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KOAYA KO! ae Revista da Aduel - Sindiprol - volume 5 - n° 1 - janeiro/junho/2001 ISSN 1413-5000 seman Tee Ory eee eee rary Se Ree Re eae Pets ee cee) CCU ee cee Cam TS coeréncia entre pensar e fazer. Nao Secret dificeis que o homem tem diante de See en eee SOR eg Sumario Introducio... see Artigos 1) Mauricio Tragtenberg, um intelectual contra o poder intelectual (1929-1998) 06 Afranio Mendes Catani 2) Mauricio Tragtenber: A perda de um intelectual herético 10 Ricardo Antunes 3) Sobre administragao e avaliacéo: Uma conversa com as idéias de Mauricio Tragtenberg ____ 14 Agueda Bernardete Bittencourt Uhle 4) Autonomia e Solidariedade: O jornalismo sindical de Mauricio Tragtenberg EERE EEE EEE ea Doris Accioly e Silva 5) Anotagdes para um socialismo libertario 36 Paulo Roberto Ferreira 6) "A delingiiéncia académica" a2 Nelson Dacio Tomazi Homenagem do senador Eduardo Suplicy ao professor Mauricio. Ficha Catalografica ISSN 1413-5000 Catalogacao na fonte elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina névee. ptt.. Revista da Aduel-Sindiprol / Associacao dos Docentes da Universidade Estadual de Londrina; Sindicato dos Professores de Londrina. = + Vol.5 Gan/jun/2001). -- Londrina, 2001. v.; 28 cm. Semestral. Descrigao baseada em: v.1 Gan/jun/1995). 1. Ci€ncias Sociais - Periddico. 2.Filosofia - Periddico. 1. Universidade Estadual de Londrina. CDU 3:1(05) ce Sindicato dos Professores de Londrina ‘Associacao dos Docentes Edmundo Fernandes Dias (UNICAMP) | 4a Universidade Estadual Enzo Santarelli (URBINO) de Londrina José Mario Angeli (UEL) . | a aa Luzia Marta Bellini (UEM) ~ an Maria Aparecida Zanetti (UFPR) #ADUEL /INDIPROL Maria Izabel de Souza Lopes (UEM) ee Masts eatacReamis (EL Diretoria Colegiada: Diretoria: ‘Osmani Ferreira da Costa (UEL) ; Pedro Roberto Ferreira (UEL) Alcides José Sanches Vergara Cesar A.Caggiano Santos (presidente) Ricardo de Jesus Silveira (UEL) ‘Aviovaldo de Oliveira Santos | | AnaMaria Perera vice) ‘Roberto Romano (UNICAMP) Edmilson Lenardao Lygia Puppato (1° secretéria) Sandra Regina Garcia de Oliveira (UEL) oe EE a ert: ‘ felt Evaristo Célman_ Airton Nozawa (1° tesoureiro} Sérgio Tiski (UEL) José Mario Angeli José Carlos de Oliveira (2° tesoureiro) Volnei Edson dos Santos (UEL) ‘Osman Costa (dretor deimprensa) Endereco: Campus Universitario Endereco: Praca ta Salle, 83 CEP: 86.051-990 ‘CEP: 86,020510 Londrina - Pr Londrina- Pr Telefone (43) 371-4507 Telefone: (43) 324-3995. Diagramacao: Nelson José Bortolin | r siedtcimoraeee : Fax: (43) 321-4566 bas mail: aduel@onda.com.br E-mail: sindiprol@ldnet.com.br poe hint ras | Site: www.ldnet.com.brfsindiprol | | site: www.ldnet.com br/sindiprol néovea. pot. 7 ntroducao revista névea. pét.. (tudo fui) tem oprazer de apresentar aos leitores as contribuicées do Se- minério sobre o professor Maur Tragtenberg, realizado na Univer- sidade Estadual de Londrina (UEL), em parceria com a Aduel, Sindipro! e departamentos de Filosofia e Ciencias Sociais. Nesta edicao, ela apresenta aspectos da personalidade do Mauricio e © universo tedrio- politico de seu pensamento. Ela também levou em conta as mul- tiplas dimensées do seu pensa- mento e, por isso, os trabalhos aqui nao possuem uma ordem sincré- nica ou cronolégica. professor Catani, em seu artigo “Mauricio Tragtenberg, um intelectuai contra o poder intelec- tual 1929-1998”, evidencia os aspectos da personalidade acadé- mica do professor Mauricio que pautou suas acées remando contra o pensamento dominante Jé 0 professor Antunes, em “Mauricio Tragtenberg a perda de um intelectual herético”, ressalta a analise da burocracia no pensa- mento do professor Mauricio. Se- undo Antunes, 0 professor foi um critico aspero da burocratizagao, da institucionalizagao, da modera- ¢40, do participacionismo, tanto dos sindicatos quanto dos partidos. Enquanto a Professora ‘Agueda, em “Sobre Administracao e Avaliagao: uma conversa com as idéias de Mauricio Tragtenberg*, pauta a sua andlise na experiéncia do seu interlocutor para evidenciar © significado das politicas acadé- micas que estio sendo adotados rnas mais prestigiadas universidades deste pais, apresentadas como reformas, processos de modemniza- ¢40, avangos democraticos, quando na verdade néo passam de velhas propostas de um novo tecnicismo. Concemnente & avalia- G40, a autora analisa este conceito politicamente. Segundo ela, aave~ , Tiago deve ser entendida sob dois pressupostos bésicos: ou se nega a autonomia universitiria e se de- claram de fora para dentro 0s obje~ tivos da academia, ou se considera aavaliacao um problema simples- mente técnico, neutro. Segundo a autora, 0 professor Mauricio, ferrenho defensor da autonomi: universitatia, iré criticar a concep- a0 de “administracao e avaliacao” entendendo que séo formas de pura distribuigao de credenciais para os j professores do ensino superior. Nada mais que legitimadores buro- craticos de uma fungo igualmente burocratica. ‘A professora Doris, em seu artigo “Autonomia e solidariedade: 0 jornalismo sindical de Mauricio Tragtenberg", analisa o pensa- mento do professor Mauricio Tragtenberg através de seus artigos publicados no Jornal Noticias Po- pulares, em sua coluna no BATENTE. Segundo a autora, hd nas concepgées e anilises do sindicalismo feito por Mauricio um esforco tebrico perseguido por miltiplas vertentes tedricas. Ele percorre deste a anélise da Burocracia, Estado, Sociedade Civil, Problemas de Politica Internacional, sempre relacionan- do-os com a situacao brasileira, Em seru artigo “Anotacées para um socialismo libertério", 0 professor Pedro Roberto Ferreira evidenciou a combinacio da dia- lética marxista com a sociolo; compreensiva weberiana, temas muito caros a Mauricio. Mauricio combina estrutura do capitalismo de Marx com a superestrutura de ‘Weber, elementos que explicam a dominagao do trabalhador eviden- ciado na burocracia como consti- tutivo do politico. Enquanto o professor Toma zi, em ‘A delinquéncia académi- ca", evidenciou os aspectos da crise, reproducdo social e © papel do intelectual, elementos confor- madores do sistema que Mauricio analisa com profunda critica & Instituigao Académica. Enfim, reproduzimos, gentil mente concedido pelo senador Eduardo Suplicy, 0 seu voto lido € aprovado no Senado, homena- gem feita ao professor Mauricio por ocasiao de sua morte. José Mario Angeli Professor do Departamento de Filosofia da UEL néavea pt, Mauricio Tragtenberg, um intelectual contra o poder intelectual (1929 - 1998) Por AFRANIO MENDES CATANI, professor da Faculdade de Educacao da USP. mavtor pét.. ee MAURICIO TRAGTENBERG, UM INTELECTUAL CONTRA O PODER INTELECTUAL (1929 - 1998) Afranio Mendes Catani faleceu em sa0 Paulo, a0s 69 anos, 0 professor Mauricio Tragtenberg, Soube de sua morte apenas alguns dias depois, por telefone, pois me encontrava fora do pais, Nos meus quase 25 anos de andangas por varias institui- cdes, ptiblicas e privadas, foi a pessoa mais genetosa com.quem convivi, conciliando erudica0, rigor intelectual, militancia e afetividade, Conheci-o em agosto de 1972, quando cursava Administra- ao Publica na Fundagao Getulio Vargas (FGV), tendo Mauricio vindo lecionar Sociologia lI. Na realidade, ele retomava & FGV, pois havia sido afastado de suas fungdes docentes por meio de ato arbitrario da ditadura militar. Mauricio trabalhava alucinada- mente em sua tese de doutorado, a ser entregue até o final de 1972, que elaborava junto ao antigo Departamento de Ciéncias Sociais Politica) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da USP. A tese, intitulada Burocracia e Ideologia, editada em livro em 1973, tornou-se um verdadero classico na érea de Humanidades. Em sua tese, Mauricio realiza abrangente anélise critico-histérica das formas de dominacao burocratica, arrimando-se em Hegel, Mance Weber. Seu trabalho avanca no estudo do fenomeno burocritico, de seu surgimento (daf dedicar-se Jongamente ao modo de produgso asidtico) até as grandes corporacées capitalistas. Detém-se, também, no exame, da sociedade soviética-uma desuas paixdes-, além de riquissimo capitulo intitulado “As harmonias administrativas de Saint-Simon E m 17 de novembro de 1998 Elton Mayo". A segunda parte, "A cise do capitalismo e a passagem da teoria da administrac3o a sociologia das Organizagées Complexas", abarca trés densos capitulos, a saber: “A crise da consciéncia liberal alema”, “Max Weber" (outra de suas paixdes) & “Burocracia: da medigéo a dominacao". Nascido no Rio Grande do Sul, numa comunidade de imigran- tes judeus ucranianos que vieram: para o Brasil fugindo dos pogrons, Mauricio passou a infancia entre camponeses pequenos proprieté- rios. Escreve que 0s camponeses da localidade (Erebango, que depois tormouse Erexim e, final- mente, Getdlio Vargas), “ajudados pela imprensa libertaria, aprimora- ram o senso coletivo de vida e trabalho, aprendendo uns com os outros. Todos eram alunos e professores e aprendiam aomesmo tempo os segredos do cultivo da terra. A luz de vela, noite, apren- diam e ensinavam portugues, espanhol, russo e esperanto (.) Liam-se em Erebango muitos autores anarquistas russos, como Kropotkine, Bakunin, especialmen- te Tolstoi, com seu anarquismo religioso, anticlerical, que era 0 autor preferido”. lurante 7 anos manteve coluna intitulada “No Batente”, no jornal Noticias Populares... Quanto a educagao formal, Mauricio estudou apenas até 0 3° ano primério, em Porto Alegre. Mudou-se com a mae para S40 Paulo, apés a morte do pai &, precocemente, ingressou no mercado de trabalho. Ainda muito jovem, freqiientou circulos ope- ratios, convivendo com trabalha- dores let6es, russos, lituanos poloneses, lendo e discutindo Lenin, Trotsky, Bakunin. Na década de 40, com 16 anos, teve rapida passagem pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), de onde acabou expulso por divergir do stalinismo, que entéo dava 0 tom. Segundo ele, o PCB proibia que seus militantes mantivessem “qualquer contato direto ou indireto com trotskystas ou outros inimigos da classe operaria’. ‘Aproximou-se do joralista trotskysta Herminio Sacchetta, cuja amizade usuftuiu até a morte deste companheiro, Como escreveu Ricardo Antunes, “foi nesse universo que sua critica da sociedade e sua recusa da politica institucionalizada cada vez mais conflufram para o idedrio anarquis- ta’. Tornou-se, também, amigo da familia Abramo. Freqiientou com assiduidade outro importante “centro de formacio", qual seja, a Biblioteca Municipal Mario de Andrade, onde integrava um grupo que lia de tudo: “de Aristoteles a Spengler, passan- do por Fernando Pessoa, Sa- Cameiro e José . Por sugestéo de Antonio Candido, candidatou-se ao vestibu- lar parao Curso de Ciéncias Sociais na USP, apresentando uma monografia sobre planejamento (posteriormente publicada em livro com 0 titulo: Planificacao: desafio do século XX). Abandonou Ciéncias Sociais apés um ano, fazendo vestibular para Historia, curso em que se graduou. Trabalhou como professor em gindsios de varios municipios de Sao Paulo e, posteriormente, na Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras de Sao José do Rio Preto, de onde saiu em 1964, quando foi casado. Lecionou na Pontificia Universidade Catélica de Sa0 Paulo (PUCSP) e na Faculdade de Educagao da UNICAMP (1975- 1992), além da FGV. Tive o privilégio de ser seu aluno, de ter estudado com ele, informalmente, durante anos, e de ser seu colega na FGV e na UNICAMP. Junto com Ricardo Antunes e Vasconcelos, compartilhamos durante 5 anos um gabinete de trabalho no antigo Departamento de Ciéncias Sociais. Inquieto, rara era avez em que Mauricio nao nos fomecia uma dica sobre qualquer ele ea 6 or eee Gilberto, debatia Wilhelm Reich, em especial sobre a relacéo do fascismo como a libido pequeno- burguesa; com Ricardo, acerca das questées trabalhistas € sindicais (durante 7 anos manteve coluna intitulada “No Batente”, no jornal Noticias Populares, em que analisava temas de interesse da classe operdria); comigo, sobre Weber, Lefort, Bourdieu e Wright Mills (com quem muito se identificava). Tenho a certeza de que outros colegas também se beneficiaram de sua generosa Presenca, em termos humanos e intelectuais. Mauricio fazia, ainda, a “ponte” entre alguns colegas do departamento de Ciéncias Sociai € 0 de Administracéo Geral, principalmente com Fernando Prestes Motta, Roberto Venosa eo. falecido Ramon Moreira Garcia. Gilberto Vasconcellos escre- veu perfil extremamente sensivel sobre ele: “8s vezes eu tinha impressio de que Mauricio andava como Adao, sempre com um cigarro na boca e os dois bragos Carregadios de livros. Leitor infati- gavel. Mas nao era um especialista chato; ele se interessava por muitas coisas nas ciéncias humanas”, Na UNICAMP, foi um dos fundadores da revista Educacio e Sociedade, além de orientar dezenas de dissertagdes de Mestra- do eteses de Doutorado -atividades que exerceu com intensidade também na PUC-SP e na FGV-, formando mestres ¢ doutores que atuam hoje nas mais variadas Universidades brasileiras ede outros paises latino-americanos, Além dos livros j& mencio- nados, escreveu Administracdo, Podere Ideologia, A Delingiiéncia Académica e Reflexées sobre o Socialismo, todos eles com varias reedicées. Organizou, ainda, Marxismo Heterodoxo. Publicou artigos em varios jornais da grande imprensa nanica, merecendo destaque sua colaboracdo para a Folha de S. Paulo, dedicando-se a uma gama variada de temas, Intelectual sem precon- ceitos, anti-burocrata por exce- lencia, até o fim da vida conviveu harmoniozamente com amigos colegas sindicalistas, anarquistas « académicos. Com a morte d Mauricio Tragtenberg desaparece um pensador que pautou sua ages remando contra 0 pensa mento dominante, fazendo-no: lembrar as paiavras do socidloge francés Pierre Bourdieu, para quem © intelectual sempre deve “tentar evocar 0s mecanismos da mode intelectual justamente nos templos da moda intelectual, utilizar os instrumentos do marketing, mas para fazé-los veicular aquilo que em geral eles ocultaram, em particular, a funcdo destes instru- mentos e daqueles que costumam utiliza-tos (..) 0 intelectual sempre deve tentar voltar contra 0 poder intelectual as armas do poder intelectual, dizendo a coisa mais inesperada, mais improvavel, mais deslocada no lugarem que 6 dita’, Quando penso_nestas palavras de Bourdieu, penso em Mauricio, em sua acdo, em sua trajet6ria rica e generosa, BIBLIOGRAFIA ANTUNES, Ricardo. “A Perda de uma Formosa Liberdade’. BITTENCOURT, Agueda B, “Tragtenberg, o Tamanho da Perda". Jorn. 138, Assessoria de Impresa da UNICAMP, Dezembro, 1998, p. 02. 6 ia, Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, BOURDIEU, Pierr te GANDINI, Raquel. “Mauricio Tragtenberg -erudicdo, coerén SP, n® 27, SANTOS, Raquel do Carmo (R.C.S,) “A Trajetoria de um Autodidata’, n° 138, Assessoria de Imprensa da UNICAMP, dezembro, 198, P. 2. TRAGTENBERG, Mauricio, Memorial apresentado por ocasido Faculdade de Educagao da UNICAMP, 1990. VASCONCELLOS, Gilberto. *Um Intelectual Libertério”. Folha de S. Paulo, . Folha de S. Paulo, 14 janeiro - 1998, p. 3. Campinas, SP, Ano Xil, n° cla €a¢0 politica’. Boletim ADUNICAMP, Campinas, -Jomal da UNICAMP. Campinas SP, Ano Xl, de seu concurso para Professor Titular junto MAIS, 20-dezembro - 1998. néwrat pi. Mauricio Tragtenberg: A perda de um Ser Bae t(8) RDO ANTUNES, professor do IFCH da Unicamp. névtO. pét... 9 MAURICIO TRAGTENBERG: A PERDA DE UM INTELECTUAL HERETICO* Ricardo Antunes** Mauricio Tragtenberg. A Universidade, as ciéncias, a pedagogia, 0 pensamento social, os estudantes, os trabalhadores, perderam um de séus intelectuais mais vigorosos. Neto de imigrantes ‘camponeses, judeu-russos, nasci- do em Erebango (hoje Getélio Vargas) no Rio. Grande do Sul, Mauricio Tragtenberg tornouse um dos mais criativos intelectuais brasi- leiros da geracao que produziu a partir dos anos 60. Autodidata, espiito avesso as artimanhas burocratico-académicas, ‘Mauricio Tragtenberg foi responsivel por uma das mais instigantes agudas criticas contemporaneas, feitas no Brasil, 8 burocracia. Toda sua formagao bésica deu-se fora do ensino formal, tendo freqientado por pouco tempo o ensino basico. Mas, desde cedo, fora um leitor e verdadeiro devorador de livros, que eram lidos e assimilados por Mauricio nos estudos feitos na comunidade camponesa onde rnasceu. Foi mais tarde, na Biblioteca Municipal de Séo Paulo, que aprofundou seus estudos € veio a conhecer varios _—_colegas universitérios em quem encontrou apoio para ingressar na universidade. Seu primeiro livro Planifi- cacao: Desafio do Século XX (Ed. Senzala), apresentado como mono- grafia para 0 ingresso na graduacdo da USP (uma vez que ele naotinha a escolaridade formal necesséria para tanto), sistematizava esta sua primeira fase de leituras e fazia aflorar aquele que se consolidaria E m novembro pasado faleceu como seu método de pesquisa e seu estilo: navegar com desenvol- vimento pelo pensamento classico modemo, com amplo dominio da historia e procurando sempre entender alguns dos desafios mais candentes da contemporaneidade. Neste livro de juventude, pré- universitirio, tematizou acerca dos mecanismo socioecondmicos do planejamento e da planificacio, “antes como categoria histérica, do que categoria l6gica propriamente falando’. Mauricio Tragtenberg discorri remente) sobre o espirito: burgués na Franga, o espirito puritano na Inglaterra, a via norte-americana, a heranga bizantina na formago do Estado Russo, os dilemas da Revolugtio Russa, as interrelagées entre Ocidente e Uniao Sovietica, entre outras quest6es. Antonio Candido, ao apresentaraquele livo, fez aseguinte sintese: “Com honestidade e heterodoxia, longe de dogmas e preconceitos, 0 Autor circula entre fatos historicos, sociais econémicos com uma formosa liberdade, manifestando a cada instante uma equacao pessoal que no se quer omitir e que atua como presenca fecundante.” Livro primeiro que anunciava uma produc&o que se ampliaria e se diversificaria aré sua morte, em 1998. No seu classico Burocracia e Ideologia (Ed. Atica), seu trabalho. cde maior folego, apresentado como Tese de Doutorado na USP, ofereceu um abrangente desenho histérico-critico da dominagao burocratica. Aqui, respaldado nos classicos, particularmente em Weber, Marx e Hegel, fez uma abrangente analise critica da burocracia, desde sua apariga0 no modo de producao asiatico da China, India e Egito, até as corporag6es capitalistas modernas, bem como sua vigéncia na sociedade soviética, onde na forma de um “coletivismo burocratico, a burocracia detém coletivamente a propriedade dos meios de produgo e o monopélio do poder politico. © proletariado no participa da diregao da producao, estd relegado as fungoes de pura execucdo”. Apesar de sua forte ancoragem em Weber, mostrou como 0 “modelo weberiano, para qual a burocracia se esgota como organizaco formal, nao explica situagdes em que a burocracia nao 6 agente dos detentores do poder econémico- como no capitalismo classico - mas definida como um poder econdmico e politicamente dominante”. A critica ampla a Henry Ford, Taylor, Elton Mayo, bem como ao chao histérico-social que as geraram, & outro traco marcante do livro. + Aquestao da burocracia, da administracéo, do poder, das for- mas de pressao e dominacao foi 0 verdadeiro leitmotif da reflexdo de Tragtenberg: “...a esséncia da grande cooporacao moderna do capitalismo norte-americano, con- siste em manter e reproduzir as relacbes de produgao capitalistas, ‘onde os gerentes asseguram a harmonia entre capitalistas, acio- nistas, fornecedores, operarios & técnicos que nela trabalham” (Administracao, Poder e Ideologia, Ed. Moraes}. Suas aulas na FGV eram sempre das mais concorridas. O aluno sabia que iria postar-se diante de um espirito singular, demolidor das iniquidades, das hierarquias, das dominacdes do capital, mas também diante de um critico arguto do stalinismo, das aberragoes cometidas em nome do socialismo, das formas da domina- do exercidas em nome (e contra) 0s trabalhadores Depois de curtissima passagem pelo PCB (onde, segun- do relaja Tragtenberg, “vigorava fem seus estatutos o infamante artigo 13 que rezava: “E proibido ao militante (do PCB) ter contato direto ou indireto com trotskistas ste artigo apresenta uma versio bastante ampliada daquele publicado na Folha de S. Paulo, Tendéncias& Debates, em 14/01/99 @ em Crtica Marzista, n. 8, 1999, Ed. Xema, SP. * *Professor do IFCHIUNICAMP e autor, entre outros, de Adeus ao Trabalho? (Ed. Cortez/Unicamp, 1995) e organizador de Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos: Reestruturacdo Produtiva no Brasil e na Inglaterra (Ed. Boitempo, 1996). nave. pit. 10 ou outros inimigos da classe operdtia’, Folha de S. Paulo, 02/ 11/82), sua atuagao politica esteve durante muito tempo préxima de Herminio Sacchette, jornalista que fez escola na imprensa brasileira. Como disse Tragtenberg: “Sob influxo do “Velho”, Ifamos e faziamos a critica dos cléssicos do bolchevismo, sem perder de vista que a realizaco de um projeto socialista nao passa pela mera substituiggo de homens no poder do Estado, mas na ruptura com as formas de exploracao edominagao existentes” (idem). E foi neste universo que sua critica societal e sua relativa recusa da politica institucionalizada cada vez mais se aproximava do idedrio anarquista Porém, aqui também Mauricio era desconcertantemente heterodoxo. Num instigante ensaio sobre as relagdes entre Marx e Bakunin, disse Mauricio Tragtenber *enquanto Marx estruturava uma obra critica & economia capitalista em 0 Capital, nao se encontrava na obra de Bakunin algo parecido, nem no conjunto das obras dos chamadbos ‘libertarios’ que se opdem aos chamadlos autoritarios”, como Rocker, Kropotkine ou Broockin’. Mauricio Tragtenberg mostrava que a “estrutura centra- lizadora, autoritaria e jacobina’ estava presente na formulacéo de Bakunin e nao naquela formulada por Marx. (‘Marx/Bakunin” em Marx Hoje, Ed. Ensaio). Mauricio Tragtenberg foi um intelectual herético. Foi, ao mesmo tempo, influenciado por Marx, Weber, pelos anarquistas e tam bém por Trotsky. Disso resultou um autor criativo e agudamente ctitico da sociabilidade comtempo- rinea, agudamente anti-capitalista € contratio as formas de opressao anti-operdtia . Ele atava vivamente sua reflexdo tedrica ao solo societal brasileiro marcado por iniquidades que até hoje se prolongam. Fizeram histéria alguns de seus artigos, publicados em Tendéncias & Debates desta Folha, onde Maquiavél, Weberapareciam. “tespondendo” questdes sobre a particularidade brasileira, como se 2 Vox. E centralidade. Mauricio fosse um repérter entre- vistando os classicos redivivos. ‘Combinando erudicao, perspicdcia sobrea politica brasileira e sempre uma fina ironia, oferecida aos leitores elementos da critica dos cléssicos, remontando entrevistas que eram pecas jornalisticas saborosas. Também nestes artigos de imprensa, foi pioneiro, entre nés, na critica ao toyotismo, antes que esse idedrio e essa pragmatica se tomassem lugar comum na empresa moderna e viessem a substituir e/ ‘ou mesclat-se ao taylorismo, ao fordismo e a Escola de Relagdes Humanas de Elion Mayo. Sua maior ligdo talvez seja * ter combinado erudigao e simplicidade, reconhecimento académico e espirito critico. Critico éspero da burocrati- zagao, da institucionalizacao, da moderacdo, do participacionismo, tanto dos sindicatos, quanto dos partidos - e especialmente destes - Tragtenberg era um defensor da centralidade do trabalho, do papel central em face das direcdes, da autonomia em face da hipertrofia das vanguardas, da democracia operétia em face do centralismo democratico dos partidos de esquerda, Sua coluna no Noticias Populares era um canal da deniincia operéria contra as mais distintas formas de opressao de classe, e mesmo das mais diversas formas de dominagao. Era uma incansavel tribuna de defesa dos trabalhadores, aque Mauricio dava sempre em vez Tivemos 0 privilégio de dividir, Afranio Mendes Catani e eu, uma sala docente junto com Mauricio Tragtenberg, na FGV-SP, nna segunda metade dos anos 70. Em sua mesa de trabalho existia uma maquina de escrever tipo Reminghton, bastante antiga, que ele teclava compulsivamente, sempre com um cigarto do lado esquerdo da boca. Ele tinha uma enorme capacidade de escrever, conversar efumar, simultaneamen- te. Dessa Reminghton safram artigos dos mais criticos & ordem dominante, para quem conhecia a administragao e a l6gica do capital, trabalhando na Escola que mais qualificagées ¢ atributos tinha estes quesitos (e que, digase de passagem, era entio generosa no acolhimento daqueles que, como ‘Mauricio, entendiam a ciéncia com 5 alhos no mundo do trabalho). Da FGC a PUC, pasando pela UNICAMP (e anteriormente ainda pela Faculdade de Filosofia de Rio Preto, de onde fora demitido depois do Golpe Militar de 64), muitos foram os alunos e colegas que aprenderam com Tragtenberg, Sua maior ligao talvez seja ter combinado erudicao e simplici- dade, reconhecimento académico espirito critico. Mas foi antes de tudo um exemplo de enorme, de incomensuravel generosidade, capaz de dar espaco e voz aqueles que tinham dificuldade de encon- tré-la e expressé-la. Todos sentire- mos a falta de Mauricio Tragtenberg. Que esse Seminario, ‘em homenagem a esta bela figura, seja um justo momento de reflexéo da sua obra. E que sejao primeiro, de muitos outros. E a pequena homenagem que hoje podemos fazer a Mauricio Tragtenberg, née. pét.. "1 Sobre Administracao e Avaliacao: Uma conversa com as idéias de Mauricio Tragtenberg Le maleie a DAMN Ae) aE CENTS OU AMO gE Cees eee a névro. pit. — a 13 SOBRE ADMINISTRACAO E AVALIACAO: UMA CONVERSA COM AS IDEIAS DE MAURICIO TRAGTENBERG Agueda Bernardete Bittencourt Uhle screver pode ser um oficio duro, mass vezes chega a ser magico. Neste momento eu no tenho um tema sobre o qual deva me debrucar, pensar, destrinchar. Tenho algumas idéias, muitas lembrancas e um senti- mento. Quero que esse texto seja orientado, pois, pelas lembrancas e pelo sentimento, matérias com as quais pretendo alinhavar as idéias. O sentimento que experimento hoje € diffcil de precisar, eu chamaria de desamparo. Nao sei ‘mesmo se desamparo pode ser um sentimento ou uma sensa¢ao, mas 0 leitor saberd do que falo. Desamparo remete por oposicéo a uma figura forte, acolhedora, ao calor da solidarie- dade, a sensagao de bem-estar de ter um ombro amigo em quem se apoiar. O desamparo a que me refiro tem a ver com a auséncia de um bom conselheiro, pronto a escutar, a discutir e a buscar junto 9 melhor caminho. Auséncia daquele que sabe fazer a pergunta- chave nos assuntos mais corriquei- ros. Entendo melhor agora a masica que Sergio Bittencourt fez em homenagem a Jacé do Bando- lim e que diz: “Naquela mesa esta faltando ele e a saudade dele esta doendo em mim". Nao poder encontrar mais 0 Mauricio e com ele discutir os rumos da CPI dos Bancos, a nego- ciacao da Ford com 0 governo do Rio Grande do Sul, a possivel candidatura de Antonio Carlos Magalhaes a presidéncia da Reptiblica ou os desdobramentos das acdes da Organizagao Tratado Atlantico Norte em Kosovo deixa uma sensacdo de desamparo. Mas ‘odesamparo, 0 vazio dessa ausén- cia se torna ainda maior quando 56 problemas politicos e sociais esto fantasiados, ou mascarados, dificilmente identificados como temas politicos de tao largo alcance quanto os anteriormente citados, de visibilidade evidente. Aqui me refiro a falta que me fazem as conversas da hora do almogo, quando falévamos do cotidiano de cada um, eentravam ‘em pauta temas como as relacoes entre homem e mulher, na casa, no trabalho, as marcas da cultura judaico-crista que cada um de nés traz na sua forma de olhar mundo, dos simbolos que tocam tuns e outros de acordo com suas historias pessoais. Sem qualquer esnobismo, com a simplicidade que o caracterizou, Mauricio trazia exemplos hist6ricos que imediata- mente faziam sentir-me uma personagem do meu tempo, coerente com a histéria e com 0 lugar onde estou. Essa posigao tranqilila que ele sempre adotava, que s6 0 conhecimento garante, transmitia seguranga, confianca, dava leveza aos temas mais complexos. A erudigao era parte integrante de seu espirito, flula naturalmente. Era capaz de fazer indicagio bibliogrdfica aos p6s- doutorados e PHDs da academia com a mesma gentileza e naturalidade com que indicava leituras aos alunos ingressantes que 0 abordavam nos corredores e cantinas da universidade. Eu poderia ficar aqui falando durante horas para demonstrar a legitimidade de meu desamparo, mas nao é disso que trata este seminario. Escolhi, pois, do conjunto da obra do Mauricio aquele texto que esté mais forte nas minhas lembrancas e que tem muito a dizer no debate que se trava hoje sobre Educacéo, Politica Universitaria e Estado, e que foi minha referencia na pratica docente por varios anos. Gostaria de contar como esse texto me ensinou a ler a histéria contemporanea, a compreender processos politicos que em plena década de 70 eram considerados técnicos. Fez-me entender que a administracdo, em lugar de uma atividade técnica é um claro exercicio politico, Trata-se de uso do poder. Refiro-me ao livro Burocracia e Ideologia’ ‘Mas antes de tudo juntando desamparo e lembrangas revejo a cena do meu primeiro encontro com 0 professor Tragtenberg, que tem a ver com o tema do livro em questo. Era uma sala no prédio do ciclo basico, na UNICAMP, sala tipo auditério, enorme e lotada. ‘Agosto de 1977, primeira aula de Administragéo da Educac4o, no ‘curso de mestrado. Entro na sala as 14 horas ¢ trinta minutos, com meia hora de atraso, encontro o quadro cheio de anotacoes desorganizadas e sobre o tablado professoral, diante dos alunos, um senhor que falava com o cigarro na boca, em voz calma e pausada. Ao me ver entrar interrompeu sua prelecao para me acolher a seu modo; “Entaéo dona Maria se atrasou lavando a louca? E bom chegar na hora sendo perde a matériae vai mal na prova...” Esse misto de ironfae crueldade atingiu diretamente a minha feminilidade. Eu tinha razdes para chegar atrasada nesse dia. Depois descobri que ele tinha também as suas para nao suportar que se abrisse a porta depois que ele iniciava a aula. Coisas da hist6ria de cada um. Eu com a minha matemnidade e ele com as marcas da perseguicdo politica e delacao que havia sofrido nos anos precedentes. No quadro, em meio as anotagdes em desordem consegui decifrar trés referencias TTragienberg, M., Burocracla e Hdeologia. St0 Paulo, Ed, Atica, 1977. Esse liv foi originalmente a tese de doutorado defendida pelo Mauricio na Universidade de Sao Paulo. navre. pit. 14 que me sao titeis até hoje, 22 anos depois: Nicolau Maquiavel, "O Principe"; Franz Kafka, “O Processo”; Max Weber, “Economia ¢ Sociedade". Havia mais, mas eu ‘56 consegui chegar a esses trés de onde retirei mais tarde as bases para minhas proprias reflexoes sobre administracdo educacional. Muitos outros vieram depois. Estes, porém, permanecem no meu horizonte ainda hoje quando estou dedicada a estudar 0 laico eo religioso na educagao escolar, tema tratado de forma diferente por cada um desses autores. Neste mesmo ano de 1977, Mauricio lancava 0 seu estud “Burocracia e Ideologia” a cuja leitura me dediquei um ano depois. Minha primeira reago ao livro foi de desanimo. Era muito denso e eu nao tinha referéncias para entender o que ali estava sendo analisado; foi entéio que discutindo, ou melhor, queixando- me ao autor ouvi outra ligéo que aprendi para o resto de minha vida. Mauricio disse-me simplesmente o seguinte: “Eu levei 6 anos para ler Economia ¢ Sociedade do Weber". Ler livro nao é somente seguir as frases escritas pelo autor, & preciso compreender as bases do pensa- mento que esta exposto, saber com quem 0 autor esté discutindo, de quem é herdeiro. Enfim, a produ- cao de um autor esta situada na historia, no universo do pensamen- to sobre o tema que ele escreve. O que Mauricio me disse nesse dia foi que eu nao entenderia o seu livro se ndo fosse aos rodapés e no buscasse suas fontes e seus interlocutores. Valeu a licdo! Voltei ao livro e por um semestre dediquei & leitura e compreensao do capitulo Il, “As Harmonias Administrativas de Saint-Simon a Elton Mayo". Com esse estudo montei o progra- ma da disciplina Principios e Métodos de Administragio Escolar |, para 0 curso de Pedagogia. Foi com esse estudo que aprendi o significado do tecni Tider, Wbidem., pp.5889 educacao que se estabeleceu no Brasil ao longo deste século. Aprendi o que significa tratar as teorias da administracao através dos seus principios histéricos, filos6ficos, econdmicos e sociol6- aicos. Pois, ao fazer essa leitura vi- me obrigada a estudara historia do capitalismo, a importancia da revolugao industrial, das descober- tas cientificas @ tecnolégicas, das transformacdes na ordem industrial para a producZo de uma nova teoria. Ou melhor, para 0 surgi- mento de um novo campo de conhecimento, como diria P. Bourdieu. Diferente de tragar b contexto onde as coisas acontece- ram ou acontecem, como se tem feito na maioria das teses sobre educacao no Brasil, onde o tal de contexto hist6rico & um capitulo parte no infcio da tese e em geral ngo ajuda a explicar o problema em estudo. Nas obras do Mauricio € nas teses que ele orientou, 05 dados histéricos e os principios econdmicos, filoséticos ou sociolé- gicos estao expressos na anélise feita, no olhar langado sobre 0 problema em estudo. Ali onde antes estava 0 homem e a sociedade. agora se encontra a empresa ea produtividade. © que ocorre no capitulo sobre “As Harmonias Administra- tivas” € que, das andlises sobre as condigées objetivas de trabalho, com base na infra-estrutura tecno- l6gica, Mauricio vai tecendo a rede da exploracao capitalista em relacao ao trabalhador no universo fabril, cotejando-a com o pensa- ‘mento politico-econdmico-social e filos6fico de cada época, a partir do século XVIII. A questao central para o autor parece ser encontrar © lugar dos intelectuais que produzem as teorias sobre a sociedade. E descobrir 0 qué e a quem servem as teorias que produzem. Aoescolher este texto como referencia desta fala, fi-lo justa- mente porque vejo aatualidade da preocupacio nele expressa. Como veremos mais adiante, esse texto permite compreender perfeitamen- te 0 significado de algumas politicas académicas que estéo sendo adotadas nas mais pres- tigiadas universidades deste pais, apresentadas como reformas, processos de modernizacao, avan- G0s democraticos, quando na verdade nao passam de vethas propostas de um novo tecnicismo. Nesse texto impressionou- me particularmente a demonstra- cdo que Tragtenberg faz da passagem das grandes teorias sobre a sociedade e sobre o governos para as teorias das organizagées que vao cuidar de cronomettar os movimentos do trabalhador ao pé da maquina. Trata-se de uma ruptura na hist6ria do pensamento politico que tem suas bases plantadas na dinamica do processo de industrializacao. Trata-se do momento em que se faz radical a transformacao nas relacdes sociais, no mundo capitalista, O que estou querendo dizer é que, nesse mo- mento, a empresa assume o lugar da sociedade, no universo do pensamento e portanto substitu-se um campo de pesquisa por outro. Nao se trata mais de saber qual a organizacao social ideal para que ‘os homens vivam em harmonia, como pensava Fourier, no final do século ou, como deve ser gover nada a sociedade, se pelos produ- tores, pelos nobres ou pela Igreja ‘como investiga SaintSimon.? Mas, se a empresa assume o lugar da sociedade ela mesma é seu horizonte e o que deve ser pensado sto formas de fazé-la crescer fortalecer-se. E, pois, essa trans- formaco na concepgio da socie- dade e da politica que vai permitir o aparecimento da Administragao Cientifica de Taylor. néwvea pi. 15 Os estudos deste engenhei- ro, antigo operario, sobre 0 processo de trabalho, especial- mente centrado no controle dos tempos ¢ movimentos marca 0 surgimento das teorias das organizacées. Taylor escreve, baseado nas observagdes que realizou em empresas americanas, com vistas a garantir maior lucto e maior produtividade na inddstria. Embora a introducao de seu liveo faca mencao a situagao americana e A necessidade de produzir para ‘oenriquecimento do pais e para 0 bem-estar dos trabalhadores, a teoria da administracao que se inicia com esse pensamento vai ‘ocupar 0 lugar da teoria politica @ das andlises sociais globais, herdeiras do humanismo. Ali onde antes estava 0 homem e a soci- edade agora se encontraa empresa ea produtividade. Mas, como bem assinalava Tragtenberg, em concordancia com Hanna Arendt e Bourdieu, a educacao, por natureza conservadora, segue a~ reboque do processo histérico Tragtenberg ao analisar 0 aparecimento dessas teorias vai desvendando as condigées sociais, que tornaram possivel, nao apenas a emergéncia, mas também a expanséo do taylorismo, como forma de organizacao do trabalho. Assinala que somente num contexto de desemprego, baixo indice de sindicalizagao e organizacao dos trabalhadores, aus@ncia de legislacdo social € existéncia de empresas com grande poder econdmico e politico, f possivel as empresas implantar tio ampla e massivamente a organiza- cao do trabalho por Taylor, mais > Entre os textos bésicas sobre o tema, escrito escola; Delingulencia académica. maVTO péL.. tarde aprofundada por Fayol e Elton Mayo. A teoria da administracdo iniciada com a Administracao Cientifica de Taylor esta baseada na hierarquia e controle, no distanciamento do operario (executor) dos planejadores e avaliadores alocados no Depar- tamento de métodos ou no setor de supervisao. Dentro da teoriada administracao no ha lugar para pensara sociedade e a histéria. Ela é centrada nas organizagdes, na producdo, no produto e nos processos de trabalho. Sa os meios e a forma que estio em questao, ndo cabe a discussao dos fins, ou melhor dos efeitos da generalizacio dessa organizacao taylorista do trabalho sobre a sociedade contemporanea. Mas a historia segue seu curso € 0 tempo faz seu trabalho. O taylorismo nao foi jamais aceito pelos trabalhadores. As formas de resisténcia, absentefsmo, greves, operacdo tartaruga significaram pressao sobre as empresas e seus gestores e deram origem a novas respostas do capital, em forma de teorias de administracao. A teoria das relacbes humanas no trabalho desenvolvida inicialmente por Elton Mayo e Mary Parker Follet e (05 estudos realizados por Moreno aparecem como tentativas de dou- rar a pilula amarga do taylorismo, transformando 0 supérfluo mas mantendo o essencial nas relacoes de trabalho, ou seja, a separacto do trabalhador das decis6es sobre 0 trabalho, 0 lucro e 0 ritmo de produgao, garantindo assim os mecanismos de exploracao e acumulagao. Destrinchando essa historia, Tragtenberg vai demonstrando a natureza do modo de producao capitalista, sua forma de organi- Zacdo e gestdo que nao se restringe a producao simplesmente, mas acaba por invadir todos os espacos das relacées humanas, ai incluidas as escolas, as igrejas, 0s clubes, onde quer que o individuo atue. Naescola, logo nos anos 60 comegou uma onda de criacao de cursos de formacao para admini tradores e supervisores educacio- nais. Era a divisio do trabalho, no modelo industrial que estabelecia na escola, Supervisto, planejamen- to e avaliacdo passaram a ser campos de investigacao e forma- ao. Na pratica, ser diretor ou supervisor significa - como nas empresas - fazer carreira, ganhar melhores salarios em relagéo aos professores de sala de aula. A partir da década de 70, Mauricio Tragtenberg, trabalhando na Faculdade de Educacéo da UNICAMP, no Departamento de Administragao e Supervisio Educacional, segue escrevendo, fazendo a sua docéncia, orientando teses e dissertagdes, na busca de fazer compreender, aos educe~ dores, as mazelas produzidas por tal organizacéo da educacao e da escola.’ Ele percebia que o estabelecimento de um campo de investigagao e formacao € impor- tante fator legitimador da pratica. A criacao de um espago acadé- mico para formagio de diretores e supervisores dé origem a uma dinamica perversa, dificil de romper, pois, trata-se da legitima- ‘Gao emprestada pela ciéncia, Neste 280, legitima o exercicio do poder travestido de funcao técnica e especializada na pratica das escolas, e da Secretaria de Educagso. Os professores, aqueles que permane- cceram em sala de aula, perceberam logo os efeitos da burocratizacao da escola decorrentes da diviséo social do trabalho. Iniciaram, na década de 80, uma luta pela democratizagao da escola e contra a hierarquia burocratica da Secretaria de Educacao, que levou 20 anos, no Estado de Sao Paulo. Aeextensao e dureza da luta deveurse ao fato de que uma vez alcancado um cargo ou funcao de mando, ex-professores, passam a defender com unhas e dentes 03 reste periodo pode-se citar: A escola como organizagao complexa; Relagtes de poder na 16 privilégios desses cargos. E dar que as associagées de diretores, en- carregados de defender os direitos adquiridos por seus associados logicamente se “opdem aos que permanecerem em sala de aula. Por outro lado, nas univer dades, as faculdades de educacao que haviam se estruturado por departamentos oferecendo a formacdo técnica aos quadros da escola - supervisores, inspetores e diretores -diretores -lutavam para manter esses cargos nas escolas de 1° e 2°. graus, preservando dessa forma suas préprias atividades, seus campos de pesquisa e areas de treinamento. Essa posigao de professores, universitérios, que se manteve na Unicamp pelo menos até 1997, merece ser melhor observada. Defendiam para as escolas de 1°. 2°, graus diretores e supervisores concursados e estéveis, com forma- 40 técnica e para a gestao da universidade em todos os niveis, a alternancia nos cargos e a elegibilidade de todos os professo- res, independente de area de formago. Trocando em mitidos, a receita oferecida aos outros nao servia para nés. Mas, como bem assinalava Tragtenberg, em concordancia com Hanna Arendt, Bourdieu e outros, a educacao, por natureza conservadlora, segue a reboque do processo histérico. Assim, enguan- to os educadores lutam uns pela manutengdo e outros pela trans- formagao das relacées na escola, no setor empresarial as formas de gerire controlar amao-de-obra vao se adaptando as exigéncias produzidas pelo mercado e pela prépria pressao dos trabalhadores. Os novos ares com relaco a organizacao do trabalho vem do Japao, do milagre japonés, ¢ as novas palavras de ordem sao: flexibilidade, qualidade e avalia- ‘$40. As expectativas do capital em relagdo ao trabalhador passam a ser por um trabalhador mais auténomo, capaz de mudar de tarefa rapidamente, que possua uma formacao geral para adquirir novos conhecimentos. Que seja criativo, capaz de tomar decisbes, como se 0 problema estivesse no peril do trabalhador e no na grave redugo de empregos que est colocada. Entre as primeiras “ferramen- tas” dessa nova forma de agir das empresas, adotadas no Brasil esta © CCQ, Circulo de Controle de Qualidade e 0 Justin-Time. Tais novidades encontram alerta, 0 experiente pesquisador, um dos primeiros a denunciar as novas formas de controle do trabalhador. Da Faculdade de Educacao da, Unicamp parte para 0 Japao, para ver de perto em que condicoes se produziam essas novas técnicas gestoriais, na Toyota, uma jovem pesquisadora - Eneida Ota Shiroma, orientada__por Tragtenberg.* As pessoas podem estar se perguntando, porque eu teria escolhido esse assunto para tratar aqui e eu acredito que agora, depois dessa viagem seja possivel explicar a importancia de ter estudado as questoes da administracao pelo viés do poder. Na verdade, estou querendo tratar da universidade hoje e da moda que invade a politica do ensino superior do MEC e a politica académica de boa parte das universidade da América Latina. Quero analisar como os principios de organizagao e gestao das ‘empresas chegaram & reforma do Estado. A atual reforma do Estado e sua conseqiéncia politica universitéria tem dado muito que falar e mais ainda o que pensar. Segundo Marilena Chaut, “A reforma tem um pressuposto ideo- légico basico: o mercado € porta- dor de racionalidade sécio-politica agente principal do bem-estar da Reptiblica. Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como a sadde, a educacao e a cultura) no setor de servicos definidos pelo mercado, Dessa maneira a reforma encolhe 0 espaco piiblico demo- cratico dos direitos e amplia espaco privado, nao s6 ali onde seria previsivel - nas atividades ligadas & produgdo econémica - mas também onde nao éadmissivel = no campo dos direitos sociais conquistados. ‘A posicao da universidade no setor de prestagao de servicos confere um sentido bastante deter- minado a idéia de autonomia universitaria e introduz termos como “qualidade universitéria”, “avaliacéo_universitaria” flexibilidade’®. Esses trés termos que che- gam agora para a politica univer- sitéria jd esto na pratica das ‘empresas privadas ha pelo menos duas décadas. $a0 elementos da chamada reengenharia empresarial ou das novas formas de gestéo, inspiradas, como vimos no taylo- rismo. Sao respostas ao processo de globalizagao da economia e as répidas mudangas no campo das comunicagdes e da informética, Fazem parte das demandas de um mercado cada vez mais internacio- nalizado. Junto aos termos qualidade, flexibilizacdo e avaliagao aparece ‘outro: autonomia. Espera-se que 0 trabalhador seja auténome, tenha auto-controle e se conduza segun- do a sua auto-avaliagao. Descar- tam-se ou desvalorizam-se as supervisdes, as chefias, O trabalha- dor deve ele mesmo gerir 0 seu desempenho buscando a quali- dade do seu trabalho. Um estudo desenvolvido por Faguer e Balazs € no final da década de 80, na Franca, em uma grande empresa multinacional, mostra os efeitos da avaliacao + Shirons, E, O., Mudancas tecnolégica, qualificacdo e politica de gestae. Campinas, UNICAMP, tese de doutorado, 1994. Ver ainda a tese de Edmundo Escrivao Filho, CCQ e Justin-time: uma andlise integrada. Sao Paulo. PUC. SP., 1992. * Chaui, M, . “A universidade operacional” in, Caderno Mais, Folha de SP., p. 3 9.5.1999. “Faguer, JP., Balazs, G, Uma nova forma de gerenciamento: a avaliagio, in Veritas, Porto Alegre. V. 42v, n 2, 7.1997, mare pét.. 7 permanente € constante sobre a vida de trabalhadores, de nivel técnico, pressionados durante todo ‘tempo, seja pelo medo de perda do emprego, soja pelas imposicoes de ascensao na carreira. A pes- quisa, apoiada em entrevistas realizadas pelos pesquisadores do Centre d'Etudes de Emploi, revela a mudanga de habitos e compor- tamentos de homens e mulheres ‘em funcao das exigancias veladas, feitas pela empresa. Sob os titulos de autonomia, auto-avaliacao flexibilidade, a empresa acaba por impor aos seus funcionarios um ritmo de trabalho que extrapola 0 espaco da empresa, invadindo a vida privada; atuando sobre as escolhas matrimoniais, a consti- tuicéo de familia, a opcao ou nao pela matemidade eo momentoem que esta pode ocorrer. ‘A pesquisa aponta ainda o cuidado com aimagem, aaparéncia, Co corpo, apreservacao da juventuce como parte da construgdo de um curriculum vitae de valor fun- damental para permanecer num mercado de trabalho onde apenas a competéncia técnica nao é mais suficiente. Dizem os autores da pesqui- : “As relagdes de trabalho so separavelmente relagdes de dominacao, onde cada posto, a0 mesmo tempo em que implica 0 dominio de uma competéncia técnica especifica, requer as qualidades exigidas ordinariamen- te de um profissional de servigo. Assim com a informatica, exige-se até do pessoal subalterno ‘uma parte cada vez mais importante de atividade de servico ede comu- nicagao, Tornando-se, aparente- mente mais autonomo, cada assalariado deve acumularas quali- dades contraditérias implicadas no dominio técnico do posto e na consideracao das relagdes entre colegas, assumindo inclusive tarefas de enquadramento. Cada um deve saber negociar 0 seu 7 Idem, p. 412 * Chaul, M,, op. Cit. 3 dem, op, Cit, e Romano, R., Entrevista explosiva, in Caros Amigos, 23. Fevereiro de 1999. trabalho, auto avaliar-se, vender- se"?, Se na gestao tradicional (taylorista) 0 trabalhador era vigia- do, conirolado, regulado pelas chefias, esse processo restringia-se a0 tempo de trabalho estipulado ou contratado. Na gestéo pela avalia- a0 todos os espacos da vida do trabalhador estao vigiados, pois, 0 vigia, ele proprio, jamais se aban- dona. Mercado e concorréncia so as duas faces dessa moeda que permanece na sombra da avaliax ‘cao que aparece como instrumento para garantir a qualidade ea flexi- bilidade. Voltemos, pois, 4 questo da universidade, que como instituico social que 6, no esta a margem de todo esse proceso, gerado pelas novas formas de gestao e de relacdes de trabalho. Esta insti- tuigado surgida no século XIII europeu, atacada e defendida em diferentes momentos histéricos expandiu-se e consolidou-se tendo sempre como referéncia 0 reco- nhecimento pitblico de sua legit midade e de suas atribuigdes: “A legitimidade da universidade modema fundou-se na conquista da idgia de autonomia do saber diante da religiao e do Estado, portanto na idéia de um conhe- cimento guiado por sua propria \égica, por necessicade imanentes ale, tanto do ponto de vista de sua invengao ou descoberta como de sua transmissao" *, A historia recente da universidade brasileira, todavia, testemunha a violagao desse reconhecimento e legitimidade, quando o governo militar, na década de 60 impée a ela uma reforma jé pautada pela logica de mercado, segundo a qual, a fungao da universidade passa a ser no mais a formagao, a reflexao, a criacio ea critica, masa formacao rapida de profissionais requisitados como mao-de-obra altamente qualificada pelo mercado de traba- Iho. Essa reforma impos mudancas curriculares, estruturais, deu énfase aos contetidos técnicos, restringiu ‘© espaco das humanidades, enfim preparou o terreno para as mu- ‘dangas que se verificam agora nos anos 90. A implementagao de uma nova fase politica académica pautada no mercado comeca a parecer nitidamente quando 0s 6rgaos governamentais, as institui- (gbes de fomento a pesquisa desen- volvem uma série de critério para avaliar o desempenho das universi- dades, dos pesquisadores-docentes e dos alunos. ‘Aidéia de avaliar as institui- ‘gbes pliblicas, especialmente as Universidades, que haviam conse- guido autonomia, em varios aspec- tos, com critérios elaborados fora dessas universidades, expressa um de dois pressupostos: ou se considera aavaliagao um problema simplesmente técnico (leia-se neu- tro) ou se nega a autonomia univer- sitéria e se declaram, de fora para dentro os objetivos da academi ‘Aqui cabe observar os dife- rentes agentes sociais envolvidos na trama politica. Como bem denunciaram Chaui e Roberto Romano ®, a propésito da politica oficial para as universidades brasileiras, o Ministério da Educa- do e sua assessoria encontram-se, sem divida, interessados em adaptar o Estado as demandas do modelo capitalista, procuram convertera universidade brasileira de uma instituigdo social com- prometida em refletirsobre a socie- dade e a histéria em uma organiza- (¢a0 social produtiva. Para entender a posigéo do Ministério da Educa- cao, que 6 quem lidera a gestéo pela avaliacdo no Estado, tomo ‘mais uma vez as palavras de Chau: “® qualidade é definida como competéncia e exceléncia, cujo critério 6 o atendimento as neces- sidades de modernizacao da eco- rnomia e desenvolvimento social e nave. pét.. = 18 orientada por ts critérios: quanto ‘uma universidade produz, e quanto tempo produz e qual o custo do que produz. Em outras palavras, os critérios de prodigao quantidade, tempo e custo, que definirao os conitatos de gestio”® Ora, essa politica vem sendo acionada por todos os lados: a atribuigao de bolsas de estudos pela CAPES e CNPq tem como critério nero um a produtividade do programa de pés-graduacao medida pela equagdo: n® de alunos pelo n® de professores em anos de curso, Na mesma ldgica mede-se ‘odesempenho dos professores: n° de paginas escritas em artigos ou livros por tempo de trabalho, ou ainda n® de horas em sala de aula, por n? de alunos em curso por tempo de trabalho. ‘O que est sendo escrito, pensado ou pesquisado pouco importa, porém, importa muito 0 quanto esté sendo produzido e onde. Essa logica da produtividade qualificae desqualifica programas, universidades e docentes. Mas, 0 que me parece mais grave 6 0 tipo de comportamento que esta politica tem gerado nos meios académicos, Jovens pesquisadores, recém-chegados & universidade, pressionados por tal politica quantitativa e avaliadora, estao muito preocupados com uma producao individual, com o artigo ‘que precisam escrever e ainda com ‘onde publicar; querem saber qual revista est mais reputada ou tem mais valor nas avaliagoes de CAPES/CNPq, Consteuir um espaco de pesquisa com colegas e alunos, onde se discuta a relevancia social de temas, a coeréncia eo significado de certas abordagens, escapa ao olhar desses pesquisadores. ‘As mesmas instituigdes de fomento a pesquisa que implemen- tam tal politica criadora de concor- réncia constréem o discurso da natureza interdependente e interdisciplinar da pesquisa. "Idem, op. cit, p. 3. formacao de grupos de exceléncia mas prevéem a retribuigdo indi- vidual pelo desempenho. Desta forma, os grupos de exceléncia se convertem em espaco de luta e concorréncia. Ocorre-me agora perguntar ‘© que teria acontecido com a pro- dugao intelectual de Tragtenberg se ele tivesse, nos anos 80, sido atingido por tal l6gica politica. O que teria acontecido com seus mais de 200 artigos publicados na coluna NO BATENTE, do jornal Noticias? £ evidente que publicar uma coluna semanal no Noticias Populares nao tem qualquer valor para CAPES e CNPq, nao qual © programa de pés-graduacao no qual atua esse intelectual. Porém, Mauricio sabia claramente para, quem queria escrever, com quem. tinha interesse em dialogar, quem leria essa coluna. Ele, sem dévida, usou outto critério ao optar por essa forma de trabalho. Pesou a relevancia social e politica desse didlogo. Seu horizonte era a sociedade e nao apenas sua propria carreira académica. Como diria 0 Mauricio, distribuem os diplomas acreditativos, legitimadores burocraticos de uma fungao igualmente burocratica. Mas eu falava em observar os diferentes agentes sociais envolvidos nessa hist6ria. Vimos a posicdo do Ministério e das instituicdes de fomento. Cabe agora observar 0 que ocorre no ambito das universidades, nas unidades de ensino e pesquisa, nao apenas como essa politica vai nos atingindo a cada um individual- mente, mas as universidades, faculdades, centros de pesquisa. Vejamos, pois, alguns fatos pontuais que acabam por revelar (© pensamento em pauta. Nos Se er eer ame teen er Tera eeteeted ten ereretel | | Terre ier fa foe temlereteyferee-[eE Pereynnen Wes) te] [| | (Anat tC ae Metal fee ee Yay Met | aevenee | grande quantidade de cursos de pos-graduagio sendo abertos nas universidades espalhadas pelo pais. Mal uma instituigao consegue © reconhecimento, ou melhor, 0 titulo de universidade e j4 seus administradores abrem um programa de pés-graduacao. Entre as areas de maior incidéncia esta rea de educacdo e isso € com- preensivel pois, as universidades, e instituicdes de ensino superior devem dar conta de titular seus professores segundo os indices considerados aceitaveis pelos padroes da CAPES/CNPq. Considerando que o progra- ma de pés-graduacao em: educa ¢30 se propée a formar docentes do ensino superior e é aberto a qualquer das areas do conheci- mento, nada mais econémico do que programas de pos-graduacao ‘em educagio, garantindo primeiro atitulagao do pessoal da casa. Esse problema ja seria grave se apenas desvirtuasse os objetivos de um programa de pés-graduacdo, ma na verdade ele faz mais do que isso, desvirtua 0s préprios objetivos de qualquer programa de pés- graduacao que & a pesquisa e a producdo de conhecimento Na forma como eles vém sendo montados atualmente, sé0 puramente distribuidores de credenciais para os ja professores do ensino superior. Como diria 0 Mauricio, distribuem os diplomas acreditativos, legitimadores burocraticos de uma funcao igual- mente burocratica. Nao preciso falar aqui das pressdes salariais sobre os professores das universi- dades puiblicas que tém funcionado como um mecanismo gerador de colaboracao entre os professores titulados das instituigdes pablicas € esses novos programas de pés- graduacao. Essa politica que torna a for- magao académica uma formacao instrumental parece nao ter limite. Estao sendo criados por toda a América Latina cursos de pés-gra- névro. pét.. = 19 duagéo em Avaliacao institucional e de Aprendizagem, nao sé em novas instituigdes de ensino sem tradicao ou reconhecimento, como também em instituicdes piblicas reputadas, Tento observar esses projetos fazendo-me as perguntas ausentes na politica atual: © que significa a formagao que esté sendo proposta nestes programas? A quem serve? A que vérn? Eleger aavaliacdo como tema de uma pos-graduacao, com mes- trado e doutorado significa atribuir 0 tema relevancia ¢ legitimidade que o colocam em condicées de equivaléncia em relagio a mes- trados € doutorados em histéria, em filosofia politica, em sociologia ou em literatura, s6 para tomar alguns exemplos. Essa idéia tem me proporcionado um certo des- conforto e faz-me pensar nas estratégias usadas por diferentes agentes sociais para constituir um campo de saber e legitimé-lo. ‘Assim, ponho-me a pensar sobre as origens da avaliacdo, em que momentos e em que espago ela ganhaestatura a ponto de substan- tivar-se, ganhar corpo, virar objeto. Avaliar, verbo, acao. Avaiar, algo que se realiza sobre alguma coisa existente (real). Avaliar 0 ensino, avaliar os professores, ava- liara universidade. Mas avaliar em relacdo a qué? Aos objetivos fixados, a um padrao estabelecido, as metas organizacionais? Enfim sempre em relagao. ‘Assim, avaliar remete a dois outros temas: planejar, julgar. Se associarmos avaliacao com planejamento caimos logo no universo da administracao j4 suficientemente discutido aqui. Porém, nunca édemais lembrarque na administragio tradicional quem planeja/avalia ndo é quem desen- volve 0 trabalho mas sim quem administra, Nas novas formas de gestio, quem avalia é 0 proprio executor mas quem estabelece os padres em relagio ao que se avalia 0 mercado. Portanto, nos dois ca- sos a avaliagao funciona como mecanismo de opresséo sobre quem trabalha Se associamos a avaliacao com julgamento 2 idéia que se segue naturalmente é a classifica- ‘¢20, tema alias longamente estuda- do por Foucault, Apple, Bourdieu entre outros. Gostaria de tomar por empréstimo um fragmento da anélise feita por Canetti sobre 0 ato de sentenciar e julgar. Diz oautor: “O homem tem uma profunda necessidade de voltar sempre a classificar todas as pessoas que possa imaginar. Divi- dindo.o ndmero vago e amorfo dos existentes em dois grupos e colocando-os um diante do outro, ele Ihes atribui algo semelhante a ‘*densidade”. Ele os concentra como se tivessem de lutar entre si; ele os radicaliza e os enche de inimizade. Da maneira como os imagina, da maneira como os quer, eles tem de ficar necessariamente uns contra os outros. A separacao entre “bom” e “mau” é um método antiquissimo de classificacao dualis- ta, que no entanto nunca é infimamente conceptual eque nunca é totalmente pacifica. Ela implica a existencia de tensdo entre 0s dois lados e é importante que asentenca crie e renove essa tensio” Relendo esse texto de Canetti, vejo claramente os efeitos da avaliacao (julgamento) da CAPES sobre os programas de pés- sgraduacao, classificando-os e colo- cando-0s uns contra outros e defi- rnindo os que devem ser apoiados 05 que devem ser punidos com cortes de bolsas por exemplo. Numa avaliacdo classificatéria, na qual so atribuidas notas, ndo ha espaco para pensar as diferencas, debater abordagens. Existe um pa- drdo estabelecido pelo avaliador. “A criagdo de espaco no interior das faculdades de educacio, para um tipo de curso ‘que forma possiveis quadros para a gestdo pela avaliacdo, nao estara contribuindo para a titulacao da- queles que com a legitimidade do titulo se arvorardo a definir os padrées de exceléncia para a uni- versidade? Penso que 0 exemplo aqui abordado, da administracao, que de mero exercicio de poder ganha legitimidade cientifica e estabelece- se como campo de saber jé seria suficiente para que pelo menos nao se aceitasse passivamente esse nove pacote com selos interna- cionais do tipo Fundacao Ford, Banco Mundial e... Eu, de minha parte, prefiro continuar confiando na comuni- dade académica, no seu conjunto * Continuo nas ligdes recebidas do mestre aqui homenageado. Nao vejo a avaliagao como um proble- ma técnico, mas sim como um problema politico. Se os utzes para saberjulgardevem estudar: diet, filosofia, historia e 0 homem, ou seja, devem conhecer a fundo 0 que esta em julgamento-o fhomem easociedade, parece-me prudente que sejam chamados a avaliar: as Universidades, os pesquisadores ‘osestudantes, aqueles que melhor conhecem essa instituigao, sua his- t6ria e seu lugar social. * Caneti, E, Massa e poder. Sdo Paulo. Brasilia. Methoramentos. Editora de UNB., 1983, p.337- névrer pit. 20 Autonomia e Solidariedade: O Jornalismo Sindical de Mauricio Tragtenberg Tree) PAGO RABY A Ae eer Et Ce eet ee er ay 21 néwvt0. pit. AUTONOMIA E SOLIDARIEDADE: O JORNALISMO SINDICAL DE MAURICIO TRAGTENBERG Doris Accioly e Silva “O cardter anticapitalista socialista da luta operdria 1ndio se mostra simplesmente nas reivindicagoes colocadas em pauta, mas também no fato de o proletariado, no processo da luta, criar orga- izacbes horizontais, iguali- tarias - comités de greve, comissdes de fabrica, conselhos operdrios. O que corr6i o capitalismo é a cria- ¢40 dessas organizacées, pois elas negam o verticalis- mo dos organismos existen- tes, seja o Estado, o partido ‘ou sindicato. (...) Assim, socialismo é entendido aqui como 0 regime onde a auto- gestdo operdria extingue 0 Estado como érgao separado eacima da sociedade, elimi- na o.administrador dirigente da empresa em nome do capital e, a0 mesmo tempo, elimina 0 intermediario politico, isto 6, 0 “politico profissional”. (Mauricio Tragtenberg ~ Reflexes Sobre o Socialis- ‘mo Sao Paulo, Ed. Moder- na, 1986, pag. 10). ste trabalho procurara acompanhar a permanéncia de alguns nucleos concei- tuais e tematicos que vivificam toda a obratrajeto de Mauricio Tragtenberg, através de seus artigos no jomal “Noticias Populares”, na coluna assinada por Tragtenberg durante cerca de oito anos e que ele intitulava NO BATENTE. Buscar-se-d compreender a unidade polifonica desse trajeto- névret pét.. pensamento, através da presenca de fontes teéricas revorrentes em Tragtenberg e nele recriadas com heterodoxia e rigor, com uma “formosa liberdade”, nas palavras de: Antonio Candido. Tais fontes sao, essencialmente: Marx e seus intérpretes autonomistas, algumas vertentes anarquistas, Max Weber. O esforco do presente estudo sera perseguir essas malfiplas vertentes nas concepgées e andlises do sindicalismo, realizadas por Tragtenberg em artigos de jornal, uma de suas militancias mais constantes e férteis. Sublinhar tais fontes teoricas nao 6, de modo algum, reduzir a obra-trajeto de Mauricio Trag- tenberg a uma base filoséfico-cien- tifica advinda de poucos autores. Approdugio de Tragtenberg nutri se sempre de ampla erudicao, inclusive literaria, aspecto que pude sublinhar em recente palestra sobre ele, na Fundago Gettlio Vargas, em Sao Paulo. Em Tragtenberg, a escolha daqueles trés grandes veios teGrico- praticos jamais significaram secta- rismo, fechamento, dogma. Ao contrario, o modo origi- nal corajoso com que 0 autor 05 entrelaca na busca pela compre- ‘ensio do mundo contemporaneo possibilitou-lhe criar uma inter- pretacdo das causas da opressio e da exploracao_e abrir horizontes para um novo mundo societario. Nao é casual a insisténcia de Tragtenberg em citar uma frase de Machado de Assis: “Mais impor- tante que o fato a retina’. Ea retina anti-dogmitica de ‘Mauricio Tragtenberg foi perturba- dora, tanto para as territorialidades académicas quanto para as seitas politico-partidarias, Detestado pela direita, muitas vezes nao 0 foi me- nos pela esquerda ortodoxa. Ao mesmo tempo cultivava amigos comunistas, sem abdicar do exer- cicio critico a praticas e concep- ‘Ges do bolchevismo, fosse leninis- fa, stalinista ou trotskysta, ‘Avesso as Igrejas, reconhe- cceu logo a importancia das Comu- nidades Eclesiais de Base e das Pastorais como organizacoes de base popular e criticas. Escreveu indimeros artigos no jornal “O S80 Paulo”, daarquidiocese paulistana, na época do Cardeal D. Paulo Evaristo Ams, sobre quem escreveu com simpatia 0 artigo “O Cardeal dos Direitos Humanos’, no jornal citado, 29/10/82. Recusando quaisquer rotula- Ges, sempre cerceadoras e neutra- lizadoras da independéncia de pensamento, Tragtenberg reafirma, a0 mesmo tempo, a importancia dos movimentos libertarios e das concepgées € andlises de Marx paraa emancipagao social. Assim, a0 escrever sobre Rosa Luxemburg € a Critica aos Fendmenos Buro- craticos, Tragtenberg lembra: <"(c.) pode-se ser anti- marxista, mas nao se pode desconhecer 0 marxismo. Como uma espécie de marxista anarquizante, vou explicar melhor. $20 130 im- portantes as teses econd- mico-sociais de Marx que até hoje a esquerda nao apresentou coisa melhor. Todavia, o anarquismo tem uma contribuigo no nivel das superestruturas, no nivel da andlise dos movimentos sociais, da luta contra a buro- cracia ~ essa desgraca do nosso século - e no da defe- sada liberdade como valor. Embora nao seja libertaria, Rosa Luxemburg faz umade- fesa séria da liberdade poli- tica. O liberal adotava a li- berdade politica para justi- ficar a desigualdade econd- mica. Penso que a esquerda deve adotar a liberdade politica para caminhar para a igualdade econdmica". (Tragtenberg, M. op.cit., in Rosa Luxemburg ~ A recusa da Alienagao ~ org: Isabel Loureiro e Tullo Vigevani ~ Sao Paulo, Unesp/Fapesp, 1991). (grifos meus). Em outro artigo, na revista Educagio e Sociedade, n® 23, de Abril de 1986, intitulado Marx/B2- kunin: ou marxismo e anarquismo, 22 Mauricio Tragtenberg, amparado em autores das duas tradicoes, escreve: “A precariedade da visao da ‘oposicao na Primeira Interna- ional entre Marx-Bakunin {como sendo entre o “socia- lismo autoritétio” e “socialis- mo libertario”) revela um falso debate. € que a luta contra 0 “autoritarismo” em nossa épaca tem por funcao. dissimular os fundamentos da crise da sociedade, da cctise do trabalho e da con ‘¢a0 de assalariado, impedin- do 0 processo de luta anti- hegemonica a nivel das clas- ses e do Estado. O que se contesta hoje, por exemplo, no 6 propriamente a “auto- ridade”. E muito mais, na medida em que “ela é veiculo da opressdo salarial que Circula da fabrica a familia, a escola e ao Estado” (Berger, C. — L*associa- cionisme. Paris, Payot, 1974). O debate entre 0 autorita- rismo eo libertarismo tende a se tornar meramente filo- l6gico e paroquial, na med daem que esta descolado do movimento real do proleta- riado, onde se dao processo de uniao via associacao. Este procura vencer nao simples- mente 0 *autoritarismo” do- minante, mas, sim, adiviso social do trabalho e do saber, fonte do chamado “autorita- tismo". Discuti-lo como categoria em si mesma é uma inutilidade, pois ela expressao de uma relacdo social.” (Tragtenberg, M. op. cit. Pg. 98 — grifos meus.) No mesmo artigo, Tragten- berg ressalta os niicleos libertarios das concepgdes de Marx, presen- tes, por exemplo, na andlise que ele fez da Comuna de Paris, apon- tando-a como o primeiro governo proletério nascido das associacbes de trabalhadores, confirmando 0 principio da Internacional: “A emancipagao dos trabalhadores é obra dos préprios trabalhadores”, Escreve Tragienberg: “E importante situar que 0 cchamado “marxismo” nao é uma pedra monolitica, como © pretende o stalinismo. Na medida em que procura compreender 0 movimento real para nele intervir, ele encontra nas “leituras” de Rosa Luxemburg, Lukacs, Karl Korsch, seu desenvol- vimento I6gico. Comparati- vamente falando, enquanto Marx estrutura uma obra critica 4 economia capitalis- ta, - O Capital, - nao se en- contra na obra de Bakunin algo parecido, nem no con- junto das obras dos chama- dos “libertarios”, que se opdem aos chamados “autoritarios” (.,.). (Tragten- berg, M. op.cit.pg.86) Ser fiel 4 tradicao judaica é condenar mais esse genocidio praticado contra 0 povo palestino. Analisando as influéncias presentes no pensamento de Bakunin, Tragtenberg aponta ade Comte e a de Hegel alternada- mente, 2 do niflismo russo, marca- do pelo “catecismo revolucio- nario” de Netchaiev, “O organicismo, 0 culto ao individuo e ao federalismo sao as bases do seu “credo”. Veremos mais adiante co- mo, preso ao chauvinismo eslavo, ele acusa sucessiva- mente alemdes, franceses judeus, numa judeufobia compativel com sua proposta — “libertaria”. (ibidem, ibid., pg. 86) Convém lembrar que Mauricio Tragtenberg, vinculado & mais alta linhagem cultural do judaismo, ado humanismo e do libertarismo de Albert Einstein, de Hannah Arendt Nahum Goldman, Noam Chomsky, Walter Benjamin, entre outros, venceu, por issomesmo, umaardente polémicacom oembaixador de Ise pela Folha de Sio Paulo, devido ao massacre de palestinos nos campos de Sabra e Chatila, em 1982, “por obra dos assassinos che- fiados pelo coronel Haddad, com conivéncia e participa 20 do exército de Israel (..). Ser fiel & tradigao judaica condenar mais esse genoct- dio praticado contra 0 povo palestino. € necessario aca- barde vez como etnocentris- mo que toma a forma de judeu-centrismo, onde o massacre dos judeus bran- cos por brancos europeus tem um “status” diferente do massacte dos arménios pe- los turcos, dos negros africa- nos pelos traficantes de es- ccravos, dos chineses na Indo- nésia. Assim, Auschwitz elevado a poténcia metaf- sica. Sou um dos sltimos a minimizar as atrocidades cometidas em Auschwitz, porém, as lagrimas de outros Povos nao contam?”, E citando 0 Thalmud, apés uma reflexéo repleta de dados histéricos e refinada percepcao politica, Tragtenberg concl “O que condenas nao o facas a outro. Eis toda a Lei, 0 resto & s6 comentario’, (Thalmud da Babilénia, cap. Sabath, 310) (Tragtenberg, M. ~ artigo na Folha de Sa0 Paulo, 21/09/82: Menachen Beguin visto por Einstein, H. Arendt e N. Goldman). Reflexao tragicamente atual. O sentido de retomar a anali- se tragtenherguiana da polémica Mard/Bakunin e a lembranca da questo judaica 6 esclarecer algu- mas das preocupacdes centrais na obra-trajeto de Tragtenberg: a autonomia de pensamento como réw0. pét.. 23 insepardvel daautonomia diante de quaisquer seitas e da solidariedade a todas as formas de associacao € organizagao que rompam com a heteronomia, a hierarquia, a buro- cracia, constituintes da opressao da exploracao. Ao mesmo tempo, ‘a recusa aos preconceitos e intolerdncias exige que os recuse- mos em nds mesmos, como 0 fez “Tragtenberg também na condicao de judeu, colocando-se 20 lado dos palestinos vitimados. Para finalizar a reflexao sobre Bakunin e Marx, apés desnu- dar o lado autoritatio, pouco co- nhecido, de Bakunin, com dados do “insuspeito historiador do anar- quismo’, Fritz Brupacher, Mauricio Tragtenberg vai 20 fulcro motivador de sua andlise: “No didlogo & oposicao Marx-Bakunin situam-se os grandes problemas do movimento operdrio hoje: as relagdes da classe com 0 Estado capitalista, as formas de “associacdo” que a luta operaria assume no processo revolucionatio, a questo do papel central do proletariado no proceso, 0 papel do ‘campesinato (tem ele condi- goes de um programa pré- prio?). O papel de "minorias organizadas” na forma de ditadura invisivel” e suas relagdes com as massas tra- balhadoras ou seu isolamen- toante as mesmas. A ditadu- rado proletariado, as varias, Meituras" que sofreu 0 conceito desde 0 século XIX até hoje, sua “contaminacéo” com a ditadura de um parti- do “em nome” dos trabalha- dores. Por tudo isso é atual © debate Marx-Bakunin, desde que nao se limite & oposicao “a-histérica” entre autoritarismo e liberdade, somente.” (Tragtenberg, M. op.cit.pg. 103) A despeito de sua ligacao de uma vida inteira com os Centros de Cultura Social anarquistas, que ele considerava uma de suas “universidades” e da absorgaio em seu trajeto-pensamento de dimensdes essenciais das praticas @ idéias dcratas, Tragtenberg nao titubeava em desmitificar 0 culto aos carismas e as interpretacoes ligeiras de obras e acontecimentos, fossem quem fossem ou quais fossem. Heterodoxia sim, a0 lado do rigor tedrico-conceitual e de um profundo conhecimento histérico, de uma erudicao dinamica, a servigo de uma consciéncia radicalmente critica, enraizada em principios éticos universalistas, mas no meramente abstratos: eis alguns tracos distintivos que tomam o legado de Tragtenberg um permanente devir. Em artigo de 1966, com 0 nome O Pensamento de Max Weber, Mauricio Tragtenberg desenvolve uma reflexdo sobre ‘Weber que podemos serenamente aplicar ao proprio Tragtenberg, ‘como evidencia sua coluna sindical © 0 conjunto de sua obra-trajeto: “Max Weber foi filsofo ne- gando a Filosofia. Para ele bastava a Histéria para fun damentacdo da objetividade do pensamento histérico-so- cial. Olhava sua época co- mo historiador e a Histéria a luz de sua época. Em Weber estamos diante de uma historia que nao desco- nhece as irregularidades ede uma sociologia que no eli- mina nem os acidentes nem as idéias sobre as vontades humanas. Nao s6 tinha pai- xo pela descoberta das for- ‘cas que configuram a socie~ dade ocidental, como acre- ditava na agao como meio de influéncia nela”. (Trag- tenberg, M. O Pensamento de Max Weber, separata da Revista de Historia, n° 65, Sao Paulo, 1966). Para escrever este estudo fo- ram lidos e relidos 345 artigos de Mauricio Tragtenberg (vide biblio- grafia) em intimeros jornais, além de textos em revistas e coletaneas € 05 préprios livros do autor, revisi- tados com cuidado. Foi minha preocupacao per- correr 0 conjunto da producao trag- tenberguiana, seguindo um pre- ceito que ele mesmo ensinou: 56 se conhece um autor pela totalida- de de sua obra. Oeesforco valeu a pena, pois assegurou-me estar na diregao cor reta ao vislumbrar no jomalismo sindical de Tragtenberg todos os principios fundadores da viséo de mundo poliédrica e polifonica de ‘Mauricio Tragtenberg. Agrande dificuldade foi sele- cionar alguns artigos para comen- tar, tamanha a riqueza condensada em cada um deles. € importante lembrar que antes de criar sua coluna sindical no Noticias Populares, o que ocor- reuem 1981, Mauricio Tragtenberg, jamais se esqueceu do sindica- lismo, com grande némero de artigos sobre o tema em intimeros jornais. Na verdade, 0 compro- isso com a classe trabalhadora, despojado de quaisquer interesses pessoais, atravessa a obra-vida de Tragtenberg com centralidade exemplar. Percorrendo um amplo leq- ue tematico, desde a questao da relagao entre israelenses e pales- tinos até a importancia de Freud para esclarecimento do fendme- 1 politico, passando por andlises da interrelactio Burocracia, Estado e Sociedade Civil, problemas de politica internacional que ele sempre relacionava com aspectos da situagao brasileira, questées diversas ligadas @ Universidade e sempre a insisténcia nas causas da exploracéo e da opressao e na resistencia contra elas, & o que se encontra, para simplificar, nos primeiros artigos escritos para a Folha de Sao Paulo. Combatendo os pelegos, a quem ele também chamava de “barbes proletarios”, escreve: “E necessario dizer que o tipo social aqui definido como *barao proletério” aparece diante da retina da mao-de-obra na figura do névree pel 24 “pelego". Nao se trata ai de um juizo moral, de saber se ‘0 “pelego” encama os valo- res do sucesso, do homem ‘que venceu na vida rompen- do com sua classe social origindria ou se ele encarna oarrivismo, a danacao. E necessario nao perdermos de vista que 0 “pelego”, co- mo tipo social, é fruto de uma estrutura dada. € 0 pro- duto sociopatico das condi- ‘Ges econdmico-sociais que tornaram 0 sindicato um 6rgdo cada vez mais vincu- lado ao Estado. Dessa dependéncia, surgi- riam 08 diversos tipos dege- nerativos, lideres de traba- Ihadores que no trabalham, vanguardas que nao tém retaguarda ou lideres que possuem fisioldgica vocagao ministerial e esqueceram as {abricas de origem. O proble- ma 6 saber quais as condi- (Ges institucionais que per- mitiram o surgimento desses tipos sociais.” (Tragtenberg, M. ~ Os Barées Proletarios —Folha de Sao Paulo, 29/1 1/ mn. No mesmo artigo, explica 0 nascimento do sindicalismo no Brasil com 0 proceso de urbani- zagao a partir das primeiras décadas do século XX e o impor- tante papel do anarco-sindicalis- mo. Sobre este, diz: “Nessa fase vigora o sindi- calismo dirigido por mino- rias militantes, operarios que vivern para o sindicato endo do sindicato. Inicialmente s8o sindicatos por oficios: nao havendo némero sufi ciente para sua formagao num oficio, formavam-se os sindicatos de oficios varios. Essa sindicalizagao operdria cesta sob a égide dos socialis- tas libertarios (anarquistas) que criam em 1909 a COB (Confederagao Operaria do Brasil), dirigida por um grafico imigrante alemao, Edgard Leuenroth. Pratica- vam acordos coletivos ¢algu- mas de suas organizacdes tinham militantes trabalhan- do em tempo integral como assalariados." (idem, ibia). artigo prossegue acompa- nhando a hist6ria do sindicalismo no Brasil no perfodo de Getilio Vargas, quando emerge um sindi- calismo de burocratas, o Ministé rio do Trabalho dirigido por Lin- dolfo Collor institucionaliza 0 sindicato oficial, nico, legalizando © poder do Estado sobre ele, inte- grando-o ao sistema corporativo e assistencialista oficial. : A partir do Estado Novo fica proibida a criagéo de fundos de greve € 05 sindicatos eram obriga- dos a gastar a maior parte dos seus recursos em assistencialismo. E interessante notar que a estrutura sindical autoritdria...com 0 que se chamou de getulismo, per- manece intocavel até hoje (...) Paralelamente ao controle da forga de trabalho via sindicalismo burocratico o Estado controlaria a populacao ativa através da Carteira de Identidade. O alicerce financeiro do peleguismo seria o imposto sindi- cal, descontado compulsoriamente dos trabalhadores e correspon- dente a uma jomada de trabalho por ano, Finalizando o attigo, escri- to antes da Anistia, Tragtenberg argumenta: “A abolicao do imposto sindical, a grande fonte da existéncia dos “barées pro- letarios” e da corrupeaio dos fins do sindicalismo, 6 tao importante para a demo- cratizagao da vida associa- tiva como 0 é 0 Estado de Direito para a sociedade civil, nos dias que correm. Com a aboligao do imposto sindical realmente subsisti riam aqueles sindicatos que fossem realmente represen- tativos. Com isso eliminar-se-ia uma das fontes da inautenticidade representativa dos domina- dos em nossa terra: ade lide- res da mao-de-obra que se ‘especializaram em transfor- mar 0 poder da razao em razo do poder. Com graves prejuizos para a razéo, é claro. E interessante notar que a cestrutura sindical autoritéria i lista, fundada e institucionalizada com o que sechamou de getulismo, per- manece intocivel até hoje.) A abolico do imposto sin- dical implicaria na indepen- dencia do sindicato ante 0 Estado; é seu nivel maior ou menor de autonomia que serve de parametro para efinir se ha uma lideranca “auténtica” ou “empelega- 2". (ibidem, ibid.) Neste momento do trabalho Enecessério esclarecer que a con- cepgao tragtenberguiana de auto- nomia transcendea independéncia formal, juridica dos sindicatos frente ao Estado e mesmo a autonomia dos movimentos sociais frente aos partidos politicos ainda que as pressuponha. E essencial também mostrar nogdes e praticas da auto- e da solidariedade so indissociaveis e que esto entrete- cidas no pensamento sindical de Maurfcio Tragtenberg, cuja obra- trajeto integra-se, por sua vez, em larga tradigao tedrico-pratica do préprio movimento internacional da classe trabalhadora desde a ‘Comuna de Paris de 1871 e que para alguns estudiosos libertérios remonta as associacées populares dos primeiros movimentos da Re- Yolucéo Francesa, como analisou Daniel Guérin. Tal tradigao, sindnimo de autonomia, é a auto- gestiondria, assim. definida por Tragtenberg: 25 névta. pat. “€ 0 controle direto dos meios de producao pelos produtores auto-organizados ‘em comités de fébrica, comi- tés interfabricas, federacao ouconfederacdo de comités, Significa a integracao do econémico com o politico através do controle operario da produgao e da democra- cia direta, substituindo, as- sim, 0 tecnocrata administra- dor e 0 politico profissional da democracia representati- va. Momentos histéricos da autogestao foram a Comuna de Paris (1871), a Revolugao Russa de 1917, a Revolugdo Camponesa na Ucrania (1918-1920), a Guerra Civil Espanhola (1936-1939)". (Tragtenberg, M. Reflexées Sobre 0 Socialismo, pg. 91) A Autogestéo é a expresso pratica da autonomia operdria em sua capacidade de gerar uma organizagao social ontologicamen- te diversa da sociedade capitalista. Autonomia e autogestao so, portanto, indissociaveis, como contetido e forma na obra de arte; ambas sao ruptura com a hetero- gestéo, a burocracia, a hierarquia, a separacao entre o trabalho das mos e o das mentes, entre planeja- mento e execucao, representantes e representados, dirigentes e dirigidos. © que neste trabalho é designado por solidariedade decorre dessa capacidade, propria da autonomia operéria, de criar relagdes sociais que rompem com a competicao ¢ com averticalidade que sto essenciais & reproducao das relacées capitalistas a partirde suaespinha dorsal, que 6a organi- zaco produtiva, inundando todo o tecido social. Autonomia, autogestdo e solidariedade encontram nos con- selhos operérios, também denomi- nados soviets, comissoes de fabrica, comiss6es de trabalhado- res, comités de greve, comités de luta etc., 0 seu modo historico de organizacao. Neles, todo o poder 6 das assembiéias gerais de trabalhadores, instancias nucleares dos debates e das decisdes. Toda a obra-trajeto de Mauricio Tragtenberg, - constitui- se como unidade polifénia e po- ligdrica, onde o todo esta contido nas partes e vice-versa, como nos hologramas. A propria vida da Tragtenberg configura-se como um processo dial6gico onde pratica e pensamento se iluminam mutua- mente, insepardveis; daf os termos a que recorro para tentar traduzir essa dinamica: obra-trajeto, trajeto- pensamenio. Ao percorrer essa dialogia tragtenberguiana, tragos continuos surgem, percorrendo toda a sua produgao te6rica, desde o primeira livro, "Planificacao”, Desafio do século XX (1967) ¢ os primeiros artigos conhecidos (1953) até as derradeiras reflexdes e atitudes. E preciso discutir seriamente esse problema do intelectual virar celebridade. Assim, as preocupagées permanentes que articulam essa obre-trajeto sao, ao mesmo tempo, busca pelas causas da exploracio € da opressao, da desigualdade e daalienacdo, contrapostas sempre possibilidade de sua superacao por préticas e concepcées que inscreveram na hist6ria, ainda que por breve tempo, a perspectiva de um mundo fundado na solidatie- dade e na autonomia, Tais s40 também os fios condutores do jornalismo sindical de Tragtenberg que, embora tives- se plena clareza dos limites con- temporaneos da acao sindical, > escolhera escrever para os trabalha- dores diretamente, num jornal lido por eles, um modo de socializar 0 seu saber imenso sobre a histéria do movimento operdrioe do socia- lismo e por outro lado, aprender também, como ele mesmo explica ‘em entrevista ao jornal da PUCISP, Porandubas, maio de 1984: .) Eu estava preocupado. ‘em dar forca ao movimento sindical. Af eu consegui com © Ebrahim Ramadan, meu ex-aluno e diretor do “Noticias Populares” uma coluna no jornal. Chama-se No Batente ese tornou uma caixa de resso- nancia daquilo que ocorena linha de produgao. Esta coluna é definida pelo Con- selho de Redacao da Oposicao Sindical Metalir- gica, e sai na edicao de ‘Quarta-feira e de Domingo do NP. Esta coluna ndo me deixou rico pois como paga apenas ganhei a assinatura do Noticias.- No mesmo objetivo eu sempre escrevo nna pagina 3 da Folha de Sao Paulo, s6 que af a coisa é dirigida para a classe média, com outro cédigo lingiis- tico. Mas acho importante ocupar esse espaco (...). Eu me retino é com as comissées de fabrica, nas sub-sedes de sindicatos em varios locais. E af que sinto © cheiro do trabalhador. Af dificilmente vocé pode medir 0 retorno que nao ta0 imediato. (.) Na PUC tenho também participado muito em deba- tes. Acho que nao se deve aparecer sempre. £ preciso discutir seriamente esse problemado intelectual virar celebridade. Na medida em que a Universidade cultiva isso, ela reproduz o estrelis- mo da TV Globo, que deve ser combatido. Nese ponto oestudante é mais conserva. dor do que se pensa pois s6 convida celebridades para debates. Pois tem muita gente que nao tem titulo, em tese, nem escreve na Folha, mas que tem cabeca. Quando me convidam tenho a preocupacao de abrir espaco a liderangas operé- rias, comunitarias, que até ‘Vo no meu lugar e dao um névta. pét.. 26 banho em muitos professo- res ¢ estudantes. Entio, como desmistificar 0 negécio da celebridade inte- lectual? Partir para falsa modéstia 6 hipocrisia E preciso abrir espaco para gente que, mesmo sem caris- ma intelectual, tem algo novo adizer. (..) Eu aprendi mais com 0 ‘operdrio do que ensinei algo a ele. Na minha coluna no jomal eu fui mudando minha forma de escrever, conquis tando uma clareza decorren- te da familiaridade com uma area e do interesse em se comunicar com ela, [ss0 nao E facil pois a “clareza é uma vitéria sobre 0 caos”. No meio académico 0 grave problema 6 que se escreve texto para quem tem nossa formacao, come trés vezes por dia, tem bons dentes. Outro problema de identifi- cagao do intelectual é que ele oscila entre ser um critico e ser um assessor do poder. E muito dificil conciliar os dois papéis.(...) Nao me arrependo de nao ter aceito assessorias: com que cara eu ia olhar meus amigos da oposi¢ao sindical metaltirgica? A tal da afetivi dade aparece entremeada ‘com um compromisso polf- tico, que nao esta no- papel mas_no coragao, com uma classe social e que exige de vocé uma coeréncia entre 0 que vocé fala e 0 que voce faz. (...) Acho que para cons- truir vooé precisa ser discuti- do. £ preciso criticar as estru- turas de exploracao, criticar ‘0 academicismo universita- rio que se toma como um fim ‘em si mesmo e também o cédigo lingUistico da Univer- sidade que mantém a distn- cia social. Entretanto, a critica a isso tudo s6 tem sentido se es- tiver vinculada 2 uma acao cconstrutiva. O que eu chamo de aco construtiva? Eu nao acho que a Universidade eduque: quem educa é a comunidade, pois 0 saber tem origem coletiva, infeliz- mente privatizado pelos Institutos de Pesquisa, pelas Universidades. Mas o saber tem que voltar s origens. Uma das formas de retorno que utilizo é a colaboracao ina imprensa. Neste sentido, © Noticias Populares ~ porque € muito lido pelo trabalhador— é mais impor- tante quea Folha. Meus artigos na Folha che- gam 20 trabalhador xeroco- dos pelas instituigdes, pelos grupos. J& o NP vai direta- mente. (...) Eu fiz uma colecdo de textos sobre marxismo heterodoxo, onde se defende a auto-organi- zacao dos trabalhadores, coisa que j4 acontece nas comissbes de fébrica. Esses textos sto desconhecidos, e ha umaliteratura—de Lenin, Trotsky, Stalin, Gramsci - onde se valorizou 0 Partido como o grande organizador da classe operaria. Mas a histéria esté mostrando que a vanguarda da classe operé- ia 6 ela mesma, que se orga- niza num processo de luta. Entao minha idéia era editar aqueles textos, reconstruin- Go 0 pasado em fungo do presente, Estes textos (...) levantam uma outra dimen- sio da luta social e edité-los me dé muito prazer. O que mais me da prazer? Gosto demais de dar aulas. Vejo nna Universidade uma super- valorizacao da pesquisa uma sub-valorizacéo da docéncia. Muitos professo- res de Pés deveriam voltar a dar aulas na Graduacao, fortalecé-la: a tinica formade ter um Pos sério & ter uma graduacao boa. (..) Olha, eu sou um professor com ativi dade jomalistica. O jornal é uma forma de transmitir contetidos, valores, assim ‘como se faz na aula ou num livro. A transmissao pelo jor nal é mais eficiente e imedia- ta, tomando-se uma altema- tiva importante. Argumenta- se que o jornal no é tao permanente como um livro. ‘Mas quantos livros permane- cem? Claro, o jornal parte do aqui-e-agora, porque sendo do seria jornalismo. Mas, dependendo do contetdo, ha certa permanéncia no jomal. Os grandes politicos sempre escreveram em jornal: Lenin, Marx, Trotsky, sempre escreveram ou fundaram jornais. Também 70% da obra politica de Weber é artigo de jornal” (grifos meus). A longa transcrigao 6 justi- ficada por ilustrar e confirmar muito do queeste trabalho procura mostrar sobre Mauricio Trag- tenberg, principalmente sua pro- pria visdo sobre os motivos que 0 Jevaram a escrever no Noticias Populares, motivos esses insepars- veis da totalidade de sua obra- trajeto. ‘Afirmou-se, no inicio deste estudo, que as trés fontes inspira- doras de Tragtenberg foram o mar- xismo autonomista, certas vertentes do anarquismo e a anélise webe- riana, notadamente a nocao de burocracia como dominacao. Tais fontes foram absorvidas por Tragtenberg e transmutadas em visio de mundo, em obre-trajeto aqui também nomeada unidade polifénica. No que tange as correntes libertérias, € particularmente forte aafinidade de Mauricio Tragtenberg ‘com aheranca de Errico Malatesta, Francisco Ferrer, Kropotkin, Proudhon, Bakunin, ainda que essa afinidade nunca tenha eliminadoa lucidez critica. Tragtenberg preocu- pava-se sempre em apontar nos classicos a sua dimensao de atualidade, a sua complexidade, ‘que inclui a contradigao e facetas &s vezes superadas e mesmo reacionarias, como as que ele dis- ceme em Bakunin, de quem entretanto acolhe outros lados, mara. pét.. 27 como, por exemplo, a idéia de que nenhum Estado ou poder se erige para ser transitorio, mas que todo poder acima da sociedade tende a reproduzir-se, sedimentarse. De Weber ficoushe profun- damente também a importancia de compreender as instancias juridicas, religiosas, politicas, culturais @ sua articulacao com 0 mundo econémico. A organizacao da produgao, as expresses ideolégicas de cada formacdo historico-social, o desvendamento do cere da sociedade capitalista, Tragtenberg busca em Marx. Essa atitude heuristica nao significa ecletismo ou telativismo. Mauricio repudiava em todos os planos a conciliacao, 0 consenso, que ele entendia como uma das bases do conservadorismo. Fundir Marx, Weber e atradicao libertaria foi uma exigéncia para o conhe- cimento mais amplo e profundo dos grandes dilemas do mundo contemporaneo e a possibilidade de sua ultrapassager. E aatitude de quem nao tem ortodoxias a defender nem exerci- cios de poder justficados em nome de um sistema de pensamento. por isso mesmo pode cultivar a independéncia de acao e de analise. No artigo, jd referido, sobre Rosa Luxemburg ha um dos malti- plos exemplos. do procedimento de Tragtenberg diante dos autores classicos e das discussdes que suscitaram e suscitam: “toda a polémica de Rosa Luxemburg contra Bernstein nao apenas de marxismo. contra revisionismo. € mais ampla, e por isso atual, cléssica. Por que fazemos um semindrio sobre Rosa? Porque ela é cléssica, etodo cléssico éatual. Eem que ela é atual, nas criticas a Bernstein? (..) se analisarem duas criticas centrais de Rosa, tem-se 0 seguinte: 0 Sindicalismo puro nao é caminho do socialismo. O sindicato existe como um meio de defesa do trabalho contra 0 capital, e ndo mais: do que isso. O sindicato existe para preservar o setor dois da economia. Criar o consumidor que, via aumen- to de salério, vai consumir mais produtos do setor dois, co setorde bens de consumo. E ponto final. Eo que é que nés vemos hoje? Realmente essa panacéia de que ato, dentro da linha re nista, poderia sera ante-sala do socialismo, o sindicalis- mo em si, esta desmentida pela realidade do século XX, ‘em que temos, hoje, uma coisa que no tempo de Rosa estava em formacio: o capitalismo sindical. Este é uma formacao capitalistaem que © trabalhador contribui indiretamente paraas grandes burocracias sindicais, quese tomam donas de bancos, jogam no mercado de agoes € tém lojas de departamen- tose fabricas. (..) cal é uma realidade hoje, na Franca, na Alemanha. Nos Estados Unidos nem se fala. As centrais sindicais sao grandes empresas, Ha gran- des burocratas com grande poder de barganha no quadro do capitalismo. Isso leva a uma outra ques- tao, a velha critica dos comunistas de esquerda, um pessoal muito discutido e pouco lido. Pannekoek, Herman Gorter, por exem- plo, os comunistas de conse- Ihos, gente que nao aparece em bibliografia marxista académica comum, mas j&é hora de comecar a aparecer e ser discutida nas universi- dades. Existe um portugués atual, Jodo Bernardo, que esté na linha do comunismo deconselhos. Estes mostram como o sindicalismo sob 0 capitalismo tende a ser um fator contra-revolucionério, e enfatizam uma certa linha presente em Rosa Luxem- burg, queé a idéiados conse- thos.” (pag. 40-41) Jéem texto bem anterior, de 1986, (reflexdes sobre 0 socialis- mo) Tragtenberg analisa o fend- meno do capitalismo de sindica- tos, como também o fazem Licia Bruno e Jodo Bernardo (vide bi- bliografial. Ao longo de sua coluna sindical NO BATENTE, como ilust- rarei através de alguns poucos artigos, Tragtenberg reforcara reiteradas vezes a questao da auto- nomia, da autogestio, da solidarie- dade, presentes na forma dos conselhos, comissdes, comités, j4 mencionados. Outro aspecto muito rico da obraetrajeto de Trag- tenberg 6 a onipresenca das praiti- cas e concepgoes da educacdo libertéria, da autogesto pedagé- sgica, que chega a ponto de integrar sua visio do mundo do trabalho da necessidade de uma reapropriacaéo do conhecimento pelos trabalhadores, conhecimento do qual foram expropriados. No Ambito deste texto nao ser possivel desenvolver esse prisma to importante a que o olhar de Tragtenberg conduz. Fica, entretanto, o convite ao leitor para que frequente a biblio- gratia indicada, No primeiro artigo cronolo- gicamente encontrado de Tragten- bergno Noticias Populares, datado de 06/12/81, hao seguinte trecho: “A secgao dirige-se a quem ‘esta no batente endo aque- les que estdo afastados da produgao querendo falarem nome dos que trabalham. Receberaé com o maior interesse e atencao cartas de trabalhadores que retratem 08 problemas no interior da fabrica como sugestdes de ‘temas de interesse de quem irabalha, que a secgéo deva tratar. ‘Quero comecar dizendo que somente trabalhadores orga- nizados a partir do interior da fabrica podem ter forca para reivindicar seus direi- tos, nesse sentido € muito TOLVTO. pat. 28 importante “dar uma forga” a todos aqueles que preten- dam organizar-se para en- frentar as mas condigdes de trabalho, a exploracao eco- nomica e a dominacao.” A seguir alerta sobre a estrutura sindical calcada no peleguismo, de modo andlogo ao attigo jé mencionado, da Folha de $a0 Paulo, "Os Bardes Proletios”. Finaliza dizendo: “O futuro do sindicalismo caminha realmente para convengées _coletivas, porém esclarega-se que elas devem ser negociadas por dirigentes sindicais realmen- te representativos de suas bases e 0 contetdo das convencoes coletivas que devam ser assinadas deve passar pela discussdo no interior das empresas, para que o trabalhador nao seja entregue de maos amarradas aos técnicos de negociacao € convencao coletiva ou a dirigentes pelegos a eles ligados. © controle publico da ago sindical é a base da moralidade sindical, do con- trario, s6 haverd safadeza”’. No artigo de 09/12/81, intitulado Unidade Sindical e democracia, Tragtenberg escreve diferenciando unidade e unicidade sindicais: lod € importante que os sindi- calistas independentes e as oposigées tenham maioria na CUT-82, sem pelegos, independente e auténomaa partir da base. Unidad sin- dical é a unidade dos traba- Ihadores da cidade e do ‘campo na luta por seus inte- resses. Unicidade sindical € atrelar_o operario a um sindicato s6 por categoria e base territorial imposta por lel, como 0 fizeram Vargas, Mussolini, Franco e Hitler. Ela € contra a organizacao auténoma do trabalhador, seja por comissio de fabrica, comité de solidariedade, chamando isso de paralelis- mo. E gragas a esse paralelis- ‘mo que os operdrios polone- ses conseguiram ser ouvidos. A classe patronal_para manter sua dominacio, as vezes usa a tatica da unicidade sindical, 6 0 caso de Salazar, Mussolini e Vargas. Na Polénia, os donos do poder tacham 0 Sindicato Solidariedade de divisionista e se colocam como campedes da unicida- de sindical, s6 que lé, onde eles dizem que 0 operario 6 classe dominante, na hora H, €0 unico que apanha, Nunca vi classe dominante apanhar, classe dominante bate, Se ela bate em operétio € légico que a classe dominante é outra. .na Polénia, 12 milhées de trabalhadores escolheram a tatica de dividir para depois unir pela base. que importa € que unida- de sindical ou pluralismo sindical nao sejam vistos como questées fechadas, mas como recursos taticos que 0 movimento operdrio pode utilizar conforme as situagdes concretas aconse- Iharem. Assim, na Polénia, 12 milhdes de trabalhadores escolheram a tética de dividir para depois unir pela base. € importante lutar pela unidade do trabalhador, porém a partir da fabrica, se assim nao for, sera mera empulhacao.” (Noticias populares, 09/12/81) Em artigo seguinte, Mauricio Tragtenberg analisa de modo contundente o desenvolvimento da repressio ao Sindicato Solidarie- dade, na Polnia, e lembra a agressio sofrida pela comissao de trabalhadores da Fiat de Xerém (R)), agressio realizada por membros do jomal Hora do Povo e da diretoria do Sindicato dos Metalirgicos do Rio de Janeiro, sindicato pelego, ligado ao jornal mencionado, porta-voz do grupelho MR-8. Jana Folha de So Paulo, Tragtenberg havia escrito sobre o fato, em artigo de 13/7181: HP epelegos sindicais, a nova face da repressdo. No NP (Noticias Populares) de 16/12/81, Tragtenberg escreve: “ud Lutam os trabalhadores po- loneses pela garantia do di- reito de greve, liberdade de expressao, impressao, publi- cacao. Libertagao de todos 05 presos politicos, liberta- 0 de todos os que foram demitidos por terem defen- dido os direitos dos trabalhia- dores, especialmente os que participaram das greves de 1970/76. Divulgagao pabli- ca de todas as informagbes sobre a situagdo econémica € social, escala mével de salarios. Igualizacao do salério-familia, designacao dos técnicos, supervisores e contramestres com base na sua competéncia e nao pelo fato de pertencerem ao Partido. Os membros do sindicato “Solidariedade” lutam pelo fim dos privilégios da guarda civil, da policia politica e dos chefes do Partido, pela cria- cao de creches e escolas matemais e sdbados livres. Denunciam 0 aumento bru- tal da tuberculose, desde 1976, vitimando uma popu- lagdo na faixa de 23 e 25 anos. Como responde a isso 0 “Partido Operario Unifi- cado Polonés"? Entregando © poder ao Exército que exerceré uma ditadura mili- tar para manter os privilégios dos chefes do Partido, dos sindicatos atrelados ao Estado e os trabalhadores 29 TOvTO. péL.. ficam sob “Lei Marcial”, E muito importante que os trabalhadores brasileiros vejam na ditadura militar que se insiala na Pdldnia o que os esperaria, se os defen- sores no Brasil de regimes iguais ao que o general Jaruzelsky reinstala,tivessem ‘poder. Caso os adeptos do MR-8 e “Hora do Povo” — tradicionais espancadores de trabalhadores — Tribuna Operéria, Voz da Unidade, asgumissem o poder de Esta- do, terfamos uma ditadura de burocratas. “em nome do proletariado” cavalgando o proprio proletariado. Os sindicatos ficariam atrelados a.um “novo” Estado, 0 Parti- do Unico escolheria as chefias nas empresas, elas pertenceriam ao Estado, s6 que este pertenceria aos altos funcionarios do partido, das empresas, unidos a alta oficialidade do Exército e Policia, contra os trabalha- dores. A luta dos trabalha- dores poloneses reunidos em torno do sindicato “Soli- dariedade” é a luta de todos aqueles que pretendam que a classe operéria em qual- quer lugar do mundo, tenha voz e seja ouvida. Nesse sentido, diz respeito aos trabalhadores brasileiros que utam também pela autono- miae liberdade sindical ante © Estado € quaisquer parti- dos, independente da facha- da “operdria” que tenham que lutar por melhores condicées de trabalho e contra a condenacio dos sindicalistas do ABC. A repressdo polonesa encer- ra uma grande ligao: na sua luta pela sua classe, 0 traba~ Ihador s6 pode confiar em si ‘enas comissGes surgidas da base. Ao delegar poder a Partido, a burocratas de um Estado, seja fantasiado de “operatio” oundo, ele perde poder, esta sujeito & morte caso nao va trabalhar na mara. Por isso nao pode se deixar levar pelo “canto de sereia” dos discipulos brasileiros do general Jaruzelsky: os adep- tosdo MR-8 (Hora do povo), PCB, PC do B e do diabo que for. (Mauricio Tragten- berg, - Pol6nia: trabalhador sob 0 *Socialismo” blindado. NP, 16/12/81) Destaca-se nesse artigo a ‘questao da solidariedade interna- ional entre os trabalhadores, cen- tral em Tragtenberg, que jamais perdeu de vista o intermacionalis- mo, embora nunca tenha deixado de acompanhar e participar solida- riamente das questoes brasileiras, do movimento operdrio aqui, apoiando sempre as organizacoes de base e as oposigées sindicais combativas. enhum sindicato esté prestando a atencao que deveria prestar ao peso da secgao de Recursos Humanos e Treinamento. No artigo de 20/12/1 (NP) Tragtenberg explica A Estrutura Sindical, analisando-a, tema a que voltaré posteriormente. Em 23/12/81, 27/12/81 e 20/12/81 escreve sobre o sindicato “Solidariedade”, chegando inclusive a divulgar seus boletins. Em 02/1/83, Tragtenberg ‘escreve sobre Os indios caingan- gues ameacados de morte, pelos colonos no municipio catarinense de Chapecé. No mesmo artigo ele fala sobre os caipés e sobre indios guaranis torturados em mato Gros- so do Sul, divulgando noticias do CEDI e da Comissao Pastoral da Terra, procedimento que ele teré reiteradas vezes. No artigo de 3/1/ 82, trata de aspectos da condi¢ao. de vida da classe operdria, custo de vida, favelamento, situagdo do trabalhador rural, sob o titulo Trabalhador nao tem Papai Noel, e termina dizendo: “andar com os préprios pés, confiando na sua auto- organizacao a partir da fabrica, o resto é conversar mole.” No Batente, 6/1/82 e 10/1/ 82, Tragtenberg comentae analisa avvitéria da greve na Ford e Massey Ferguson, apontando-a como decorrente da organizacao no interior da fabrica, antes da luta. Em 13/1/82, escreve sobrea Aliperti: uma CIPA a servigo do pedo, concluindo: “Atualmente, a Cipa da Aliperti culpa sempre os pedes pelos acidentes de trabalho e mantém a maioria dos companheiros desinfor- mada do que acontece na fabrica. Uma Cipa a servigo dos pebes deve lutar por restau- rante com refeigdes baratas; seguranca no trabalho, evi tando novos acidentes; reti- rada dos equipamentos de mais de 50 anos de funcio- namento; mudan¢a do local da chapeira, evitando que operdtrios sejam feridos pelos respingos de ferro quente; protegdo para os eletroimas que quebram as lingoteiras eum ponto final nos espan- camentos de pedes pela *"Seguranca”. Por tudo isso, é importante © comparecimento macigo dos pedes da Aliperti na eleigdo por voto secreto da ipa. $6 organizados na f- brica e unidos eles poderao ter uma Cipa composta de companheiros pontas-fir- mes, que, nao facam 0 jogo patronal, Ressalto aqui uma questo importante no jornalismo sindical de Mauricio Tragtenberg: a interl- gacao profunda entre os aspectos estruturais e conjunturais da condi- Gao operaria e a atencdo perma- ente ao cotidiano da fébrica, a0 dia-a-dia do trabalho, no mundo rural ou urbano (fronteira alias, ROTO. pit. 30 cada vex mais esgarcada pela gene- ralizagdo das relacdes capitalistas). Nos dias 17/1/82, 20/1/82, 24/1/82 e 27/1/82 Tragtenberg faz anélises importantes sobre a Estru- tura Sindical, em todos os seus aspectos politico-juridicos, termi- nando, como sempre, enfatizando a importancia essencial da orga- nizagao das Comissdes de Fabrica, da auto-organizacao a partir do focal de trabalho. aqui sobre todos os artigos de Trag- tenberg, mesmo s6 0s do Noticias Populares, apenas indicarei alguns temas recorrentes analisados na coluna No Batente, detendo-me em um ou outro artigo mais ilustrativo da visio de mundo tragtenber- guiana: “Novo Arrocho em cima do pego é imprevidéncia social’, (NP, 3/2/82); “Reuniao da Fede- ragdo Sindical Mundial: Sindicali mo de Carimbo". (NP, 10/12/82); “Motoristas do ABC e boicote patronal”. (NP, 28/4/82); “Coferraz e Benedito Marcilio: alianca contra trabalhadores?” (NP, 4/5/82); “As Greves" (NP, 5/5/82); “A Mulher Trabalhadora” (NP, 12/5/82); "0 leao ruge: formada a oposicao dos quimicos", (NP, 16/5/82); "E a trabalhadora negra, cumé que fica? (NP, 3/6/82); “Trabalhadores recla- mam seu salério com aumento do INPC” (NP, 20/6/82); “Da “fecha- dura” A “abertura” — (NP, 3/6/82) Este artigo € muito impor- tante, pois esclarece para os pedes 0 que sdo os Circulos de Controle de Qualidade, critica inaugurada por Tragtenberg no Brasil eno aval ele foi também um dos pioneiros mundiais: “Enquanto se desenvolve o Circo eleitoral no interior das empresas esté sendo organizada a técnica de organizagéo da producéo fundada nos *Circulos de Controle de Qualidade” (CCQ). JA existem circulos desse tipo em varias ‘empresas paulistas. Sua finalidade: aumentar a produgio usando sugestées do trabalhador. Nesses *Circulos", 0 trabalhador é ividido por grupos onde um grupo vigia o outro, Além disso hd a obrigacao moral do grupo que cumpriu suas metas “ajudar” o outro grupo atrasaco. O que 0 trabalha- dor ganha com isso? Em algu- mas empresas, uns cruzeiros a mais, em outras, uma palmadinha nas costas, do chefe de Relacdes Industriais em outra, uma medalha, 5 tais “Circulos de Con- trolede Qualidade” surgiram no Japao, como resultado da formagao de “Grupos Pen- , santes” da industria japone- sa, tendo em vista conseguir maior producao e baixar os custos. O importante, do ponto de vista do trabalha- dor, é saber o que ele ganha com isso. No Japa ha uma integrago do sistema escolar com a industria. Assim, o estudante que ingressa em Universidade de nivel “A’, trabalha em inckis- tria de nivel “A’, Se ingressar em universidade de nivel *C’, trabalhard em inddstria de nivel “C”, 0 que transfor- ma 0 exame vestibular em martirio, permitindo a ocor- réncia de suicidios devido ao *fracasso escolar”: 0 estu- dante nao ter ingressado em universidade de nivel “A”. Assim, 0 sistema educacio- nal define o papel do indivi- duo no sistema industrial. Os CCQs que Id se const tufram, atualmente, estao sendo trazidos para ca. Porém, nenhum partido esta prestando atengao nisso, da mesma forma como nenhum sindicato esta prestando a atencao que deveria prestar ao peso da seccdo de Recur- sos Humanos e Treinamento: como uma érea vital, cujos dados sao importantissimos para a aco sindical, razao pela qual os partidos devem deixar de dormir “deitados eternamente em berco esplendido” e olhar mais dentro da fabrica e ver o que Id esta ocorrendo, antes que seja tarde demais”. Os ‘Circulos de Controle de Qualidade”, CCQs, vao preludiar a chamada “Qualidade Total” e a *Reengenharia’, técnicas de aumento de produtividade e controle sobre os trabalhadores, bem como, no caso da “Reenge- ntharia”,racionalizacao e justifcativa do desemprego criado pela auto- macao, robotizacao € informatiza- 80 a partir dos anos 80. Tragtenberg desmistificouas teorias de Administragao de Em- presas como ideologias do capital, bem como o patticipacionismo & a co-gestdo, baseados no discurso das enciclicas papais e visando basicamente a colaboracao de classes: “Na tealidade, ela (co-gestao) é uma panacéia administra- tiva, na medida em que per- mite muitas manipulacoes patronais. Por exemplo, a participacao no lucro liqui- do da empresa é facilmente descartavel, jé que ela é que determina qual o lucro liqui- do passivel de declaracio, desaparecendo o que passar do montante declarado. Os segredos comercial, indus- trial e bancério funcionam como mecanismos que per- item essas manipulacdes”. (Tragtenberg, MM. - Administragéo, Poder ¢ ideologia, pgs. 19-195). Desnudando o participa- cionismo e a co-gestéo como participagoes outorgadas pelo capital, | portanto _fict/cias, desmobilizadoras, Tragtenberg aponta-os como uma forma de heterogestéo e jamais de auto- gesto, como querem parecer. Através dos participacionismos, 0 trabalhador “(...) participa na selegao dos trabalhadores que devem ser demitidos em fungdo de nave. pi 31 conjunturas; 0s patroes ven nisso atividades de “colabo- ragdo”, ao mesmo tempo empregando a energia ope- réria em assuntos sotiais na empresa (creches, refeit6rio, controle de horas legais de trabalho), des \do a mao- de-obra de atividades mais significativas. Além de pou- par tempo e dinheiro ao pa- tro, essas atividades “perifé- ricas’ dio a impressao de *participacdo" (ibid, ibid, pg. 197) Um artigo fundamental ¢ 0 de 13/7/82, escrito apés outros que voltaram & questao da Unidade ou Unicidade Sindical e um sobre a Copa do Mundo, criticando-a.13/ 7182 = (NP) Nossa PosigSo. “No sentido de esclarecer cabal e amplamente a opi- nigo publica que 18 *Noti- cias Populares” e a seccéo NO BATENTE, informamos quea Coluna esté aberta aos trabalhadores assalariados em geral, das fabricas, ofici- nas, bancos ou escritérios, as donas-de-casa, estudan- les, 85 minorias raciais na justa luta por seus direitos. Acoluna esta aberta a popu- lagao trabathadora, sindicali- zada ou nao, as Oposigdes Sindicais de varias catego- rias na sua luta contra os “pelegos" oumesmo aos tra- balhadores de varias catego- rias que, ao elegerem direto- rias sindicais “auténticas", num primeiro momento, ve~ rificam que as citadas trans- formam-se em inauténticas a0 assumirem ante a classe a figura de ex-operarios, agora portadores de cargos no sindicato, afastando-se das “bases” em que se apoia- vam ou procurando “usé- las” para fins eleicoeiros. ‘A coluna esta fechada her- meticamente aos “pelegos” do sindicalismo, do "velho” ou do’novo tipo’, aqueles que vivem do. sindicato nao para o sindicato. Que vvéem no pedo mera “massa de manobra" para ser elogia- da em época eleitoral e ser traida quando se movimenta por suas legitimas reivindi- cages. Assim, nao tém abrigo na coluna, por exemplo, juizes classistas que participam da Comissdo Pré-Cut (Central Unica dos Trabalhadores), votam por greve geral contra 0 “pacotao” da Previdencia e, na hora em que os meta- lérgicos da Brastemp decla- ram-se em greve, na suajusta luta, votam pela ilegalidade da mesma Da mesma forma, a coluna reservase 0 direito de nao ser canal de transmisséo de “palavras de ordem” de par- {idos politicos, por melhores que se apresentem e preten- dam “representar’ 0 traba- Ihador. Quando, na reali- dade, surgem como “novos patrdes", procurando sub- ‘meter o pedo politica parla- mentar, exercida pelos se- nhores da classe média ou classe alta, tudo em nome do pedo. Nao pretende a coluna ditar normas a quem quer que soja, mas ser caixa de resso- nancia do que ocorre na linha de produgao, nas fabri- cas, bancos ¢ escritbrios. Em suma, 0 responsavel pela Coluna nao ¢ “lider” profis- sional, professor ¢ pode provar com “hollerits” as fontes de sua renda mensal, advinda do exercicio de sua profissao. Nunca “amaciou" cadeira de “presidente” de sindicato, usufruindo da mesma em nome de nenhu- “ma categoria, nem pretende candidatar-sea cargo algum. Nao pretende a coluna falar em nome da classe traba- Ihadora, mas sim abrigar seus legitimos anseios ex- pressos pelas categorias que estao ligadas a produgao. E ‘© que cabe esclarecer aque- les desavisados ou cidadaos de consciencia pesadat"” Também na “Folha de Sao Paulo’, em “O Sao Paulo” e em muitos outros jornais Mauricio Tragtenberg prosseguiu em sua militancia pela autonomia e solidariedade dos trabalhadores, escrevendo sobre o “inferno fabri”, 0s CCQs, a “Coferraz, movimento. “luddista"? em 1982 nos anos posteriores. E célebre sua polémica ‘com Osvaldo Peralva, jomalista da Folha de Sao Paulo, desvendando os CCQs como “uma técnica de empulha- <0 do trabalhador, visando aumento de produtividade a ccusta de manipulagao psico- logica, controle de quali dade coma finalidade maior: reducao dos custos para 0 empresdrio”. (Tragtenberg, M.~Folha de Sao Paulo, 28/ 7/82 — Ainda Sobre os Circu- los de Controle de Quali- dade) Durante 8 anos, a coluna NO BATENTE combateu 2o lado dos trabalhadores, dos indios, das mulheres, dos negros, pelas suas causas mais justas e auténticas, refletindo sobre inumeros temas fundamentais para todos os setores explorados e oprimidos de nossa sociedade, sem paternalismo, viti- mizagdo, mas sem fazer conces- sdes. Recolhi, desde a época em que foram escritos, cerca de 200 artigos, sé do NP. Uma boa parte dos 345 artigos arquivados foram cedidos generosamente por Beatriz Tragtenberg, apés o falecimento de Mauricio e entao pude xeraco- pidslos. Mauricio Tragtenberg encer- rou sua coluna No Batente em 1989, devido a pressées de empresarios sobre 0 Noticias Populares, pois a coluna havia firmado um didlogo fecundo com 0s trabalhadores, tornando-se incémoda, Essa informacao obtive do proprio Mauricio Tragtenberg. Penso ter conseguido, ainda 32 ‘netvto. pét.. que parcialmente, devido as di- _Tragtenberg: (vide bibliografia) gem cultural: a do socialismo menses circunscritas de um arti- heterodoxo no Brasil eado 0, indicar a presenca, na Coluna “Num pais e numa época judaismo profético seculari- Sindical de Tragtenberg, dos princi- ‘em que tantos intelectuais de zado. pios tedrico-praticns essenciais de ‘esquerda diluiram seu vinho Mauricio nos deixou, mas fi- sua obratrajeto, principios de cuja com muita égua mineral ou cou sua heranga, que com- fusto, realizada pelo autor, surgem adotaram a filosofia da rolha partilhamos, amigos, alunos, fulgurantes as categorias da Auto- —acompanhar o movimento leitores, e que ainda nos nomiae da Solidariedade, circulan- das ondas ~ Mauricio se des- servird muito para enfrentar do com luz prépria por toda a vida- tacou pela coeréncia politica 05 desafios do século XXI.” obra de Mauricio Tragtenberg. e intelectual. (Paris, 23 de Outubro de Ele, que gostava sempre de Fiel até seu ultimo dia aos 1999. Michael Lowy) sublinhar nos classicos a sua atua- ideais do socialismo liberta- lidade, passa a ser, como os clas- rio € a uma reinterpretacao Com essas reflexdes de sicos, relido, revisitado, pois como anticburocratica do marxis- Michael Lowy, reverberantes, ‘escreveu Michael Lowy em belo mo, Mauricio Tragtenberg encerro, por enquanto, este estudo. depoimento sobre Mauricio pertence a uma dupla linha- BIBLIOGRAFIA ACCIOLY e SILVA, Doris e CARVALHO, Célia Pezzollo - Quando o operario faz educacao. In Revista Educacao e Sociedade, n? 14. Sao Paulo, Cortez Ed. 1983. ANTUNES, Ricardo - A Perda de uma Formosa Liberdade — Folha de Sao Paulo, 14/01/99. ANTUNES, Ricardo - Os Sentidos do trabalho. Ensaios sobre a afirmacdo ¢ a negacao do trabalho. Sao Paulo, Boitempo, 1999. BAKUNIN, M. A. - Textos Anarquistas. Porto Alegre, LPM, 1999. BERNARDO, Joao - Capital, Sindicatos e Gestores. $0 Paulo, Vértice, 1987. 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Isso sem ddivida nao deve ser visto como uma nova heresia no campo da explicagao sociolégica. Karl Mannheim, W.Mills, Florestan Fernandes, Michel Lowy, Karl Lowith, e muitos outros," com suas distingdes inevitaveis, também discorreram sobre as possibili- dades de pensar a realidade social a partir dessa simbiose metodo- légica e 0s beneficios que dat resul- tam. E, como estes autores mencio- nados, Mauricio também nao ignora os riscos da fusdo, mas nao liza comas criticas que deverdo aparecer pelos dois lados: marxiano e weberiano. Parece até mais seguro na situagio de um verdadeito “franco atirador”, com certeza por perceber as maiores possibilidades de entendimento do real, de criatividade nas solucdes das suas das contradigdes de ver nas sutilezas da trama da sociabili- dade a mesma importancia das determinagées mais visiveis, na condigao de pensador herético. Dizia-me ele que nao ébom sefiar em professores de “livro Gnico”. DA para entender a inavagao de Mauricio Tragtenberg ao transportar o didlogo entre Marx e Weber para o locus da pratica revolucionaria. ‘A proposta consiste em que ‘© marxismo revoluciondrio nos oferece 0 entendimento durante a construgéo da base social material de uma sociedade em transformacao, e o anarquismo libertério, a superestrutura.? Mais problemas surgem aqui devido a condiigao de critico heré- tico. Para nao afrontar o anarquis- mo, com a suposta leitura liberal do poder politico, 56 poderemos entender que Mauricio, nas suas riticas as instituig6es burocraticas, estivesse instrumentalizando Weber na busca de uma reflexdo- que, ao deixar de ser imediatamente um efeito da cultura reflexa’, construfsse as pegadas pata apanhar as mediages tao necessérias no entendimento dos conselhos operdtios. Se, por um lado, Mauricio, néo confunde a critica liberal do Estado com a libertaria - isso seria impensével na sua obra-do outro, reconhece, em grande medida, que © pensamento libertario nao desenvolveu plenamente suas criticas as relacdes de poder e dominagao, no ambito de certas instituicdes e organizagoes, tais como: parlamentos, escolas, partidos politicos, sindicatos, cooperativas de produtores, etc(mesmo em se tratando de um Proudhon, Bakunin, Kropot- kin Malatesta). Dafele lancou mao da critica weberiana para compor uma andlise das organizacées verticalizadas, mas que trouxesse a possibilidade de superacio da ordem - sempre. Ora, nisso, ndo haveré um tratamento que resgate 0 pensa- mento weberiano “puro”, um trata mento da obra de Weber que lim- pe, por assim dizer, suas contra- dig6es, que separe o ser humano Max Weber da sua teoria sociolégica* é bom lembrar que -Mauricio, devido a sua partici- Pacao nos partidos politicos de esquerda, em varias décadas °, havia estudado @ burocracia em outros autores em Trotsky, por exemplo. E, portanto, deverd ler Weber com outra finalidade. Todavia, ao instrumentalizar Weber, Mauricio nao 0 empobre- ce, 20 contratio, toma-o mais vivo, porque afinal, remete-o a realidade social como a uma forga teérica. Eassim que o desnudamento da burocracia, seripre apanhada nas relagdes capitalistas, vai encontrar la na frente, na possivel derradeira crise da sociedade bur- ‘guesa, a nogéo de revolucao poll- tica para trazer liberdadé aos trabalhadores como efeito constituido pela democracia ope- raria, Ainda uma vez nota-se que a nogio de revolugao politica contraria 0 pensamento libertario porque choca-se frontalmente com ode acio direta, termo imprescin- divel para a pratica anarquista. “Hasta 0 Tetor conifontar a famosa “nirodugao de 57° de K.Mare com a teoria das categorias sociolégicas no livro I da “Economia y Sociedad" de M.Weber, para ter uma ida das dificuldades de pensar um imbicamento entre os dois geniaispensadores. A bibliografa (que discute tas diticuldades jd 6 bastante signficativa em nossos dias ver Mauricio Tragtenberg “Rosa Luxemburg ¢ a Critica 20s Fendmenos Burocrdticos’, in kabel Maria Loureiro e Tullo Vigevani orgs.) ~ Rosa Luxemburg - a recusa da alfenagao - Séo Paulo, Ed. Unesp/Fapesp, 1991, pg.37 “Sobre a relacdo de urna cultura reflexa com 0s compromissos do intelectual, ver Paulo Eduardo Arantes “Ajuste intelectual” in Fernando Haddad (org) - Desotganizando 0 Consenso - Sa0 PaulolPetrépolis, Ed. VozeslFundacao P.Abramo, 1998, pes 34-35 “7A obrajclssica de Mauricio Tragtenberg “Burocracia kdcologia’, Sao Paulo, Ed. Atca, 1974, abriga uma das mais insinuantesanélises de Max Weber, no encontio de uma explicagao sociot6gica que contenha a obra, 0 autor, e seu context histérico. ‘£m pouco mais de vinte anos, Mauricio havia militado em tés partidos politicos de esquerda: 0 PCB, 0 PSR @ a L.Sil Ver 0 seu “Memorial” publicado na Revista "Educagio e Sociedade”, ano XIX, 65, Cedes, Campinas, 1998. nave pit. 36 Basta dizer que o conceito de revolugao politica, neste caso, vem de Trotsky com o seu “A Revolugao Traida”, cuja propriedade é dada na solucao da cohtradicao Estado operario porém degenerado.* E o mais desconcertante & que para Mauricio a revolucao politica serve para clatear 0 ponto absoluto do processo de transfor- magao social, a saber, 0 encontro da autogestao. Autogestao que as vezes parece conduzir Mauricio para a defesa da ado direta: “a participacao real ou a autogestao social nao constitui nenhum impe- rativo ideolégico; ela tem sua legit midade na medida em que surge das reivindicacées do movimento real dos trabalhadores".” Alinal, se & para pensar a ago direta, por que o emprego de revolugao politica? Ainda mais porque a acdo direta dos anar- quistas nunca comporta uma di- mensio politica na pratica social, pois trata-se de uma destruigao do poder politico em cada momento da luta. Penso que na obra de Maur io no se encontra uma teoria mit cados trabalhadores. Parafrasean- do J,J.Rousseau, pode-se dizer que ele nao pretendeu uma rediviva “teoria do bom operdrio”. A ques- tao da revolugio politica fora colocada para um mergulho do autor, na diversidade do mundo dos trabalhadores, tao necessario quando se reflete sobre a organiza- (¢40 dos trabalhadores, sobre suas possibilidades revolucionarias numa sociedade capitalista. Contra o espontaneismo, Mauricio tem a favor de si as insti- gantes analises dos trabalhadores alemaes nas origens da social- democraciat, ou 0s estudos sobre exploragao do trabalho no capita- lismo monopolista?. No primeiro caso, verifica como a greve aproximava mais 0s trabalhadores nas minas de carvao da revolugo social proposta pelos espartaquis- tas, do que os operérios metalirgi- os propensos & reforma que 05 integraria 8 sociedade burguesa. Depois de considerar a forca do reformismo nas solugées mais imediatas e prosaicas dos trabalhia- dores até porque, diria ele ®, nin- guém vive as vinte e quatro horas didrias de idealismo - bate durissi- mo na integracao do trabalho via consumo e no sindicalismo que transforma o meio de luta numa finalidade. A perversidade da social-democracia reside nas ilusdes que ela mesma cria para os , trabalhadores, inserindo-os num mundo que s6 pode continuar existindo enquanto os nega como sujeitos de toda producao social. Noventa por cento das entidades, grupos ou partidos que trazem o nome “operario” tém a finalidade de controlar o operariado. O ideario social democrata de integracdo operéria no mundo do capital teve, no sindicalismo atual, um grande aliado quando esse, combinando-se com o grande capital, divide as tarefas do proceso econémico: numa ponta a grande empresa se preocupando com as maquinas, na outra, 0s sin- dicatos organizando a mao-de- obra. “E importante situar que no capitalismo desenvolvido a classe trabalhadora é mercado consumi- dor importante para a producao industrial de bens durdveis. No entanto, é mister notar que ndoéa producdo intensa e a tecnificagao do capitalismo que determinam as altas salariais desses operdrios. Eles, para manterem a patticipacaio mais ou menos constante em rela- ‘cdo 8 produtividade global, man- tem como elemento determinante da taxa de aumentos a “agao sindical”."* Ultrapassando as anotagoes de uma diversidade no mundo dos trabalhiadores e suas organizacdes sindicais, cujo dominio no sindica- lismo de empresa inquestionavel, sobretudo nos E.U.A., e daf sua indignacao com os modernos sin- dicatos proprietérios de shopping cenier que mais parecem empresas do capital do que organismos dos trabalhadores; ‘Por meio do capitalismo sindical, o capitalismo talista cuida das maquinas, o sindi- cato cuida da disciplinagao da mao-de-obra. Noventa por cento das entidades, grupos ou partidos que trazem o nome “operario” tm a finalidade de controlar o operariado”.!? Tragtenberg vai insurgir contra os discursos que ocuparam ‘0s espacos editoriais nos ultimos ‘anos e que apregoam se nao o fim das classes sociais, pelo menos, a mesclagem da classe operdria nos segmentos sociais médios. E na recusa dessas tolices ‘que tomam conta de publicagées especializadas, jorais, revistas, etc., Mauricio reitera as suas preocupagdes com um entendi- mento mais sério, objetivo, inter- pretativo, da classe dos trabalha- dores assalariados. “€ crenca Tratsky argumenta, no Tivro mencionado, que a burocracia que teria surgido na Unido Soviética era produto dos descaminhos da Revolucao de 1917 ¢ nao origindria do Estado Carita. Poranto, uma revolucéo politica que viesse ransformar 0 Estado poderia colocar ovamente 0 processo revolucionario no seu verdadelro curso, se caso reconstitulsse os soviets (conselhos operrios). "-Tragtenberg, M. "Uma Pratica de Participagao: As Coletivizagées na Espanha (1936-1939) in varios autores) - Participacao e Partcipacoes Ensaios sobre Autogestio - Sao Paulo, Ed. Babel Cultural, 1987, 13.31 “-Tragtenberg, M. “Rosa Luxemburg e a Critica aos Fenémenos Burocraticos’, op.ct, pgs 39-40, e ver também “Burocracia e Ideologia” pas. 97-98 ¢ segs. *-Tragtenberg, M. - Administracéo, Poder e Ideologia - Sto Paulo, Ed. Moraes, 1980, pgs 97-146. "*Tragtenberg, *Rosa Luxemburg...pg.40. "-Tragtenberg, “Administragao, Poder e .."pgs.97-96. "= Tragtenberg, M, - Reflexdes Sobre o Sacialismo - So Paulo, Ed.Modemna, 1966, pg.74. 37 néveo. pit. dominante que a classe operdria 1ndo se distingue da classe média. Mesmo que muitos operdrios se sintam parte integrante das classes médias, e mesmo qué isso se dé pela renda, sua condicao & de proletério: trabalho embrutecedor, producao dividida, ou divisio de trabalho, rigor do ritmo, frustragdes intelectuais, alienagao do indi duo”."? Recorrendo a Marx, 0 autor de Burocracia e Ideologia ira colher a diversidade a partir da organizacao dos trabalhadores nos Jocais de trabalho, e, com o pensador e revolucionério alemao, defenderé a ASSOCIAGAO, como. forma unificadora dos conselhos operarios. Uma associacdo, sim, com aquele cardter internaciona- lista. “A associagao cria as precondigées de uniao dos trabalhadores, porém a divisdo de trabalho no interior das empresas e sua articulacao nos varios ramos da produgao social econdmica constituem seu maior obstéculo. Embora a reivindicagao de aumentos salariais seja considerada inerente & classe operdria em sua totalidade, ela nao elimina a hie- rarquizacao dos salarios, dividindo 08 trabalhadores. A aboligao do sistema de opressdo e de explora: cdo do salariato pressupée a un cagao dos operarios, a qual eli- mina a concorréncia mantida entre eles. Para Marx, isso se daria por meio da criagdo de um fundo co- mum de subsisténcia pela recom- posi¢ao coletiva da vida, compar tilhando-se aalegria inerente a luta associada dos trabalhadores. Marx descobre que a asso- ciagao nascida no proceso das lutas, continuando apés seu tér- mino - sempre passageiro -, repre- senta a perspectiva revoluciondria que leva & ruptura das formas burguesas de trabalho assalariado. A ruptura no é algo para ser deixado para um futuro remoto, mas inicia-se dentro da propria associacdo"."* Trabalhar o sentido de asso- ciagao deixado por Marx, a partir da organizaco dos trabalhadores nos locais de trabalho, foi algo jamais abandonado por Mauricio, mesmo quando, militando em certos partidos, o dever de oficio 0 levasse a uma envergonhada defesa do centralismo democratico. Assim, nas paginas do “Orientagao Socialista”, jornal do Partido Socialista Revoluciondtio de inspiragdo trotskista (1946-1948), 6 mais presente a tese da frente nica de todos os trabalhadores, a impreterivel organizagao dos trabalhadores nos locais de trabalho, fossem urbanos ou rurais, doque uma obstinada sustentacao da forma de organizacao revolucionéria, dominante nos pcs, fundamentalmente, apés 1925, uma forma em geral vazia de forcas ais efetivas. O trabalhador é deseducado pelo oportunismo do partido. Junto com Herminio Sacchetta na desilusdo com o bolchevismo, Mauri uma organizacdo politica intitulada Liga Socialista Independent. Criada em meados dos anos cin- qlienta, a organizacao era luxem- burguista, mas ainda contava com uma visdo trotskista da realidade brasileira, e nela a democracia operdria sera condicéo para qualquer movimento revoluciona- rio dos trabalhadores. E nesse desdobramento do processo social com suas metamor- foses que parte organizacao dos trabalhadores - outrora isolados - nos locais de trabalho e passa pela constitui¢ao dos conselhos opera- rios - instancia do surgimento de uma consciéncia operdtia-, crian- do-se ento uma associacao geral, "Tragienberg, M, "Adminisiragao, Poder “-Tragtenberg, M, “Reflexdes sobre o Socialismo” pg. 11. "Tragtenberg, ibid, pg.79. * pg.103. onde Mauricio encontra as raz6es ce algumas certezas para a transfor- mado revolucionétia socialista do nosso tempo. E, assim, munido pela conclusio de que o trabalha- dor pode ser 0 construtor do préprio destino, pe-se a dialogar ‘com um marxismo que vé no parti- do a sua fundamentagao. “A concepcao leninista de partido enquanto minoria organizada que deva dirigir uma maioria informe, 0 proletariado, leva o trabalhador a regredir em seu nivel de cons- ciéncia social ¢ politica, © traba- Ihador 6 deseducado pelo oportu- rnismo do partido, pelo seu despre- 0 as idéias, e submetido a um processo que 0 torna incapaz de uma aco autonoma e coletiva, A «classe operaria perde a confianga ra sua propria capacidade de luta, organizacao e compreensio do processo social, transferindo-a ao partido. Essa sacralizacéo do partido caminha paralela a ideologia da nulidade operéria. Um partido, por mais comunista que se proclame, sem um alto grau de organizacao do trabalhador em sindicatos, co- operativas, nao passara de um instrumento para conseguir seus proprios objetivos imediatos, nem sempre coincidentes com 0 que pretendem os operatios’."* Mas & born nao perder de vis- ta que Mauricio também dialoga ‘com as forcas politicas da burgue- sia, leia-se neste caso, a social- democracia, ndo atenuando em nada suas crticas. “Os partidos s0 dirigidos por castas, intelectuais e politicos profissionais. Nao sao democraticos, porque neles domi- na uma minoria dirigente com inte- resses especificos. Numa democracia politica, o programa de cada partido somen- te &conhecido por una minoria; a grande maioria sé conhece slogans, palavras de ordem e pro- messas ambiguas. Numa demo- cracia parlamentar, a decisio é& tomada por uma minoria, que, as- RAV. pit. 38 sim sendo, se corrompe e decide em seu proprio beneficio”."° Por confiar nos trabalhado- res, Mauricio desacredita dos partidos politicos da capacidade de eles representarem 2 vontade coletiva em pleno movimento de realizacao efetiva. A tendéncia é sempre de obstrucdes neste movimento dado a duplicidade de represeniacdo e de interesses que se descolam das suas bases origindrias. Em caso de processo socializante, poderé ocorrer, como de fato se deu, um profundo distanciamento entre partido e trabalhadores gerando uma burocratizacao do poder politico organizado (Estado). J4 no interior da sociedade burguesa, no seu melhor momento, poder-se-4 observar a criacao de um dominio f pg.70. "Sobre essa questéo ver um autor que também influenciou a critica de Mauricio Tra politico de sabios, técnicos, intelec- tuais, etc” que oprime trabalha- dores através de métodos cienti- ficos, dando a impressao de que a democracia possivel 6a da exclu- so, do subjugamento, da repres- sao, da submissao. Por confiar nos trabalhado- res, sempre, até porque foi um deles®, Mauricio nao nos legou uma obra weberiana. Ao contrario do mestre alemzo, sempre confiou numa “democracia de rua’, € 0 cri- a quanto este apela paraa nogao de “ditadura militar dos sargen- tos" para interpretara Revolugao de 1917 na Rassia Nas ruas, o militante sempre sustentou a nogao de autonomia operaria diante dos partidos politicos, posto entender que o trabalhador pode e deve ser 0* Madrid, Les Ediciones de La Piqueta, 1977, g.308. "ver Mauifcio Tragtenberg “Memorial” construtor do préprio destino, jé nas escolas, 0 educador Tragten- berg sempre estimulou o estudante a refletir, apensaras grandes teorias do social, com a prdpria cabeca, Mauricio Tragtenberg singu- lariza a sociologia brasileira e nao somente pela sua estimulante obra de critica social, uma obra que fala para muitos audit6rios, dai sua caracteristica multidisciplinar, todavia, desde que esses nao acomodem 0s trabalhadores como meros ouvintes. Também com sua generosidade, sua solidarieda- de com a pessoa comum, sua ética inatacével, sua disponibilidade, sua luta incansdvel por uma sociedade socialista, marca os melhores momentos da educacao no Brasil. sgtenberg: Rudolf Rocker - Nacionalismo y Cultura - *-Tragtenberg, M. “Max Weber e a Revolugao Russa” in - Estudos Cobrap 18 - Séo Paulo, outinovidez 1976, pg.63. 39 revere pet. poy “A DELINQUENCIA ACADEMICA” Por NESON DACIO TOMAZI, professor do Departamento de Ciéncias Sociais CT este eR eed née. pét.. “A DELINQUENCIA ACADEMICA” Nelson Dacio Tomazi texto “A delingiiéncia académica” foi apre- sentado no | Seminario de Educacao Brasileira no final da década de 1970." Quando saiu, foi um verdadeiro furor. Muita gente ficou incomodada. Penso, entre- tanto, que ele ainda nos diz muitas coisas, principalmente no momen- to em que estamos vivendo sob a sombra de uma “Nova LOB’ e também em algo que estéo cha- mando de “autonomia université- ria’. Sobre reformas educacio- nals, para nao se alongar, 0 prof. Mauricio afirmava, que quando alguém nao quer mudar nada, inventa uma nova lei. A respeito desta “nova LDB” penso que poderfamos chaméla, numa visdo tragtenberguiana (se é que posso usar essa expresso), de uma “nova restauracao” a quem importa discutir 0s meios sem discutir os fins da educacao. Voltando ao texto “Delin- qii@ncia académica”, de apenas seis paginas, 0 prof. Mauricio faz uma critica, sem papas na lingua, auniversidade brasileira de entéo, mas que se aplica at8 com mais precisdo & universidade de hoje, e eudiria, a esta universidade, que tomarei como referéncia nesta fala, para que nao fiquemos falando de uma universidade em abstrato. Neste texto, o professor Mauricio se propoe a fazer uma anélise da “relacdo entre a dominagao e 0 saber, a relacao entre o intelectual ea universidade como instituigio dominante ligada & dominacao, a universidade antipovo". Penso que ele estava muito angustiado quando escreveu esse texto. Ou melhor, sempre esteve angustiado, por isso produziu tanto, Escrevendo sobre a univer- sidade em geral ele afirma: “A universidade esté em crise. Isso ocorre porque a sociedade esta em crise; através da crise da univer- sidade 6 que os jovens funcionam detectando as contradigdes profundas do social, refletidas na universi- dade. A universidade nao 6 algo tao essencial como a linguagem; ela & simples- mente uma instituicdo domi- nante ligada 4 dominagao. Nao. é instituigao neutra; & uma instituico de classe, onde as contradig6es de classe aparecem. Para obscurecer esses fatores ela desenvolve uma ideologia do saber neutro, cientifico, a neutralidade cultural e 0 mito de um saber “objetivo", acima das contradicées Hoje, ela forma a mao-de- obra destinada a manter nas fabricas 0 despotismo do capital; nos institutos de pes- quisa, cria aqueles que deformam dados economi- cos em detrimento dos assa~ lariados; nas suas escolas de ireito, forma os aplicadores de legislacao de excecio; nas escolas de medicina, aqueles que irdo converté-la numa medicina do capital ou utilizé-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de “um complé de belas + almas” recheadas de titulos académicos, de doutorismo substituindo 0 bacharelis- mo, de uma nova pedanto- cracia, da produgao de um saber a servigo do poder, seja ele de que espécie for.” Na visio de Mauricio Trag- tenberg esta universidade, esté mais preacupada em atender aos interesses do poder governamental (n0.caso estadval), até antecipando- see apresentando uma proposta de autonomia que resolve a questo para o Estado, na medida em que © poder puiblico se autonomiza das universidades. Assim a UEL, a universidade “Classe A”, se utiliza de um marketing para dizer que é uma das melhores do pais, baseada em indices que nao provam nada. Interessa a seus dirigentes muito mais as estatisticas sobre alunos, sobre o némero de professores com mestrado e doutorado, a quantidade de publicagoes do que a qualidade das aulas e das publicacées. Levando isso em conta, 0 professor Mauricio aprofunda asua critica, um pouco mais, quando afirma: “A universidade reproduz o modo de produgao capita lista no apenas pela ideo- logia que transmite, mas pelos servos que ela forma. Esse modo de producao determina 0 tipo de forma- 40 através das transforma- (GGes na escola, que coloca em relagdo mestres e estu- dantes. O mestre possui um saber inacabado e 0 aluno uma ignorancia transitéria (..). A relagao de saber nao institui a diferenca entre alu- no e professor, a separacao opera-se através de uma rela- 40 de poder simbolizada pelo sistema de exames - “esse batismo burocratico do saber” (...) Os valores de submissao e conformismo, a cada instante exibidos pelos comportamentos dos pro- fessores, j4 constitui um sis- 1 Este texto foi publicado posteriormente em TRACTENBERG, Mauricio. Sobre educagio, politica e sindicalismo. 2 ed. Sao Paulo Cortez, 1990. p. 11-16 2 Assim denominada pela prépria directo da mesma, pelo fato de ter tido 3 cursos com avallagdo “A” em todos es quesitos na avaliagto do MEC no ano de 1999. méevta. pé.. 42 ao | | | | i tema ideologico.” (destaque meu) Aqui, ele coloca efetiva- mente 0 dedo na ferida, quando traz A tona a forma como a universidade cria 0 conformismo edescartaa revolta, ou seja, como ela cria os servos do capital. Mas para nds que pensamos que estamos cursando ou ministrando cursos criticos e que, em tese, estariamos fora deste brado de inconformismo, ele nos alerta com propriedade: “A universidade dominante reproduz-se mesmo através dos chamados “cursos eriticos” em que 0 juizo pro- fessoral aparece hegeménico ante os dominados: os estu- dantes. Isso se realiza atra- vvés de um processo que cha- marei de “contaminagéo”.O curso catedratico e dogmati- co transforma-se num curso magistral e critico; a critica ideoldgica € feita nos cha- mados “cursos criticos” que desempenham a funcao de um tranquilizante no meio universitario. Essa apropria- ‘cdo da critica pelo mandari- nato universitirio, mantido o sistema de exames, a confor- midade do programa e 0 conirole da docilidade do estudante como alvos bési- cos, constitui-se numa farsa, numa fébrica de boa cons- ciéncia e delingiéncia académica, daqueles que ‘trocamo poder da razo pela razio do poder” (destaque meu) Penso que, de maneira prospectiva, o professor Mauricio conseguiu antever o resultado que hoje temos, que era a presenca de varios socidlogos e professores ios no interior dos apa- relhos do Estado: Fernando Henri- que Cardoso, Francisco Weffort, José Serra, Alvaro Moisés, entre outros. Afinal, Mauricio trabalhou numa boa escola, que era a Funda- ¢80 Getilio Vargas de Sao Paulo, @ ali foi contemporaneo de, Luiz Carlos Bresser Pereira, talvez 0 “burocrata esclarecido” mais esper- to que existiu no governo de FHC. Em suas conversas, 0 profes- sor Mauricio sempre deixava claro ‘como muitos intelectuais demons- tram preocupagao com o “social”, mas esto mesmo preocupados com a razao do poder. Para quem acha que a uni- versidade deve prestar servicos creio que 0 recado do professor Mauricio continua atu A nao-preocupa¢ao com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui fator de “delingiiéncia académica”... “Em nome do “atendimento a comunidade’, “servico piblico”, a universidade tende cada vez mais a adaptacio indiscriminada a quaisquer pesquisas a servi- 60 dos interesses econdmi- cos hegeménicos; neste andar, a universidade bra- sileira oferecera disciplinas como as existentes na metré- pole (EUA): cursos de esco- tismo, defesa contra incén- dios, economia domésticae Gatilografia em nivel de secretariado (...) A Universidade Estadual de Londrina j4 possui 0 curso de Secretariado Executivo e Estilismo e Moda, todos de nivel superior e * fundamentais para incrementar 0 desenvolvimento do conhecimento humano e também essenciais para 0 desenvolvimento da sociedade. Quem sabe chegaremos a ter ‘outros cursos parecidos a esses. ‘Ele insistia em designdla de “Comunidade solitéria” névre. pat. que esses cursos tem mercado ou foram solicitados pelas “forcas vivas da comunidad londrinense”. Que belo critério para implantar um curso. Mas 0 professor Tragte- nnberg continua: “A universidade vista como prestadora de servicos, corre © risco de enquadrar-se numa “agéncia do poder’, especialmente apés 68, com ‘a Operagao Rondon) e sua aparente democratizagao, s6 rnas vagas; funciona como tranqbilidade social. (destage ue meu) Continuo afirmando que ele parecia um vidente, o que ele nao era, mas sim um leitor arguto da realidade universitaria e do projeto os militares de 64 e dos dominan- tes/dirigentes de hoje, pois temos a Comunidade Solidaria? quenada mais é do que a reprise/cépia do Projeto Rondon, além do que a proposta de democratizagao do ensino passa apenas pelo projeto nacional de aumento de vagas, que atinge todas as universidades publicas, inclusive esta Sobre a responsabilidade social do professor, como profes- sor que nunca deixou de ser, ele escreve: “0 problema significative a ser colocado 60 nivel de res- ponsabilidade social dos pro- fessorese pesquisadores uni- versitarios. A nao-preocu- pacdo com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui fator de “delinquencia aca- démica” ou fator da “traico do intelectual” () “A *delingiiencia academi- cca” aparece em nossa época longe de seguir os ditames de Kant: “Ouse conhecer.” Se os estudantes procuram conhecer os espiritos auda- zes de nossa época, & fora 43 da universidade que irao encontré-los. A bem da ver- dade, raramente a audicia caracterizou aeprofisséo académica.” Quando leio estas palavras penso na preocupacao constante do professor Mauricio em estar sempre compromissado com 0 conhecimento, mas também com seus alunos. Sempre estava, de uma forma ou de outra, envolvido ‘com seus alunos, mesmo depois que nao integravam mais 0s cursos que ministrava. No meu caso, sem nunca ter sido formalmente seu aluno, sempre atendeu-me pessoalmente ou através do telefone, dispendendo todo o tempo que eu necessitava para ensinar-me algo. Era um intelectual que queria ser ouvido, queria exter- nalizar seu pensamento, € suas preocupagoes com 0 que ocorria no mundo de hoje, principalmente com os mais atingidos pelo capital. Muitos intelectuais e professores querem platéia para falar, por isso falam para qualquer nimero de pessoas a mesma coisa. Se num auditério estiverem 10, 50, 100 ou 500 pessoas, o discurso ¢ sempre ‘© mesmo, Esto muito mais inte- ressados em apresentar 0 seu saber suas pesquisas do que levar 20 seu ptiblico uma mensagem de inconformismo e revolta perante o tempo presente No 1° semestre de 1999, houve um evento universitirio na UEL, cujo tema era "Os movi- ments sociaisna América Latina’. Foi um maior sucesso de pablico (750 inscrigées). Ficou demons- trado que os alunos estavam interessados pela tematica, mesmo que uma parte deles estava mais preacupada com as horas que poderiam contar e colocar em seus hist6ricos escolares. E os profes- sores/conferencistas estavam ali para falar ou para serem ouvidos? A maioria deles estava ali para falar, tanto 6 que ndo aproveitaram a oportunidade para langar uma proposta inconformista para aqueles jovens. Aproveitaram a oportunidade para falar de seus trabalhos académicos e de suas pesquisas e teses doutorais, tornan- do o debate extremamente cansa- tivo entediante. Penso que houve uma dose significativa de delin- qéncia na conduta de muitos que participaram deste evento. € por isso que, normalmente: “(.) 0 intelectual académico despe-se de qualquer res- ponsabilidade social quanto a seu papel profissional, politica das “panelas” acad&- micas de corredor universi- tério e a publicacao a , qualquer preco de um texto qualquer se constituem metro para medir 0 sucesso universitario”(.) wa Criagao do. conhecimento e sua reproducao cede lugar ao: controle burocratico de sua producao como suprema virtude... ‘Queas “panelas” existe em todas as universidades e departa- mentos nés estamos cansados de saber. Entretanto, agora, elas j4 podem ser legitimadas também, com as novas orientacGes vindas do alto do MEC e assumidas pelas universidades. O mais importante s4o 0s grupos de pesquisa e tam- bém a publicagao em revistas de “alto coturno", normalmente domi- nadas por “panelas” incrustadas Nos aparatos governamentais, nas agencias de fomento de pesquisa ‘ou mesmo nas associacées de categoria ou ainda nos érgaos universitarios. Eaisecolocaa pergunta fun- “damental do texto: 0 conhecimento a quem e para que serve? para o que ele indica uma resposta: “O problema da responsa- bilidade social éescamotea- do, aideologia do academico € nao ter nenhuma ideo- logia, faz fé de apolitico, isto 6, serve & politica do poder.” (2) “Diferentemente, constitu, como legado da filosofia racionalista do século XVIII, uma caracteristica do “verda- deiro" conhecimento [6] 0 exercicio da cidadania, do soberano direito da critica questionando a autoridade, 05 privilégios e a tradicao” Mas para que ndo se pense que Mauricio Tragtenberg estava escrevendo sobre coisas muito abstratas ele vai ali, no cotidiano dos professores, e coloca também ‘odedo na ferida: “A delinguiéncia académica se caracteriza pela existéncia cde estruturas de ensino onde os meios (técnicas) se tor- nam fins, os fins formativos slo esquecidos, a criacdo do conhecimento e sua repro- duc cede lugar ao controle burocrético de sua producao como suprema virtude, onde “administrar” aparece como sinOnimo de vigiar e punir- © professor é controlado mediante os critérios vistveis ¢ invisiveis da nomeacao; 0 aluno, mediante os critérios vistveis e invisiveis do exa- me. Isso resulta em escolas ‘que se constituem depésitos de alunos, como diria Lima Barreto em “Cémitérios de Vivos" (destaques meus) Quantos de nés professores estamos muito mais preocupados em controlar os alunos pelo numero de faltas e a atender as solicitagées burocraticas que vem de cima, o que na UEL é algo sufocante, Neste “cemitério de vives" podemos encontrar pro- fessores “cumpridores do seu dever burocratico” e alunos “aplicados’, todos delingtientes. Sobrea participacao politica no interior da universidade, 0 prof. Mauricio nos indica um possivel caminho: “Aaltemativa é a criagao de navea. pit 44 canais de participacdo real de professores, estudiantes e funciondrios no meio uni- versitério, que oponham-se 4 esclerose barocratica da instituigdo .(...) A partici- pacdo discente nao se cons- titui um remédio magico aos males acima apontados, porém a experiéncia de- monstrou que a simples presenca discente. em colegiados 6 fator de sua moralizagao” (destaque meu) Creio que para concluir nada melhor que mais uma citagao deste artigo que procurou sacudir as pessoas (acadlémicos) que estavam tranqiiilos em seus lugares nas mais diversas estruturas educacionai “O pensamento esta funda- mentalmente ligado a aco. Bergson sublinhava no inicio do século a necessidade de ohomem agir como homem de pensamento e pensar como homem de acao. A separacao entre “fazer” @ “pensar” se constitui uma das doencas que caracterizam a delinquiéncia académica - a andlise discussao dos problemas relevantes do pals constitui um ato politico, constitui uma forma de aco, inerente a responsabilidade social do intelectual. A valorizacao do. que seja um homem culto estd estritamente vinculada ao seu valor na defesa de valores essenciais de cida- dania, ao seu exemplo reve- lado nao por seu discurso, mas por sua existéncia, por sua ago. Muitos professores universi- tarios aparecem como criticos conformistas. Fazem da critica um oficio sem se envolverem como objeto da critica. Do alto de suas sabedorias bradam, fazem um grande movimento, levantando nuvens de poei- ra, mas nao sujam as maos. ‘Outros falam de revolucio, estudam a revolucéo, teori- zam a revolucao, mas nao querem correr nenhum is- co. Situam-se acima dos po- bres mortais. Outros ainda, falam, escrevem e divulgam saberes sobre 0s direitos hu- manos, a cidadania e a de- mocracia, mas no cotidiano de suas vidas negam todo este saber. Este saber fica estacionado acima dos su- percilios, nao sai do cérebro e tampouco baixa a terra, no chega as ruas. Nao foi isso que o professor Mauricio nos legou. Manteve um contato sempre estreito com aqueles que estao na fabrica, nas Tuas, que fazem parte do que & chamado de “povao", procurando colocar 0 seu conhecimento 20 servigo deles. Esta ¢ a heranca que guardamos de Mauricio Trag- tenberg, Penso que ele se enquadra naquela categoria de pessoas, intelectuais e cientistas sociais, de que nos falou/escreveu Lucien Goldmann. E peco, aqui, licenga académica, para fazer uma cola- gem e uma adaptacao de alguns pardgrafos que estdo no livro deste autor, “Ciéncias Humanas e Filosofia”, que o proprio professor Mauricio indicou-me, quando ainda estudava na graduacao, e que bem o defin A maior preocupagao de Mauricio Tragtenberg foi chegar ao conhecimento mais vasto e mais adequado da realidade. (..) Permaneceu sempre cons- ciente do fato de que, além das dificuldades comuns a todas as _ciéncias, enfrentou dificuldades especificas provindas da inter- feréncia da luta de classes sobre a consciéncia dos homens, em geral, e sobre a sua propria, em pat lar. Interferéncia que logo de in descobriu em toda parte;. Nao hesitou em entrar em conflito com os preconceitos mais arraigados, as autoridades mais estabelecidas, as verdades aparen- temente mais evidentes e, antes de tudo, nao temeu qualquer ortodo- xia nem qualquer heresia; Foi um critico rigoroso, permanente e constante de seus proprios resultados e dos avangos do seu préprio pensamento; atitu- de critica que se tomou uma dispo- sigdo natural, uma segunda natu- reza para empregar a expresso de Pascal. Procurou compreender e julgar todas as posigdes, a sua como a dos outros, reportando-as ao mesmo tempo a sua infra- estrutura social, a fim de entender sua significagao, e aos fatos que pretendiam explicar ou descrever para depreender a parte da verdade que poderiam conter. Assim, depois de ter realiza- do suas tarefas na medida de suas possibilidades, sem falar daquelas comuns aos trabalhos cientificos em geral (precisa, eliminacao de qualquer consideracao pessoal etc), depois de ter exercido seu espirito critico contra sua prépria posicao, tentando corrigi-la sempre que sua reflexo ou as criticas dos adversarios Ihe revelaram fraque- zas ou deformacées, depois de ter adquirido a impressao de haver logrado inserir seu pensamento na vida social concreta, Mauri Tragtenberg se encontrou na situacéo geral do homem de ciencia, que é a de ter encontrado um conjunto de verdades aprox madas, a espera de que outros investigadores venham depois dele continuar e ultrapassar sua obra. 45 névra. pit. Peas HOMENAGEM DO SENADOR EDUARDO SUPLICY AO PROFESSOR MAURICIO utor de reflexdes inovado- ras no campo das Ciéncias Humanas Tragtenberg tomouse um formador de opiniéo de geracées de educadores e pesquisadores durante pelo menos quatro décadas, Por onde quer que tenha passado seja na Universidade de Sao Paulo, na Pontificia Univer- sidade Catélica na Faculdade de Educagao da Unicamp (da qual foi um dos fundadores) ou na Funda- cao Gettilio Vargas, na Escola de Administracao de Empresas de Séo Paulo onde foi meu colega como professor, Mauricio Tragtenberg influenciou os jovens inclusive 05 que aspiravam ser empresérios, mudando a sua compreensao acerca da relagao que deveriam estabelecer com os trabalhadores. Em sua tese de livre docéncia intitulada Administracao, Poder e Ideologia desenvolveu uma analise critica das concepgdes de gestao empresarial vigentes na década de 70 e inicio da de 80 desvendando no discurso administrative 0 contetido ideolégico que marcou a ofensiva neoliberal sobre as politicas ptiblicas transformando- as em politicas de exclusdo social crescente. 1 Completou sua formagao ‘como autodidata marcado por um pensamento vigorosamente auté- nomo ousado sem jamais perder 0 rigor. Quando jovem estudava diariamente na biblioteca Mario de Andrade em S4o Paulo onde conheceu diversos intelectuais entre eles o professor Florestan Femandes. Atualmente lecionava no Departamento de Ciéncias Sociais da PUC de Sao Paulo. Lutou com veeméncia contra sua doenga. J4 havia até definido 0s temas das aulas para 0 préximo semestre sem duivida nenhuma. Mauricio Tragtenberg pode ser considerado um dos mais impor- tantes intelectuais brasileiros da segunda metade do século e sua morte acorrida no Giltimo dia 17 de novembro apés sofrerinsuficiéncia cardiorespirat6ria na Unidade de Terapia Intensiva do hospital Sirio Libanés em Sao Paulo deixaré uma lacuna diffcl de ser preenchida, A senhora Beatriz Tragten- berg sua viva, aos seus filhos e a toda a comunidade de professores e alunos das instituigdes por onde ele passou, atodos aquelesa quem ele ajudou a ter as suas conscién- cias despertadas, © nosso senti mento de peser. = = 47 révr0. pét..

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