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A COMPREENSAO DO FUNCIONAMENTO SAUDAVEL E NAO SAUDAVEL A SERVICO DO PENSAMENTO DIAGNOSTICO PROCESSUAL EM GESTALT-TERAPIA* Lilian Meyer Frazito Rua Belini, 126 - SP - capital - 0456-050 fone: (011) 260-1638 INTRODUCAO do primeiro workshop nesta abordagem no Brasil, coordenado por Sylvia Peters. Foi uma expe- éncia profunda e marcante, tanto para minha vida pessoal quanto profissional Do ponto de vista pessoal, foi um mergulho na minha intimidade como eu nunca havia experienciado ‘sates (embora ja fizesse terapia hé alguns anos); do ponto de vista profissional, fiquei impressionada pela ssancira direta e pessoal na qual a terapeuta interagia conosco, Comecei a estudar Gestalt-terapia, cada vez mais entusiasmada com seus conceitos e sua visto holistica = existencial de Homem. Paralelamente ao meu treinamento em Gestalt-terapia, comecei a trabalhar como psicoterapeuta. Ao ongo dos meus primeiros anos profissionais tive algumas experiéncias que foram muito significativas para ‘© desenvolvimento posterior de meu trabalho. Algumas tiveram a ver com as conseqiiéncias que podem advir de diagndsticos pouco cuidadosos. {Um exemplo ocorreu numa instituigo para deficientes mentais graves, com uma crianga diagnosticada ‘como “idiota” devido a seu baixo Q.I.. Na realidade, como pude verificar posteriormente era uma crianga ‘gz: tinha apenas um alto grau de surdez e que, no entanto, vinha sendo tratada como “idiota” ha muitos anos. Outro tipo de experiéncia ocorreu, quando eu estagiava no setor de fisioterapia, de uma instituigao para deficientes fisicos. Trabalhei com um menino, cujo diagnéstico eu desconhecia, ¢ com o qual tive Sricialmente uma relagdo muito dificil que rapidamente se transformou numa relago afetuosa, em virtude &> respeito e consideragio que eu tinha para com suas dificuldades. Minha surpresa ocorreu no final do stagio, quando decidi despedir-me pessoalmente de cada crianga e cada mae, A mae deste menino ficou ‘muito triste quando eu disse que no trabalharia mais 14, ¢ falou-me de sua preocupagdo com relagiio a piora = poderia ocorrer com seu filho devido interrupgo de nosso trabalho, uma vez que 0 médico que o ‘scompanhava ficara surpreso com a lenta progressdo da doenga, desde que eu comegara a trabalhar com ele. ‘So entdo contou-me que seu filho tinha paralisia cerebral progressiva... Aquela experiéncia me ensinou que sespeito e consideragio pelas dificuldades do outro tinham um efeito terapéutico, embora muitos anos tives- ‘sem se passado antes que eu pudesse compreender todas as implicagdes disso. Um terceiro tipo de experiéncia, que influenciou minha vida profissional, ocorreu com uma cliente ‘que na nossa primeira conversa disse: “Estou caindo num abismo... Estou segurando a ponta de uma corda quero que vocé segure a outra”, Percebi tratar-se de algo sério, mas, em fungdo de minha inexperiéncia, stava longe de compreender a gravidade do que se passava, Durante um ano, um ano inteiro, esta paciente sistematicamente ou faltava as sessdes, ou chegava cinco a dez minutos antes do término, ou chegava umaa éuas horas antes da sesso ¢ ficava na sala de espera estudando, comendo ou dormindo; ou entio fazia isso depois da sesstio. Algumas vezes ligava para minha casa tarde da noite dizendo estar sozinha na rua, achan- do que ia desmaiar, que tinha um tumor na cabega e que iria morrer. Na época nao entendia o que se passava, e a tinica coisa que fiz foi estar com ela, pacientemente, Semana apés semana, més apds més. ME: primeiro contato com a Gestalt-terapia se deu ha mais de vinte e cinco anos, quando participei * Apresentado em plenéria “A Visdo de Saiide e Doenca na Gestalt-terapia” no V Encontro Goiano da Abordagem Gestéltica, promovido pelo Instituto dé Treinamento e Pesquisa em Gestal-terapia de Goidnia, de 27 a 30 de maio de 1999. fees : —_ Pig-27— | No final do primeiro ano de terapia, depois de me contar o quanto havia espionado minha vida e minha relagio com outros clientes, ela comegou a comparecer mais pontualmente e mais assiduamente as sessdes ¢, de forma muito lenta, continuamos o trabalho. ‘Ap6s mais de 2 anos, chegamos a.um ponto em que eu tinha a impress que a terapia no caminhava, Com pesar, ¢ absolutamente cénscia das minhas limitagdes profissionais, sugeri & cliente que mudasse de terapeuta, encaminhando-a a um colega. Na tiltima sessto a paciente me trouxe um presente: uma pega de teatro infantil - a estéria de duas criangas que cairam num bat de brinquedos e foram parar numa ilha deserta na qual ndo havia nem gente, nem comida, nem como voltar para casa. Uma das criangas entio se lembra que tem no bolso uma semente: planta-a e nasce uma rvore com frutos, dos quais as criangas se alimentam para a seguir derrubar a érvore € fazer uma balsa que as levaria para casa, Era uma est6ria emocionante, e percebi que sim, eu havia conse- guido segurar a outra ponta da corda para que ela no cafsse no abismo. Isso foi tudo que consegui fazer, ainda assim gragas a algum desses anjos da guarda que protegem os terapeutas inexperientes guiando- Ihes a intuigao. Intuigdo é um instrumento importante no trabalho psicoterapéutico, mas, sem divida, insuficiente. Essas experiéncias me levaram a refletir profundamente sobre minha pratica e, somente muitos anos depois, percebi o quanto elas determinaram o caminho de estudo e reflextio que percorri e que resultou numa mudanga significativa no meu trabalho. Desejo compartilhar com vocés um pouco deste caminho falando brevemente de minha compreenstio de funcionamento saudavel ¢ no saudavel e de diagnéstico, o qual concebo como pensamento diagnéstico Pprocessual. FUNCIONAMENTO SAUDAVEL ENQUANTO FENOMENO INTERATIVO Em Gestalt-terapia temos uma concepedo holistica de Homem, o qual concebemos como set bio- psico-social, considerando suas multiplas dimensdes: fisica, afetiva, intelectual, social e espiritual. A expe- rigneia é fruto da interagdo do individuo com seu meio-ambiente. O que possibilita a experiéncia na interagiio do individuo com seu ambiente é contato e “awareness”. Embora possamos traduzir “awareness” por “estar consciente”, prefiro manter o termo em inglés a fim de que nao se confunda seu significado com 0 conceito de “consciéneia”, tal como coneebido e utilizado em psicanilise, “Awareness” se refere a capacidade de aperceber-se do que se passa dentro e fora de si no momento presente, tanto a nivel corporal, quanto a nivel mental e emocional. E a possibilidade de perceber, simulta- neamente, o meio externo ¢ interno, através de recursos perceptivos ¢ emocionais, embora num determinado momento alguma coisa possa se tornar mais proeminente. Para que haja “awareness” é necessirio haver contato, embora possa haver contato sem “awareness” O contato se dé através daquilo que em Gestalt-terapia chamamos de fungies de contato: visto, audigao, olfato, tato, fala e movimento. E através das fungdes de contato que nossa percepgaio se organiza e nossos sentimentos adquirem significado. Contato com “awareness” empobrecida resulta em contato que carece de qualidade. E 0 proceso de contato de boa qualidade que propicia que a interagdo individuo/ambiente seja nutritiva e que ocorram mudangas no campo relacional pessoa-ambiente, i.., erescimento e desenvolvimento. Em nossa vida temos necessidades distintas e interrelacionadas: as de natureza fisiolégica (como comer, beber, dormir) ¢ as de natureza psicolégica (como nos relacionarmos com um outro, expressarmos nossas emogdes, sermos amados e respeitados). Ao longo do desenvolvimento, nossas necessidades tor- nam-se progressivamente mais complexas e abrangem diferentes ambitos de inser¢ao social e cultural. Qual- quer que seja a natureza ou a abrangéncia da necessidade, é no campo individuo/ambiente que ela ira se manifestar, Desde o inicio da vida, as experiéncias da pessoa sio relacionais. Para o recém nascido, este campo estd, em grande parte, delimitado pela relagio mie-bebé A mie, através de sua “awareness” tem a possibilidade de captar empaticamente seu bebé, percebendo suas necessidades. Uma vez que é cla que, a um s6 tempo, supre as necessidades fisiolégicas e estd junto a0 filho amorosa e respeitosamente, cla ¢ 0 primeiro outro significativo com quem a crianga tem contato. Ela se esses hava, asse de ie duas -gente, mente; arvore conse- fazer, o- Ihes ante. s anos :numa eensio xistico =r bio- expe- ness”. fim de do em mento multa- ninado ness” visio, nizae sso de orram (como armos Ss tor ind se

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