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tae a, SF tantos titulos conquistados na sua ional, o jornalista Edmar Morel mais éste: 0 de ter o seu nome no primeiro rol de cidadios brasi- scritos pelo Ato Institucional do 1.° il. Muita gente, ao ver o nome de el entre os primeiros atingidos pela vi- e ditadura brasileira, no entendeu desde 0 que havia feito éle para merecer tal - distingdo. Sabe-se hoje. Seu crime, que aos -olhos da “revolugiio” fé-lo tio execrado e perigoso, foi um sé: 0 de ter escrito, ha al- anos, a biografia do marinheiro Joio \dido, 0 lider da Revolta da Chibata que, anos atrés, com o seu gesto de rebeldia ¢ ‘0, abriu os olhos da Nagao para o de servidio, brutalidade e injustiga até reinante nos quadros inferiores da ma- brasileira, A elite naval do Brasil ja- rdoou a Edmar Morel ter reconstitui- paixdo e sem distorgdes, 0 perfil do rebeliio e, posteriormente, com o seu icio, um pouco, sendo muito, da cons- icia nacional. Proscrito pelo 1.° de Abril, Morel voltou a pagar, mais de cin- anos depois, pelo crime que Joo Cén- j@ havia pago de maneira tio exagera- seus direitos politicos, procurou muti- o encerrar, a brilhante e brava car- a fi 4 ‘ a de um dos mais conhecidos repérteres leiros, daqueles que deram & moderna tagem, no Brasil, as suas caracteristicas Thores — como a agilidade, o culto A ver- _ a pesquisa honesta, a preocupagio pela _ O GOLPE COMECOU EM WASHINGTON RETRATOS DO BRASIL volume 34 O GOLPE COMECOU EM WASHINGTON EDITORA CIVILIZACAO BRASILEIRA S. A. 5 RIO DE JANEIRO desenho de capa: EUGENIO HIRSCH DO AUTOR: Sob os Céus de Pérto Seguro — 1939 — Ed. Bahia — Salvador. Gago Coutinho e Sua Vida Aventurosa ~- 1941 — Ed. Coelho Bran- co ——~ Rio. E Fawcett Nao Voltou — csgotado — 1944 — Ed. “O Cruzeiro” — Rio. Traduzido para o inglés e espanhol ¢ publicado pelo The People, de Londres, La Razén, de Montevidéu, Critica, de Buenos Aires, Adaptado para uma bistria em quadrinhos pela Editdra Brasil América. O Brasit Visto dos Céus ~- 1946 —- Ed. Cruzeiro do Sul — Rio. Padre Cicero, O Santo do Judzeiro (Bsgotado) — 1946 — Ed. “O Cruzeiro” — Rio. Dragao do Mar, O Jangadeiro da Abolicéo (Esgotado) — 1949 — Ed. do Povo Limitada — Rio. Radiofonizado pela pnc de Londres € Radio do Ministério da Educagio e Cultura do Brasil. Moscou, Ida e Volta (Esgotado) — 3.4 ed. — 1953 — Pongetti — Rio. A Revolta da Chibata (Levante na Esquadra pelo marinheiro Yodo Cfndido) — 1958 — Pongetti — Rio; 24 ed. 1963 — Editéra Letras ¢ Artes, Direitos desta edigio reservados & EDITORA CIVILIZACAO BRASILEIRA S.A. Rua 7 de Setembro, 97 . RIO DE JANEIRO 1965 Impresso nos Estados Unidos do Bras’ Printed in the United Statez of Brazil INDICE : Phas. Ao Comando Supremo da Revoluglo .....-.05-00ceeeee eee x Made In U.S.A. cece ccsecee cece ee eee eee tee beseeeseeeeee ul 14 Frente: Latifundiérios Contra a Reforma Agraria . 19 2.8 Frente: Bond and Share ..... Lecce eee ece nets tect ete seen tes . 30 3 Frente: Laboratories Estrangeiros ¢ Calgados Populares .............. 39 44 Frente: A Hanna Queria 0 Minério de Ferro ......06..006.00ceeeeees 45 5 Frente: © map Corrompe o Brasil Inteiro ..... teeeeee ees ete eee ee ees 52 64 Frente: Encampagio das Refinarias see 56 Comicio das Reformas . 63 Coméco do Fim 80 A Vitéria de 1.° de Abril Sete Dias de Alto Comando . 25.° Presidente da Reptiblica . Presenga de Jango Brasil Desfigurado Documentério Afronta & Dignidade Humana A Luta dos Estudantes . A Prisio Manifesto dos Bispos Balango do Expurgo Intervengdes Norte-Americanas na América Latina . 230 Ao Comando Supremo da Revolucao N, NoITE de 14 de abril o Repérter Esso mencionou, pela primeira vez, o nome do autor déste livro para anunciar que 0 Comando Supremo da Revolugao suspen- dera seus direitos politicos por 10 anos, nos térmos de um arti- go qualquer do Ato Institucional, gerado no cérebro do fascista Francisco Campos. Assinaram a ignominia o Tenente-Briga- deiro Francisco de Assis Correia de Melo, “Ministro da Acro- néutica; Almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald, Ministro da Marinha; e o General Artur da Costa e Silva, Minis- tro da Guerra. A Gles dedico éste livro pelo glorioso galard&o que recebi: o diploma de que a Revolugio de 1.° de Abril me repudiou, o que nao era de estranhar, porque eu também a repudiei. A deciséo dos militares abriu caminho para o névo govér- no tomar o meu emprégo. No dia 4 de maio deixei de ser jor- nalista “chapa-branca”: fui demitido do cargo de redator da Réde Ferrovidria Federal. Ao Brigadeiro, ao Almirante e a0 general os agradecimentos de um chémeur a mais. Na verdade, eserevi éste livro com os olhos voltados para as mulheres que tiveram os seus pais, filhos, maridos, irmdos, companheiros e noivos encarcerados e exilados, quando nao com os seus direitos politicos cassados. Estes no merecem sé um livro: séo merecedores do respeito dos seus patricios. EpMar Moret Made In U.S.A. Ace UM CEGO via, olfateando, no co- méco de 1964, que havia um rastilho nos estranhos caminhos do Brasil, preparado desde 25 de Agésto de 1961, quando o Sr. Janio Quadros renunciou, no Palacio do Planalto, jogando pela janela 5.636.623 votos. Generais, almirantes e brigadeiros nunca engoliram o Sr. Jo%o Goulart como Presidente da Republica, cargo a que foi guindado pela fuga do Sr. Janio Quadros. Antes, fora também © vice do Sr. Juscelino Kubitschek, obtendo mais sufragios, no primeiro pleito, do que o préprio Presidente. Sumariamente demitido do -cargo de Ministro do Trabalho do Sr, Getilio Vargas, por iniposic¢do de um grupo de coronéis, todos agora generais, Jofio Belchior Marques Goulart, gaticho de SGo Borja, homem de fronteira, bonachdo, de hdbitos sim- ples ¢ até riisticos, cedo conquistou o gentio humilde do Brasil, principalmente as classes trabalhadoras e estudantis. Foi o legi- Il timo herdeiro de Vargas, ja que os filhos do ex-ditador nao ti- pham qualidades de lideranga. . Qs Ministros das Férgas Armadas — Almirante Silvio Heck, da Marinha; Brigadeiro Grunn Moss, da Aeronautica; e o Marechal reformado Odjflio Denys, do Exército — ante a costumeira impassibilidade do Sr. Ranieri Mazzilli, enviaram. um memorial ao Congresso Nacional, a 30 de Agésto de 1961, mostrando a inconveniéncia de o Sr. Jodo Goulart tomar posse. Mas a opiniado piiblica exigiu que o vice assumisse o poder; no cumprimento de um direito legal, assegurado pela Constituicdo, e assim repeliu a triste ¢ vergonhosa tarefa daqueles chefes mi- litares. Jango, que estava na China de Mao-Tsé-Tung, em missao oficial, iniciou a sua longa e tormentosa viagem de retdrno, via Estados Unidos, aleangando Buenos Aires, pelo Pacifico, e ru- mando, em seguida, para Pérto Alegre, onde foi recebido em apoteose. E no dia 8 de setembro substituiu o Sr, Janio Qua- dros, com quem estava rompido. O motivo disso féra o caso da carta que o vice enderecara ao Presidente, tendo éste a devol- vido, sem abrir sequer 0 envelope. Que féz o Presidente Jodo Goulart nos primeiros dias de seu govérno, manietado por um regime esdréxulo — o parla- mentarismo — impdsto 4 Nacdo pelas baionetas e aceito por um Congresso castrado? Convocou o que havia de melhor na vida publica do Pais, certo de que poderia governar, chamando para o seu gabinete homens como Gabriel Passos, Evandro Lins ¢ Silva, Virgilio Tavora, Souto Maior ¢ outros. De setembro de 1961 a abril de. 1964 outra coisa néo se f€z no Brasil sendo conspirar-se contra o Presidente Joio Gou- lart, destacando-se na conspirata 0 mesmo marechal reformado Denys ¢ o Almirante Silvio Heck, com o apoio de generais como Cordeiro de Farias, Olimpio Mour&o, Luis Carlos Gue- des, Nélson de Melo e outros que apareceram na enxurrada de 1.° de Abril como os denos da quartelada. Meses depois, exatamente a 6 de Janeiro de 1963, através de um plebiscito, cuja proporgio de votos foi de 10 contra 1, © povo devolveu o regime presidencialista ao Sr. Joo Goulart, 12 jA nesse momento fortemente apoiado pelo operariado, estudan- tes, intelectuais, clero e inferiores das Fércas Armadas. m A Constituigéo de 1946 foi promulgada por intmeros se- nadores e deputados donos de extensas dreas territoriais. Sic éles os autores do pardgrafo 16 do artigo 141: “E garantido o direito de propriedade, salvo caso de desa- PropriagGo por necessidade ou utilidade piblica, ou por interésse social, mediante prévia e justa indenizagGo em dinheiro.” O Sr. Joao Goulart tentou dirigir mensagens ao Congresso Nacional, pedindo a modificagio daquele item, a fim de que a indenizagdo fésse paga em titulos da Divida Publica e nfo em dinheiro, A ctpula do psp, a eterna aliada da UDN na defesa dos seus interésses escusos e comuns, manifestou de piiblico que a ~ medida era descabida. E o Sr. Juscelino Kubitschek, como era do seu feitio © muito do seu agrado, iniciou, entdo, a sua joga- da de acender uma yela a Deus e outra ao diabo. Estava aberta, assim, a primeira grande frente da reagio contra o govérno do Sr. Joao Goulart. x Ressurgiu, pelo dedo de Mr. Lincoln Gordon, o mais ativo de todos os embaixadores ianques que j4 passaram pelo Brasil, a questo da encampacao da Bond and Share, nacionalizada no Rio Grande do Sul, porém, absoluta em varios Estados da Fe- deracdo, espoliando 0 povo com a conivéncia de autoridades. Mr. Lincoln Gordon embarcou, nessa ocasiio, para os Es- tados Unidos e, dentro de um plano préviamente estabelecido, declarou que o nosso govérno era dominado por comunistas, forcando, desta maneira, um pronunciamento do Sr. Joao Gou- Jart, as voltas com as dividas externas de trés bilhdes e€ qua- trocentos milhGes de délares, contraidas pelos seus antecessores € prestes a vencer. Era mais uma bomba nas suas mios, Foi resolvido, numa reunijdo ministerial, com alguns votos discordantes, um dos quais do honrado Hélio de Almeida, da 13 Viagio, que a Bond and Share, a American Foreign Power e CTB seriam indenizadas em 188 milhGes de délares, quando o prego da transago nado podia passar de 57 milhdes, segundo cAleulos de uma comiss4o técnica brasileira. E estaria o Brasil pagando muito bem pelo acervo de 12 companhias de ferro ve- tho. Quem sacramentou todo éste negécio, em Washington, foi © nosso embaixador nos Estados Unidos, Dr. Roberto Campos (guardem bem ésse nome), O escindalo veio a ptiblico ¢ sé as- sim 0 assalto ao Tesouro Nacional nao foi perpetrado. Estava aberta a segunda frente contra o Sr. Joo Goulart, agora, den- tro dos escritérios centrais da Bond and Share e da American Foreign, poderosos trustes internacionais com longa experién-_ cia na arte de derrubar na América Latina os governos que ousam contrariar as suas falcatruas. * Uma Comisso Parlamentar de Inquérito, criada para apu- rar um mundo de irregularidades dos laboratérios estrangeiros que controlam 90% da nossa agonizante indtstria farmacéutica, constatou a remessa clandestina para fora do Pais de royalties no valor de 10 milhGes de délares. O govérno tentou, entéo, nacionalizar a refcrida industria, mas foi impotente diante da feroz campanha estipendiada por uma verba de cérca de 20 milhdes de dolares, que é 0 que gas- tam, por ano, os laboratérios estrangeiros com a imprensa fa- Jada e escrita. Estava aberta a terceira frente. N&o tardou a quarta, quando a Justiga tornou sem vali- dade a imoralissima concesséo dada ao grupo da Hanna, que queria tomar conta do nosso minério de ferro, Simultincamente, apareccu o IBAD, sob a batuta do Sr. Ivan Hasslocher, 2 maior maquina de corrupc&o de que a His- téria do Brasil tem conhecimento. Com a derrota da Hanna, o consércio ianque, comandado por Mr. John Foster Dulles Ninior, filho do antigo Secretdrio de Estado norte-americano, passou a financiar 0 IBAD, 6rgdo que corrompeu os ultimos pleitos eleitorais, clegendo deputados re- conhecidamente antinacionalistas, tipos escolhidos a dedo para qualquer negécio de interésse comercial americano, A corrup- gao foi da ordem de 5 bilhées de cruzeiros. 14 Sustentei uma longa campanha contra o IBAD € suas sucur- sais, a ADEP € @ ADP, a Ultima sob a dirccfo do deputado Joao Mendes, da UDN, mostrando que téda a maquina era fi- nanciada por firmas estrangeiras, como a Texaco, Pfizer, Ciba, Cross, Schering, Bayer, General Eletric, 1mm, Coca-Cola, Stan- dard Brands, Remington, Belgo-Mineira, atc, Herm Stoltz, Coty, conforme documentos apresentados pelo entaéo Governa- dor Miguel Arrais, de Pernambuco, 4 Comissio Parlamentar de- Inquérito. * Muito de propésito faco éste retrospecto da vida politica nacional de setembro de 1961 a abril de 1964, para mostrar aos meus patricios o inicio da trama, internacional que derrubou o Sr. Joao Goulart, circunstincia que os escritores apressados _do golpe de 1.° de Abril nao tomam conhecimento, uns evi- dentemente, por ignorancia, outros por conveniéncia dos edité- res. Faco exceciio a Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Heitor Cony, Tristio de Ataide, Danton Jobim, Edmundo Moniz, Marcio Mo- reira Alves, Hermano Alves e uns poucos outros. SSo as mesmas férgas ocultas que levaram Getilio Vargas ao suicidio e Janio Quadros 4 rentincia. , Tudo conspirava contra o Govérno. Os tubardes contro- Javam os géneros alimenticios, fazendo o custo de vida subir em vertical. O délar chegou a ser vendido a 2 mil e 300.cru- zeiros. O Pais era um saco de gatos. O Presidente perdeu bons auxiliares e surgiram outros, alguns tirados do rebutalho do sin- dicalismo, como ésse Gilberto Cockratt de $4, arvorado em as- sessor sindical. Greves e mais greves, algumas fabricadas no Ministério do Trabalho, estouravam pelo Brasil inteiro. Os ban- cos parados. S6 uma casta estava cm movimentagao: a quadrilha de aproveitadores, gang que sempre existiu em tédas as situagGes. No Comicio das Reformas, com a presenga de mais de 200 mil pessoas, o Govérno, ao comunicar a desapropriacéio das terras, por interésse social, ao longo das rodovias, ferrovias © acudes, em 4reas superiores a 500 hectares, numa extensio de 10 quilémetros; a nova Lei do Inquilinato, na base do sa- ldrio-minimo, a instalagdo de Grupos de Trabalho para 0 fa- Is rico de remédios e calgados populares e outras medidas, criou mais pressdes econdmicas, que se juntaram ao tropel dirigido por Mr. Lincoln, Gordon, no caso, a Bond and Share, Hanna, in- dustrias farmacéuticas estrangeiras, BAD e, também, as cipu- las do Psp e UDN, de maos dadas na Juta contra a Reforma Agraria. Ao revelar que iria remeter mensagem ao Congresso pe- dindo o voto para o analfabeto e a elegibilidade dos soldados, abria um abismo entre o Poder c os partidos politicos, parti- cularmente a UDN e 0 PSD. Naquele, comfcio, 0 Sr, Joao Goulart, ao descer do palan- que, estava com a sua sorte selada, irremediavelmente perdido. O episédio dos marinheiros ¢ sargentos foi o tiro de miseri- cérdia. Jamais acreditei na solidariedade de pelegos, uma imun- dicie que vive as custas do suor do trabalhador. Também nunca vi, com excecio unica do General Bertoldo Klinger, general brigar com general por causa de civil. Geralmente, as crises de farda acabam em churrasco, com evidente prejuizo do boi. Do Comicio da Reforma Agraria ao 1.° de Abril, foi um pulo. Dezessete dias da mais completa anarquia, com um vaivém de ultimatos do cat, érgio clandestino, pois nunca fora registrado; insubordinagio dos marinheiros que desacataram or- dem de priséo do Ministro Silvio Mota, ¢ a conseqiiente inva- so do Sindicato dos Metalirgicos. O Brasil parou. Todos da- vam instrugdes e ninguém as acatava. Era o fim. O Congresso . Nacional era uma vergonha. Faltava unidade e sobravam insultos de baixo calao, dignos de uma porta de mercado, lancados por certos parlamentares. Era voz geral: “O Govérno deve fe- ché-lo.” As horas passavam como se féssem longos dias perdidos em desordenada indisciplina militar. Oficiais superiores nao obe- deciam ao Presidente da Republica nem aos Ministros das Fér- cas Armadas. Soldados e sargentos, pensando no apoio do cer, da UNE e outras entidades, nao respeitavam os seus superiores. Tudo isto na Semana Santa, com o Presidente em sua fazenda, no Rio Grande do Sul, enquanto-o Governador Magalhies Pinto, de Minas Gerais, ultimava os preparativos do golpe. As senhas da sublevacao cram mandadas por telefones ¢ até pelas estagdes de radio, sem o minimo contréle do Govérno. 16 Os acontécimentos da Marinha trouxeram o Sr. Joao Gou- Jart de volta 4 Guanabara. No dia 30 de marco, o chefe da Nagao, no Automével Clube do Brasil, era homenageado por 3.000 sargentos. A oragdo do Presidente foi uma repeticio do discurso da Praga da Republica. Queria a reforma da Consti- tuigao para que o povo tivesse as Reformas de Base, Duas quadras distantes, no Clube Militar, brigadeiros, ge- “nerais e almirantes pediam a restauragao da disciplina nas Fér- gas Armadas. Melhor, nao pediam: exigiam em tom de desafio, Aproximava-se 0 choque inevitével. No dia 31, Minas, em ar- mas, tespondia ao ponunciamento do Sr. Joao Goulart. Amanheceu o 1.° de Abril, com o Sr. Joo Goulart pra- ticamente derrotado no Palacio das Laranjeiras. A 800 metros, ‘um outro palacio, o da Guanabara, aguardava o ataque que nao veio. Tudo isso no bairro das Laranjeiras, de onde assisti a queda de um Govérno popular, abandonado a prépria sorte por generais, almirantes ¢ brigadeiros que, horas antes, em praga publica, tinham prometido defender as instituigdes e as reivin- dicagdes populares, Y Mencionei fatos que desafiam contestagdes. Agora, dois depoimentos insuspeitos. Um do Sr. San Tiago Dantas, ex-Mi- nistro das Relagdes Exteriores, ex-Chefe da Delegagao do Brasil na ONU e profundo conhecedor das intrigas internacionais, como antigo agente dos negécios de Rockefeller no Brasil. O outro é do Subsecretério de Estado para Assuntos Inter-americanos, Thomas C. Mann. Disse o Sr. San Tiago Dantas ao Presidente Goulart, na manha de 1.° de Abril, no Palacio das Laranjeiras: “Como o senhor deve saber, Presidente, o Departamento de Estado nor- te-americano, hoje, ndo sofre mais a influéncia politica de Ken- nedy. Sofre outras influéncias, bem diversas. Nao é impossivel que ésse movimento de Minas venha a ser apoiado pelo Depar- tamento de Estado, Nao € impossivel que éle nao tenha sido de- flagrado com o conhecimento e a concordincia do Departa- mento de Estado. Nao é impossivel que o Departamento de Es- tado venha a reconhecer a existéncia de um outro Govérno em territério livre do Brasil.” I7; (Do livro Os Idos de Margo, capitulo de Aratijo Neto, & pagina 62). O Correio da Manhé e outros jornais de 19 de Junho de 1964, na 1.* pagina, sob o titulo “Mann revela que agiu contra JG”, estamparam éste telegrama: “Washington (ap-rp) — O Subsecretario de Estado para Assuntos Inter-americanos, Tho- mas C, Mann, revelou a uma subcomissaéo da Camara de Repre- sentantes que “os Estados Unidos distribuiam entre os governa- dores eficientes de certos Estados brasileiros a ajuda que seria destinada ao Govérno Joao Goulart, pensando financiar, assim, a democracia, ¢ que Washington nao deu nenhum dinheiro para a balanga de pagamentos ou para o orgamento federal porque isso poderia beneficiar diretamente o Govérno central”. Disse também que “o programa de ajuda ao Brasil para 1965 é muito Jimitado € provavelmente um pouco inadequado, especialmente quando o Brasil faz um esférgo real para colocar ordem nas suas finangas”. O Presidente Lyndon Johnson discutiu com seus conselhei- ros, inclusive Thomas Mann e o Embaixador Lincoln Gordon, a situagao do Brasil e de outros paises latino-americanos, en- quanto Dean Rusk afirmou que o névo govérno brasileiro esté decidido a “combater a corrupgiio e a subvers&o” e evitar um retérno do tipo de govérno que se converteu numa “séria pos- sibilidade” para que os comunistas galgassem o poder. Acres- centou que o govérno Castelo Branco esté dando os passos ne- cessdrios para colocar ordem no Pais, terminando com o “ex- tremo caos”, Thomas Mann, no sev depoimento na subcomis- sao da Camara, declarou: “Em janeiro, quando assumi o cargo, e até mesmo antes, estévamos conscientes de que 0 comunismo estava corroendo o Govérno do Presidente Joao Goulart, no Brasil, de uma forma rdpida, e antes de chegar ao cargo, jé tinhamos uma politica des- tinada a ajudar aos governadores de certos Estados.” O prélogo era necessdrio para situar o leitor dentro do pa- norama brasileiro e seus reflexos nos Estados Unidos. A queda do Sr. Joo Goulart foi, apenas, um detalhe, Ontem, foi o sui- cidio do Sr. Getiilio Vargas. Hoje, a deposigo do Sr. Joao Gou- lart. Amanha, seré uma outra revolugio made in USA contra todo e qualquer presidente reformista. 18 1,8 FRENTE Latifundidrieos Contra a Reforma Agraria A DISSE que a primeira frente aberta contra o Sr. Joo Goulart foi provocada pela criagfo da suPRA, entregue ao Sr. Joao Pinheiro Neto, rapaz de bons propésitos, _ mascido em berco de ouro, mas sem nenhuma vocagdo para lide- rar uma Iuta de vida e morte, no caso, a Reforma Agraria. Era, na verdade, o queridinho de uma familia mineira de abastados fazendeiros e présperos politicos. Com tédas as suas fraquezas, deu conta do recado pela metade, largando a boa vida que le- vava como figura marcante do saciety. O Presidente Joio Goulart, quando Jangou a idéia da Re-~ forma Agraria, logo no infcio do seu govérno de pouco mais de 30 meses, encontrou forte resisténcia da parte dos latifundid- Ig tios, agrupados nas cUpulas dos grandes partidos: psp, UDN, Psp e do prdprio PTB. Coutinho Cavaicanti, no seu magnifico livro Referma Agraria no Brasil s6 revelou dados estatisticos de 1940 a 1950. © Censo Agricola de 1960, entretanto, apresenta cifras estar- recedoras. O Sr, Herbert Levy, nas suas pregacdes pelos cafézais de Sao Paulo ¢ Parand, defendendo o artigo da Constituigdo que manda indenizar em dinheiro a desapropriagéo, propala, com evidente m4 fé, que a Reforma Agraria precisava comecar com 0 Govérno Federal, proprictario de mais de dois térgos das ter- ras do Pais. O Censo Agricola de 1960 desmascarou o embuste, mostrando que o Poder Publico — Unido, Estados e Munici- pios — tem apenas 5% dessas terras, Areas que se destinam ao ensino agricola. Esté provado ser impossivel a Reforma Agra- tia sem cogitar das glebas pertencentes a particulares. No Estado de Sergipe, feudo de doze familias, a parcela de hectares de entidades pablicas, no conjunto de estabelecimentos agricolas, corresponde a 0,2% do total. No Rio Grande do Sul, © Poder Piblico dispde de 597.250 hectares, ou 2,8% da drea total dos. estabelecimentos agricolas, Note-se que, nos pampas, esto localizados os maiores regimentos de cavalaria, grandes rebanhos, sendo, por isso mesmo, indispensdvel area de pasta- _ gens para os animais. O que a Nacdo precisa saber é que, dos 3.374.314 pro- prietérios, 70.000 detém mais de 64% da drea cultivavel. Bis como 70,000 fazendeiros esctavizam 38.000.000 de homens, mulheres e criangas, de tédas as idades, sem assisténcia de es- pécie alguma, rotos e famintos, abandonados nos campos. © regime impésto por proprietérios desumanos, em certas regides, principalmente nos canaviais fluminenses, pernambuca- nos ¢ paulistas, proibe que o trabalhador rural plante um pé de feijéo para o sustento de sua prole, obrigando-o a comprar os géneros alimenticios no barracio, onde um quilo de sal é ven- dido por Cr$ 270,00. & que os latifundidrios, ante os debates sObre a Reforma Agraria, cortaram até as relag6es, as mais tra- dicionais possiveis, entre proprietérios e arrendatdrios, parcei- ros ou pedes. As conseqiiéncias estao a vista: baixa produtivi- dade da terra ¢ o estado de miséria em que vivem legides imen- sas de brasileiros perdidos no campo. Enquanto isto, no Para- 20 n4, os maiores proprietérios de terra, como S4 de Brito, Moi-~ sés Lupion, Reno Massi, Jeremias Lunardelli, Adolfo de Oli- veira Franco, os famosos irmaos Moresque, Alvaro Goddi, Ga- . tibaldi Real, Ivo Le&o ¢ 0 préprio Governador-Ademar de Bar- ros, de Sado Paulo, através de campanha publicitaria das mais intensivas, torpedeavam a Reforma que libertard milhdes de camponeses dos tentdculos da fome, do analfabetismo e do tra- balho escravo. E evidente que nfo basta dar terra nua a quem queira e possa trabalhd-la. Ela, sozinha, nao fara o milagre. & indispen- sdvel também dar ao homem do campo condigdes que superem as precarias situagdes sociais, econémicas e politicas, frutos de uma estrutura rural que vem do tempo do Brasil Colénia. Ain- da hoje, sio usados métodos de trabalho da escravatura. Nos grandes latifandios, onde a Justiga continua sendo o fuzil do fazendeiro, a infancia no tem escola, as m&es nfo conhecem uma simples maternidade ¢ 0 indice da prostituigéo é simples- mente estarrecedor. Em cada grupo de 1.000 criancas, 200 sido consideradas ilegitimas, Em Pérto Alegre, determinada Faculdade realizou um tra- balho de pesquisas, percorrendo, uma por uma, tédas as casas de tolerdncia da capital gaticha, habitadas por mocinhas que procedem dos cafézais de Sao Paulo e Parana, dos canaviais fluminenses e das estancias de Santa Catarina e Rio Grande do Sut, principalmente da fronteira. A investigagao de mulher por mulher, pela sua origem, chegou A triste e dolorosa conclusio de que 88% das infelizes que tém a chamada vida livre sao fi- Ihas de camponeses sem terra. Muitas s4o nortistas, meninas que chegaram ao Sul, como gado, viajando de pau-de-arara. Cedo, pai, mae ¢ filhos conhecem a escravatura do latifindio. Alguns demagogos, entretanto, insistiam em dizer que a Reforma Agraria preconizada pelo Sr. Joao Goulart atentava contra os sentimentos da familia crista. Mas havia uma pedra no caminho da Reforma Agraria: era, ¢ ainda é 0 artigo 41, par4grafo 16, da Constituigdo, que manda pagar as indenizagdes em dinheiro. E quem redigiu o doeumento? Os abastados proprietdrios de terra, como os Srs. Carlos Lindenberg, do Govérno do Espirito Santo; Eduardo Du- vivier, senhor feudal no Estado do Rio de Janeiro; Agostinho 2 Monteiro, dono da Ilha de Marajé, em cujo territério cabem va- tios paises europeus; Francisco de Almeida Monte, entao rico senhor na zona norte do Cear4; Leandro Maciel, de Sergipe; Clemente Mariani e Manoel Novais, que néo sabem o que pos- suem em chao na Bahia; Joao Vilas Boas, de Mato Grosso, e outros, sem esquecer Benicio Fontenele, que disputa com Car- los Lindenberg o titulo de maior proprietdrio de terras capixa- bas, Trata-se de um ex-socialista ¢ ex-Diretor do Servigo So- cial Rural. E claro que existem outros latifundidrios déste porte, como Jerénimo Coimbra Bueno, Deputado Egberto Ribeiro de Castro, José Geraldo Gomes Arena, no Estado do Rio de Ja- neiro; a familia Jerénimo Monteiro, no Espirito Santo; Abe- lardo Lopes e os Ledes, em Alagoas. Em Sao Paulo, os fazen- deiros que nZo querem a verdadeira Reforma Agraria sio co- mandados pelo Sr. Herbert Levy, advogado doublé de latifun- diario; que goza do apoio da Confederago Rural Brasileira e dos Srs. fris Meinberg, Jeremias Lunardelli, Zico Diniz ¢ toda a familia Morganti donos de algumas centenas de milhares de hectares. Minas Gerais tem duas figuras preeminentes: José Bo- nifacio Andrade ¢ Bias Fortes, inimigos politicos, porém irma- nados na exploracéo do homem pelo homem. O problema do homem sem terra deixou de ser assunto de gabinete para ser discutido por t6das as classes sociais, inclusive pelos trabalhadores rurais, agrupados nas Ligas Camponesas, fundadas ¢ controladas por Francisco Juliéo, que tio bem co- nheci nas minhas andangas pelo Nordeste. Encontrava-me no Recife quando fui apresentado a dois repérteres do Time e Look. De madrugada seguiriam os calcanhares de Julio, pelo interior, em busca das discutidas Ligas Camponesas. Percorreram parte de Pernambuco e da Paraiba. Na cidade de Sapé, assistiram éles a um desfile de 5.000 trabalhadores rurais, empunhando as suas armas: enxada e facdo. Depois, no Rio, na redagio de O Semandrio, o valente “jornal fundado por Osvaldo Costa e que tive a honra de dirigir algum tempo, conyersei com Julido sébre o interésse da im- prensa ianque pelas Ligas Camponesas. E éle me disse que 0 representante do Look, a certa altura da excursio lhe pergun- tara: “O senhor usar4 armas para alcangar o poder, como féz Fidel Castro?” 22 O Time trouxe a primeira reportagem. B claro que & fantasia funcionou, em certos casos, para caluniar ainda mais 0 nosso precarissimo estado sanitario, a ponto de dizer que, “em duas cidades, durante uma séca ruinosa, nenhuma crianga re- cém-nascida viveu até o seu primeiro aniversdrio”. E acrescen- tava o Times “A vida, em média, é de 28 anos para os homens e 32 para as mulheres. Quando morrem os camponeses, séo enterrados em mortalha de papel.” Segue-se um cortejo de misérias reais. Ai o Time tinha certa razio em afirmar: “Juliao, ha 6 anos, comecou a formar suas Ligas Camponesas no fértil solo politico do Estado de Pernambuco. Uma terra cansada de velhas plantagGes de cana de agticar ¢ ranchos de gado, na posse de afortunados proprie- térios de terras que vivem ausentes. Pernambuco sofre, freqiien- temente, caprichos da natureza, ambos ruinosos: enchentes ou sécas, Camponeses analfabetos trabalham duramente por sald- rios médios de 65 céntimos por semana. Os camponeses -— prossegue o Time — estéo sempre em débito com os armazéns dos plantadores. Sem alimentos ou hospitais, éles véem seus fi- thos arruinados pela fome, doengas gastricas, tuberculose, febre intestinal e a esquistossomose, que 6 disseminada por caracdis, em Aguas poluidas.” © que mais impressionou ao jornalista do Time, evidente- mente, nao foi o lavrador andar descalgo e ter fome. Foi a pre- senca da Guerrilha Tdtica de Mao-Tsé-Tung, panfleto espalha- do por todo o Nordeste e que, segundo ainda o Time, come- cou a circular na regido rural trés meses depois de Francisco Juliéo, com 43 anos, lider socialista, ter retornado de “uma festanca, com despesas pagas, A China Vermelha”. Diz ainda que as Ligas tém proliferado através do Pais e apresenta um mapa, mostrando 98 Ligas, com 49.000 membros em cinco Es- tados. A revelacéo do Time foi a de que, em virtude da guerra dos livretos, ensinando guerrilhas ao homem do campo, o Banco do Desenvolvimento Interamericano ultimava um empréstimo de 10 milhdes de délares para socorrer o Nordeste. * Quem abrir a Histéria do Brasil nos capitulos da Confede- ragio do Equador e outros movimentos, encontrara dezenas de padres lutando, ombro a ombro, com 0 povo, A lista pode come- 23 car com Frei Caneca, Padres Mororé, Anténio Pereira de Albu- querque e Pedro de Souza Tenério, Frei Miguelinho ¢ tantos cutros. E légico que o clero brasileiro, pelas suas figuras mais representativas, no podia ficar ausente da redengao do campo- nés, ha-séculos, escravo de um odioso regime feudal, O 13 de Maio de 1888 libertou o africano cativo, tornando, porém, o trabathador rural ainda mais desgracado. O Clero de Dom Hélder Camara ec outros bispos que nao enganam o povo com falsas promessas, tomou atitude franca e corajosa em favor da reforma agraria. No Ceara era o sacerdote Arquimedes Bruno que do piilpito, mostrava a necessidade de © camponés defender a Reforma Agraria, mesmo que fésse pre- ciso correr sangue. “O ideal — disse o cura — seria uma Re- forma Agraria com um térgo na mio. Mas ela sé vird com a espingarda”. Outro que lutava era o jovem péroco Hélio Campos, da praia de Pirambu. Policiais manejados por ricos proprietdrios prendiam. sa- cerdotes ¢ assassinavam os lideres, como aquéle admirdve! Jodo Pedro Teixeira, que tombou em Sapé. Dom Jerénimo S& Ca- valcanti, empreendendo uma obra apostélica na cidade do Sal- yador, desfraldando a bandeira das Enciclicas Mater et Magis- tra ¢ Pacem in Terris, mostrou, em praca piblica, a necessida- de de uma imediata Reforma Agréria para arrancar milh6es de patricios da miséria. Enquanto os ministros de Deus iam para as ruas e faziam céro com os anseios do povo, certos esbirros policiais, totalmente divorciados da opiniao publica, combatiam- na “na ineficdcia de uma luta anticomunista, baseada em fobias alienadoras ou em métodos pcliciais”, conforme declararam, em manifesto, oito sacerdotes da Juventude da Ac&o Catdélica da Arquidiocese de Salvador, em solidaricdade ao monge benedi- tino J, Jerénimo de SA Cavalcanti, que estava préso. Em Pernambuco, apareceu o padre Melo, como o anti- Juliéo. Coube a D. Hélder Camara, entéo Arcebispo do Rio de Janeiro e agora pastor de milhdes de almas de Pernambuco, a grande tarefa de atrair o clero nacional para as Reformas de Base que se processam em nosso Pais, como conseqtiéncia im-~ periosa do desenvolvimento do Brasil. Os Anais das Conferén- cias dos Bispos estio af. Cada orag&o é um libelo contra o re- gime feudal em que vive mais da metade da nossa populagio. 24 Sao homens, mulheres ¢ criangas, 4 mercé do destino, perdidos nos campos, de Norte a Sul, vivendo a margem da prépria na- cionalidade. O clero, pela esmagadora maioria dos seus prelados, com rarissimas excegdes, concorda plenamente com as reformas de estrutura exigidas pela Justiga Social. Lideres intelectuais caté- licos, como Alceu de Amoroso Lima, verberaram as violéncias militares contra sacerdotes que pediam a liberdade dos encar- cerados. Diz Tristéo de Ataide: “Creio que a funcgio sacerdo- tal é, antes e acima de tudo, uma fungio de vida sobrenatural, e nunca vi com bons olhos a atividade politico-partiddria, cen- trista, esquerdista ou anticomunista profissional de monges ou sacerdotes. Mas dai a negar a sacerdotes o dircito de participar de lutas politicas, especialmente na linha de emancipacio dos oprimidos, vai um abismo.” FE terminou: “Desde quando cir- cunscrig6¢s militares tem poder de impedir o livre exercicio da vida apostélica aos sacerdotes, tal como a entendem ¢ a pel tem as autoridades eclesidsticas de que dependem e a opiniado publica? Desde quando voltamos ao regime dos Dragées D’El Rei?” Projetava-se, em So Paulo, um congresso popular pelas reformas, com a participagiio de tédas as classes sociais, sem distingio de cér politica ou religiosa. D, Jorge Marcos, Bispo de Santo André, foi o primeiro a aderir. Em carta que dirigiu 20 escritor Rossini Camargo Guarniéri, declarou: “Nao posso permanecer em siléncio diante do gigantesco movimento que a Comissio Executiva do Congresso do Povo Brasileiro Pelas Re- formas de Base est4 desenvolyendo. Nao me recordo de movi~ mento, no Brasil, que se tenha revestido de tanta profundidads no campo da formacio politica do nosso povo.” E ainda: “Vejo estas reformas ameacadas pela incrivel asticia da burguesia bra- sileira, que as poder adiar, transferir para tempo mais tran- qiiilo, ela, que tem tanta pratica e tao perfeita tética de prome- ter, afirmar, jurar e nado cumprir, esquecer-se até de tentar con- ‘vencer-nos depois que, como féz com os artigos da nossa Cons- tituicfio, que beneficiaram o povo trabalhador nestes dezessete anos, convencer-nos, repito, de que nfo cumpriu suas promes- sas para evitar que males maiores desabassem contra o Brasil. Tenho médo désses adiamentos patridticos. Vejo estas reformas ameagadas pelos conchavos politicos, conchavos que podem 25 aprovar tudo, de modo inexequivel, confuso, cabuloso, imoral, mas que resultam em favorecimento de grupos, precisamente daqueles grupos cuja profissio parece ser a de iludir o pobre povo brasileiro, sacrificado, trabalhador, desamparado,” E ter- minou: “Como Bispo e como brasileiro, sentindo as profundas ligagdes de suas teses com as defendidas pela Santa Igreja, ma- ximé pelo atual Sumo Pontifice, fago votes para que o Con- gresso seja compreendido e amparado e rezo muito a Deus pe- dindo que lhe dé a férga, a coragem e a calma necessdrias para . conduzi-lo a bom térmo, até que festejemos a chegada da Jus- tiga Social para o abandonado povo brasileiro.” O clero retomava o seu papel de vanguarda na luta pelas Reformas de Base. Os padres nao faziam obra de retérica, mas participavam, ativamente, do movimento profundamente huma- no: a Reforma Agraria, atrasada meio século em nosso Pais. O Bispo de Friburgo, Dom Clemente Isnard, quebrando uma tradigfo secular, deixou o Paldcio do Arccbispado e rumou para © campo, ao lado do entéo governador Badger Silveira, em propaganda da Reforma Agraria com a reforma da Cons- tituigo. . © clero, em iiltima andlise, seguia a orientagao reformista do grande Joio XXIII. O névo Papa Paulo VI, seu discfpulo, prometeu 0 mesmo ‘programa de reformas. Foi por isso que o deputado Adelmario Pinheiro, de notéria indigéncia mental, per- deu as estribeiras, a ponto de declarar: “Os comunistas conse- guiram o impossivel: eleger um comunista para o trono de Sao Pedro!” . O infeliz é 0 lider do Govérno da Bahia na Assembléia Legislativa. Pobre Bahia! Em Minas Gerais, em dezenas de cidades, principalmente em Belo Horizonte, jovens sacerdotes pugnafam pela mesma causa, destacando-se os padres Viegas ¢ Lage. Outros, em Sao Paulo e Rio Grande do Sul, do pulpito e em praca ptiblica, de- fenderam a redengéo do homem sem terra. * J& no fim do govérno deposto, a UDN apresentou 0 projeto de lei do senador Milton Campos para uma Reforma Agrdria sem reforma constitucional, como se fésse possivel permitir-se 0 Tesouro Nacional ser sangrado em alguns bilhdes de cruzciros em beneficio de latifundidrios, cujos titulos de posse sdo dis- 26 cutiveis, Por 17 yotos contra 8, a Comissio de Economia da Camara dos Deputados rejeitou-o. Como acentuou Sérgio Ma- galhdes, “modificaria, apenas, em pequena parte, a atual estru- tura, mas permitiria a conservagao de tédas as falhas que, real- mente, impedem o desenvolvimento de nossa Patria.” O chamado Estatuto da Terra que a UDN quis aprovar a toque de caixa, mereceu o reptdio geral, uma vez que, nao atendia, em absoluto, as necessidades da familia camponesa, constituida por 60%, aproximadamente, da nossa populagio. Existia uma perfeita sincronizagfo das f6rcas reaciondrias contra a Reforma Agraria com reforma constitucional, No mo- mento em que a UDN dava um golpe na Camara dos Deputados, conseguindo regime de urgéncia para o Estatuto da Terra, no Rio Grande do Sul, através de associagdes de oito municipios, era langado manifesto condenando a reforma da Constituicao “por ferir os princfpios morais que constituem a tradigfo ¢ a estrutura da nossa civilizagio”. O Govérno Federal, depois de sentir a impossibilidade de fazé-la, sem modificar um simples artigo da Constituigao, in- centivou a sindicalizagao rural, certo de que o homem do campo poderia gozar dos mesmos beneficios da Previdéncia Social dis- pensados aos trabalhadores das cidades. A escéria do latifundio, comandada por fazendeiros mineiros, pernambucanos, baianos etc, todos devedores relapsos do Banco do Brasi!, velhos e in- corrigiveis exploradores do brago humano, voltou a bater numa tecla j4 suficientemente desmoralizada, isto é, quem defendia a Reforma Agraria era comunista. Era uma maneira facil de combater a sindicalizagao rural, jogando a policia contra os tra- balhadores. A s6rdida campanha ganhou corpo com a ajuda da UDN ¢ do psp, cujos lideres detém extensas faixas de terras. Comba- tiam o Presidente Joao Goulart, acusando-o de fazer o “jégo dos comunistas” como se fésse privilégio de qualquer partido ou ideologia o desejo de fazer feliz a familia camponesa, Até ontem, era crime alguém pensar em fundar uma associagio de homens do campo, Policias invadiam a sede da agremiacao, le- vando tudo de encontro as baionetas, Isto aconteceu em Per- nambuco, Alagoas, Paraiba, Minas Gerais, Sao Paulo e até na Baixada Fluminense. 27 Hoje, a despeito de tédas as violéncias, a sindicalizagao tural é um fato. Estao registrados no Ministério do Trabalho cérca de 300 sindicatos, dos quais 61 em Sao Paulo, 31 em Pemambuco, 47 no Parand, 33 no Rio Grande do Sul, 21 no Ceard, 19 no Rio Grande do Norte etc. Prontos para o imediato reconhecimento, com téda a documentacéo em ordem, mais de 1.100, inclusive do Amazonas e Par4, onde desumanos serin- galistas mantém legides de brasileiros na servidio. Ao todo, en- tre os 1.400 sindicatos, esto inscritos cérca de trés milhdes de campoOneses sem terra. . Portanto, quando Joiio Goulart, no dia 13 de margo de 1964, assinou o decreto que desapropriou as terras ao longo das ferrovias, rodovias e agudes, sabia, perfeitamente, que jogava uma cartada dificil, muito embora o terreno, em parte, j esti- vesse preparado no Nordeste pelo seu ministro de Viacao, Sr. Expedito Machado, que determinara o imediato levantamento das reas situadas 4s margens dos agudes Pentecostes, Caxitoré e General Sampaio, no Ceard, para efeito de desapropriagio e distribuicdo de terras aos lavradores..O ministro Expedito Ma- chado mandou, ainda, que fsse estudado, com urgéncia, um sistema de cooperativismo, dentro de padrées avancados e de - ac6rdo com resultados praticos e comprovados, para que o ho- mem nao continuasse sendo explorado pelo tubardo, Estas medidas foram mal recebidas pelo psp, partido que éle representava no Govérno. Para agravar a sua posigio na agremiagio majoritaria, chefiou a Ala Rebelde, obtendo 42 as- sinaturas de parlamentares de apoio & Reforma Agraria com emenda da Constituicdo. O decreto foi estudado por juristas de tédas as correntes politicas, parlamentares, advogados e ministros do Supremo Tri- bunal Federal. O que os senhores feudais queriam era a desapropriac3o pura e simples das terras devolutas do Estado, de ha muito re- queridas e que hoje constituem rico patriménio dos coronéis do trabuco ou de seus representantes no Parlamento, mas mediante pagamento, em dinheiro, conforme determina a Constituicdo, promulgada pelos maiores proprietdrios de terras. Para isto, a 28 Nago teria de gastar mais de Cr$ 180 bilhGcs, um crime de Jesa-patria, quando é sabido que a terra, por uma lei natural, € bem da Nagao. NOTA © deputado Francisco Julio caiu em desgraca. Sem mandato, sem direitos politicos, esté encarcerado na ilha de Fernando Noronha. Dom Hélder Camara, no Recife, foi controlado pelo General Justino Alves. © Padre Francisco Lage Pessoa enviou carta ao secretirio de Estado da Santa Sé, destinada ao Papa Paulo VI, pedindo a intervengio do Sumo Pontifice em prol de sua liberdade. Jodo Pinheiro Neto ficou préso dois meses na Fortaleza de Santa Cruz, com prisfio preventiva, posteriormente revogada. Agora, responde em liberdade a um proceso, como incurso na Lei de Seguranca, Padre Arquimedes Bruno estéve préso no Ceard, no Palacio do Bispo. 29 2.4 FRENTE Bond And Share Tons A_IMPRENSA reconhecidamente entreguista com a tripa umbilical ligada aos balcdes das empré- sas norte-americanas de publicidade, sempre féz vista grossa as atividades da BOND AND SHARE, AMERICAN FOREIGN POWER ¢ cts. Em outubro de 1958, éste autor, através de uma série de reportagens, divulgou um trabalho do entéo deputado estadual gaticho Pedro Alvares e do bravo jornalista Osvaldo Costa de- nunciando como os ianques da Bond and Share furtavam © povo do Rio Grande do Sul em 30 milhdes de cruzeiros mensalmente, tecebendo o kw produzido pelas usinas do Estado a Cr 1,30 e revendendo-o 4 populagdo de Pérto Alegre e ao préprio Go- yérno por Cr$ 4,00. Apontamos como advogado dos interésses antinacionais os ex-ministros Eugénio Gudin ¢ Raul Fernandes, duas’almas num s6 corpo contra a economia nacional. Quando o ent&o governador Leonel Brizola encampou a Bond and Share, apés tigoroso Jevantamento feito por uma co- 30 misséo de tombamento do préprio Govérno Federal, ficou pro- vado que a emprésa pelos seus negocios ilicitos, ainda era de- vedora de 146 milhdes de cruzeiros ao Govérno gaticho, A Bond apelou para a Justica do Brasil, a qual deu ganho de causa, em tédas as instancias, ao govérno gaucho. Na hipétese de ser con- firmada a compra da Bond and Share pelo Govérno do Brasil, © grupo ianque, em vez de pagar 146 milhdes de cruzeiros ao Rio Gande do Sul, recebera como prémio cérca de 5 bilhdes de cruzeiros. Dos poucos mais de 4 milhdes ¢ meio de kw opera~ dos no Brasil, a Bond and Share nao produz 10%. Sua 4rea de influéncia, porém, é decisiva na distribuigio de energia elétrica em S4o-Paulo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Espirito San- to, Parané, Estado do Rio e, até bem pouco tempo, no Rio Grande do Sul, por intermédio de emprésas subsidiérias. Em alguns Estados, 9 seu contrato esta prestes a terminar. A Bond and Share e sua aliada American Foreign Power, com suas usinas antigas, obsoletas, verdadeiro ferro velho, en+ saiaram, por intermédio daquelcs dois advogados administrati- vos, Eugénio Gudin e Raul Fernandes e, depois, com a intima colaboragéo do entéo ministro da Fazenda, Sr. San Tiago Dan- tas, ¢ do Embaixador Roberto Campos, ex-Chefe da represen- taco do Brasil junto ao govérno de Washington, mais um as- salto ao nosso tesouro, da ordem de 188 milhdes de délares, ou séja, precisamente, 116 bilhGes e 500 milhdes de cruzeiros, quando a comissio constituida para avaliar os bens (coNESsP) baseou seus célculos de valor em 57 milhdes de délares, Os norte-americanos nfo gostaram do preco. Mr. Lincoln Gordon entrou em cena ¢, com seu poderio junto ao Govérno Federal, conseguiu dissolver a CONEsP, ficando 0 assunto a cargo de uma Comiss3o Interministerial, criada em 8 de Abril de 1963. Baseado numa reuniao realizada, numa tarde de sdbado, na residéncia do entio ministro da Guerra, General Amauri Kruel, 0 Sr. San Tiago Dantas, autorizou o Embaixador Roberto Campos a fechar o negécio da compra das 12 companhias pelo preco de 135 milhdes de délares, fato que o Sr. Roberto Cam- pos féz divulgar em téda imprensa norte-americana. No dia se- guinte, ésse mesmo Sr. Roberto Campos, por intermédio de agéncias telegraficas, mandava dizer de Washington que assi- nara ali, em nome do nosso Govéno, “um protocolo de enten- dimento com a American Foreign Power, fixando as bases para 31 a compra, pelo Brasil, de 12 companhias de servigos publicos daquele grupo”. Aquela importancia diz respeito, apenas, A com- pra, j4 que devem ser somadas as parcelas de 7 mithGes e 100 mil délares ¢ 45 milhGes ¢ 400 mil délares correspondentes 20 crédito do holding junto as subsididrias brasileiras e aos saldos dos empréstimos contraidos no Export Bank e BNDE, que pas- sariam 4 responsabilidade do comprador, no caso, o Govérno brasileiro. A LicHT tem muitos homens importantes; todavia, um se destaca pela sua projegiio no mundo politico: é o presidente da organizacao, Sr. Anténio Galloti. A American Foreign Power tem, também, como é natural, muitos homens importantes o mestres na arte de subornar os homens ptblicos de todos os paises onde o seu grupo opera, O Mr. Lincoln Gordon da Ame- rican Foreign Power & Mr. Henry Sargeant, cunhado, salvo en- gano, do ex-Presidente Kennedy, em cujo apartamento, no Co- pacabana Palace, a um simples chamado telefénico acodem ho- -mens ptblicos aparenfemente honrados, quando nao passam de teles apanhadores de propinas. A negociata da Bond and Share abre caminho a uma outra, com 0 apoio dos mesmos advogados -administrativos: é a compra da Light pelo Govérno brasileiro. O Tesouro Nacional foi desfalcado em centenas de milhées de délares, como pagamento de um grupo que produz 10% do nosso sistema elétrico. Que serd preciso para adquirir a LIGHT. que opera com 54%? Um_ dos participantes da Comissio Interministerial foi o ministro Hélio de Almeida, da Viacdo, dos poucos que nao con- cordaram com as condigdes de compra acertadas para o acervo. Encontrava-se inspecionando a rodovia Rio—Bahia, quando soube dos acontecimentos. Distribuiu nota A imprensa, decla- rando: “Li, no Jornal do Brasil, edicio de 23-4-63, noticia dando conta da reunigio acima citada e na qual se mencionava “que a comisséo decidiu por unanimidade aprovar as negocia- goes € remeter os relat6rios respectivos ao BNDE e A Eletrobrés, para que concluam 0 contrato e tomem as providéncias cabiveis para a sua execugao, Nao considerei a referida noticia como nota oficial, nem poderia fazé-lo, porquanto, ao contrério do que ali era citado, nao houvera decisdo final a respeito das ne- gociagGes. Meu parecer sObre 0 assunto acha-se consubstancia- do em relatério apresentado 4 Comissio, aos 13 de Maio ulti- 32 mo, no qual ressalto minhas divergéncias quanto ao Modus fa- ciendi da operagio de compra proposta.” Os fatos revelados pelo ministro Hélio de Almeida mos- tram como a Bond and Share e cTB agem com a rapidez de um felino, quando é para assaltar o nosso despoliciado Tesouro Na- cional. A despeito de nado ter havido nenhuma deciso final, muito menos por unanimidade, horas depois, em Washington, . Mr. Roberto Campos assinava um protocolo de entendimento, em nome do Govérno brasileiro, fixando as bases para a com- pra das 12 companhias da Bond and Share. O que é interessante neste submundo de negécios é que a trama foi denunciada por deputados do PTB, enquanto a UDN, a eterna vigilancia do Brigadeiro, nfo deu um pio, Aqui a UDN usa o velho provérbio: “Se a palavra é de prata, 0 siléncio é de ouro”. Nenhum parlamentar da UDN ou de qualquer outro par- tido da oposigfo subiu a tribuna para denunciar éste crime de lesa-pAtria. Todos ficaram omissos, enquanto certos homens pi- blicos despudorados visitavam o poderoso Mr, Henry Sargeant, no Copacabana Palace. w O episédio da Bond and Share e da cTB vem mostrar a voracidade dos bandos norte-americanos, 4 frente o Sr. Lincoln .,

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