 1973). Em seu trabalho, uiizando 0 conceto de linkage de James Rosenau, Storrs analisa a politica extema do periodo como 0 resultado da rigidez do sistema politico brasileiro. Nesse sistema, a politica externa ter-se-ia tornado a imica érea ‘em que era possivel tentar uma postura reformista. Mesmo no concordando inteiramente com os fundamentos ‘eéricos de Stor, é fundamental ter em mente as complexidades da politica interna brasileira a0 se analisar 0s limites de sua politica extema. Uma descrigSo breve e itil esta em Victor Vallis, "Brazil's experiment with an Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6,n. 12, 1993, p. 191-209. 3 Em segundo lugar, como lider carismético e pessoalmente instével, Jinio usou o debate interno sobre sua nova politica extema para buscar apoio para seu estilo de governo. Procurou_acentuar_o_perfil_intermacional_do Brasil, em evidente contraste com a tradicionalmente cautelosa e discreta diplomacia brasileira, e nesse processo o papel de Afonso Arinos foi muito importante. Como intelectual de prestigio e politico da conservadora UDN, o chanceler deu substdncia e racionalidade a uma vaga idéia presidencial de expandir as relagées internacionais do Brasil.” ‘As prineipais linhas da nova politica extema foram resumidas pelo embaixador Araijo Castro, o_iiltimo_chanceler_antes do golpe militar de 1964, na formula “wés Ds": desenvolvimento, desarmamento e descolonizagio.”” O desenvolvimento havia muito era um dos temas da diplomacia brasileira. De fato, a lita por uma prosperidade nos moldes ocidentais havia sido a principal "rationale" a guiar a politica externa do pais. Sua tiltima ‘manifestagio importante fora a tentativa de um programa de desenvolvimento conjunto interamericano como a OPA de Kubitschek As mudangas jntroduzidas por Afonso Arinos referiam-se aos meios de se alcancar o desenvolvimento, mais rapidamente, com uma postura ‘mais agressiva na conquista de mercados externos € na expansSo das relagdes comerciais, Além disso, 0 Itamarati queria uma diplomacia mais ativa em termos de luta por vantagens comerciais. Junto com outras nagdes que se queixavam do aviltamento do prego de suas matérias-primas, o Brasil forgou uma reformulagd0 do comércio mundial, como forma de «rar uma ondem global ms justa,"* Depois de dévadas de dependéncia bésica dos Estados Unidos como principal mercado suas matérias-primas, 0 novo governo u_restabelecer rel miticas ¢ ‘comerciais com todos os paises onde novos mercados fossem capazes de absorver os produtos brasileiros, especialmente no bloco socialista_e no Terceito Mundo. Assim, 0 Brasil restabeleceu relagdes diplomaticas com a Unido Soviética em novembro de 1961. Pretendew também redescobrir suas relagdes passadas com a Africa negra, que haviam sido bastante significativas nos tempos coloniais.'? Em conseqiéncia, o Itamarati fez um esforco diplomético para vender uma imagem de nagdo semidesenvolvida, defendendo os direitos comerciais das novas nagdes africanas € asiéticas. A politica de expandir_as_relacdes diplométicas e comerciais foi julgada mais realista para os interesses nacionais. Qualquer oportunidade de criar novos mercados para os produtos brasileiros tinha de ser aproveivada, independentemente do regime politico do pais, de sua localizagdo geografica ou de seu lugar na hierarquia internacional de riqueza e poder. foreign policy”, em Yale H. Ferguson (org.), Contemporary Interamerican relarions (New York, Prentice-Hall, 1972). " (inda assim Jénio pretendeu mostrar que ele proprio havia sido o principal inspirador da nova politica. Sua 4efesa da rationale subjacente & politica externa independente esti em Jénio Quadros, "Brazil's new foreign policy", Foreign Afairs, vol40, n® 1, out. 1961, p. 19-27, artigo na verdade redigido pelos joralists Carlos Castelo Branco e Otto Lara Resende. © Ver J.A. de Araijo Castro, "Desarmamento, descolonizagio ¢ desenvolvimento", em Araijo Castro, org. de Rodrigo Amado (Brasilia, Editora da UnB, 1982). Ver também Stors, op. cit, p. 278. ° Para a erica brasileira 8 uma ordem econémica internacional irjusta, ver 0 discurso pronunciado por Araijo Castro em agosto de 1963: "O novo chanceler ressalta a participaglo do pais no sistema interamericano”, O Estado de S Paulo, 24 de agosto de 1963. Para uma defesa da politica externa independente nesses termos, Vet José Honério Rodrigues, Interesse nacional e politica externa (Rio de Janeiro, Civilizagdo Brasileira, 1966), ‘especialmente p. 186-193. "José Honério Rodrigues esereveu extensamente sobre as relagBes coloniais do Brasil com a Aftica negra como uma tradigio a ser cultivada nos tempos modernos. Ver, do autor, Brasil e Africa: ouiro horizonte (Rio de Janeiro, Civilizagdo Brasileira, 1961). Estudos Histbricos, Rio de Janeiro, vol. 6, . 12, 1993, p. 191-209. joan 6 Os dois ones nontos_prinipais_desia_nova_postur_d¢_pottice_extema 0. desarmamento ¢ a descolonizacao - eram novos na diplomacia brasileira. A posigio a favor da” scolonizas fesentou uma séria guinada em relag4o & politica anterior de apoio aos interesses europeus, especialmente portugueses e franceses, em seus choques politicos e iplométicos com os movimentos anticolonialistas. A influéncia do lobby portugués sobre 0 proceso decisdrio brasileiro na politica externa foi poderosa, ligada como estava a um compromisso histérico de apoio aos interesses globais da "mée-pétria’.'° As relagdes culturais, assim como as econdmicas, também influiram no modo como o Itamarati apoiou a Franga na ONU em sua posigdo contra a independéncia da Argélia. Em conseqiéncia, o Brasil foi percebido pelos novos Estados africanos € asiaticos, assim como pelo bloco socialista, como um membro préximo e Teal do bloco ocidental. Para conquistar novos mercados estabelecer relagdes comerciais e politicas estreitas com esse grupo de nacdes, o Brasil teve de abandonar_velhas Tealdades que no mais eram compativeis com suas novas metas ¢ ambigbes. © desarmamento era 0 terceiro grande tema da nova politica externa, Na verdade, 0 desarmamento vinha_sendo um objetivo clissico das nagdes fracas, situadas fora_dos git ‘principais centros de poder e prestigio internacional. O Brasil, ao lado das outras repiblicas \y neal latino-americanas, ndo era uma excecSo a regra. Utilizando um discurso de politica extema baseado em sua alegada tradigo pacifica em negécios exteriores dentro de uma regido arlicularmente pacifica do mundo, o Brasil, junto com seus vizinhos, pretendia construir um ‘Mecanismo que permitisse o desarmamento e o controle de armamer iio. Entretanto, a Intengfo era ligar essas medidas regionais As medidas globais de controle de armamentos, de modo a avangar rumo a um “desarmamento geral e completo”."” A vinculago entre o controle de armamentos e o desarmamento regional, de um lado, e as medidas globais, de outro, mantinha uma tradigao que vinha desde a participagdo do Brasil na Liga das Nagdes. Tradicionalmente o Itamarati sempre frisou que cabia as grandes poténcias do momento conduzir negociagBes responsiveis e efetivas para o controle de armamentos © 0 desarmamento. ‘Na linguagem diplomatica da época, o "desarmamento geral e completo" significava 0 desarmamento tanto convencional_como nuclear dos dois _blocos _liderados _pelas ‘Superpoténcias. Isto era parte das reivindicagdes de que menos recursos fossem gas‘7s com ‘armamentos para que, assim liberados, pudessem ser _aplicados em programas _de desenvolvimento. Mas a impoténcia de uma nago como o Brasil nas relagdes internacionais resultou apenas em reivindicagdes simbélicas de mais recursos para uso civil. A vinculagao ‘desarmamento-desenvolvimento foi usada ao longo da década de 1950 em varias reunides da ‘ONU sem qualquer resultado concreto. Além disso, o apelo em prol de um "desarmamento geral e completo" estava claramente ligado 4 rivalidade da guerra fria, ¢ tomava-se um argumento desacreditado devido a sua repeti¢ao constante pelo bloco soviético. ™ Ver Leticia Pinheiro, "Brasil, Portugal e descolonizagdo africana", Contexto Internacional, n° 9, jan-jun 1989, 91-112. Fm bom resumo dos eforys feitos por virias mages latno-americanas no final da década de 1950 inicio. dos anos 60 para estabelecer um controle de armamentos regional esti em Hugh B. Stinson James D. Cochrane, "The movement for regional arms control in Latin America", Journal 0 f Interamerican Studies and World Af fairs, vol. 13, jan 1971, p. 1-17. Os autores descrevem a proposta da Costa Rica em 1957 de reduzir os ‘gastos militares na regio, a proposia do Chile em 1959 de suspender a compra de armas ofensivas ¢ @ ‘declarago liderada pelo Brasil em 1963 em favor do estabelecimento de uma Zona Livre de Armas Nucleares ‘na América Latina, Para uma andlise mais recentc, ver Maria Eliana Castillo R., Contro! de armamentos: el caso {atinoamericano (Santiago, Flacso, Contribuiciones n° 31, 1985). Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, ol. 6,n. 12, 1993, p. 191-209. 7 A vinoulagdo estabelecida entre gastos com armamento ¢ falta de recursos para o desenvolvimento - uma vinculardo que as nagdes pobres desejavam explorar em todos os debates sobre o desarmamento - tomou-se altamente politizada. Ainda assim, enfatizar essa io solicitar recursos era tudo o que o Brasil podia fazer. Dai os esforgos que dispendeu para participar mais efetivamente das negociagdes para o desarmamento € 0 controle de armamentos. Essa participago era percebida como uma forma de aumentar a capacidade do pais de influir nos resultados ¢ desse modo reforgar seu perfil internacional. No entanto, para ser capaz de influir nos resultados de uma discussdo global tio complexa, o Brasil teve de adquirir conhecimento e experiéncia nessas questdes. Uma politica de controle de armamentos ¢ desarmamento Apés insistir por décadas em uma postura ineficaz, 0 acontecimento que deu novo impeto 4 busca do Brasil de um papel internacional mais preeminente foi sua incluséo no jomité de Desarmamento das Nacdes Unidas. O Brasil foi um dos oito novos membros, representantes das nagdes no-alinhadas, incorporados ao Comité de Desarmamento das Dez ‘Nagdes da ONU, que se tornou o Comité de Desarmamento das Dezoito Nagdes da ONU (ENDC)."* Essa incorporagao procurava resolver o impasse em que se encontravam os ‘processos de negociago de um comité de dez membros irmamente distribuidos entre os locos ocidental ¢ socialista. E de fato introduziu novas vozes num organismo altamente polarizado e paralisado por discussdes e disputas infindaveis.'? ‘A despeito do impasse que permeava o trabalho do ENDC, especialmente em relagto 4 discussio de um Tratado de Proibigio Completa de Tester, Nucleares, o Brasil foi para Genebra bem-preparado ¢ com sérias intengdes. Seu objetivo era usar o encontro para reforcar ‘sua_imagem _de_responsabilidade_em_questdes_internacionais. Foram enviados como delegados diplomatas importantes ¢ figuras publicas respeitadas.” Ao lado das outras sete nagdes nio-alinhadas, o Brasil mediou um compromisso entre os dois blocos. A questo mais relevante entio discutida foi a de como controlar, ¢ possiveimente proibir, testes nucleares na atmosfera.” O yento itado_pelas oito_n: romper_0 ii negociagdes Toi_a possibilidade de se formar um corpo independente de zis monitorar os testes. Este seria um passo importante no proceso de construgdo de confianga entre os dois blocos até ali irreconcilidveis. Os argumentos técnicos \tra_a poluicdo da_atmosfera_e_os_argumentos econdmicos usados cor i af "0s cites novos membros eram Brasil, Burma, Eti6pia, india, México, Nigéria, Suécia e a Repiblica Arbe Unida. ' Relatos interessantes dos trabalhos do ENDC por dois de seus antigos membros estio em Alva Myrdal, The game of disarmarment: how Ihe United States and Russia run the arms race (New York, Pantheon Books, 1982) fe Afonso Arinos de Melo Franco, Planalto (Rio de Janeiro, José Olympio, 1968). 29 sti pelo menos uma década 0 Brasil tem estado na dianteira dos esforeos para estabelecer limitago das ‘armas nucleares. E impossivel, por exemplo, estudar a histéria ¢ as deliberagdes da Conferéncia de Desarmamento das Dezoito Nag8es, patrocinada pela ONU, da Comissio de Desnuclearizago da América Latina e da Conferéacia dos Estados Nao-Nucleares de 1968 sem levar em conta a competénciae a diplomacia assertiva do Brasil nessas questdes.” H. Jon Rozenbaum e Glenn M. Cooper, "Brazil and the Nuclear Non-Proliferation Treaty”, International Afairs, vol. 46, n° 1, jan 1970, p. 74. 2" Como, por exemplo, Afonso Arinos de Melo Franco e San Tiago Dantas, politico e jurista de prestigio € futuro ministo das RelagBes Exteriores. #0 trabalho mais completo sobre o Tratado é o de Glenn T. Seaborg, Kennedy, Kruschev, and the Test Ban (Berkeley, University of California Press, 1981). Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1998, p. 191-208. armamentista por meio de novos testes estavam intrinsecamente ligados ao argumento em favor da liberagdo de recursos para o desenvolvimento. A amenizagio do clima politico internacional era vista como outro efeito colateral desejavel de um Tratado de Proibigdo de Testes Nucleares. Esse elemento de deténte, rosseguiam seus defensores, leria permitir uma cruzada conjunta contra a pobreza ¢ o subdesenvolvimento. No ENDC, a questio do desarmamento era percebida pelas nagdes. nio-alinhadas como vinculada 4 questio do desenvolvimento. Como paises situados na periferia dos principais conflitos em tomo do poder e do prestigio mundiais, as oito nacdes combinavam aspectos técnicos, morais e econédmicos, usando a tribuna da ONU como um instrumento para alertar a opinido publica mundial para seu drama nacional, O papel do Brasil no ENDC foi utilizado dentro do pais como um exemplo de seu novo status intemacional. Foi descrito como uma vitoria da sua di inal do seu pprestigio intemacional.” Mais importante, talvez, tenha sido 0 fato de que os delegados brasileiros, assim como os mexicanos (0 México era o outro membro latino-americano do ENDC), descobriram 0 apelo da questio do desarmamento para os piblicos interno e regional, Esta era uma questo que podia ser galvanizada por problemas como a pobreza ¢ a injustiga, o que colocaria esses problemas no centro da agenda nacional e internacional. Nesse sentido, a relagio entre desarmamento e desenvolvimento pode muito bem ser entendida como um antecedente das discussdes subseqilentes sobre uma nova ordem econdmica internacional. Paralelamente aos esforgos para vincular desarmamento desenvolvimento, os debates sobre medidas de controle de armamento inclufam a criag3o de Zonas Livres de Armas Nucleares (NWEZ) como uma forma de aumentar a seguranga nacional, regional ou global. Em conseqiiéncia dos testes nucleares franceses no deserto do Saara no inicio dos anos 60, as nagdes africanas levaram o assunto a atengdo da Assembléia Geral da ONU em 1961. Protestando contra o uso do territério africano pela Franga para um teste nuclear, de conseqiiéncias desconhecidas para a populagao do norte da Africa, elas também levaram a questio ao ENDC. Com o apoio da maioria do mundo subdesenvolvido, a idéia de tornar todo © continente africano uma NWFZ foi aprovada.”* ‘Na verdade, a nogdo de uma NWFZ jd tinha um precedente bem-sucedido: o Tratado da Antértida de 1959 que, entre outras disposigées, proibia 0 uso do so!» do_continente antértico para o fabrico, depdsito, teste ou transporte de qualquer tipo de material nuclear, e principalmente de armas nucleares. Por ser despovoada e indspita, a Antirtida era certamente ‘uma regido mais fécil de inspirar uma politica comum de proibigdo de testes nucleares do que um continente complexo como a Africa. Além disso, 0 Tratado da Antirtida foi elaborado a partir de motivagdes cientificas. Era um acordo entre nagbes interessadas na preservagdo de seus vastos e inexplorados recursos. Por isso mesmo, ndo poderia ser tomado como modelo para qualquer outra NWFZ no mundo habitado.”* A resisténcia das poténcias nucleares a idéia de uma NWEZ africana, assim como a um Tratado de Proibigdo Completa de Testes ® Um dos discursos da delegac&o ao ENDC, que causou consideravel impacto na época, foi o pronunciado por San Tiago Dantas exnmaryo de 1962, O texto fi inluido em seu livro Poltica externa independent (Rio de Jncivo,Civilizagio Brasileira, 1962). * & Repiblica ‘Unida, por exemplo, foi uma defensora pertinaz da proposta de Gana a0 ENDC de uma INWFZ aficana, Ver Myrdal, op. cit, . 202 2 © artigo V do Tratado da Antdrtida diz o seguinte: "I. Devem ser proibidas explos6es nucleares na Antértida, bem como depésito de ixoradioativo.” Em Arms control and disarmarment agreement: texts and histories of negotiations (Washington D.C., United States Arms Control and Disarmament Agency, 1982 ed.), p. 23. Estudos Histiricos, Rio de Janeiro, vo. 6, . 12, 1993, p. 191-208. 9 Nucleares, ensinou a delegagdo brasileira as complexidades das negociagdes para o desarmamento ¢ 0 controle de armamentos.”* A partir de uma original sugestdo brasileira, o subcomité do ENDC responsavel pelo estudo € a negociagao da questio dos testas nucleares subterrneos concordou em aceitar um ‘ratado de proibigao parcial. O subcomité, integrado pelos Estados Unidos, a Unido Soviética 0 Reino Unido, estava num impasse sobre como impor uma proibigao total dos testes. Em ‘margo de 1962 0 Brasil ofereceu a idéia, reforeada em julho e agosto, de que se poderia faze tum tratado parcial de proibiedo dos testes nucleares na atmosfera, adiando-se a tarefa mais complexa de elaborar um tratado de proibicdo total. Em agosto, trés delegados do subcomité acharam a idéia conveniente, o que levou a0 inicio das negociagBes em Moscou e, apés algum tempo, a concluséo do Tratado de Proibigao Parcial de Testes Nucleares na Atmosfera, no Espago e debaixo d'Agua.”” A sugestdo brasileira coadunava-se com o papel mediador desempenhado pelas oito nagdes ndo-alinhadas, Foi vista como uma medida parcial destinada a trazer confianca para Tlagdes incapazes de concordar com uma proibigdo total dos testes. Mas, como deixava entrever 0 discurso de Araijo Castro na Assembléia Geral em 1963, o Brasil, assim como os ‘outros sete membros ndo-alinhados, ficou desapontado com o ritmo das negociagdes. Aratijo Castro criticou as titicas empregadas pelas trés nagdes. Ao transferir para Moscou a fase final ‘Ga negoci ‘sobre o Tratado de Proibic&o Parcial de Tes luck ” impediram maior participacio dos outros membros. 0 chanceler brasileiro também lamentou que a conclusio de um tratado fosse algo tio pequeno apés tantos anos de negociagdes para 0 desarmamento, em suas palavras "o assunto mais importante para a comunidade mundial".”* {A fora as questdes programéticas descritas como os "trés Ds", a questo que dominow as relagdes interamericanas, devido 4 complexidade e a gravidade dos problemas envolvidos, foi_a resposta ao desafio levantado pela Revol ‘Aqui, as novas Tinhas de pensamento do Itamerati ¢ as prioridades da politica externa também puderam ser testadas. ‘No 4mago da questo cubana estava o problema da relago com a comunidade das nagdes americanas e, especialmente, da relago com os Estados Unidos. A politica em relacdo a Cuba revoluciondria Unidas seus planos de tornar toda a Aftica uma Zona Livre de Armas Nucleares. Esse plano recebeu a saprovagdo de toda a comunidade mundial. Isso aconteceu em 1961, ano em que a Franca bavia explodido um artefato nuclear no Saara e em que o Pano Unden foi apresentado & Assembléia Geral. Desde entio tem figurado ‘nos anais da ONU um plano para fazer da Africa uma Zona Livre de Armas Nucleares. E 0 caso de perguntat or auc, desde ett, tem-s feito to poucos progress.” Myrdal, op cit, p- 202. "Ver United States Arms Control and Disarmament Agency, op. cit, p-34-47. Como observou Glenn Seaborg. "Se tudo o que atrapathava o caminho de um tratado de proibic4o de testes mais abrangente era a verificacio, 0 rministro das Relagdes Exteriores do Brasil, Jofo Augusto de Araijo Casto, tinha uma sugestio. Ele propés & ‘Assembla Geral uma abordagem gradual, comesando pela proibigdo dos testes subterrineos ja verificéveis por meios téenicos nacionais (monitoramento sismico, reconhecimento por satélite, e outros meios de obter informagdo sem uma inspepo in loco). O patamar seria entio progressivamente reduzido, na medida em que ‘corressem progressos nas técnicas de verificaszo.” Ver Glean T Seaborg e Benjamin S. Loeb, Stemming the tide: arms control in he Johnson years (Lexington, Lexington Books, 1987), p. 213. 2 Ver Araiijo Castro, op. cit, p- 28-32. Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6m. 12, 1993, p. 191-209. 10 A Revolugdo Cubana teve um impacto tremendo sobre as relagdes interamericanas.”” Ela foi diferente das tentativas anteriores de mudar a maneira tradicional de as nagbes Jatino-americanas se relacionarem com Washington. As tentativas reformistas de mudar a estrutura oligérquica haviam esbarrado, no tempo da guerra Washington, como foi o caso da Guatemala em 1954. Ao contrario, a lideranga revolucionéria cubana foi capaz de sobreviver a0 isolamento diplomético e econdmico imposto por Washington. Ela também sobreviveu a uma tentativa abortada de depor 0 governo tevolucionario, no episédio da Baia dos Porcos, em abril de 1961, quando cerca de 1.400 eubanos exilados,treinados ¢ armados pelos Estados Unidos tentaram desembarcarem Playa Giron.’ A novidade da revolugdo residia no desafio 4 indisputada supremacia americana nos negécios do _continente, reforgada nos anos da guerra fria, ¢ no apclo de sua_mensagem Tevoluciondria para as massas empobrecidas em toda a América Latina. No inicio dos anos 60 ‘© caso cubano tornou-se a mais importante questo politica ¢ diplomatica no hemisfério."' Atraiu também a atengao de politicos e intelectuais de todas as filiagdes. Como conseqiiéncia a polarizagio politica, colocou-se a questio fundamental de qual seria a melhor politica a ser adotada pela "famflia americana de nagBes" em relaglo ao governo revolucionério. Deveria ‘ser uma politica articulada para expulsar Havana do sistema interamericano? Seria o regime de Havana incompativel com o sistema interamericano? A resposta a essas questdes refletia uma profunda divisto dentro do sistema interamericano. Q apelo romantico ¢ popular da revolugdo junto aos sindicatos, estudantes, partidos de esquerda_¢ associagbes_de classe média significava que eles endossavam entusiasticamente a mensagem revoluciondria. Grupos conservadores e _liberais, especialmente as associagdes empresariais, a Igreja catdlica e a imprensa liberal ¢ conservadora colocavam-se apaixonadamente contra. Grande parte da classe média, inicialmente simpética & natureza romantica da revolugdo ¢ a seus principios igualitirios, voltou-se decididamente contra ela apés o alinhamento aberto de Fidel Castro 4 Unido Sovittica. Em termos de paises, as pequenas e instveis repiblicas da América Central foram as ‘que mais vociferaram contra a revolucdo, chegando a pedir uma interven¢3o militar para depor Castro. Por razdes tanto geogrificas como politicas, essas repiblicas da América Central sentiram-se seriamente ameasadas pelo exemplo cubano de uma doutrina insurrecional que alcangara éxito. Por outro lado, as repiblicas mais estaveis e economicamente fortes, como Argentina, Brasil_e México, de inicio _tiveram_uma_postura_mais_moderada_diante_do_apelo_ evolucionério, confiando na sobrevivéacia de seus sistemas politicos mais sélidos. Em ‘termos de relagdes interamericanas, a questo mais relevante em pauta era a possibilidade de coexisténcia entre duas ideologias sociais ¢ politicas diversas dentro dos mesmos limites de ‘organizacio hemisférica. A ndo-interven¢ao nos problemas internos das repiblicas estava Uma avaliasdo de época encontra-se em Boris Goldemberg, The Cuban Revolution and Latin America (New York, Frederick A. Praeger, 1965) 2 A melhor anise feta até hoje sobre a relagHo entre Washington e Havana em seguida a revolugdo & a de Richard E. Welch Jr, Response to revolution: the United States and the Cuban revolution, 1959-1967 (Chapel Hill, University of South Carolina Press, 1985). 31 Ver Joseph S. Tulchin, "The United States and Latin America inthe 1960's", Jounal of Interamerican Studies and World Affairs, vol. 30, n° 1, spring 1988, p. 1-36, ¢ Alan H. Luxenberg, ‘Did Eisenhower push Casto into the arms of the Soviets?", Journal of Interamerican Studies and World Affairs, vol. 30, n° 1, spring 1988, p. 37. Estudos Histbricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209. prevista na Carta da OEA, embora fosse uma realidade relativamente nova nas relagdes interamericanas, influenciada pela "politica de boa vizinhanga” de Roosevelt. A flexibilidade da Carta da OEA para lidar com esse tipo de situagdo politica foi seriamente testada pelo desafio langado por Havana aos principios da democracia representativa ao se declarar um pais comunista, ‘A aceitagio de um aliado sovigtico declarado no sistema politico-militar, contradizendo os chamados padrées estabelecidos de evolugdo histérica nas Américas, era uma questo muito complexa. No imediato pés-guerra, a construedo do sistema de seguranca interamericano, através do Pacto do Rio de 1947 e da Carta da Organizacao dos Estados Americanos em 1948, se fez sobre a_promessa_de_garantia_a_governos_pluralista representativos ¢ livremente eleitos. O problema era que a exigéncia de que se respeitassem regimes representativos foi incluida como um compromisso moral, como uma intencio de defender os valores ocideniais e de avangar rumo ao que se considerava ser a maturidade politica, Ndo havia mecanismos de imposigdo ou de san; principio legal ¢ politico de nio-interferéncia nos assuntos internos dos Estados membros.’ ‘Embora o sistema interamericano inclufsse artigos que defendiam a soberania absoluta € proibiam a intervengao nos assuntos internos de outras nagdes, uma instabilidade politica endémica ¢ intervengdes militares externas eram tragos caracteristicos de muitas repiiblicas da América Central e do Caribe. A preservago de instituigSes democrticas liberais sempre foi uma questio politica de grande importincia no hemisfério. No contexto da guerra fria, a reivindicago de que fossem respeitados os governos representativos foi usada como defesa de qualquer ordem social que fosse nominalmente liberal, ou seja, pré-Ocidente. Em nome da defesa contra a insurreigio ¢ as ideologias de inspiragio externa, governos autoritérios ¢ Tepressivos chegaram ao poder e foram aceilos pelo sistema interamericano como excegdes _tempordrias, necessérias a luta contra um inimigo resiliente e destrutivo, a saber, 0 ‘comunismo internacional. ‘De fato, a Resolugdo de Caracas de 1954 condenou o comunismo como incompativel com o sistema interamericano.”’ O sucesso da Revolugdo Cubana ¢ a transformago de uma doutrina insurgente em uma ideologia oficial com apoio soviético declarado significaram que a coexisténcia de Havana dentro do sistema interamericano tomava-se problemética. As virias explicages para a alianga de Cuba com Moscou sv demasiado complexas para serem tratadas aqui em detathe.™* Entretanto, as explicagdes que combinam interesses, percepgdes € atitudes relativas 4 seguranga nacional tanto em Havana como em Washington parecem estar ‘mais préximas da realidade do que aquelas que levam em considerago apenas um fator. Uma_ complicada série de ages ¢ reagdes, na qual a apropriagdo feita por Havana de propriedades americanas, o bloqueio comercial de Washington ¢ o fracasso da tentativa da Bala dos Porcos 0 0 fatos mais importantes, levou com o tempo a um ponto de irremediavel ruptura. ‘Desde o comeco do conflito cubano-americano o Brasil tentou servir de mediador.” A politica externa de Juscelino Kubitschek pretendeu manter Cuba dentro da "familia americana % Uma andlise das ambiglidades da postura de Washington em relago 20s principios da Organizagdo dos Estados Americanos pode ser encontrada em Jerome Slater, The OAS and the United States foreign policy (Columbus, Ohio Univesity Pres, 1967). ‘Ver John-Lloyd Mechann, The United States and Interamerican security, 1889-1960 (Austin, University of Texas Press, 1961). Ver Jacques Levesque, L’URSS ef la Révolution Cubaine (Montréal, Presses de La Fondation de Science Politique et Presses de Université de Montréal, 1977) ¢ Luxenberg, art. cit. »* Um relato do papel mediador do Brasil pode ser encontrado em H. Jon Rozenbaum, "Brazit's foreign policy ‘and Cubs", Interamerican Economic Affairs, vol. 23, n° 23, winter 1969, p. 25-45. Ver também Storrs, op. cit. Estudos Histéricos, Rode Janciro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209. oth aim 2 de_nagdes", procurando evitar_conflitos entre os membros do_hemisfério ocidental. Na tradicdo do Itamarati, uma solugao legal e capaz de evitar conflitos sempre foi considerada 0 melhor caminho para resolver choques de interesses. Preservar a integridade territorial de Cuba ¢ manter abertos possiveis canais de comunicago entre os contendores cram os principais objetivos dessa mediacao. A politica externa independente pretendeu continuar e talvez até ampliar a politica anterior, Entre suas principais_metas, enfatizadas em varias ovasibes por altas autoridades do governo, figurava 0 respeito 4 autodeterminacZo. Brasilia também acreditava que estava no direito de cada membro do sistema_interameri Politico. Por isso 0 esforgo do Brasil para servir de media dor entre Havana e Washington, iniciado assim que estes entraram em choque, pouco depois da revolugo, encontrou no governo Janio Quadros um defensor ainda mais empenhado do direito de Cuba definir sua propria agenda politica, econdmica e social, sem risco de ser excluida do sistema interamericano. © que parecia ser um conflito em tomo da expropriagio de propriedades americanas ou dos niveis tradicionais de influéncia politica acabou por tomar-se um conflito mais profundo, de dimensbes giobais. Com a alianga gradual de Cuba e Moscou - que alids Fequereu uma grande mudanga nas concepedes de Moscou sobre a revolugiio em paises subdesenvolvidos -, to i i formou-se num confronto Leste-Oeste. rompimento de relagdes diplomaticas de Washington com Havana, em janeiro de 1961, também contribuiu para que 0 conflito fosse internacionalizado e misturado A diplomacia da guerra fri Itamarati entendeu a tentativa americana de depor Fidel Castro, na invasio da Baia dos Pofeos, como un sal de que Wastin etava proses a reaovar Seu padi anterior de intervencGo nos assuntas internos da América Latina.” A partir dai os esforgos do Brasil para servir de mediador, utilizando o aparato legal do sistema interamericano, visaram a impedir os Estados Unidos de pdr em pratica sua intengdo de expulsar Cuba do sistema. Na visio do Itamarati, a expulsdo significaria o isolamento regional de Havana e conseailentemente o ‘aprofundamento de sua alianga com o Kremlin, Esse tipo de visio provocou criticas vociferantes dentro do Brasil, oriundas de setores que defendiam a postura de Washington diante de Cuba. No Congresso Nacional, as criticas eram_emitidas pelos grupos conservadores e de centro, unidos contra qualquer apoio a lianga com Washington como a tradigio fundamental da politica % Como observou Tinio Quadros: "Ao defendermos com intransigéacia a soberania de Cuba. contra interpretagbes de um fato histrico que no pode ser controlado a posteriori acreditamos estar ajudando a despertar no continente a verdadeira conscitacia de sua responsabilidade.” Janio Quadros, op. cit, p. 24. Em iscurso durante sua campanha para presidente, Janio destacou: "Vejo em Cuba a aspiragdo justa e vigorosa de tum povo em busca da emancipago social e politica... Cuba nilo requer pressDes, nem se jutificam sangdes de qualquer tipo. Cubs requer compreensio. Deviamos tomar cuidado paranlo puni-la, mas ajudé-la. Persegut-la ‘no continente seré necessariamente compeli-a a buscar ajuda e seguranga fora do hemisfério.” Citado por Storrs, cit, p. 310. SFiS declaasdo do presidente Sinio Quadros diz 0 seguine:"O Brasil reiterando su inabalivel deci de defender neste continente e no mundo os prinefpios de autodetermina¢So dos povos e abeoluto respeito pela soberania das nagSes, manifesta sua mais profunda apreeasio diante dos acontecimentos que esto ocorrendo em Cuba. © ministro das Relagdes Exteriores enviow instrugSes urgentes as nossas missBes_ diplomaticas solicitando-Ihes que obtenham informagSes detalhadss sobre esses acontecimentos." Citado em Stors, op. p.313. Estudos Histbricas, Rio de Janeiro, vol. 6,n. 12, 1993, p. 191-209. B de Jinio Quadras, apés apenas seis meses de governo, eriou jonal. Uma coalizao de forcas civis e militares foi formada para impedir 0 vice-presidente eleito, Joao Goulart, de tomar posse. A principal acusagio contra 0 novo presidente Goulart era de que sua atividade pregressa tinha sido muito prdxima dos sindicatos de trabalhadores © da esquerda. Chegou-se afinal a uma solugo temporéria, que consistiu em transformar o sistema politico, de presidencial, em parlamentar, Com isso o presidente perdeu poderes constitucionais ¢ foi forcado a dividir funcdes executivas com o Congresso. Foi nomeado primeiro-ministro Tancredo Neves, respeitado politico moderado que formou um ‘gabinete_de_coaliz4o. Tancredo nomeou um politico influente, intelectual de esquerda moderada, para o Ministério das Relagdes Exteriores. O novo chanceler, San Tiago Dantas, manteve aquela o que vinha sendo a posi¢ao do Itamarati desde 0 govemo Janio Quadro: Gesafiando a _legitimidade da tentativa de expulsar Cuba da Organizacio dos Estados Americanos ¢ organismos afins. O locus da busca de uma série adequada de medidas a serem tomadas contra Cuba através da ago coordenada das repiblicas americanas foi uma reuniéo de chanceleres americans realizada em Punta del Este, no Uruguai, em 1962."* O Brasil levou para Punta del Este sua politica favordvel itodeterminacao. Dando pros: jimento a posigao de ‘Afonso Arinos, San Tiago Dantas foi para o encontro preparado para resistir a qualquer esforgo coordenado para expulsar Cuba do sistema americano. Com o apoio de varias outras napdes -Argentina, Chile, Bolivia, México, Uruguai e Equador -, 0 Brasil declarou que uma reunido de consulta no tinha poderes para resolver conflitos daquela proporso, San Tiago Dantas lutou em vo contra a expulsio de Cuba e, derrotado, absteve-se da votagio final. De volta ao Brasil, sob o fogo das criticas, San Tiago Dantas fez um discurso na televisdo explicando sua posie3o. Usando uma argumentagio legal contra a expulsio de Gaba, salientou a importancia de se manter relagdes abertas com Havana. Sublinhando o argumento de que Cuba estava se alinhando 4 Unido Soviética porque nfo havia outra altemnativa, defendeu a politica do Itamarati como a que oferecia uma altemativa possivel. Além disso, em uma discussto acalorada no Congresso, repetiu 0 mesmo argumento, enfatizando que as oliticas do Itamarati cram as melhores tanto em termos legais como politicos.” Embora o argumento de Dantas fosse bem-fundado, o sistema interamericano tinha tido varias experiéncias anteriores a reuniio de consulta de Punta del Este. Reunides para discutir como lidar com ameagas daquilo que era percebido como "tentativas totalitérias no hemisfério" ocorreram em Bogoté (1948), Washington (1951), Caracas (1954), Santiago (1959) e San José (1960). Esses encontros produziram declaragées explicitas contra a rejeigo * Ver Charles Fenwick, "The issue at Punta del Este: non-intervention vs collective security", American Journal of International Law, vo. 56,1? 2, abr 1962, p. 469-474 Na VIII Reunito de Consulta dos Chanceleres Americanos realizada em Punta del Este entre 22 ¢ 31 de Jjanciro de 1962, nove resolugies foram sprovadas. As mais importantes foram as seguintes: 1. defendia a uunidade do continente ¢ afirmava que os principios do comunismo eram incompativeis com o sistema interamericano: aprovada por 20 votos a 1 (Cuba); 6. excluia Cuba da participacio no sistema interamericano: sprovada por 14 votos contra 1 (Cuba) e 6 abstengdes (Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Equador e México); 8. criava uma suspensfo imediata do comércio de armas ¢ material bélico com Cuba e estudava a possbilidade de estender a proibiglo do comércio a outros itens: aprovada por 16 votos contra 1 (Cuba) e 4 abstengles (Brasil, Chile, Equador e México). Ver Gordon Conne!-Smith, The Interancerican system (Londres, Oxford University Press, 1966), p. 250-255, “A erties postura de San Tiago Dantas em Punta del Este ea toda a postura do tamarati em relagBo a questo {foi bem analisada por Storrs e Rozenbaum. O jomal conservador © Estado de S. Paulo foi 0 principal citico no Brasil da politica de San Tiago Dantas. Os principais discursos e debates do chanceler defendendo sua postura em Punta del Este estio em San Tiago Dantas, op. cit, p. 132-170. Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6,1. 12, 1993, p. 191-208. 4 deliberada de regimes representativos na América Latina por parte de qualquer membro do sistema interamericano. Assim, a convocagdo da VIII Reunido de Consulta dos Chanceleres das Repiblicas Americanas em Punta del Este, em janeiro de 1962, de acordo com as nagdes que a defendiam, tinha precedentes histéricos. E a razéo alegada para o encontro era o alinhamento explicito de Cuba a Moscou ¢ sua identificago formal, no discurso de Fidel Castro de dezembro de 1961 como um regime marxista-leninista.' A posicao brasileira sobre a validade de um encontro daquele tipo para discutir uma ‘Posigéo conjunta diante da op¢o comunista de Fidel Castro era diferente. O Brasil esteve Tepresentado em todos os encontros prévios mencionados, nos quais se discutiu o cardter ‘obrigatério do regime representativo para qualquer membro do sistema interamericano, Mas Brasilia usou em Punta del Este o argumento de que a Carta da OEA nio tinha um mecanismo judicial para expulsar um membro. Tampouco uma reunigo de chanceleres tinha o poder de ‘sancionar uma acdo de tal forma extrema. A rationale de San Tiago Dantas era a auséncia de qualquer precedente para a aplicagao da Carta de Bogota ou do Pacto do Rio a questdes de_ Politica interna. Seu argumento baseava-se na existéncia do artigo 15 da Carta da OBA, que proibia explicitamente a interferéncia em assuntos internos de qualquer Estado membro por outros membros dos organismos regionais. De fato, este ultimo ponto ja havia sido discutido em encontros anteriores, com referéncia 4 ocorréncia de varios golpes militares na regio. Na verdade, os proprios governos militares nio eram exatamente grandes respeitadores de instituigdes representativas, e parecia uma ironia apresentar este argumento em defesa da expulsio de Cuba. O Itamarati estava bastante consciente dessa situagdo, e decidiu defender 0 governo representative como uma regra geral para o hemisfério. Assim, San Tiago Dantas explicou a natureza do regime cubano usando esse mesmo argumento. J4 que os regimes militares autoritarios da regio eram vistos como portadores de solugGes provisérias para problemas internos, o regime cubano, argilia cle, poderia da mesma maneira ser reformado para se adequar a instituicBes representativas. ‘Na visio do Brasil, excluir uma _nag&o do sistema interamericano por qualquer que fosse a azo significaria_abrir_um_perigoso precedente. Significaria também, inevitavelmente, faciltar 0 caminho para um alinhamento mais estreito entre Havana ¢ Moscou. Esta era a esséncia da mensagem que San Tiago Dantas transmitiu aos embaixadores das repiblicas americanas em Brasilia poucus dias antes da reunido de Punta del Este.” O ‘objetivo do encontro com os embaixadores foi dar-Ihes tempo antes do inicio da reunitio de consulta. O encontro era visto como um meio de obter apoio para a dificil tarefa de persuadir alguns governos a negarem-se a apoiar a politica de Washington. Por trés da politica do Itamarati_havia_o receio de que Washington estivesse restaurando sua _velha_postura intervencionista ¢ tentando introduzir na regio o confronto da guerra fria. Mas além dos argumentos legais em defesa da autodeterminacao, havia também uma dimensio politica no papel do Itamarati. A busca de um papel mediador durante o conflito podia também ser entendida como um meio de defender a nova politica extema independente em relagio as repiiblicas de Tin hola, Desde 0 advento do gov. Tama procurva um ineio dplométco de cu. io no_hemisfério. Em * Os principais acontecimentos que levaram ao anincio piblico de Fidel Castro de que Cuba era uma naglo ‘conaunista foram of seguintes: em abril de 1961, no dia do choque aéreo que antecedeu a invasio da Baia dos orcas, ele proclamou que a revolusdo era socilista. No 1° de maio, reafirmou em seu discurso a natureza ‘socialista da revolugéo. Finalmente, em dezembro, fez um longo discurso na televisio expondo suas idéias sobre ‘anatureza marxista-leninista da revolupdo eo futuro de uma Cuba socialista. Ver Levesque, op. cit. © 0 encontro com os embaixadores ralizov-se no Palécio do Ttamarati em 12 de janeiro de 1962. 0 discurso de ‘San Tiago Dantas esté reproduzido em San Tiago Dantas, op. cit, p. 105-109. Estudos Histbricos, Ro de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-208. 1s Havana, o embaixador brasileiro Vasco Leitio da Cunha, perseguindo esse objetivo, mantinha estreitas relagdes pessoais com as liderangas cubanas.” Brasil pretendia desempenhar 0 papel de mediador para aumentar sua influéncia ¢ Prestigio na América espanhola. Procurar se dissociar de Washington era uma maneira de ser_ percebido como uma nagdo mais independente ¢ segura. Depois de resolver seu problema diplomético com Havana, ligado ao status dos refugiados politicos que procuravam asilo na cembaixada brasileira, Brasilia prometeu apoio econdmico a Cuba. Isto iria contrabalangar 0 tradicional papel dos Estados Unidos como principal parceiro econdmico de Cuba e 20 ‘mesmo tempo oferecer a Havana uma alternativa & alianga com o bloco soviético, ‘No entanto, o principal problema da intenedo de Brasilia de oferecer ajuda econdmica Cuba era a incapacidade de sua economia de transformar essas intengdes em fatos. Com uma economia mais competitiva do que complementar 4 cubana, o Brasil nio apresentava nem poderio industrial, nem incentives ao_comércio, nem capacidade_financeira_para substituir Washington. O desejo de ajudar Havana financeiramente, e de impedir Cuba de ‘buscar ajuda politica e econdmica em outros lugares, tomou-se uma pega de reiérica. Na verdade, Brasilia, assim como as outras replicas latino-americanas, estava_ansiosa por colaborar com Washington em um novo programa de assisténcia financeira e econdmica, na jinha demandado e desejado “Plano Marshall Latino-Americano". Portanto, Brasilia nfo pdde substituir os Estados Unidos como principal parceiro econémico de Cuba ‘no continente, © langamento do programa conhecido como Alianga para o Progresso foi de fato 0 resultado de uma crise na tradicional posic&o americana em relaclo ao hemisfério, O objetivo ‘de construir um sistema de defesa coletiva - que era a intengio dos EUA - comerou a entrarem choque com as prioridades da América Latina, devido a questdes econdmicas. Embora fosse verdade que desde 0 governo Bisenhower Washington havia comecado a mudar sua postura diante das reivindicagBes do hemisfério - como por exemplo em 1958, quando concordou com a formag3o do Banco Interamericano de Desenvolvimento, procurando organizar 0 financiamento piblico para as nagdes latino-americanas -, uma série nova € coerente de politicas ainda no havia sido desenvolvida. Eniretanto, como a questo cubana entrou na campanha presidencial de 1960, a vinculag0 entre economia e seguranga nas relacdes interamericanas também penetrou na agenda politica. Ao ser eleito, Kennedy usou o argumento da seguranca nacional para obter ‘apoio para o programa da Alianca para o Progresso no Congresso. Com os acontecimentos do final dos anos 50 ainda frescos na meméria do publico americano, especialmente os conflitos erm tomo ds polis em relagio 3 Cubs 0 aspecteseconbmicos © de soguraaga d pollen dos Estados Unidos para a América Latina adquiriram uma nova dimensio, mais urgente.’ A_ utir de entéo Washington _usou sua_ a econémica para reunir io politico América Latina. O langamento da Alianga para o Progresso, mencionada no discurso de ‘Kennedy em margo de 1961, e caracterizada como um programa conjunto interamericano em Punta dei Este em agosto do mesmo ano, foi o resultado de_uma_combinagao entre as diplomacias econdmica ¢ de seguranca. A Revolugdo Cubana, ‘culminando no rompimento de © © papel mediador do Brasil no periodo inicial da revolugdo e o estabelecimento de uma estreita relagdo pessoal entre o embaixador brasileiro e a lideranga revolucioniria sio descritos por Afouso Arinos, op. cit, p. 81-103, * Os principais pontos do longo debate sobre a politica de Washington para a América Latina vinculando os aspectos eoonémieos ¢ de seguranga, esto bem analisados em Lars Schoultz, National security and United ‘Slates policy towards Latin America (Princeton, Princeton University Press, 1987). Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209. 16 relagdes diplométicas com os Estados Unidos, demonstrou que a passividade de Washington em relagdo a regido estava saindo pela culatra Do ponto de vista latino-americano, a Alianga o Progresso era o longamente esperado programa de luta contra a pobreza, sOlicitado desde a Conferéncia de Chay sobre a Guerra ¢ a Paz de 1945. Mas as relagdes interamericanas haviam mudado desde entao, quando 0 prestigio ¢ a incontestivel supremacia de Washington na regio estavam no seu pice. Aos olhos de algumas elites latino-americanas especialmente aquelas conhecidas na €poca como esquerda progressista ou democratica -, 0 papel de Washington no hemisfério se havia revelado decepcionante. A reivindicagio de uma ajuda qualitativamente diferente do investimento privado assumiu outra dimensfo apés a Revolug3o Cubana. Desde 0 inicio das discussdes sobre o langamento do programa, Cuba foi ‘stigmatizada pelo grupo da "forca tarefa" de Kennedy. Tratava-se de um grupo de assessores proximos ¢ de brilhantes economistas latino-americanos que trabalhavam na Comisséo Econémica para a América Latina da ONU, a CEPAL. Adlai Stevenson, 0 respcitado representante de Kennedy na ONU, visitou algumas capitais latino-americanas para conferir como estava sendo vista a Alianga © ao mesmo tempo para fomentar o isolamento politico ¢ econémico de Cuba. O Brasil, que se considerava o auténtico dono da idéia da Alian através da OPA langada em 1959, tornou-se um participante ative do programa.’ ~——“‘Rinda assim, a historia subseqiiente da Alianga para o Progresso mostrou que ela no poderia sobreviver ao assassinato do presidente Kennedy. A primeira fase da Alianca, ancada por Kennedy, teve uma énfase reformista, aceitando mesmo a necessidade de uma reforma ‘estrutural contra 0 poder oligarquico na América Latina. Essa fase do programa no foi completamente apoiada pelo empresariado americano. Uma segunda fase - durante 0 governo Johnson - evoluiu_até a Alianca assumir uma posigéo bastante semelhante a postura ional_em_ ricat ou_seja, uma stura_de orientacko anticomunista ¢ empresaria |. ‘Quando o programa foi langado, na reunidio de Punta del Este, o representante cubano, Emesto Che Guevara, pronunciou um discurso explicando por que Cuba no podia concordar em se tomar membro da Alianga para o Progresso.’” Nesse discurso, ele louvava a natureza reformista do programa e exatamente por essa raziio previa o seu fracasso. Além do mais, ele reforgava o processo de auto-exclusio de Cuba do programa com uma violenta critica contra todos os paises do hemisfério que no estavam seguindo o verdadeito - com o que queria dizer soviético - modelo de desenvolvimento. O isolamento auto imposto de Cuba avangou ‘mais um passo quando Havana se proclamou uma nagSo marxista-leninista, em dezembro de 1961. Com sua integragdo subseqiiente ao bloco soviético, e 0 estabelecimento de lagos © Em um memorando enviado ao presidente Kennedy, datado de 14 de maryo de 1962, seu principal assessor para a Alianga para o Progresso reconhecia: "Se a Alianga para 0 Progresso teve uma antecessora, Operagdo Pan-Americana do Brasil, e nio as politcas dos governos anteriores." O memorando est incluido em Arthur Schlesinger, J., "The Alliance for Progress: a retrospect", em R.G.Hellman e H.J.Resenbaum (orgs.) Latin America's new international role: the end of hemispherie isoladora (New York, Sage Publications, 1975), 57-92. 4 para um relat das transfommages na poica para América Latina observada com achegada de Johnson na Casa Branca, ver James D. Cochrane, "U.S. policy toward recognition of govemments and promotion of ‘democracy in Latin America since 1963", Journal of Latin American Studies, vol. 4, n° 2, nov 1972, p. 275-291, Stephen G. Rabe, "The Johnson (Eisenhower) doctrine for Latin America", Diplomatic History, 9, winter 1985, p. 95-100. £7 i dscuso est eproduido em Philippe Bralland ¢ Mokamed Reza Djaii (org), The Third World and {international relaions (London, Frances Pinter Publishers, 1986), p.74-78. Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6,n. 12, 1993, p. 191-208. ” politicos e militares mais estreitos com o Kremlin, esse processo culminou em uma das mais séries crises da guerra fria, que foi a crise dos misseis de outubro de 1962. As questées cubana e do desarmamento foram unificadas na proposta brasileira a. ONU de estender o plano de uma NWFZ africana 4 América Latina. Mesmo que o Brasil no tenha sido capaz de influir na decisdo de expulsar Cuba do sistema interamericano, ou de contrabalangar 0 podetio econémico ¢ politico de Washington no hemistério, ou de exercer qualquer papel ativo durante a crise dos misseis," essas tentativas marcaram uma mudanca na natureza da politica extema brasileira. Flas representaram um esforco para romper com o isolamento econdmico ¢ politico do Brasil entre seus vizinhos da América espanhola ¢ com. seu tradicional alinhamento a Washington, Da proposta de Kubitschek de um amplo programa ‘econdmico até a intengdo do Itamarati de criar lagos mais estreitos com o Terceiro Mundo, especialmente com seus parceiros latino-americanos,,a politica externa independente mostrou serum conjunto de politicas que langaram novas bases para as relagdes exteriores do Brasil. Varia questfes levantadas pela primeira vez nesse periodo lomatam-se a partir de enlio objeto de preocupaco permanente da diplomacia brasileira.” (Recebido para publicagdo em janeiro de 1993) ES Paulo S. Wrobel é pesquisador do CPDOC e professor do IRI/PUC-Rio. “ Durante a crise dos misseis Goulart enviou # Havana um assessor militar bastante préximo, o general Albino Silva, com uma carta para Fidel Casto em que o Bra se ofereria como medindor’Aparnicmente © geet fncontrouse com Fidel e com o seretisio eral da ONU, U-Thant, mas sem resultados concretes. Ver "O ‘rimeiorministoexpde aos deputados a poset do Brasil, O Estado de S Paulo, 30 de outubro de 19620 Enissirio votiou de Cabs com carts de Fdslc U-Thant”, O Eviodo de Paulo, 2 de novembre de 1962; {Alb ic one ars Piel UT, O Eno Pe 6 woven de 962 Uma defesa do desempenho da politica extema independente, feita por um de seus formuladores, em ‘Mons Arnos de Malo Franc, Bolg do da eve brasiera (So Pale, Compania Eitora Nacional, 1963), 24258, Estudos Histéricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 12, 1993, p. 191-209.

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