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Hipécrates no Rio de Janeiro Em pleno século XXI, apareceu no Rio de Janeiro, vindo por um tinel do tempo, Hipécrates, o eminente médico da Grécia antiga, que viveu e atuou por volta de 400 a.C. e é considerado o pai da medicina ocidental. Representantes da classe médica levaram-no, cheios de orgulho, para conhecer os sofisticados equipamentos diagnésticos, os modernos centros cirdrgicos, as UTIs e unidades coronarianas disponiveis para uma parcela empregada da populagaio com acesso a planos de satide. Mostraram-lhe os modernos centros de pesquisa, nos quais novas drogas e vacinas so descobertas usando tecnologia de ponta. Ao passear de automével pela cidade, 0 velho mestre percebeu enormes engarrafamentos com emissao de poluentes atmosféricos e pessoas apinhadas em énibus. Pela janela, viu rios e praias poluidos, casas e edificios sendo construidos a custo do resto de natureza que ainda resiste, lixo e esgoto jogados nos cursos d Agua ¢ lagoas. Pediu que o conduzissem ao centro da cidade e, ao descer do carro, caminhou entre centenas de pessoas observando seu flagrante estado de tensio. Pediu acesso a hospitais piblicos e viu, consternado, que a maior parte da populagao sofre em filas de hospitais completamente sucateados, aguardando por um atendimento curto e superficial. Pediu que o levassem a um local em que pudesse comprar alimentos Perplexo, passeou por entre as prateleiras de um supermercado observando atentamente as embalagens contendo alimentos inanimados, enlatados, embutidos, ¢ verduras e frutas que pareciam ser de borracha. Parou para ver pessoas empanturrando-se em lanchonetes, com toda espécie de guloseimas fritas, refrigerantes e doces artificiais. Solicitou, entéo, um tradutor e pediu um encontro cientifico. O Maracanazinho, lotado de médicos, ficou pequeno para receber o ilustre médico grego. Os apresentadores mostraram os indices de satide de nosso pais: mortalidade infantil por doengas infecciosas, cardiovasculares, pulmonares e cancer, entre outras. Descreveram o surgimento de novas sindromes neurolégicas e genéticas, os acidentes de transito e 0 consumo de drogas entre os jovens. Apresentaram todas as novas abordagens cirirgicas e medicamentosas. Representantes de planos de tide — que patrocinaram o evento — apresentaram estatisticas de cobertura de assisténcia médica para individuos e empresas, traslado de pacientes e acesso a novos equipam entos. Ao final de todas as palestras, uma enorme expectativa se formou. Um foco de luziluminava a cabega branca do grande mestre, que pediu a palavra, deu um peteleco no microfone e perguntou, em bom grego: “Eu gostaria de saber se algum dos colegas presentes neste grande anfiteatro foi capaz de ler Ares, aguas e lugares, um dos livros mais significativos do extenso tratado Corpus Hippocraticum, que escrevi com colaboradores ha 2.400 anos.” Siléncio sepulcral. Ouvia-se um zunzunzum desconfortavel. O mestre seguiu com a palayra: “Esse livro resume a antitese de tudo 0 que pude ver em seu mundo moderno. Representa 0 que hoje vocés chamam de 'ecologia humana’. Nele mostramos em detalhes como 0 bem-estar dos individuos é profundamente influenciado por fatores ambientais -a qualidade do ar, da dgua e dos alimentos, a topografia da terra e os hdbitos gerais de vida. Enfatizamos a correlagdo entre mudangas nesses fatores e 0 aparecimento de doencas. Vocés tem nimeros assustadores de doencas e ainda surgem novas enfermidades. Nao percebem a relagdo disso com a degradagao ambiental e 0 uso de alimentos sem vitalidade? Eu sugeriria que os ‘planos de satide' passassem a chamar-se 'planos de doenca', denominacdo mais adequada. Em 2.400 anos, a promogdo da satide ainda engatinha. Conclamo a classe médica aqui presente a uma nova revolugdo cientifica: a da prevengdo consciente das doengas pelo restabelecimento das conexées do homem com a natureza, para que possam surgir os verdadeiros 'planos de saiide'. ” O silencio respeitoso deu lugar a aplausos ensurdecedores. Deixando 0 imenso palco sob ovacdo, o velho mestre, j4 um pouco transparente, pediu que “o levassem a acrépole ” (o ponto mais alto da cidade). No Corcovado, viveu seu iltimo minuto nos tempos atuais. Hipécrates contemplou a cidade maravilhosa, fitou a gigantesca imagem do Cristo e desapareceu na névoa sem deixar vestigios. A alegoria com o querido mestre grego nos introduz a novos ramos da medicina moderna, tao cientificos como a microbiologia, a imunologia, a fisiologia, a bioquimica e a genética, até mesmo por integrar todos esses ramos do conhecimento, entre sie com o meio ambiente: a probiética, que significa a favor da vida, e a nutracéutica, que envolve o tratamento e a cura de doengas pelos alimentos. Os capitulos a seguir servem para informar aos leitores mais detalhes dessas novas areas de conhecimento, que levam a ecologia as suas iltimas consequéncias: a satide integral do homem e da natureza.

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