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pistas do texto o fizeram acionar outros conhe- cimentos para que ele produzisse o sentido que ‘oduziu; é na recuperagao desta caminhada que be ao professor mostrar que alguns dos meca- mos acionados pelo aluno podem ser irrelevan- para o texto que se lé, ¢ portanto a sua “ina- dequada leitura” é conseqiiéncia deste processo endo porque nao se coaduna com a leitura dese- jada pelo professor. 3.2.3. A anilise lingiiistica Criadas as condigées para atividades intera- tivas efetivas em sala de aula, quer pela produ- cdo de textos, quer pela leitura de textos, é no in- terior destas e a partir destas que a andlise lin- gilistica se da. Como se sabe, muito antes de a crianca vir para a escola, ela opera sobre a linguagem, re- flete sobre os meios de expresso usados em suas diferentes interacées, em fungao dos interlocu- tores com que interage, em fungao de seus obje- tivos nesta acao, etc. Lembremo-nos, por exem- plo, das freqiientes mudancas entonacionais nas falas infantis: elas respondem também a esta re- flexéo (como vimos em 1.3.). Com a expressio “andlise lingiiistica” preten- do referir precisamente este conjunto de ativida- des que tomam uma das caracteristicas da lingua- gem como seu objeto: 0 fato de ela poder reme- tera si propria, ou seja, com a linguagem nao sé falamos sobre 0 mundo ou sobre nossa relagao com as coisas, mas também falamos sobre como 189 falamos. Como ja vimos, a estas atividades tem sido reservadas as expressoes “atividades epilin- gitisticas” ou “atividades metalingiifsticas’ A distincao entre ambas, com base na cons- ciéncia ou inconsciéncia, como proposto por Cu- lioli, me parece bastante problematica: até que ponio podemos dizer que uma crianga que repe- tea seu companheiro de brincadeiras como se jo- ga um jogo, retomando explicacdo que j4 havia dado, através de uma pardfrase, pratica uma ati: vidade inconsciente? Digamos que 0 objetivo fi nal desta parafrase (levar 0 outro a entender 0 jogo) seja mais forte do que sua consciéncia de que esta parafraseando. Mas se pode dizer que esta parafrase é inconsciente? Que a crianga nao sabe que esta repetindo? Por isso, prefiro a ex- pressdo “analise lingiiistica”, distinguindo no in- terior dela atividades epilingiiisticas de ativida- des metalingiiisticas através de outro critério: as primeiras refletem sobre a linguagem, e a dire- ¢40 desta reflexdo tem por objetivos 0 uso des- tes recursos expressivos em fungao das ativida- des lingilisticas em que esta engajado. Assim, to- da a reflexao sobre diferentes formas de dizer a que aludimos no item anterior (especialmente no t6pico “o texto e as estratégias do dizer”) sao at vidades epilingiiisticas e, portanto, “andlises lin- gilisticas” t4o importantes quanto outras mais pontuais como a reflexdo que se pode fazer so- bre os elementos de ligacdo, do tipo “ai”, “entao”, “depois”, presentes em nosso exemplo (6). Com este mesmo critério, considero as atividades me- talingiiisticas como uma reflexao analitica sobre 0s recursos expressivos, que levam a construgao 190 de nogées com as quais se torna possivel catego- rizar tais recursos. Assim, estas atividades pro- duzem uma linguagem (a metalinguagem) mais, ou menos coerente que permite falar sobre a lin- guagem, seu funcionamento, as configuragoes, textuais e, no interior destas, léxico, as estru- turas morfossintaticas e entonacionais. Ora, para que as atividades metalingiifsticas} tenham alguma significancia neste processo de reflexdo que toma a lingua como objeto, é prec so que as atividades epilingifsticas as tenham an, tecedido. Se quisermos inverter a flecha do ensi- no, propugnando por um proceso de producéo de conhecimento e nao de reconhecimento, é pro- blematica a pratica comum na escola de partir de uma noeao jé pronta, exemplificd-la e, através de exercicios, fixar uma reflexdo. Na verdade, 0 que se fixa é a metalinguagem utilizada. E daf a sensagao do aluno de que saber sua lingua é sa- ber utilizar-se da metalinguagem aprendida na es- cola para analisar esta lingua. Esta percepgao é fruto do trabalho escolar: o aluno, falando em portugués, diz nao saber portugués. Na tentativa de manter uma certa coeréncia entre as atividades que venho propondo para o ensino, assim como a escuta real da fala do alu- no langaria alunos e professores em busca de tex- tos que ampliam “o que se tem a dizer” (e 0 con- vivio com estes ampliam as estratégias do dizer disponiveis), penso as atividades epilingiiisticas como condicao para a busca significativa de ou- tras reflexdes sobre a linguagem. Note-se, pois, que nao estou banindo das salas de aulas as gr. ‘maticas (tradicionais ou nao), mas considerand. 191 as fontes de procura de outras reflexes sobre as questdes que nos ocupam nas atividades epilin- giiisticas. E claro que as gramaticas existente: enquanto resultado de uma certa reflexao sobre a linguagem, séo insuficientes para dar conta das muitas reflexdes que podemos fazer. Mas nao é pelo fato de nossas nogées intuitivas, nosses re- flexdes intuitivas, ndo encontrarem respaldo em argumentos de autoridade que elas devem deixar de ser feitas. 0 que temos disponivel é insuficien- te para o que precisamos: uma razdo a mais pa- ra abandonarmos a mera reproduco de conhe- cimentos e tentarmos a construcdo de conheci- mentos. Reivindicando a pratica da linguagem como fio condutor do processo de ensino-aprendiza- gem, incluem-se nesta prética, nao como algo que Ihe é externo, as atividades epilinguisticas. Estas, por seu turno, s4o uma ponte para a sistemati- zacao metalingiiistica. Integram-se, pois, no en- sino atividades lingiiisticas, epilingiiisticas e me- talingiiisticas (de que tratamos no item 1.3.1). Incluem-se nas atividades de analise lingiiis- tica as reflexdes sobre as estratégias do dizer, 0 conjunto historicamente constituido de configu- ragées textuais. Consideremos neste t6pico reflexes possi- veis que se atenham mais estritamente ao inte- rior dos textos. Alem dos objetivos que tais ativi- dades possam ter em si préprias, enquanto conhe- cimento que produzem sobre a lingua, acrescente- se 0 fato de que clas podem servir e serve para uma outra finalidade: a do dominio de certos 192 recursos expressivos que ndo fazem parte daque- les j4 usados pelos alunos. Toda reflexao feita de- ve estar no horizonte: o confronto entre diferen- tes formas de expressdo e mesmo a aprendizagem de novas formas de expressdo, incorporadas aquelas jé dominadas pelos alunos, levam a pro- dugao e ao movimento de producao da varieda: de padrao contemporanea. Note-se, esta nova va- riedade nao dispensa o conhecimento da varie- dade padrao anterior, mas faz deste conhecimen- to (que nao precisa necessariamente ser total) uma condigao na construgao da nova varieda- deze ‘Obviamente, ¢ impossivel prever todas as ati- vidades de anélise lingiistica que podem ocorren numa sala de aula. Em outras oportunidades?” jé distingui tais atividades levando em conta uma certa categorizacdo de problemas que, emergin- do em textos de alunos, poderiam orientar as re~ flexées possiveis, comparando os recursos ex pressivos usados pelos alunos e os recursos ex- pressivos mais proprios da assim chamada lin- gua culta. Esta categorizacao seguia basicamen- le os seguinies aspectos: 1, problemas de ordem estrutural, que levan- tariam questées relativamente a configuracao do texto como um todo, suas seqiléncias, seus obje- tivos, etc.; 2. problemas de ordem sintatica, centrados na reflexao sobre as diferentes formas de estru- turagaio dos enunciados e as correlacées sintag- maticas do tipo concordancia, regéncia e ordem dos elementos no enunciado; 3. problemas de ordem morfoldgica, centra- dos nas diferentes possibilidades de construcio 193 de expressées referenciais (por exemplo, uma des- crigdo definida versus um nome proprio), os pro- cessos de flexao e de construcao de itens lexicais, ete; 4, problemas de ordem fonolégica, que vio desde as formas de inscricdo na escrita das en- tonacées da oralidade até as convengoes ortogra- ficas Nao vou retomar aqui as mesmas considera- gdes de entao*, beneficiando uma outra pers pectiva: como vimos anteriormente, de modo es- pecial quando tratamos da historicidade da lin- guagem, a construcdo de um texto se da por ope- racoes discursivas com as quais, utilizando-se dé “uma lingua que é uma sistematizagao aberta (ou seja, relativamenie indeterminada), o locutor faz uma “proposta de compreensao” a seu interlo- cutor. Ja vimos que construir esta proposta de ‘compreensdo esta intimamente ligado a relacéo interlocutiva e esta est ligada a diferentes ins- tancias de uso da linguagem em que se dao nos- sas interacdes. ‘A reflexdo que se segue tentard explicitar al- gumas destas operacées discursivas®. Elas nao estao todas presentes em todos os textos. A lista- gem, longe de ser exaustiva, serve apenas como horizonte de construgées de explicitagdes de ou- tras operacdes, Chamo a atencdo para estas nao porque elas séo, hierarquicamente, superiores a outras. A lista reflete apenas um estagio de ex- ploragées intuitivas sobre operacoes discursivas que podem servir de ponto de partida para estu- dos posteriores sobre o assunto. O quadro dentro do qual as operagdes discur- sivas fazem sentido demanda recordar que s6na medida em que ha razoes para constituir relagoes interlocutivas € que se da a dos. As opera rsiva des de formulacéo textual rmulacao de tex- tos, nos quais universos de referéncia so gera- desi Jo, entio, ativida: laro texto €asseg digoes de mente esse fazer do enunc compreens’ desenvol tres aspey a) A constitui partindo do principio de ida em si tos que os constituem. 'b) A “construcao” da inte que, na produc lizacdo ou aprov tabelecidos e, po dugao textual € sempre novos € gerados, geram 0 tiva do tex Evidentemente, esta formulagao do texto, que se oferece ao enunciatério como uma propos- ta de compreenséo, resulta de intmeras “ativi- dades menores”, cada uma delas uma operacéo discursiva, na minha terminologia. Quanto mai for a preocupacao em “fechar” a propo 195 compreensao assim produzida, maiores serao as operagées que fara o enunciador. Ha, no entan- to, textos cuja caracteristica maior é precisamen: te sugerir compreensdes: a abertura de tais tex- tos é, as vezes, o proprio objetivo de sua formu- lacao. Lembre-se, aqui, por exemplo o texto poé- tico, cujos “espagos em branco”, na terminolo- gia de Eco, serio maiores do que aqueles de um texto cientifico. Como ambos trabalham na for- mulacao do texto coma linguagem, penso que ha em todos eles operacées discursivas: € preciso, légico, ver como em uns e outros estas operacées se diferenciam e, conseqiientemente, diferenciam- se 0s textos produzidos. Em qualquer deles, no entanto, o enunciatario é uma presenga obriga- toria, ainda que este seja o duplo do préprio enun. ciador. Isto posto, passemos a precisar melhor estas atividades de formulacao textual, exemplifican do com algumas operacdes discursivas que, por sua extrema generalidade, podem ser encontra- das tanto no discurso de escolares como no dis- curso cientifico®. 1. Operacées de argumentacao xemplo 1.1. A vida dos jovens numa cidade pequena € muito dificil. Nao tem divertimentos, nem cinema todas as noites e nao tem muitos em: pregos. Por isso 0s jovens vao para cidades grandes. (de uma redagéo de aluno de 8 série) 196 1.2. Outro dado revelador (...) ¢ 0 papel dos conhecimentos prévios partilhados que se manifestam (..) (e) que permitem um alto grau de implicitude na conversacao. Ao la do destes conhecimentos, temos ainda as con vengées sociais, as normas culturais e as ima- gens miituas que as pessoas fazem umas das outras influenciando nos processos inferen- ciais e construcdo de informacoes. (Marcuschi, 1986: 80) Pelas operacées de argumentacdo, o enuncia- dor traz parao interior de seu texto “fatos”, “da- dos”, “conhecimentos” que no texto se consti- tuem como argumentos. Em certo sentido, estas realidades “coisais” so exteriores ao texto e a ele preexistem, mas somente nos textos elas se constituem como argumentos. Como tais, sao res- ponsaveis pela constituicdo de um universo do enunciador, jé que é neste universo, através das configuracées lingliisticas, que passam a ter efe tividades (embora possam referir realidades em piricas exteriores). Todos nés lembramos situa: Ges em que, depois de termos participado de um debate, nos vém a mente outros “dados” que po- deriamos ter usado na relacao interlocutiva co- mo argumentos para defender nossos pontos de vista, No entanto, tendo ficado do lado de fora do nosso texto, eles nao foram considerados por nossos interlocutores. Note-se que toda uma linha de pesquisa, a partir das operagées de argumentagao, tem-se de- senvolvido na lingiistica procurando mostrar que a func&o argumentativa da linguagem 197 seqiiencia das Se pode comportar divers mneios que, mais que Se vem para ciado. (Ducrot, 1973: 225-226) Em nossos exemples, a arregimentacdo de dados como argumentos se d4, em 1.2., colocando- 's sem uma hierarquia entre eles: ao lado dos co: hecimentos partilhados, temos ainda as conven- Goes sociais, as normas culturais e as imagens mituas ... Em 1.1. temos uma hierarquizagao marcada pela presenga de “nem”, na explicita- Gao da afirmagao “‘ndo tem divertimentos, nem Cinema todas as noites”. Note-se que nao haver sessoes de cinema todas as noites é o melhor éxemplo para confirmar “nao tem divertimen- tos". A sensagao de quebra na seqiiéncia do tex- to se da precisamente porque logo a seguir apa rece outra afirmacdo: “nao tem muitos empre- gos”” que serve de argumento ao que se disse pas: Sos antes, no primeiro enunciado, o que torna a seqiiéncia ‘nem cinema todas as noites” uma es- pécie de “argumento” intercalado na seqiiéncia linear do texto. Note-se a diferenca se 0 texto fos- se organizado marcando-se esta intercalacdo: 1.1°. A vida dos jovens numa cidade pequena € muito dificil. Nao tem divertimentos (nem cinema todas as noites)e ndo tem muitos empregos ou, mantendo-se os argumentos do aluno reorga- izados em sua 0 1", A vida dos jovens numa cidade peque- na é muito dificil. Nao tem muitos empregos e nao tem divertimentos: nem cinema todas as noites. No que tange ao trabalho do professor, a ta refa é chamar a atengao para a organizacao des ‘es argumentos no texto: o professor realiza, en- to, operagdes sobre operacoes. Por fim, note-se que os mesmos fatos, os mes- mos dados, sao trazidos para o texto (e portanto para o universo do enunciador) de forma a aten der seus objetivos no processo em que esta en- gajado. Argumenta-se sempre a favor de um pon- fo de vista, e este pode variar utilizando-se dos mesmos fatos (mas no mais dos mesmos argu- mentos, porque sua orientacao se altera). Exem plo tipico pode ser visto em frases como 1.2. Pedro matou, mas foi em legitima defesa. 3, Foi em legitima defesa, mas Pedro matou. [As continuidades de 1.3.¢ 1.4. sero obviamente diferentes?! ‘A argumentagao que se processa num discur so nao pode ser reduzida a uma forma lexical dni ca, de vez que ela se da pela atividade global dos sujeitos. A argumentacdo, que ocorre nos discur sos em geral e no discurso cientifico em particu lar, ja que neste se articulam aspectos construti vos ¢ reflexivos, informativos e persuasivos, tem formas diferentes de aparecimento em diferen: tes discursos. No discurso cientifico, ha diferen- cas quando se observam discursos de pesquisa 199 0), discursos didaticos (de transmissao de conhecimentos) e discursos de vulgarizagao (de simplificacdo e difusao). Nos dis- sos de comunicacao de conhecimentos que adesdo do destinatario pode-se, com Ro 984), identificar trés relagdes basicas: sam venta-Frumusan intersubjetiva uma relagdo persuasiva do locutor sobre erlocutor, de que sao exemplos as relagdes das diades professor/aluno, adulto/crianca, espe- cialistalnao especialista; b) uma relacao epistémica, que toma o pré- prio objeto de conhecimento como sua fonte e que expressa sobre ele, nos enunciados, as hipoteses, as assergées explicativas, as controvérsias entre diferentes explicagdes, etc. ©) uma relacdo fiduciaria, porque supe no locutor um conhecimento e uma autoridade su- ficientes para tratar do objeto sob mira e no in- ocutor uma confianga no locutor para que a adeso se processe. Como se vé, as operagées de argumentacao envolvem tanto o trabalho dos sujeitos no que ange as expressées lingiiisticas utilizadas quan- to aos sistemas de referéncias postos em fun- ionamento junto a estas expressoes. Mas tam- bém remetem a propria relacdo intersubjetiva, envolvendo questdes de interesse, adesio ¢ crenga do interlocutor, em novas crengas, num tempo posterior, se as explicacdes do locutor sobre 0 objeto tema do discurso forem bem su- cedidas, 200 2. Operacoes de inscricdo de um objeto numa determinada classe ou a divisdo de determinada classe em subcategorias® Exemplos 2.1.0 meu baldozinho f com papel fino e com mu brasileiro, porque as suas cores sdo azul, amarelo, verde e branco’ 2.2. A etnologia assenta a classificagao dos seres humanos sobre uma série de dualismos. Ela se serve da distingao povos civilizados ¢ povos primitivos. Com estas operacées, presentes em toda a aco de representar 0 mundo, o enunciador sel ciona e organiza “ingredientes” através dos qu: apresenta os objetos a que se refere. Em gi quando se trata de apresentar um objeto do mun do concreto mas desconhecido, segundo a ima- gem que faz o enunciador de seus interlocutores, ha grande densidade de operagdes de “‘ingredién- cia”; quando se trata de falar sobre uma experién cia comum, compartilhada, a densidade ¢ menor Creio que se pensarmos as préprias configura- Ges textuais mais amplas, certas expressdes ca: racterizadoras da contigura¢ao operam a inscr 0 do texto como um todo no interior de certa classe, como se pode ver em 2.3. Era uma vez uma cachorra que se cha- mava Fofinha. Era ela muito sozinha, ela nao tinha nenhum amigo e nenhuma amiga™ 201 que situaré o que se segue a “Era uma vez” nu: ma certa configuracao: uma historia sem qual- quer compromisso com a verdade. 3. Operacdes de inscriedo de um objeto numa forma deverbal Exemplos 3.1. Oensino, a pesquisa e a extensdo sao par- tes integrantes de um programa universita- rio. Aarticulagdo das diferentes acdes em ca- da campo é uma necessidade. 3.2. Nos sabemos o que so os mitos. A for- malizacao deles coloca em evidéncia as inva- riantes na sua estrutura. Tratando-se de uma forma deverbal, a nocio dela resultante predica os elementos a que se ar ticula, Assim, no exemplo 3.1. atribui-se ao ensi- no, & pesquisa e & extensao a propriedade de se- rem articulaveis (ou nao, se a seqiiéncia fosse “A rticulagao das diferentes acdes em cada campo é impossivel”). O mesmo vale para 0 exemplo 3.2., em que os mites so apresentados pelo enuncia- dor como formalizaveis. Como aponta Miéville, estas operagoes sao interessantés na medida em que referem, pelo deverbal, a uma acao sobre 0 objeto, acdo cujos agentes nao sao explicitados. Nomeando-se s6 0 processo, as instancias agen- tivas e decisorias passam sob siléncio. Orlandi (1981) analisando livros didaticos de historia, aponta para outras formas de silenciamento dos agentes, como se pode ver em 202 3.3, Ainda em Abril de 1964, foi publicado o Ato Institucional que estabeleceu, para a es- colha do Presidente da Reptiblica, a eleicao indireta: o Presidente nao seria mais eleito pelo voto de todos os eleitores (eleicao dire ta) mas, sim, pelo voto dos deputados ¢ se nadores®. Estas formas de silenciamento no séo, no entanto, resultantes do tipo de operacdo de ins- cricgdo de um objeto numa forma deverbal. Nes tas 0 importante é notar que o enunciador se res- ponsabiliza pelas propriedades que atribui atra- vés dos deverbais aos objetos de seu discurso ¢ por elas vai constituindo estes objetos de uma de’ terminada forma 4, Operagées de determinagao Exemplos 4.1. Sécrates e Chico Buarque encontram-se no aeroporte. O cantor e 0 jogador discuti- ram os rumos da democracia corintiana’®, 4.2. A interpretacao estrutural dos mitos in teressou a mais de um antropélogo. Esta re volucao foi mesmo determinante Pelas operagées de determinacao, renomeia- se e qualifica-se 0 objeto do discurso. Em nosso exemplo 4.1. esta retomada co-referencial se faz pela especificagéo profissional dos sujeitos de 203 que se fala; em 4.2. a retomada, mais do que co- referir, qualifica 20 mesmo tempo “a interpreta- cdo estrutural”. As determinagdes quando rela- tivas a seres do mundo permitem identificar a re- feréncia na realidade factual, mas ao mesmo tem po elas nao se fazem gratuitamente, jé que a no- va pista fornecida ¢ também uma forma de pre- dicagao do objeto a ser identificado. 5. Operagoes de condensagao Exemplos 5.1, Uma certa tradico associa muito facil mente 0 pensamento primitivo ao pensamen: to infantil e A consciéncia mérbida e patolé- gica. Uma tal assimilacdo nao é, em razao de seu carter global, aceitavel 5.2. A competéncia em leitura ndo se define por si, mas a partir de diferentes relagdes que consideram o tipo de saber envolvido, os ob- jetivos da leitura, o nivel de escolarizagao. Sao estas relacdes que tornam impossivel uma s6 definig&o, Como mostram os exemplos, as condensa- ges podem retomar tudo 0 que se disse antes, ou parte do que se disse (5.1. ¢ 5.2., respectiva- mente). No discurso, elas permitem sempre pro- longar o que se disse anteriormente, oferecendo novas especificagées. 204 ae 6. Operagées de simbolizacao Exemplos 6.1. Os alunos da 4 série estio muito irre- quietos hoje. Estes moleques nao tém jeito mesmo. 6.2. As etnias que nao conhecem a escrita po- dem enumerar os nomes de plantas e ani mais. Os selvagens distinguem os elementos em espécies e géneros. Ao renomear os objetos, associa-se-Ihes o va- lor simbélico historicamente presente no novo no“ me utilizado. Este valor simbélico é, por isso, marcado socialmente e o enunciador, ao referir por outro nome, associa-se a este valor. Diferer temente das operacées de determinacdo, onde a renomeagao remete mais a especificacao do ob- jeto, a simbolizacao remete mais a valores sociais, normalmente com fortes marcas ideolégicas. 7. Operagoes de explicitagao Exemplos 7.1. E uma segiiéncia confusa de aconteci- mentos catastroficos que Guillaume preten- de ter assistido... Ha signos no céu, pedras chovendo... cidades inteiras so destruidas”. 7.2. Sao revistas especializadas: para homens € para mulheres 205 Pela explicitacao, em certo sentido retom: se o que foi dito abreviadamente apresentand se cada um dos aspectos envolvidos ou precisa do-se a afirmagao anterior. Os exemplos que se seguem a um conceito sio formas de explicitar este conceito, No discurso didatico as operacdes de explicitacaio séo, em geral, muito freqiientes. Nao se trata de uma repeticao, nem mesmo de uma expresso correferencial, mas de uma for ma de “enumeragao” que concretiza, em cada uma das enumeragées, o que foi referido pela ex- pressao explicitada 8. Operacoes de explicitagao de forcas ilocuciondrias Exemplos 8.1, Vou falar com seu pai, ameacou 0 pro: fessor. 8.2. Vou falar com seu pai, prometeu 0 pro- fessor. Como vimos em 1,3.2., as forgas ilocucionais dos atos de fala nao sfio sempre explicitas; 0 uso de um verbo no modo imperativo nao é, absolu- tamente, garantia de que se trata de um ato de fala de ordem; uma interrogacao pode ser uma ameaga, etc. Esta “indeterminacao relativa”’ dos esquemas marcadores de atos de fala exige, fre qiientemente, que oGnunciadoNexplicite clara- mente a forca ilocucional de suas falas ou, na nar: racdo, de falas das personagens, trazidas para seu 206 texto. Em nosso exemplo, a seqiiéncia “vou falar com seu pai” pode tanto servir para uma afirma- do, uma ameaga, uma promessa de interceder em favor do interlocutor, etc. Em 8.2., apesar do uso do verbo prometer, nao se afasta que “vou fa lar com seu pai” possa ser uma ameaca: perma nece a ambigitidade do ato de fala praticado, mas aponta num sentido que caracteriza a promessa tal como descrita por Searle — a acao prometi- da beneficia o interlocutor. Esta interpretacao, por seu turno, esta totalmente afastada em 8.1 Como se sabe, na explicitacao das forcas ilocu- cionais praticadas também se avaliam tanto o di- to quanto o sujeito da enunciagao: é o que de monstra Marcuschi (1982) ao analisar “‘as estra: tégias jornalisticas” tomando como tema de re-* flexao os verbos utilizados na introducao de fa- las das fontes de informacao dos jornalistas. Tais verbos revelam nao sé a forca ilocucional atribu da ao enunciado, mas também a atitude do su- ito que as cita diante de diferentes falas e de diferentes sujeitos enunciadores, como se pode ver em 8.3, Passarinho garante que Figueiredo est apenas gripado®. 8.4. Passarinho diz que Figueiredo esta ape- nas gripado. 9. Operacées de inclusao de falas de terceiros Exemplos 9.1. Eu um dia tive que vir para a escola de Onibus. Eu comecei a reparar nas pessoas, percebi que todos estavam yesmungando so- breo problema do onibus: a hora que ele pas: ga, que ele demora muito, que vive cheio, que tinham que colocar mais onibus na linha, etc. (de uma redagao de aluno de 6° série) 9,2. No caso da equivaléncia semantica (en- tre duas expressoes parafrésticas), a natureza da tensdo gerada € outra. A tensdo surge do conflito entre a equivaléncia muito forte en- tre dois enunciados e a necessidade imperio- ga de progressio conversacional. E ndo é em repeticoes ou quase-repetigdes que a progres: vzo conversacional encontra a melhor forma de se realizar. Mas, segundo Fuchs (1982: 29 € 30), “tudo a que se possa recorrer, no es: {rito sentido lingtiistico, para estabelecer uma identidade de sentido, funciona sempre, na pratica discursiva concreta, como um ‘vango, como um desdobramento de sentido Ha sempre progressdo discursiva, argumen- tativa, jamais real repeticao ou tautologia, ou simples decalque de sentido”. (Hilgert, 1989: 349) Nos dois exemplos, encontramos o fendme- no da citacdo de falas de terceiros. Estas inclu- goes, evidentemente, obedecem a objetivos dife- ‘neados, sobrepondo-se neste tipo de operagoes outras operagdes concomitantes. No exemplo 9.2. a citagao direta de Fuchs, no interior de um dis Garso cientifico, funciona ao mesmo tempo como tuma espécie de ressalva, para mostrar que a ten- 208 sao entre repeticdo/progressao ¢ significativa no discurso (isto no que tange ao dito) ¢ também co mo argumento de autoridade (isto no que tange ‘h enunciagdo do discurso que cita). No exemplo 9.1, temos trés operagdes simultaneas: a incluso das falas observadas na forma de um discurso in Gireto, a explicitagao dos resmungos, pela ent- meragao destas falas que explicitam uma expre: sao que as condensava, operacdo de explicitacao de forga ilocucional com avaliacao (resmungar) Introduzir a fala de outros como “resmungos” & opinar sobre estas falas, j4 que ninguém resmun ga a favor de alguma coisa ‘Authier-Revuz (1982) inaugura estudos sobre a heterogeneidade, que divide em dois tipos: he- terogeneidade constitutiva ¢ heterogeneidads mmostrada, Sobre estas, suas andlises mostram tins formas pelas quais, num discurso, se cono- tamas vores de outros. Isto pode se dar: pelo uso de certa variedade lingilistica que remete a ter- ceiros nao envolvidos no processo interlocutivo; liso de expressdes de diivida ou reserva, como t, se me permitirem a expressdo, ou uso de expres” Sees que delimitam significados de palavras, co- mo em x, no sentido de y, etc. ‘Os exemplos que utilizamos em 1.3., especial: mente os exemplos 1, 9, 10 e 11, mostram formas de insergao, no discurso, de vozes de outros. A heterogeneidade € conseqiiéncia do fato de que a lingua nio se realiza a nao se tiedades de discursos que se rel tros num jogo inevitavel de Ga henhuma palavra vem neutra do “dic wvessada pelas va asc interferencias. 209 Yr esto sempre “habitadas” pelos discursos em que vei SSitfaua vida de palavras, eo discurso se consti Citgo por uma caminhada dialdpica fita de acordos, Tejas, conflitos, compromissos(.) com outros ds Ciede Centre estes discursos, um, aquele que o To Sitor ats ao interlocutor, determina, por um par metro dalogic espetfico,o processodalbyico do con- | (Authier-Revuz, 1982; 140) Operagées de salvaguarda Exemplo 10.1.0 titulo deste trabalho (Sobre discurso e texto: imagem e/de constituigdo), por refe- rir dois possiveis campos extensos € contro- versos aos quais dedicam sempre mais esfor- co ja numerosos lingiiistas, poderia, talvez, dar uma falsa impressao de suas intencOes. Por esta razdo, apresso-me em delimitar meu campo, restringindo-o drasticamente de duas maneiras.. (Possenti, 1981: 39) Como ja afirmamos em outra passagem, nos processos interacionais tanto constituimos nos- sas identidades quanto as ameagamos. As opera- Goes de salvaguarda tém a funcdo de evitar pos- siveis outras interpretagdes que o enunciatario poderia dar ao que se disse. No nosso exemplo 10.1,, isto refere ao proprio titulo do texto que se vai ler; as operagoes de salvaguarda garantem um pouco 0 enunciador dos riscos que corre por se constituir como tal. Ao mesmo tempo, elas de- imitam o tema ou os pontos de vista a partir dos 210 quais o tema sera tratado, embor: : a serd tratado, embora nem semy haja esta coincidéncia prs 41. Operagoes de vocalizacao ou lexicalizagao -xicaliz Exemplos L1.1. Eu comecei ar. uM ‘eparar nas pessoas con- versando, e percebi que todos estavam res. mmugendo sobre o problema do onibus (.) .2. — Nao! grii ce é 112, gritou ele, e bateu com o pé no — Nao tenho medo, repli i , replico I. ae eplicou Bastian cal. — Mente! rugiu Hj i ! ynreck, o H. - melho de célera. ee — Herdi Hynreck, di i ee , disse Bastian lenta- (Ende, M. A historia sem fim, 1985, p. 227) Diferentemente das operagdes de explicita- ao das forgas ilocucionais, neste tipo de opera- 40 0 que ocorre é a lexicalizacao, enquanto um dos recursos da lingua escrita, de atitudes dos lo. cutores que, na oralidade, se manifestam por fe. némenos suprassegmentais (prosédia, tons, ento- nagées, silabagoes, etc) pecniaras A qualidade de voz tem sua descricao, na escrita, atra- Yes de referéncias que o autor faz das atitudes dos per sonagens,associando ao que dizem, suas emogdes sen- fimentos; Como ouvintes de determinada lingua, em de- nada cultura, somos capazes de entender, na fala, 21 as aiuades dos falantes, ou tradusir dterminada at tide om deerminado content, numa fala propriada Acs emver de representara qualidade de vor at Acs de sa expresso fonetiea, usando mareasespecials te cerita representa as atitudes do flante, que é 2 Contrapariesemantea do fenomeno, dixa pars ol fa de reconstruir a parte fonética. denen renee pe capliar, 1989: 200) Evidentemente, nem sempre os recursos da es- crita so lexicais: hd outras marcas, como virgu- las, pontos, ponto-e-virgula, hifens, caixa alta, ne- grito, sublinhado, etc. utilizaveis nestas opera. goes. iscursivas® 12. Operacoes meta Exemplos 12.1. (didlogo ocorrendo ao meio-dia, entre trés pessoas) Locl — Hoje est4 impossivel andar de carro no centro. Estive na cida- de na hora do pique, as 5 da tar- de, e levei uma hora para chegar em casa, Loc2 — Hoje vocé foi para a cidade? Loc3 — Hoje nao, entenda. ‘Hoje’ no ser tido de ‘atualmente’ 12.2. A distincao entre o contetido de ensino € 0 resultado do trabalho cientifico é conse- qiiéncia de todos estes fatores. Repetindo 0 que disse. As operagdes metadiscursivas poem sob mi- ra as proprias condiges em que o discurso esté se processando, ora dirigindo-se aos seus dest natarios, perguntando sobre a compreensao do que se est dizendo, ora comentando o que se es- ta dizendo, ora “corrigindo” interpretagées (co mo em 12.1.), ora referindo-se ao que se vai dizer (como em 12.3.), ora definindo condigdes sobre acontinuidade do discurso. Quando dirigidas a0 destinatario, podem convidé-lo escuta, chamar sua atencao sobre o que se esta dizendo, ou so- bre as expressdes que estao sendo usadas. Nos turnos conversacionais que avaliam o desenvol vil to do tema, temos tipicamente operacgoes metadiscursivas: falas como “estou entendendo”™ ‘continue’, “repita, por favor”, “como 6?”, mar. cam nas conversagdes a presenca deste tipo de operacao. Em textos escritos, expressdes como “Inicio este texto tomando a questao X para nossa reflexao..."" ou como “P, e dizendo P, termino”, péem o préprio dizer no dito. Estas operacées, evidentemente, remetem as atividades epilingiis. ticas © metalingiisticas tratadas em 1.3. deste trabalho. 13. Operacoes de exemplificagao Exemplo 13.1, Quando falamos nos praticamos acées, como por exemplo, quando digo “Eu prome. to que X", eu estou prometendo. Entao a fa- 4 nao s6 refere ao mundo, mas cria no mun- do realidades novas. 213, Com estas operagdes 0 que surge como exern- plo suspende o curso do que se vem tratando e a0 mesmo tempo a ele se integra, funcionando como explicitacdo do que se esta dizendo. Ev dentemente, a exemplificagéo pode remeter a outros discursos, sobrepondo-se, portanto, ope- races num s6 material concreto: com os €xem- plos pode-se introduzir outras falas; pode-se efletir sobre as expresses que estéo sendo usadas, etc. (O interessante deste tipo de operacdo é que o exemplo entra no discurso integrado ao que 0 precede e ao que o sucede, mas ao mesmo tem- po, ao estilo do “fait divers”: para que a exem- plificagao produza os resultados que espera o lo- cutor, deve conter em si uma informagao total, sem necessidade de remeter formalmente a na- da que nao ela propria. Ou seja, 0 exemplo deve valer por si para que possa sustentar o que quer comprovar, sob pena de ele proprio exigir, por seu turno, uma digressao no discurso que leva a se tomar o exemplo por tema e nado fazé-lo servir a0 tema de que se tratava, Nos estudos de ret6r' ca, salienta-se a importancia persuasiva da exem- plificacdo. Vignaux (1987) estuda discursos que contém “fabulas" como exemplos, mostrando que eles operam um deslizamento pela analogia ¢ a assimilacao em outros dominios de sentido, de modo que a fabula adquire um sentido novo em fungao do discurso que a incorpora. Os prover- funcionam, nos discursos, de forma seme- Thante 24 14, Operacdes de ambigitizagao Exemplos 14.1. SANTO DE PORRE NO ALTAR. 14.2, Diario de Narciso — Discurso e afasia 14.3, Um discurso ja com tradicao, Como todo trabalho lingiiistico que busca uma determinacao do sentido, fornecendo 20 terlocutor um conjunto de pistas que lhe per tam, na compreensao, um sentido, as operacdes de ambigiiizacéio também o fazem, mas de uma forma aparentemente paradoxal. Elas inscrevem o que se diz num jogo de ambigitidades cujos sen? tidos passam a ser parte integrante do discurso. E ébvio, nem sempre o interlocutor, no proces- so de compreensao, recupera através das expres- sées usadas os sentidos originais que estas ex pressoes tém/tiveram em outros discursos que 0 locutor pretende sejam incorporados a seu dis- curso, Em nossos exemplos, 14.1. é manchete in- tera de um jornal brasileiro, ¢ 0 processo de am- bigiiidade esta no jogo entre a palavra “porr (pronuncia “porre”), enquanto substantivo co- mum que remeteria a bebedeira e “Porre” (pro- ntincia pérre), nome da cidade onde viveu a pes- soa que foi canonizada pela Igreja Catélica. Nos- so exemplo 14.2. € um titulo de livro (Coudry, 1988), Ao mesmo tempo que Narciso remete a um dos sujeitos afasicos cujos dados foram analisa dos no estudo, remete também ao mito de Nar: so e por esta via introduz-se todo o discurso so- bre Narciso e o narcisismo. Apesar do subtitulo 215 (Discurso e Afasia), o sentido original de Narciso é,obviamente, mais forte. Em conseqiiéncia o | tor pode imaginar que a obra trata do narcisis- mo; é um romance (a expressao Didrio é uma pista para isso); é um livro sobre psicologia, sobre mi- tologia, etc. Todos estes sentidos, invocados pe- lo titulo, est4o em verdade presentes na constru- 40 do sentido da expresso. Em 14.3., a seqiién- cia “com tradicao” pretende remeter o leitor a expresso “contradicao”, uma vez que os discur- sos recolhidos sob o titulo “Um discurso ja com tradig4o” (item 3.1. deste trabalho) sao de auto- res diversos no tempo e na perspectiva a partir da qual falam, mas todos se opondo ao ensino tal, como praticado. Douay (1988) estuda este tipo de operagées, analisando os processos utilizados para cunhar slogans” ou manchetes, na propaganda e na im- prensa. Segundo suas conclusdes, 0 procedimento “consiste em tomar uma formula estereotipada muito comum e operar substituicdes de lexemas conservando a estrutura da frase original” (p. 21). O ndimero de operagées discursivas com que o enunciador constréi seu texto é muito maior do que as aqui apontadas a titulo de exemplos. Ha operacées de retificagao, de correcdo, de topica- lizacao, de retomadas de temas, de distribuicao dos contetidos no texto, de enumeragao, de res- trigdo de sentidos, de ampliacdo de sentidos das expresses, de inclusdes de digressdes (marcadas desde seu inicio ou marcadas em seu final), etc. Resumamos, em topicos, os pontos de vista defendidos: a) a atitude de reflexao sobre a linguagem in- verte a pratica corrente no ensino, tomando as atividades epilingtiisticas como fonte ou ponto de partida para reflexes mais aprofundada b) estas reflexdes, partindo dos textos dos alunos, retornam ads textos num movimento que leva a reescrita de tais textos em funcdo das ra- z6es de ser destes textos; ©) @ comparacao de diferentes formas de construir textos € que leva A compreensao da exis- téncia de multiplas configuracées textuais, de va- riedades lingiiisticas e, no confronto destas, a aprendizagem de novas configuragées ou ao pro- cesso de construgao de nova variedade padrg d) a anilise lingiiistica a se praticar em sala de aula nao é simples corre¢ao gramatical de tex- tos face a um modelo de variedade e de suas con- vencées: mais do que isso, ela permite aos sujei- tos retomar suas intuigdes sobre a linguagem, aumenté-las, torné-las conscientes e mesmo pro. duzir, a partir delas, conhecimentos sobre a lin- guagem que o aluno usa e que outros usam.

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