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CASSIN Se Parménides 0 tratado anédnimo De Melisso Xenophane Gorgia Teneo en ene te) auténtica Te au dle eS uC Mar Koon. ee Cm millet) Te eee particular, Has também pat cla) mal, PMU UL A -v2-1 CCRC UMC Nia) SCC OM ince EER ta eee ee i SO Me alec) REMC ai ml Mee CM els Teo) eC eee ern le\°| Oy eet + ue ehegau até nds Junt atistotelleo, mas cuja obset ee Oe n OC ue nee) eel alee) ACCC MORE Cy (a outra 6 Sexto Emp! mi) sentido, | el elit) ie Gargias, da sofis etude, da propria rt TMU (eh): 8 Barbara Cassin Se Parménides 0 tratado anénimo De Melisso Xenophane Gorgia Outros livros da FILO FILO FILOBATAILLE FILOESTETICA Aalma e as formas 0 erotismo O belo auténomo Georg Lukics Georges Batatlle Texios classicos de estética Aaventura da filosofia francesa no século XX Alain Badiow Aideologia e a utopia Paul Ricoour 0 primado da perespeao @ suas consequéncias filosoficas Maurice Merleau-Ponty Relatar a si mesmo Critica da violencia ética Judith Butter A sabedoria tragica Sobre o dom uso de Nietzsche Miche! Onfray A teoria dos incorporais, No estoicismo antigo Emile Bréhier FILOAGANBEN Bartleby, ou da cor Giorgio Agamben gencia A comunidade que vem Giergio Agamben © homem sem conteddo Giergio Agamben Ideia da prosa Giorgio Agamben Introducao a Giorgio Agamben Uma arqueclogia da poténcia Edgardo Castro Meios sem fim Notas sobre a politica Giorgio Agamben Nudez Giorgio Agamben ‘A poténcia do pensamento Ensaios e conferéncias Giorgio Agamben A parte maldita Precedida de *A nocao ce dispéndio" Georges Bataille Teoria da religiao Georges Bataille FILOBENJAMIN © anjo da historia Waiter Beniain Baudelaire e a modernidade Waiter Benjamin Imagens de pensamento Sobre o haxixe outras drogas Watter Benjamin Origem do drama tragico alemao Walter Benjamin Rua de mao tinica Infancia berlinens Walter Benjamin FILOESPINOSA Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-ostar Espinosa Etica Espnosa Principios ¢a filosoha carteslana 2 Pensamentos metalisicos Espinosa Aunidade do corpo e da mente Metos, acées ¢ paixdes ern Espinesa Chantat Jaquet Rodrigo Duarte (org.) O descredenciamento filoséfico da arte Arthur C. Danto Do sublime ao tragico Friedrich Schiller fon Piatéo Pensar a imagem Emmanvil Alloa (Org) FILOMARGENS 0 amor impiedoso (ou: Sobre a crerca) Siavaj Zitek Estilo 6 verdade em Jacques Lacan Gilson lannini Introducao a Foucault Edgardo Castro Katka Por uma literatura menor Giles Deleuze Felix Guattari Lacan, o escrito, a imagem Jacques Aubert Frangais Cheng, Jean-Ciaude Miner, Francois Regrault, Gérard Wajeman 0 sofrimento de Deus Inversées co Apocaipse Boris Gunjevie, Stove) Zigek ANTIFILG. ARaréo Pascal Quignard FILO auténtica Barbara Cassin Se Parménides O tratado anénimo De Melisso Xenophane Gorgia Traducdo e apresentacdo Claudio Oliveira Cléudio Oliveira Podemos dizer que a publicagao de Se Parménides na Franca, em 1980, significou um marco, nao sé para os estudos sobre a filosofia grega antiga em geral ea sofistica em particu- Jar, mas também para a propria filosofia tout court. Iniciava-se Ali nao apenas a obra de uma grande helenista mas também de uma das filésofas mais importantes surgidas nas ultimas décadas do século XX, Os efeitos de Se Parménides foram miltiplos. Como um trabalho realizado numa certa interse¢ao entre filologia e filosofia (edigao comentada de um texto filos6fico grego), ele pds em questio essa propria interse¢do, permitindo desnudar , 08 processos interpretativos em jogo na edicao de um texto antigo (a discussao com Diels, nesse sentido, é fundamental), assim como os pressupostos vigentes e atuantes na inter- pretacdo de um texto filosdfico como o tratado De Melisso Xenophane Gorgia, uma obra que chegou até nds junto com © corpus aristotélico, mas cuja obscuridade impediu que se tivesse dela uma compreensao satisfatoria seja sobre seu au- tor, seja sobre os autores dos quais ele trata. Se o tratado teve uma sobrevida, talvez isso tenha se devido ao fato de ter sido ele uma das duas tnicas fontes (a outra é Sexto Empirico) do mais importante texto que chegou até nés da sofistica grega, © Tratado do ndo-ser, de Gorgias, Se Parménides é, nesse sentido, nao sé uma novissima € revoluciondria interpretacao de Gorgias, da sofistica e do pensamento grego em geral, assim como da doxografia eda relacao entre filologia e filosofia, mas, sobretudo, da propria relacao da filosofia com a linguagem ou, para ser mais preciso, da relacao de cada filosofia com ali nguz em que ela se escreve, Podemos afirmar, sem temor, que, em Se Parménides, seu primeiro livro, Barbara Cassin apresentou 0 programa de pesquisa que iria desenvolver nas décadas seguintes e que Seraria todos os seus livros posteriores, tendo permanecido fiel @ esse programa e ponto de partida até os dias de hoje. Estao ja ali asideias seminais de varios artigos que seriam escritos e pu- blicados posteriormente em Ensuios Sofisticos (Siciliano, 1990) ¢ Oefeito sofistico (Editora 34, 2005): esto ja ali os elementos de uma nova compreensio da discussio de Aristételes com a sofistica no livro Gammada Meiafisica e que ela desenvolverd, juntamente com Michel Narcy, em La décision du sens (Vrin, 1989), mas também, sozinha, em Aristéleles ¢ 0 légos (Loyola, 1999); esta ja ali, sobretudo, uma concep¢ao de filosofia que nortearé a direcao do monumental Vocabulaire européen des philosophies - Dictionnaire des intraduisibles (Le Robert/Seuil, 2004), e que traz, para a filosofia, as consequéncias de sua nova interpretagao da sofistica iniciada em Se Parménides. Podert- amos citar ainda como rebentos de Se Parménides os livros que a autora organizou em torno da sofistica e da filosofia grega em geral, como Positions de la sofistique (1986), Le plaisir de parler (1986) e Nos grecs et leurs modernes: les stratégies Contemporaines d appropriation de l’Antiquité (1997), para falar apenas dos mais importantes, Em ultima instancia, 0 que Barbara Cassin inaugurou com a publicagao de Se Parménides foi uma Perspectiva que 8 FILO oderiamos chamar de pés-saussuriana na abordagem de textos filosdficas e que poderia ser resumida pela ideia de que 6 significado de um texto sé pode surgir de uma compreensio da trama de seus significantes. Suspender o sentido e privile- glar o significante foi sua estratégia fundamental, uma tarefa na qual cla foi guiada primeiro pela leitura de Heidegger dos textos gregos, corrigida, por sua vez, pela influénca da Esco- Ja de Lille, onde realizou o doutorado que iria dar origem a Se Parménides. A ateng&o ao significante foi a regra de ouro A ser seguida ferreamente como tinica posslbilidade de Som preensao de um texto filoséfico. E foi também essa atensae que a aproximou, desde Se Parménides, de uma outra pra ia contemporanea, a psicandlise frendo:lataniana, queiele nao cessou, desde entao, de aproximar da sofistica. E, allds, essa Aproximacao que ela investiga em seu Ultimo livro publicado na Franga: Jacques le sophiste - Lacan, logos et psychanalyse (Epel, 2012), De Se Parménides a Jacques le sophiste, é uma tnica obra que vemos ser escrita e que espera ainda seus desdobramentos e consequéncias no cenario filoséfico contemporaneo. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES do tradutor para a edicao brasileira A presente edic4o brasileira de Se Parménides difere aquela publicada na Franga em 1980. A edigdo francesa é onstiluida por trés partes: Blementos, uma longa introdugéo #i que a interpretacao do tratado é desenvolvida; a edicio, tradugao e comentario do De Melisso Xenophane Gorgia, onde o trabalho propriamente filologico é realizado; e, por fim, os Complementos, nos quais se encontram, entre outros textos, a bibliografia, ¢ o texto grego ea tradugdo continuos. Optamos, com a concordancia da autora, por publicar nesta edicdo brasileira da obra apenas o longo estudo introdutério dos Elementos, a bibliografia e 0 texto grego e a tradugdo continuos dos Complementos. Omitimos, portanto, nesta edigao, toda a discussdo mais técnica da segunda parte da ecigdo original do livro, supondo que o leitor mais especia- lizado tenha acesso a obra original, esgotada na Franca, mas disponivel pela internet. Com isso, quisemos privilegiar a interpretagao inovadora desenvolvida nos Elementos, bem como dar acesso ao texto do De Melisso Xenophane Gorgia que é assim publicado pela primeira vez no Brasil. Uma novi- dade da edigao brasileira e que nao consta na edi¢ao francesa original foi a intradugao do aparato critico no texto grego 11 continuo; na edic&o francesa, esse aparato critico encontra-se espalhado pelos varios trechos editados e traduzidos na se- gunda parte da obra. Agradecemos a Sophie Legrain pelo magnifico trabalho de edigao do aparato critic do texto grego continuo. Por fim, esclarecemos que a traducdo apresentada aqui do tratado do Anénimo nfo é uma tradugio do texto grego original, mas uma tradugao da tradugado que Barbara Cassin fez desse texto para o francés. Pareceu-nos natural, e também A autora, que nfo caberia fazer uma nova traducio do texto grego para o portugués, mas, 20 contrario, traduzir a traducao francesa que Barbara Cassin dé do texto, traducao essa que representa o resultado final de sua interpretagao e compreenséo do tratado do Anénimo. 2 FLO Prefacio a edicao brasileira Paris, 1980 - Rio, 2014: 0 trajeto de um “se” Paris, 1980: dez anos apos ter-me inscrito na Sorbonne com Pierre Aubenque, que tinha me aconselhado a me inte- ressar pelo De M.X.G., De Melisso Xenophane Gorgia, pequeno tratado apacrifo de Aristoteles, conhecido ou, antes, desco- nhecido, sob esta sigla de science-fiction; seis anos depois da defesa disso que se chamava entao These de 3*"* Cycle, feita finalmente sob a orientacao de Jean Bollack, que me tinha na verdade raptado para a sua Escola de Lille, na qual nenhuma (ese tinha sido ainda defendida, eu conclui, com o auxilio de uma bolsa alema, a redac4o de Se Parménides. Um titulo nfo muito apropriado, exatamente para me mostrar livre, eu, que tive que fazer, depois de 1968, uma dezena de vezes a agrégation em filosofia, esse concurso sem o qual era quase impossivel ensinar na Franga em condigdes toleraveis. Se Parménides, portanto, entre a histeria heroica de Edith Piaf, entoando a Marseillaise empoleirada nas grades reais em Si Versailles m’était conté, o filme de Sacha Guitry sobre a revolucao francesa, e a neurose obsessiva onipotente do sunnémon estoico, “se... entéo”, que arruina de maneira bem mais ampla que qualquer silogismo. Fu gostaria de expressar aqui todo o meu reconheci- mento, primeiramente, a Pierre Aubenque, que tinha, desde 13 © problema do ser em Aristdteles,' aberto o interesse pela sofistica, do ponto de vista de uma ortodoxia aristotélica magistralmente tragada, A Jean Bollack, em seguida, que me ensinou, com Heinz Wismann, o que é ler um texto grego e, até mesmo, um texto, simplesmente. Ora, essa pratica nao era, e nao ¢, na verdade, evidente. Ela ¢ infinitamente custosa em tempo e em trabalho, f com- preensivel que a Universidade nfo tenha senio um desejo: poupar-se dela, Este livro é testemunha, eu espero, do nada que separa o trabalho filoldgico e o delirio de interpretacio. Eu me lembro que, no momento de minha defesa, Jean-Paul Dumont, entao professor na Universidade de Lille, autor de um Les sophistes na pequena colego da editora Presses Universitaires de France e que viria a dirigir a tradugao dos Présocratiques, para a colecéo La Pléiade, me tinha dito, a Propésito de meu trabalho de edicdo, algo como: “Eu com- preendo enfim o que a senhora fez: 0 que, habitualmente, fica embaixo, no aparato critico, a senhora o colocou em cima, no texto!”. E Jonathan Barnes, com quem eu tive, de qualquer mods, a felicidade de trabalhar depois, escreveu entdo uma resenha atacando Se Parménides, na qual os alunos de Bollack eram comparados a cavalos magnificamente treinados, mas, como eu, incapazes de saltar o obstaculo de partida. Este livro: um patinho feio, excessivamente escrito talvez — entendam- -no: nao suficientemente cientifico, como se as duas coisas devessem ser inversamente proporcionais - até mesmo para alguns bollackianos, como André Laks, aos olhos de quem este livro era o pior da série dos Cahiers de Philologie das Editions de Lille. AUBENQUE, P. Le probléme de étre chez Aristote. Paris: Presses Uni- versitaires de France, 1962. (Ed. bras.: O problema do ser em Aristoteles. ‘Tradugao e revisdo técnica Cristina de Souza Agostini e Dioclézio Domingos Faustino, Sao Paulo: Paulas, 2012.) As FILE No entanto, foi trabalhando Sobre Melisso, Xendfanes Gorgias que cu aprendi tudo, tanto em filologia quanto em wolia, Primeiramente, porque eu compreendi, desde o terior de um texto, a intimidade da relagdo entre as duas jaciplinas, é a que ponto é impossivel ou, ao menos, inutil e ensalo, praticar a filosofia grega sem praticar a lingua grega, ern trabalhar a transmissao do texto e colocar em questao 0 aim chamado “dado”. Em seguida, porque a sofistica ea doxo- ‘afia, postas em aco precisamente neste texto, me obrigavam “A nio mais crer somente, e sem dtivida a nao mais crerabsoluta- Mente, em Heidegger, a recolocar em perspectiva a “origem” ea “doacao”. 8 imediatamente, com uma evidéncia imprescritivel: Heidegger radicalmente colocado de lado, com uma histéria historial da filosofia vesga, ultrapassada pelo préprio texto. Sim, era possivel ser pré-socratico de um outro modo. E a sofistica é uma alavanca potente para colocar em perspectiva a ontologia ¢ 0 pensamento do ser, desde wm fora que nos permite vé-los. E essa extraterritorialidade que eu nao cessei, desde en- lao, de trabalhar, quer sc tratasse da decisao do sentido aris- totélica, quando, no livro Gamma da Metafisica, Aristoteles reduz Protagoras, com os sofistas que recusam 0 principio da nao-contradigao ¢ pretendem falar logou kharin (“pelo prazer de falar”), a ser “semelhante a uma planta”; quer se trate do Poema do proprio Parménides, quando eu, muito tempo de- pois, ousei me medir com ele, para demonstrar, com as chaves do Tratado do ndo-ser de Gérgias, a maneira como ele é fabri- cado; ao mesmo tempo autobiografia da lingua grega, na qual o verbo “é”, forma apés forma, segreda seu sujeito: “o ente”, e palimpsesto homérico, narrativa de todas as grandes narrati- vas, que joga 0 muthos no colo do logos. Todo o meu trabalho parte, portanto, bem dai, do esforco de compreender, palavra por palavra ¢ frase por frase, o que Gérgias replica a Parmé- nides quando se lhe da enfim o crédito de querer dizer 0 que ele diz, literalmente e em todos os sentidos. Se Parménides. BARBARA CASSIN SE PARMEN|DES 15 Rio, 2014, Jamais teria acreditado ser possivel uma tal aventura: traduzir uma tradugao e sua justificacdo em todos os seus meandros de linguas, através do grego, do francés e do portugués do Brasil. Que loucura! Uma loucura magnifica, Eu jamais agradecerei o bastante a Claudio Oliveira por té-la levada a cabo, com a Auténtica. Ha, pelo menos em filosofia ¢ em filologia antiga, algo como uma ponte aérea entre o Brasil e a Franga, Rio e Paris, as ideias e as pessoas, ¢, além disso, com a inventividade coletiva, Eu me lembro de Claudio como estudante na ocasido de um semindrio dado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UER)), no Collége d’Etudes Transdisciplinaires de Bric Alliez; era, eu creio, um semindrio sobre o “Sujeito”, com Alain de Libera, ¢ ew ai falava de Aristoteles, da relacio entre 0 objeto da sensacao eo sujeito da frase,’ como se fosse um work in progress. Eu tinha consciéncia de nao ser muito clara, jd era dificil demais para mim mesma, e eu me lembro apenas de que Claudio me formulou uma questdo que colocaya o dedo sobre a dificuldade eesclarecia tudo. Carmen Lticia Magalhies Paes, que eu tive ahonra de conhecer,' 0 acorde Capes-Cofecub foram passa- dores incontornayeis, Hoje, ¢ em torno de Fernando Santoro e do Dictionnaire des intraduisibles que as trocas se intensificam. J4 faz algum tempo que, quando um estudante fran- cés de destaque nao encontra ~ evidentemente! — nenhum posto na universidade na Franga, eu 0 oriento para o Brasil, Esse seminério apareceu no Brasil como iltimo capitulo de Anistdteles € 0 ldgos (“Investigacao sobre 0 iégos ne De Anita”, In: CASSIN, B. Aristoteles ¢ 0 idgos - contos da fenomenologia comum. Trad. Luiz Paulo Rouautet. $20 Paulo: Loyola, 1999,) Professora aposentada do Departamento de Filosofia daUFRJ,orientadora de Claudio Oliveira, e que tintha feito seusakmos lerem na época (inal des anos 1980) 0 Se Parmenides, (N.T.) Num evento sobrea Sofistica Grega na Universidade Federal Fluminense (UFF). (N.T.) 16 pais-continente onde a politica compreendeu como e por que A filosofia antiga ndo apenas faz parte da cultura, mas esclarece @ permite inventar as praticas do presente. E também o lugar onde as disciplinas, literatura, poesia, filosofia e filologia se enlrepertencem naturalmente, através dos autores, das obras e da lingua, sem forgar nem as tradigdes nem 0s preconceitos liniversitérios. Praticar o grego nao tem nada de elitista, é evi- dente que se leia Homero ao mesmo tempo que Parménides, e Arist6fanes ou Plauto ao mesmo tempo que Platao. A natureza do homem, esse animal dotado de logos, é na verdade a cultura. Uma outra relagao entre cultura e politica. Respira-se. Bu gostaria de dizer um pouco mais a partir de minhas pesquisas atuais, que tém, mais uma vez, afinidade com as de Claudio Oliveira e que criam uma ponte entre nossos con- tinentes ansiosos. “O psicanalista é a presenga do sofista em hossa época, mas com um outro estatuto”, diz Lacan em seu semindrio de 1965. Quando Aristételes exclui os sofistas para fora da humanidade, é porque ele os acusa de se rebelarem contra a univocidade: “falar”, para Aristoteles, é “dizer algo”, “dizer algo” é “significar algo”, e “significar algo” é “significa uma tinica coisa e a mesma para si mesmo € para um outro”; dizer algo que tem um sentido e um Unico.’ O um-sentido é a condigao do sentido: a proibi¢ao da homonimia ¢ tao estru- turante para o discurso quanto a proibicao do incesto para a familia ea sociedade. Ora, os sofistas se atém a “o que hd nos sons da voz e nas palavras”: eles jogam como significante, com o equivoco. Simultaneamente, a modalidade discursiva que os caracteriza, a saber, a epideixis, é uma performance: eles agem falando, eles produzem um “efeito-mundo”, 0 que eu chamei, apés Novalis e Dubuffet, de “logologia”, para diferencia-la 5 Legein, legein ti, sémainein ti, sémainein hen autéi kai alldi, sao as es tagdes de equivaléncia que estdo no fundamento da demonstragao do principio de néo-contradiga0 em Gamma, 4. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 17 da “ontologia”. Essa terceira dimensao da linguagem, nem “falar de”, nem “falar a”, nem fenomenologia, nem retérica, mas “falar por falar”, via performance e significante, é uma modalidade discursiva radicalmente ndo-aristotélica, anti c até mesmo ab-aristotélica - “falar em pura perda”, diz Lacan. Donde, a ligacao entre sofistica e psicandlise: sao atos de lingua- gem, alias que se fazem pagar, que tratam, ds vezes, como um bom pharmakon. B essas performances, cujo “performativo” inventado por Austin é sua ponta aguda, séo capazes de quebrar 08 dois fetiches que Austin se satisfaz em quebrar bem no final de Quando dizer é fazer: 0 fetiche verdade-falsidade € 0 fetiche valor-fato, Psicanalistas e sofistas se encontram, Portanto, por bons motivos, a partir de sua critica da ontologia: para Gorgias como para Lacan, ou para Lacan como para Gorgias, “o set é um fato de dito” e “o significado é 0 efeito do significante”.’ F preciso ainda que o outro, Parménides por exemplo, tenha primeiramente falado: se Parménides, mais, ainda. Mas had um passo a mais a ser feito, uma nova ligagao. “Uma lingua, entre outras, nao é nada mais que a integral dos equivocos que, nela, sua historia deixou subsistir”, diz Lacan em LEtourdit’ Eu proponho estender isso a todas as linguas, e nao apenas aquelas do inconsciente, de que Lacan fala aqui. Os equivocos, semanticos mas também gramaticais e sintaticos, que as Refutagées sofisticas [de Aristételes] tratam com mau humor ¢ paciéncia, ¢ bem af que tropeca a tradugao. Nosso Dicionnaire des intraduisibles [Diciondrio dos intraduziveis]® * Euremeto, para tudo isso, ao conjunto do Séminaire XX. Encore (LACAN, J. Le Séminnatre. iivre XX: Encore. Paris: Seuil, 1975, Ed, bras.: LACAN, J, O Semindrio, livro 20: Mais, ainda, Rio de Janeiro: Zahar, 1985.) * “Oaturdito”. In: LACAN, J. Outros escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. * Vocabulaire européen des philosophies, dictionnaire des intraduisibles, Pavis: Seuil/Le Robert, 2004. Tzaducdo em curso emumadezena de inguas, entre as quais o portugues do Brasil, sob a direcao de Fernanda Santoro, Le FILO ibalha precisamente sobre esses sintomas de diferenga das \giias, que so as homonimias, tio pouco acidentais que isttcles ndo encontra exemplo delas que resistam a andlise leis, a chave, e kleis, a clavicula, nao teriam nada a ver, nao € Elas contribuem, de fato, para constituir uma lingua ingularidade, mais ou menos aparentada aquela de 4 outra. Como voces dizem étre em portugués? F o frances mihece a diferenca entre ser e estar? E ficar, que equivoco revela do francés visto de fora, desterritorializado pela lingua de vocés? Cada lingua é como uma rede de pesca, qtie pega outros peixes, Os romanticos alemaes falavam de “visio de mundo”: cada lingua performa um mundo, nem. totalmente o mesmo, nem totalmente um outro. E assim que Toso diciondrio dos intraduziveis imerge a logologia sofistica fu pluralidade das linguas. Compreende-se a sequéncia, que conduz da critica sofistica da ontologia ao interesse apaixonado pela tradu- glo, Maneira de desfazer nossa certeza aristotélica quanto A esséncia das coisas: “Se s6 houvesse uma lingua - escreve Hannah Arendt em seu Journal de pensée -, nds seriamos talvez, mais seguros da esséncia das coisas”, e ela conclui sobre a “equivocidade vacilante do mundo”, caracteristica da condicdo humana, sobretudo feliz, mais feliz, em tado caso, que a uniformizagio. A sofistica e a tradugao sao operadores de desessencia- lizagdo. Mas nés s6 0 sabemos ao ler os textos, lentamente, vivamente também: se um psicanalista nao cede sobre o seu desejo, um fildlogo nao cede sobre 0 seu texto. BC Paris, outubro de 2014. ” Journal de pensée (1950-1973). Paris: Seuil, 2005, I, p. 56. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES . 19 facio a edicdo francesa 980) Como a tapegaria de Penélope, este livro se desfez 1 mesmo tempo e durante todo o tempo em que se fez. lio ha sequer uma sé frase do texto que ele pretende ler que nao tenha sido, com Jean Bollack e Heinz Wismann, compreendida, decomposta, reformada, de outro modo mal eompreendia, entendida de novo em tantas voltas de leitura e durante tantos anos - quatro depois que Pierre Aubenque orientou parao tratado meu desejo de trabalhar sobre Aristo- teles c os pré-socraticos, mais seis depois da defesa da minha tese sod a forma de uma edico comentada — que cu mesma mal consigo acreditar, Esse gasto violento de tempo nao tern nem sequer, como Afiel tapecaria, adesculpa ou a vantagem da astlicia. Para dizer €om Gorgias, Ulisses nao existe, ele nao veio e de qualquer modo eu no o reconheci. Pois o tratado nos obriga a sair da economia do fim e dos meios: ele também € propriamente sem fim. Preso na finalidade do resultado, seria, com efeito, inaceitavel o trabalho de, a cada vez, retomar tudo desde o inicio, e com o aparelhamento exato da ciéncia, para fixar 0 menor sentido, sempre ausente, recomegado e modificdvel até o tiltimo s6-depois da tiltima frase. O texto devorador de 21 sentido o restitui, no entanto, em intensidades instantaneas, em que se deixa apreender a adequacao entre trabalho que ele exige e sua natureza propria: longe de ser, como sempre se acreditou, wm testemunho doxografico sobre a ontologia pré- socratica, uma fonte de informagées mais ou menos inexatas, desajeitadas, a se verificar e filtrar, trata-se de um discurso inteiramente sofisticado, Ele nao diz nada, nao transmite nada, nao tem objeto: é, primeiramente, uma pratica que, A medida que ela se efetua - 20 mesmo tempo implicitamente, por sua construgao critica, e explicitamente, no Tratado do nao-ser, que da forma e sentido 20 conjunto -, denuncia os resultados da ontologia e a economia metédica constitutiva da ciéncia. Assim o leitor treinado, em vez de agarrar a informagao, tem apenas que fazer 0 aprendizado da sutileza c do esvaecimento, De tal modo que o maior interesse do livro, sua maior chance de fazer escutar algo nesse tipo de pratica em que “nao ha nada além do ouvir”, é dar em nada, como 0 proprio discurso. Ele nao poderia, portanto, ser uma contribuicgao, um fruto que cai no colo da ciéncia; digamos que seja um lugar: uma concregao de tempo. Esse tempo nao ¢ apenas o meu, é também aquele de Pierre de La Combe, de André Laks em todas as etapas e em todos os planos, de Jean-Paul Woitrain, da equipe inteira do Centro de Pesquisa de Lille IIT. O trabalho realizado por Heinz Wismann sobre o atomismo e 2 doxografia permitiu construir, frase apés frase, a ideia-forca de uma repeticao do gesto sofistico por uma doxogralia cujo anonimato é aqui o emblema. Eu agradeco a oferta de Echange Universitaire franco- alema que me ofereceu durante dois anos em Heidelberg as melhores condicGes de trabalho, Enfim, eu gostaria de dizer o cuidado que Simone Piette trouxe para a confecgio do ma- nuscrito, a paciéncia e o talento de Nadine Deregnaucourt, que levou a bom termo a composi¢ao do livro. BC. a FILO reviagoes feréncias internas ‘taco (tratado): remete ao conjunto do De M.X.G. facto: remete ao Tratado do ndo-ser na versio do Anénimo (=G.). lv M, X.C.: Sobre Melisso, Xendfanes e Gérgias. |: Sobre Melisso. ) Sobre Xendfanes. 1 Sobre Gorgias. [, 1., 4-5: primeiro paragrafo do Sobre Melisso, quarta e quinta inhas do texto grego, ., 1., 4-5: primeiro pardgrafo do Sobre Melisso, quarta ¢ quinta nhas da tradugao. jo interior de cada secdo (M., X., G,), a referéncia se efetua por elo apenas das cifras (1.-4. no interior do Sobre Melisso designa pardgrafos 1 a 4 dessa seco). Referéncias a obras frequentemente citadas ), B.:J. Bollack, Empédocle. Les Origines, tomos | ¢ II, Paris, 1969. Ni: HJ. Newiger, Untersuchungen zu Gorgias Schrift tiber das Ni- ehtsciende, Berlin, 1972. W.: J. Wiesner, Ps.-Aristoteles, M.X.G.: Der historische Wert des Xenophanesreferats, Amsterdam, 1974, 1.8): A Greek-English Lexicon, compiled by H. G. Liddell, R, Scott, H, S. Jones, Oxford, 1968. KG: R. Kithner, B. Gerth, Ausfiihrliche Grammatik der griechischen Sprache, Zweiter Teil: Satzlehre, Hanovre e Leipzig, 1898 e 1904 (reimpressao Darmstadt, 1966). Denniston: J.D. Denniston, The Greek Particles, Oxford, 1954. Referéncias aos fragmentos dos pré-socraticos 54 B.: fragmento 54 de Empédocles na edicao de J. Bollack, t. IL 28 B 2, 3-5 DK: verso 3 a 5 do fragmento 2 de Parménides (= 28) na edicao de H. Diels e W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratiker, sexta edicdo, Berlin, 1951. 82 A5 DK: testemunho 5 sobre Gorgias (= 82) na mesma coletanea. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 23 objeto nao identificado 1. Filologia ou filosofia “Se Parménides”: trata-se de ontologia, de sofistica, de doxografia. “Edi¢géo do tratado anénimo Sobre Melisso, Xendfanes ¢ Gérgias”: trata-se do estabelecimento de um texto grego, de sua tradugao, de suas justificag6es. Do titulo ao subtitulo, trata-se de filosofia e de filologia, de uma certa relacéo entre elas. Por um lado: por que nao filosofar sem subterftigios nem esse desvio com pretensdo cientifica no qual é preciso rastejar, dizia Nietzsche, “com a acribia de uma lesma miope”? Por outro lado: como justificar essas especulagdes que incham um traba- Tho aparentemente sério? Pratica filosdfica ou pratica filolégica: uma, se ela nao invalida a outra, a torna ao menos ilegivel. E impossivel fazer de outro modo, eis tudo. Nao se compreende nada em um texto como o Sobre Melisso, Xendfanes e Gérgias enquanto nao se o decifrar literalmentee longamente. Eis por que é tao dificil. E nele se 1é mais e outra coisa que nao se tinha pressentido ou que nao se teria inven- tado, eis por que é to interessante. Nao que se passe assim da filologia a filosofia como a uma esfera superior ¢ que teria fornecido em segredo uma pré-compreensao para executar as obras baixas, Nem que haja. na prépria filologia dois niveis 27 de interpretagao, um “baixo” e “de base” para operar sobre as palavras ¢ a gramaticalidade da frase, e outro mais alto para decidir do sentido geral e da identidade do texto, HA, antes, uma pratica unica que, seguindo simplesmente até o fim suas proprias leis, respeitando simplesmente a si mesma, no cessa de se erguer, do mesmo modo como sons articulados pelo jogo de suas articulagées acabam em discurso. Ao contrario, a separagao dos poderes filoldgico filoséfico tornaa primeira contente com hipdteses moles, e faz com quea segunda tenha falta de abertura e de desconfianga, cada uma recebendo da outra, sem sabé-lo, apenas ideias preconcebidas. 2, Doxografia do De M.X.G. O De M.X.G. é muita adequadamente designado por esta sigla que, embora fazendo dele uma entidade distinta, deixa apreender muito pouco de sua identidade; esse tri- plo pequeno tratado tradicionalmente publicado no final do corpus aristotélico tem, com efeito, por primeira e essencial caracteristica ter escapado e escapar ainda 4 identificacao. O objeto € nao identificado porque nao se sabe nem de quem ele fala, nem quem fala, nem, portanto, qual é finalmente 0 seu sentido ¢ o seu interesse. A filologia é constrangida por esse objeto paradoxal: ela se encontra confrontada com um texto que nao é nada além de um texto, que néo oferece meio de toma-lo do exterior, ¢ deveria forga-la a se tornar o que ela é: uma pratica primeiramente e essencialmente interna. Todavia, nao é nada disso, pois o primeiro enigma, a identidade daqueles dos quais se trata, é muito facil de re- solver, Sobre a {é do titulo transmitido pela maior parte dos manuscritos, dos quais R é 0 primeiro conhecido, trata-se até 2 edigdo de Bekker (1831), logo, também para Kant,' e para Critique de la Raison Pure, traduction A. Tremesaygues et B. Pacaud, 1 édition, Paris, 1944 (8°™ édition 1975), ». 378 3.5 édition W. Weischedel, ¥. I, Darmstadt, 1963, p. 468 s. FILS lege|,“ le Xenofanes, Zeno e Gorgias. No entanto, o manus- erito L., colacionado por Beck (1793), e que tem como titulo "Sobre Zcndo, Xenofanes e Gorgias”, permitia hd muito tem- identificar Xendfanes sob Zendo enquanto que Spalding, fia mesma época, ja reconhecia Melisso sob Xenofanes, e pro- punhao atual titulo. As provas de que se trata primeiramente dle Mel ‘altemunhos, e primeiramente o de Aristoteles;* referéncias iter nas no tratado;* e, sobretudo, comparacgao com os frag- Mentos conseryados, eles prdprios tirados de Simplicio, feita fom mintcia por Reinhardt.> Que se trate de Xendfanes e nao ‘le Zenio nao gera mais dividas: Zenao poderia dificilmente er mencionado como contraexemplo em um capitulo a cle ‘onsagrado,® ea concordancia com as diversas testemunhas,’ so convincentes: comparagao com os diversos emo aquela com Simplicio® estabelecida também por Rei- fhardt, é uma prova suficiente disso. Enfim, para Gorgias, a identificagéo nao gera questo, por causa da versdo corres- pondente de Sexto Empirico” * Legons sur Histoire de la Philosophie, traduction P, Garniron, II, Paris, 1971, p.266; Theorie Werkausgabe, Frankfurt, 1971, v. 18, t. 1, 7.4345, + Cl. om particular Metafisica, A 5, 986 b 18-21; Fisica, A 2, 185 2 32 s5 AA, 186 a 10-22. Recordacdo, no curso do tratado, do princfpio ‘nada provém de nada” com principio melissiano utilizado por Kenéfanes (primeiro enunciado do principio em M,, 1., 2s. ; recordagio em X., 8,, 1-3), recordagéo da dedugdo néo-engendramento ~ ilimitag4o como melissiana na demons- tnagito referencial de Gérgias (G., 6., 3-5) Purmenides und die Geschichte der griechischen Philosophie, Bonn, 1916, p. 90s. Ch X17, 12-14, Cf em particular Aristoteles, Met., A 5, 986 b 21-24; Hipdlito, Refutagoes, I, 14; Ps,-Pluterco, em Eusébio, Preparacao evangélica, |, 8, 4. Comentério sobre a Fisica de Arisidteles, p. 22, 1.26 s.. edigio Diels Centra os matemdticos, VU, 65-87. BARBARA CASSIN SE PARMEN DES Fs. Essa primeira identificagdo, necessariamente operada de fora, por meio de um método comparativo, é entéo compreen- dida como base e como modelo para resolver o segundo enig- ma. Busca-se quem fala, comparando tratado e testemunhos ja conhecidos, comparacao da qual se supde poder deduzir a diferenga entre a ou as fontes utilizadas, mas também entre as manciras de utilizd-las. Essa diferenga, compreendida em termos de perda e deformacao da informacao, permite atribuir sendo um nome, ao menos uma identidade histérica, temporal e doutrinal, ao autor anénimo. Um tal método s0 é aplicavel em virtude de uma certa pré-compreensio do texto como texto doxografico, e da prépria doxografia como repeticéo mais exata possivel das opinides dos fildsofos. O tratado entra entao em um género: o dos manuais escolares, mais ou menos bem feitos e mais ou menos tendenciosos.'” Chegamos assim a uma verdadeira doxografia do Anénimo: A partir dos manuscritos e segundo certos editores ou comentadores como Hegel, Karsten, Mullach, 0 autor é 0 proprio Aristoteles, que se trate de notas de cursos ou entao de extratos fragmentarios de uma obra mais importante. Outros, tais como Bessarion, Brandis, Bergk, Kern, e mais tarde Reinhardt ou Steinmetz, seguem a segunda mio do manuscrito R, e pensam que o tratado é de Teofrasto ou ent&o que 0 cita mais ou menos diretamente 4 maneira dos escritos de Simplicio. Outros ainda, em particular Gigon e Kerferd, retomam a opiniao que Diels, apés Zeller, professa nos “Prolegomenos” dos Doxographi Graeci, segundo a qual o Anénimo é um peripatético do terceiro ciclo aproximadamente. " A obra de J, Wiesner (Ps. Aristoteles, M.X.G.: der historische Wert des Xenophanesreferats, Amsterdam, 1974) fornece o exemplo mais recente € 0 mais tipico desse método. Para uma critica detalhada, ver minha resenha em Gnomon, 49, p. 773-784, 1977, 30 FU A menos que ele seja um peripatético tardio do século ou um eclético peripatético meio estoico, como 0 supée prio Diels em seu prefacio ao De M.X.G., seguido por perz ou Robin. Mas Gercke afirma que é um cético. Untersteiner, por sua vez, diz que é um megarico. E le concorda com sua opiniao, e responde a Kerferd: Per lusione, no resta che um Megarico.™ Nada impede, enfim, de combinar as hipoteses supon- Misturas, superposigoes, acréscimos, adi¢ées, todo um zle de fontes combinado por um Andénimo preocupado, exemplo, em eleatizar Xencfanes, como 0 afirma mais ‘entemente Wiesner. Alguns dizem que, outros dizem que, outros ainda que, ja enfim impede de dizer que. Tudo 0 que ha de certo é @: o discurso sustentado sobre o doxdgrafo é um discurso loxografico. £ importante, enquanto se mencionam todas essas ipoicses, ver bem a escassez dos fatos que sao tao contra- itoriamente interpretados. Primeiramente, os “erros” do hénimo, que atribui a Anaximandro o pensamento de que ilo ¢ Agua,” depois, a forma dialética sobretudo os “nem... jem” de Xen6fanes,” alguns termos estoicos,!4 alguns fatos le lingua raros destacados por Diels,'® enfim, a localizagéo # Zeller, Mondolfo, La Filosofia dei Greci nel suo svikippo storico, Florenca, 1967, I, 3, p. 54. # CIM, 18,35. X., 5. BG. 5 12,-17. 5; ver infra, p. 44. om particular Jekta, “exprimiveis”, X., 13. 4. 1 As locugdes ei kéluei, all’ara, ou mentoi ge, epei toi ge nao poderiam ser de ‘Teofrasto e fariam datar do século II], nos Doxographi, mas, por causa da letra xi Gbv) € do vocabulario poético (teknoun, atremein), acria necessario remontar até o século I, no Prefiicio ~ todos, aticismos © influéncias da literatura ética antiga, responde Untersteiner. HARDARA CASSIN SE PARMENICES 31 de certos temas, procedimentos, movimentos, com finalidade megarizante ou eleatizante. Mas que o erro seja de fato um erro, que a dialética seja acrescentada ou que ela conote com evidéncia sua origem, que as particularidades linguisticas sejam suficientes para datar com seguranga, e, sobretudo, que a finalidade nao seja uma construgao laboriosa de historiador explicando o des- conhecido - um texto anonimo ~ como mal conhecido — a doutrina megarica ou um hipotético renascimento da escola eledtica -, nada é menos certo. 3. O trafico filolégico ‘Todos esses juizos tem em comum o fato de considerar © seu objeto exclusivamente como uma fonte de informagées sobre Melisso, sobre Xenéfanes e sobre Gorgias; a exatidao dessa informagio da todo o valor do texto: do bastante bom ao muito bom para Melisso; melhor do que (Calogero, Gigon, Verdenius, Bricker), pior do que (Nestle, Loenen) ou dife- rente de (Untersteiner, Kerferd) Sexio, mas, em todo caso, bom para Gorgias; muito ruim para Xenofanes, em vista da magra concordancia com os fragmentos conservados por oulros caminhos e da forma dialética surpreendente dos predicades de deus; até Reinhardt ao menos, que se apoia no tratado para inverter a ordem até entao admitida e que I no Sobre Xendfanes a fidelidade a um auténtico dialético vindo para o pensamento depois de Parménides ¢ antes de Melisso, enquanto Untersteiner e Wiesner vio decifrar nele uma finalidade megérica ou neoeledtica, Como quer que seja, © texto néo tem nenhuma consisténcia enquanto tal; seu unico interesse é ser uma mina, entre outras, de ensinamentos a se extrair e peneirar, Ele ¢ escolar e tosco, como toda doxografia; ¢ ainda mais insuficiente por se tratar de doxografia tardias a0 que se acrescentam os defeitos suplementares devidos & ignorancia, a estupidez ou.a predisposicao do seu autor. Todo ae FIL balho de interpretagdo consiste, portanto, em desdefor- a informacao, isto é, tornd-la finalmente compativel com jue o cditor sabe ja por outras fontes, A pratica do texto que corresponde a essa concep¢do obra é igualmente normativa. Como o doxégrafo é mau io, o copista, que talvez nao saiba nem mesmo o grego, ¢ ligente e tosco; mas ele deve também, artefato contradi- io, ser bastante douto para melhor interpolar e corrigir, jim como o Andnimo ousaré deformar voluntariamente. texto, a ser reconstruido como a informagao, nao tem ou- modelo senao a sua conformidade ao sentido ¢ a sintaxe erados, sendo sua banalidade. Nenhuma de suas parti- laridades tem, nessa perspectiva, a menor chance de ser pada em consideragao. Também ha muito poucas frases @ niio tenham sido remanejadas, em um momento ou outro a tradigdo douta. Nao que os manuscritos, se colocarmos ‘de lado algumas lacunas, estejam aqui em um estado parti- tilarmente ruim; mas, como frequentemente, alguns deles entre os mais recentes brincam ja de fildlogo simplificante fhormalizante, e é o trabalho deles que as diversas edigdes erfazem, cada uma a sua maneira: é dificil representar a elficagdo fantasmatica do De M.X.G. tal como a pratica filoldgica e interpretadora no-lo transmitiu.'* De tal modo que essa filologia decepciona. Ela toma de empréstimo as vestimentas da ciéncia: da paleografia para justificar suas correcéesa partir de diferencas diacrénicas no tracado das letras ou na prontncia e pela probabilidade dos tipos de falhas; da graméatica para decidir sobre as possibili- dades do estilo; da historia para decidir quanto a interpreta- Ges aceitaveis. Mas, ao fazé-lo, ela, na verdade, trapaceia, na medida em que, em vez de explorar as singularidades de um ® Ver « comparacio entre os manuscritos Le R. A importincia das cor- recBes nos sugeriui guardar seu testemunho, no fim do aparato critico BARBARA CASSIN Sc PARMENIDES 33 texto e de uma transmissao, ela encoraja, assim, apenas essa distancia do objeto que autoriza todas as manipulagées. A filologia so é fiel a si mesma, s6 respcita as suas préprias re- Gras, ao deixar ao texto a chance de uma identidade maximal. 4. A inflacdo do sentido Mas como proceder, concretamente? O De M.X.G. é apenas um texto, sem autor. Em vez de lhe supor um género que autorize seu desmembramento com um tratamento nor- mativo da letra, 6 preciso recusar essa intimagao prévia: o tratado teria provisoriamente por género nao té-lo, A pratica se inverte entao: na falta de cinone para mensurare corrigiro desvio, 0 Unico recurso é 0 do proprio texto, a partir do qual, © somente em segundo lugar, indices de género poderiam ser detectados. E preciso, portanto, Partir de novo do texto como unico dado e se propor a ficco inversa: nao que o texto esta normalmente errado, mas que ele esté normalmente exato, € que convém dar razao a ele tal qual, o mais integralmente possivel, assim como se levaria em conta um fato. Mas quando nos propomos a lé-lo, ele repele; na verdade, nao compreendemos nada, nem no detalhe das frases, nem na visio de conjunto, Em vez de resolver imediatamente a dificul- dade local por uma correcdo ainda menos surpreendente pelo fato de que ela vai se fortificar por suas proximas repetigoes, prender-nos-emos a regra princeps da filologia, a da lectio difficilior, que impée analisar a expresséo mais singular: na ocorréncia, trata-se de examinar entre todas as licdes aquelas do manuscrito L. Um meio de acesso eficaz 3 literalidade ¢ partir de novo das corregées, compreender quais dificuldades de lingua ou de pensamento elas tem Por objetivo evitar; e depois, refletir sobre essas dificuldades e ver em que condicées, ara quem e por que, em virtude de quais Pressupostos, elas sao efetivamente dificuldades: em geral, elas remetem a uma falta de imaginagao, interditando o questionamento de uma 34 rus preensio imediata ou herdada; as duas senhoras dos erros, eonio alhures, sao a precipitacdo e a prevencao. F notavel Pane lexto a grande maioria das correcdes provém nao de impossibilidade linguistica, pois muito frequentemente a fitega se constrdi sem problema, mas de uma dificuldade near, Para vencer essa dificuldade, um unico recurso e pire mesmo: a letra do texto, prestar atengao a todas as ages diferenciais até entao negligenciadas, tais como a lem clas palavras, a presenga ou a auséncia de um artigo, a tribuigao das particulas, pois sao elas o rastro do sentido ai que mora o clique do seu mecanismo. Mas, ao endireitar 0 pau torto, corre-se um risco simé- fico, Pois é verossimil que uma porgio de texto, qualquer @ fe) scu agenciamento, apresente sempre ou quase sempre “sentido” que uma atengdo e um tempo suficientes farao ir do seu esconderijo. E, em vez de um, é uma pluralidade e sentidos que uma combinatéria exaustiva dos elementos ‘rte o risco de produzir. O editor, ao praticar assim, fica pidamente rico demais: com que direito, a partir de que itérios, escolher entre os sentidos, nao apenas aqueles das diversus corregSes, as vezes toscos mas tao faceis e verossi- eis, mas, além disso, cada um daqueles propostos por cada a das ligdes manuscritas? Como eleger 0 “um-sentido”, 0 "Verdadeiro” sentido? -nos ai, no circulo hermenéutico. $6 pode se tratar de iim vai e-vem entre os sentidos parciais possiveis e a antecipa- glo clo, ou dos, sentido(s) do texto inteiro, que ja sempre serviu de horizonte para a constituicdo dos sentidos parciais, mesmo que sendo ele proprio constituido a partir deles. Nesse nivel, niio poderia haver nenhuma diferenga de esséncia entre uma pratica rapida e redutora da filologia e uma pratica rigorosa até a obsessao e imaginativa até o delirio. Todas as cuas tém ao menosa ambicao de nao deixar nada de lado e de produzir sistematicamente a identidade do sentido. wo o BARBARA CASSIN SE PARMENIDES Pareceu-nos, também aqui, que 0 unico remédio ou a unica garantia era a lentidéo: esperar, o mais longamente possivel, explorando o maior numero de sentidos possiveis e deixando-os abertos, cada um sem suas sequéncias possiveis, que um certo numero dessas possibilidades manifeste sua incompossibilidade e que o leque do sentido se feche enfim. O fildlogo é necessariamente leibniziano: trata-se, para ele, de dar razao; tudo, cada elemento do texto, cada falta como cada correcao, deve ser explicado; ¢ principio do melhor: é preciso editar o melhor texto possivel; 0 que se entende sempre como principio de economia: fazer mais com menos, com 0 minimo de despesa, isto é, com o minimo de milagres, de decretos particulares, de distorgdes em relacdo aos dados, o maximo de variedade; se sao dados tanto a letra do texto transmitido quanto um certo estado gramaticalmente legal da lingua, as despesas serao as Correcdes e as anomalias, ea variedade, a “riqueza” do sentido. O intérprete se encontra entdo em posi¢ao divina: é calculando que ele faz o mundo, que ele organiza e solidifica o texto. Sabemos que, se houvesse muitos melhores mundos, Deus nao teria criado nenhum deles; assim, necessdria ao sentido, para ser tal, a unicidade do superlativo: somente o melhor dos sentidos possiveis 6 0 sentido efetivamente real, e enquanto subsistir uma hesitacdo econémica, o cosmos do texto permanece inacabado. Foi de fato necessario consentir ao fato de que, as vezes, seja este o caso. Mas, com toda evidéncia, 0 texto sé ¢ tal, tal comoem si mesmo, no fim, como produto dessa operacao criadora: onde se torna manifesto que seu estatuto de fato é um estatuto de fabri 0 e de ficcao. Aqui mesmo, quanto ao De M.X.G., nés apenas fizemos respeitar esse principio da filologia elementar: 0 minimo de despesa para 0 maximo de sentido. E somente esse respeito nos conduziu a um resultado desconcertante em relagao as edigdes precedentes. Pode-se, é claro, colocar em causa a valorizacao de cada despesa: nds decidimos frequentemente af FILO. Ma corregdo paleograficamente minima como 0 acrés- 6 ola subtrag4o de duas letras formando uma negacao, exemplo, era mais custosa que significante, enquanto, ntrario, certas distorgées sintaticas como a presen- esperada de um artigo, de uma particula ou de um jo, eram mais significantes do que custosas. E que, por lado, uma lingua, por mais morta que ela seja, n4o se liz nem a seus diciondrios nem ao conjunto das regras Inentadas em suas graméticas. E que, por outro lado, um ‘© constitui um império em um império, tanto por seu lo quanto por sua visada: 0 circulo ou, antes, a circulagao ve compreensio do todo e compreensao de uma parte é evitavel, e uma vez reconhecidas aqui a pertinéncia ¢ ecisao das tematicas da predicacao ou da negacao, uma regio dirigida a esses pontos nao poderia ser admitida io com um grande custo. [nfim, essa “tiqueza” do sentido, alvo da operagio eco- mica e residuo da metafora, é bem dificil de definir. Na tica, o editor se vé preso entre duas inflagSes: a das cor- Ges, uma correcdo levando a outra, e depois a outra, até a nalizagSo crescente de uma relacao de policiamento que faz, lim texto sua prépria pardfrase; a das manutengdes, uma ’nuteng4o levando a outra ou, antes, cada interpretagao que toriza uma manutencao levando a outra, uma fioritura de entidos a mais, cada vez mais sentidos, até fazer do texto, dessa vez, 0 seu proprio abismo. A riqueza do sentido deve- A ser, entéo, normalmente “prdtica” em todos os sentidos lo termo: nem demais nem pouco demais, nem numerosos ortes textuais nem fetichismo da letra, nem conformidade is normas nem idioleto incompreensivel, meio termo entre ‘A tolice da insuficiéncia de sentido ¢ a extravagincia do giro de sentido excessivo. Mas aqui, com um texto do qual se pode tudo esperar e tudo temer, a economia do sentido nao pode nao ser realmente inflacionista. Como se a hipotese de um discurso maximal, BARBARA CASSIN SE PARMENIDES a7 sem determinagao genérica, requeresse uma filologia maximal ou maximalista. O excesso do sentido tem a ver com a par- ticularidade do texto sem género, duplicado pela resisténcia de cada um de seus elementos, que opée a toda compreensao totalizante uma singularidade que se renova sem cessar. Ou- sariamos dizé-lo asi! 6 ridiculo nao mata? : o “verdadeiro” sentido € aquele que 5. O fio condutor Foi bastante encorajador para essa pratica o fato de que ela autorizava uma hipétese minimal no que diz respeito ao tratado, a saber: o De M.X.G. é efetivamente compreensivel. O que significa dizer que ele nao se deixa apreender apenas como uma fonte de informagio, mas como um conjunto es- truturado, como uma obra. Ou antes, nao identificado nessa instabilidade conotada pela obra, o texto assim abundante de um sentido sem limite parece seguir uma inclinagao. Ele se encaminha para um momento em que diz, ele proprio, o que se deve pensar dele, e desemboca no que esta propriamente em jogo nele. Nao que a teoria se enuncie a parte: ela é legivel apenas na condugio, na pratica do discurso que ele é. Pois ele indica sua finalidade ao se desenrolar, e seu télos coincide com seu termo. De tal modo que, assim como nao se pode dizer que um homem € feliz antes do dia de sua morte, sé se percebe o tratado com a sua ultima frase. O primeiro indicio em favor de uma consisténcia pro- pria do tratado é a ordem surpreendente que ele faz suceder, contra toda evidéncia cronolégica, Melisso, depois Xendfa- nes ¢ Gérgias: enquanto todos os testemunhos concordam em fazer viver e pensar Xen6fanes antes de Melisso, 0 Sobre Xenéfanes segue, e nao precede, o Sobre Melisso. E claro que €licito extrair argumento da mesma observacao exatamente para estabelecer um menos de sentido: 0 autor nao sabe nada sobre isso ¢ justapée ao acaso; ou ainda: a transmissao é 38 rus tuosa, ela inverteu, secbes intercaladas foram até mesmo dlidas.” Mas, se ha indicio, se ha sentido, é preciso supor ontrario que Xendfanes ¢ um elo tedrico intermedidrio Melisso e Gorgias Resta determinar de qual cadeia. O segundo indice, plicito e fornecido justamente pela altima frase ela mesma,"* precisar a hipotese. Se “todos e Gorgias sio aporias de lores mais antigos”, é porque o tratado constitui um todo ells elementos, uma série. O ultimo elemento da série, gias, é manifestamente notavel ja que os outros veem se der até eles sua caracteristica; eles sio, como ele, uma joria”: um incdmodo, um obstaculo que se pode apenas Htornar. E, portanto, a partir de Gérgias que a sucessao isso-XenOfanes deve poder se compreender. Além disso, porias que eles constituem, todos os trés, so “feitas a ir de autores mais antigos”: uma interpretagio completa \siderara, portanto, os trés autores a partir do aquém de um Hsamento anterior. A cadeia Melisso-Xendfanes- Gorgias , assim, ser interpretada, ao mesmo tempo, retroativa- mite, desde o ultimo elo, e em referéncia a uma origem nao erita na cadeia. Ha, no que concerne a essa origem, uma suposi¢io itével; com efeito, Melisso e Xendfanes nao tém, nenhum dois, identidade senao em relagao ao pai dessa escola itica 4 qual é notorio que eles pertencem: Parménides. sua vez, as teses escandalosas de Gérgias reportadas tratado — “nada é; se é, 6 incognoscivel; se € e se é cog- oscivel, ¢ incomunicayel” ~ sempre apareceram como se ‘Pa hipdtese de Zeller, de Diels, de Burnet, os quais, essencialmente por ‘fazbes de completude interna (referéncia a Zendo paralela a de Melisso em G., 2., 16-18; multiplas referencias a Zenao ¢ a Parménides), consi- ileram que uma seco tenha sido consagrada a Zenao, até mesmo uma putra a Parménides. fy 12. JARDARA CASSIN SE PARMENIDES: 39 referindo manifestamente ao pensamento de Parménides para contradizé-lo."° A cadeia tedrica iria, portanto, de Par- ménides a Gérgias. Para Aristételes, Melisso e Xendfanes nao sao nem me- tafisicos, em fungdo do seu conhecimento insuficiente dos primeiros principios,” nem fisicos, j4 que eles nao tém em vista a pluralidade nem © movimento.” Seus raciocinios e todos os seus discursos sao “eristicos”, eles partem de pre- missas “falsas” e sao “incapaz ie silogizar”. Fles deveriam, antes, ser colocados ao lado daqueles “que falam pelo prazer de falar”, ora, a expres: caracteriza, na sua esséncia mesma, 08 sofistas.# O fio do tratado, nesse aspecto, ao mesmo tempo nio-aristotélico ¢ aristotélico, seria mostrar como Melisso e Xendfanes sao ja sofistas ou em que eles cometem o parricidio e conduzem, portanto, de Parménides a Gorgias, da phusis ao logos, do ser ao nao-ser, da ontologia a sofistica. Encontrar as condigées de possibilidade do discurso escandaloso de Gorgias no modo singular como Melisso, e depois Xendfanes, repetem ¢ transformam Parménides, eis o que constituiria a perspectiva prdpria do tratado, ainda no percebida. 6. O “algo” de Melisso Para que “o ente” de Parménides possa se aniquilar em “nada” de Gorgias, é preciso 0 “algo” de Melisso. O Poema de Parménides parte da afirmagio divina: “que é”, ¢ o verbo desdobra af a esfera da sua presenga, que € a0 mesmo tempo a da linguagem se estruturando ela pré- pria, para que venha a se dizer, no termo da declinagao dos ° Ch infra, p.53-55, eoconjunte docepitulo “O Pamnénidesde Gorgias”, p.53-83. » CE. Met., A 5,986 b 10-27. Phys, A 2, 184 b 25-185 a 1. % [bid,, 185 a 6: ton logou eneka legomendn; c&. infra, p. 100. “a “ C Fa eclicados, seu sujeito: “o ente”.® Dessa afirmagio original 2 rimeira frase da exposigdo melissiana: “se algo é”,”* nao hé simples retomada em um modo hipotético. Pois a hipétese, na demonstracdo da eternidade em que ela figura, ndo é direta- nic incompativel nem coma pluralidade nem com o devir: p “algo”, diferentemente do “ente” unoe todo inteiro presente, deria muito bem sem contradic&o ser uma multiplicidade devir. E que, com 0 “algo”, Melisso parte, em uma sintaxe {A reflexivamente constituida, do sujecito como possibilidade jquirida eo assinala de inicio como lugar gramat icalmente 0. Trata-se entdo de reencontrar o sujeito presente, ente cnte” propriamente dito -, por meio da predicagio que {orna assim o centro da metafisica. Ora, a predicacao determina um sujeito essencialmente jlural, lugar sintético da multiplicidade mutante dos predice- dos. A diferenca tao observada entre Parménides e Melisso, que o ente nao seja mais uma esfera limitada® mas algo de {limitado,?* encontra aqui o seu fundamento: o “algo”, para ‘ge tornar o ente, tem que poder totalizar a infinidade virtual de seus predicados,” e é apenas ao fim dessa operagao que # Cf 28 B 2,3 DK : hopés estin, “que 6”, ibid., 8, 32; to eon, o “ente”. Essa leitura do Poema éaquela que o proprio Gorgias sugere, ver infra, p. 53-83. ‘AM, 1, 1: ei ti esti, “se algo é”. Cf também a critica do doxégrafo em M.,, 15.. £ uma grande aberragao de método e de pensamento querer, para reencontrar 0 #, “algo”, corrigir 0 texto parmenidico como fazem Rrdcker ¢ Loenen (Brécker propde ler esti ti no Ingar de esti teno verso 3 do fragmento 2 - p. 428 de seu artigo, nota 1 - e Loenen constréi 0 canjunto do seu livro sobre a basic thesis dos eleatas: ef esti ti; cf. $43, p. 176 e.g). ® 28 8 8, 42-49 DK, CLM. 2. ® A indicagao de Aristoteles em Met., A 5, 986 b 18-21, segundo a qual Melisso, diferentemente de Parménides, ter-se-ia ligado ao “um segundo a matéria (jon kala ter: hulen)” ¢ ndo “segundo a forma (fou kata tom logon heros)” se preste a uma tal interpretagio, na medida em que a BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 4L a cépula encontrar seu sentido existencial e 0 algo, uma consisténcia de ente, Em consequéncia, mesmo os predicados idénticos quan- to ao nome nao tém o mesmo sentido em Parménides e em Melisso: “eterno”, em particular; se isso designava, no Poema, a pura presenca do ente, sofre, aqui, a difragdo caracteristica de uma representacao espacial do tempo e reenvia 4 permanéncia do sujeito através do passado e do futuro. Da mesma forma, seé“um” e “todo”, nao é mais como a esfera necessariamente Unica pelo simples fato de sua constituigao a partir do “é”.A unidade do algo &, antes, essencialmente numérica, garan- tindo apenas que o sujeito seja um e nao dois, Portanto, que todo predicado, qualquer que seja, é efetivamente predicado do sujeito. Mas, uma vez que ele é “todo”, isto é, uma vez que qualquer predicado tem que ser predicado do Sujeito, a iden- lidade do algo é necessariamente inacabada e infinitamente incompleta. Seu predicado mais adequado, que permite pensar ainda essa identidade através do conjunto inesgotavel das diferencas predicativas, é ser “tal”: 0 unico sujeito, a cada vez idéntico ao predicado considerado, é sempre “tal” ou “tal”, “um tal” nao importa qual. A fidelidade de Melisso frente ao mestre Parménides produz apenas essas heterodoxias. fi por ser mais parmeni- dico do que Parménides que Melisso escolhe a ilimitacao: ela permite afastar do ente, com sua representagao como esfera limitada, uma suspeita de corporalidade; ora, essa suspeita, explorada por um Zeno, por exemple, basta para aniquilar ponto por ponto o que se chama de corpo, divi- sivel ao infinito. Da mesma forma, a pluralidade em devir que constitui, no Poema, o mundo da doxa é absolutamente matéria € por exceléncia 0 sudstrato-sujeito primeiro capaz de todos os predicados, mas em si indeterminado, “zoristo”, e quase-nada * Para “eterno”, cf. M,, 1. E2. para “todo”, cf. M., 3 ; para “tal”, ch M,, 6 ae FILO cluida da ontologia melissiana; para produzir e preservar a integridade do ente, Melisso faz j4 como os mais platini- (los intérpretes de Parménides: ele confunde 0 aparecer pif 0 ndo-ente; nao apenas a pluralidade é uma “aparéncia em relidao”, mas os dados sensiveis sao ilus6es puras que téscimo de fidelidade, esse escoramento de Parménides a to dele, produz uma infidelidade muito mais pesada. lois ¢ por se achar assim purificada, logicamente exacerba- JA, sobreidentificada, que a identidade do ente comega a se legradar, reduzida ao “algo” como suporte da predicagao. Simultaneamente, 0 escoramento produz uma verdadei- 4 mudanga de discurso: enquanto o Poema se desdobra ele Proprio como o “€” que ai se deixa pensar, as teses atribuidas a Melisso se encadeiam de uma maneira totalmente diferente. — Elas constituem uma série de demonstragées e, como tais, esto submetidas de saida ao conjunto de principios légicos. Flas tém por motor o principio de nao-contradigao e 0 do terceiro-excluido, j4 que cada uma, procedendo por absurdo, foma como premissa 0 predicado contraditério aquele que ela entende demonstrar, e prova sua impossibilidade pela contra- digo das consequéncias que dai decorrem com o ou 0s predi- cados j4 demonstrados do sujeito. Ea primeira demonstragao, a do predicado “eterno”, nao tendo predicado anterior sobre © qual se apoiar, expGe a impossibilidade do engendramento por contradig4o com uma premissa geral e evidente, que ndo é senao 0 principio de razao sob sua forma “vulgar”, diria Leibniz, e escolastica: nihil ex nihilo, “nada provém de nada”.** E esse excesso de fidelidade que vai abrir a via, quanto 408 efeitos produzidos assim como quanto ao préprio proce- dimento, para o discurso de Gorgias. » Cf, Parménides, 28 B 8, 50-61; M., 8. E 9. * My 1, 1-3; 24, 10. EU BARDARA CASSIN SE PARMENIDES. 7. O deus neutro de Xenéfanes Via Xenofanes, pois a heterodoxia maior de Xenofanes ~ que presta, no entanto, testemunho de sua fidelidade a Parménides -, constitui, de fato, o clo intermedidrio entre Melisso ¢ Gérgias. Melisso transforma a esfera do ente em um algo de ilimitado, s6 existindo como suporte da predi- cago; Xendfanes torna manifesto que, ao menos em certos casos, toda predicacao Ihe é inadequada: esse algo, suporte da predicacao, mas de uma predicagao nao efetudvel, ndo pode mais entao sendo se aniquilar. Para comegar, “o ente” de Parménides, que se tornou o “algo” de Melisso, chamado de “deus” por Xenéfanes: que esse terceiro termo forme série é garantido pela oscilacao constante entre masculino e neutro que serve para designé-lo.* Seo ente e 0 algo, ainda que de modo essencialmente diferente, eram todos dois “eternos”, do deus dir-se-d que ele é “impossivel”, a saber: “impossivel que ele provenha”.” A formulagio tem seu interesse, pois 0 bem nomeado “deus” se revela efetiva- mente impossivel, tanto um impossivel da predicacio como da representacao. E sua propria singularidade, sua diferenga paracom tudo 0 que nao € ele, que interdizem que se chegue a identifica-lo: o deus, com efeito, que é e que é um, nao se assemelha nem ao nao-ente nem a pluralidade e nao pode, portanto, parti- lhar nenhum dos predicados deles; ele nao poderia ser “nem ilimitado” como o primeiro, “nem limitado” como a segun- da, e muito menos “imédvel”, nem “em movimento”? Quer esses predicados antinémicos que fizeram correr tanta tinta sejam autenticamente de Xendfanes ou jd uma interpretacio, eles constituem, em todo caso, 0 aporte préprio do Sobre * CEX,15X, * CfX,1, 1s. ® X86 44 AeHidfanes. Pois, assim como o obserya o Anénimo, “o que is so todas as coisas, além do fato de ter ou nao ter 0 0's" de tal modo que 0 ente é necessariamente ou isto li ndo-isto, eo que é “nem... nem” corre 0 risco de ser — para pdos como para Gorgias em seguida, aniquilando, em sua lemonstra¢ao referencial, o sujeito, na falta de qualquer pre- leado ~ “nada”. Uma vez que o deus se deixa caracterizar, a contradicéo le sua natureza se torna ainda mais manifesta, ¢ ele se poe H\lo como um impossivel da representacao. Assim, Xend- lates predica ainda, de seu deus, a esfericidade parmenidica iM, Mais exatamente, uma esfericidade atenuada, algo de uma jera:a “esferoidicidade”.* Mas como uma esfera poderia nao er limitada? Da esfera limitada ao algo de ilimitado, e do algo ilimitado a um esferoide nem limitado nem ilimitado, a re- esentagao fisica parece cada vez mais inadequada e se torna ‘Fiesmo totalmente impossivel: é preciso que “isso” nao seja um corpo. Nao podemos mais nos espantar, desde entao, como fato de que lhe seja aplicada a mesma ndo-predicagdo que ao dlivisivel”, que ao “4tomo”. Como o sublinha Aristoteles,” Gente, concebido como um e indivisivel, logo, como incor- poral, nao é “nem ilimitado como 0 afirma Melisso, nem Himitado como para Parménides”. Ele se produz, assim, com ‘44 Impossibilidades correlativas de representar e predicar, uma Hadificagao do ser muito proxima de uma atomizacao, que leitura de Gérgias® confirmard amplamente. Como quer jie seja, é importante observar de novo, ao menos na ordem 0 De M.X.G., que é somente por fidelidade a Parménides, OX, 13.175. OL. G,, 2, e infra, p. 65-67. x © Phiys., A2, 185 b 16-19. * Ver infra, p. 104-107. |ARDARA CASSIN SE PARMENIDES 45 lido como pensedor do ser ¢ nao como “fisico” do corpo, que Melisso e depois Xenofanes o repetem diferindo-se dele. Mas essa diferenga fiel produz um efeito catastréfico, aniquilando, na verdade, o que ela garante. Como em Melisso, mas ainda mais, ej4 como no discur- so sofistico, as demonstracées repousam sobre uma aplicagdo estrita, e mesmo furiosa, dos princfpios légicos. O Anénimo, que retoma uma a uma as teses, para criticd-las, remete os predicados antinémicos a um desconhecimento da distingdo aristotélica entre negacao e privagao. E por nao respeitar essa nuance, que permite, sé cla, um funcionamento correto dos principios de nao-contradicao e do terceiro-excluido, que Xenéfanes seria conduzido a suas conclusées paradoxais. Uma andlise dos textos aristotélicos que tratam da pri- vagao nos ensinz que ela difere desse outro modo de opor que éa negaciio por duas caracteristicas essenciais: ela se aplica a termos, portanto, a atributos, e nao a proposicées, portanto, averbos; mas, sobretudo, ela implica algo mais que a simples “auséncia” de uma qualidade: uma “natureza subjacente”, um “rosto” ou uma “esséncia”.”” Um homem, por exemplo, sera dito “privado de visdo”, “cego”, porque naturalmente ele deveria ver. A privacdo indica indiretamente essa faculdade, atualizando a auséncia sobre um fundo de presenga; ao con. trario, uma pedra ou o bem serao “negadus” de visao, isto & situados por uma nega¢io fora da esfera do predicado. O Anénimo, retomando essa disting&o com a maior exatidao,"" se serve dela para mostrar que 0 ndo-ente sé é » Ver em particular Mer., I 2, 1004 a 9-20 e Phys. B 1. 193 b 19 6 cf. 0 co- mentirio de uma precisio perfeita que da disso Heidegger em “Ce quest et comment se détermine la Piusis”, Questions Il, Paris, 1968, p. 265-276 (‘Von Wesen und Begriff der dict”, Gesamtausgabe, 1,9, Frankfurt, 1976, p. 294.301 [Rd. bras.:A essénciae oconceito de Docicem Aristételes - Fisica B, 1 (1939), Marcas do caminho. Petrépolis, RJ: Vozes, 2008] ) CE X15, € 16, 46 rnd srosumente suscetivel de negagées, enquanto o ente pode eer alirmagoes e privagdes, mas também negacies exa- iHenle como o ndo-ente, Se o nao-ente é necessariamente -moyel” segundo a negacao, um ente, por sua vez, pode ay positivamente “em movimento” ou privativamente aif Fepouso” quando o movimento cessa; mas, se ele nao é A corpo, Giremos dele justamente que ele é “nao-mével”, giundo a mesma negagao que se aplica ao nao-ente. O fnino refuta assim a demonstragao de Xenofanes. Por lado, ente e nao-ente podem ter atributos comuns: as gacdes; nao é portanto porque o nao-ente é ilimitado ou vel que o ente néo poderia sé-lo, por sua vez. Por outro do, o que Xendfanes atribui ao néo-ente nao pode real- ‘ite ser-Lhe atribuido, uma vez que cle nao distingue entre dvel” e “nao mével”, uma vez que se trata de privacées 0 de negagées. A critica faz assim a privagéo aparecer com um in- mediario essencial entre os contrarios, que permite aos Wincipios logicos funcionar sem rusticidade. Pois, ao tomar fercciro-excluido ao pé da letra assim como Xenofanes se iliza dele, é impossivel manter uma distingao entre uma prmulagao estranha do tipo “o deus nao é nem mével nem midvel” ec uma absurdidade pura e simples: “o deus ¢ ao eso tempo mével e imdvel”."' Dito de outro modo, é nao spenas O respeito a Parménides, mas também o respeito 4 ica que, levados a seu ponto extrema, produzem uma in- eFallo catastréfica. Mas Xen6fanes nao tem, por assim dizer, Pois, por outro lado, a insisténcia aristotélica sobre privagao, na encruzilhada dos conceitos maiores que sao 0 idente” (@ privagdo nao ¢ uma negagao da esséncia, mas ‘apenas a de um predicado) e a “poténcia” (a privagéo marca lugar vazio, ela é presenca da auséncia, possibilidade PELN IS, 24 JABARA CASSIN SE PARMENIDES. nao atualizada), faz dela a chave da refutagao do eleatismo.” Assim, Xendfanes, ao evitar a armadilha da representacao corporal @ maneira de Zenao, e a armadilha da refutacéo aristotélica, acaba produzindo um eleatismo pronto para a “sofisticagao”, pronto para a sofistica, Do ente parmenidico ao “algo”, do algo a um “deus” neutro, nao tendo nem um nem 0 outro predicados contra- rios, e mais préximo assim de um “nada” que de um algo; da fala poética estruturando-se ela prépria a uma ldgica predicativa e demonstrativa, da obediéncia a essa légica a um excesso de obediéncia que autoriza a absurdidade: Gérgias pode agora discursar. 8. A repeticao critica Se tal é a inclinagao do De M.X.G., entao o Anénimo que © teria assim organizado ja nao é mais totalmente um desconhecido. Ele repete 0 eleatismo de maneira a mostrar sua finalidade ou, antes, 0 termo, como discurso de Gorgias. Reale se enganava: ha ainda uma identidade imaginavel para o Anénimo: 0 Anénimo é um sofista. Isso nao significa que o Anénimo seja um sofista ~ que ele va de cidade em cidade professar ¢ fazer-se pagar por seu discurso -, mas que ele realiza a virtualidade sofistica da doxografia. Nés nao fariamos aqui nada além de acrescentar uma linha a mais & sua propria doxografia, se a supasigaéo nao permitisse tanto dar sustentagao 4 andlise da critica que ele acrescenta, a cada vez, a exposigdo das teses, quanto escla- recer todo um aspecto do discurso dexografico. O interesse do De M.X.G. - por que tanta preocupagao com um negécio tao insignificante? - é, portanto, duplo: ao mesmo tempo construrao da necessidade tedrica de Gorgias, se Parménides, e o pér-se em ato do discurso doxografico permitindo essa @ Ver Phys. A8. 48 FILO petruyio — mas essas hipdteses de trabalho sé ganharéo €8 0 scu sentido apés a leitura do Sobre Gorgias e o estudo t discurso sofistico.? Do mesmo modo como Melisso e Xenéfanes enfraque- fi 0 enle parmenidico exatamente por pretender garanti-lo hor, do mesmo modo como 0 Tratado de Gorgias, nds Femos, é essencialmente uma repeticao catastrofica do ia, do mesmo modo, é sempre “em conformidade com ue ele proprio diz” - “ele”, a ser entendido como o outro, ele que sustenta a tese, Melisso, Xendfanes ou Gorgias -, Hanto, por um efeito de repetigéo, que o Anénimo inau- di inversdo dessas mesmas teses."* Trata-se, a cada vez, ele, de tocar o ponto de apoio da tese que é, ao mesmo po, o seu ponto de bascula e de propor assim, como que iiterior, sua refutagao, de produzir uma autorrefutagao. peticdo em aparéncia puramente repetitiva - “doxogra- no sentido usual do termo - propria 4 exposicao das 568 encontra assim a sua verdade em uma repetigao critica, Um exemplo disso, dentre outros significativos, esta, Mi diivida, na critica de Melisso, na evidenciagado de que widade caracteristica do “algo” deve necessariamente se amentir a si mesma. Melisso a concebe como a unicidade tim “todo”, nao apenas sujeito unico, de uma unidade mas ainda mais e sobretudo “homogéneo”, de uma dade interna, perfeitamente idéntica a si mesma apesar sua ilimitagao, Mas 0 Anénimo mostra que esse um se Mtradiz cada vez mais intimamente, nao podendo nao im- licar uma pluralidade de partes diferentes umas das outras, esmo cada uma diferente de si mesma; de tal modo que ‘Tijfro, p. 87-112, #f em particular M,, 10. 2s. 513. 1519, 3-55 2948.3 31, Is. Xa 9s 20.42; 17, 145.5 G, 14-1755 158. ABARA CASSIN SE PARMENIDES 0 um, para ser verdadeiramente um, deve antes ser pensado como um “conjunto”, “um” no sentido de “nao-dois”, mas compreendendo em si a infinidade das diferengas e figurdvel fisicamente como uma mistura total de tipo anaxagérico ou empedocliano. Assim, o um eledtico deve, para ser 0 um do qual fala Melisso, ser primeiramente e antes de tudo essen- cialmente multiplo,® Essa refuta¢ao por repeticao parece extremamente ca- racteristica do tratado. Pois, entre os indices do parentesco entre o doxdgrafo ¢ o safista, hd um, de aparéncia mais arris- cada, que € 0 seguinte: 0 Anénimo expée Melisso, depois ele o critica tese apds tese e sem nada omitir; ele expde Xendfanes, depois o critica igualmente. Vem a exposicao de Gorgias, com sua primeira tese, “nada é”, imediatamente criticada ponto por ponto; depois a exposicao da segunda e da terceira tese, se- guicla, dessa vez, de nenhuma critica. Eo discurso de Gérgias que conclui, se omitirmos a breve e enigmatica ultima frase.** A sua critica, dir-se-d, tera sido perdida; ou entao 0 Anénimo ter-se-4 cansado diante da acumulacdo de tantos paradoxos. Ou entao? Ou entao sua voz se confunde efetivamente, no fim das contas, com a de Gorgias. As duas ultimas teses: “se é, é incognoscivel” e “se é e se ¢ cognoscivel, é incomunicdvel a outrem”, implicam que, mesmo se pode haver o um para ser, nao ha nem dois para conhecer nem trés para transmitir.” Dito de outro modo, nenhuma repetigéo poderia garantir a menor identidade: a doxografia, que, como seu nome indica, se propée fixar por escrito as opinides dos fildsofos, aqui Melisso, Xendfanes e Gérgias, nao pode, por essa duplicacao mesma, senao deslocar 0 objeto e, no lugar de conserva-lo para a posteridade, dissipd-lo sem remédio. O siléncio final eC EM. 26. * CEG, 1250 supra, p.39. ” CEG, 9-4. 50 FILO Andnimo seria entée o reconhecimento implicito dos ‘itos calastréficos de sua pratica doxografica. O De M.X.G. nviaria assim, em sua estrutura de conjunto, a aporia cons- itiva da repetic¢ao, Melisso, Xendfanes e Gorgias repetem Fnénides, o doxdgrafo andnimo repete Melissa, Xendfanes Gorgias. E preciso acrescentar, para que a cadeia analégica ja completa, que o editor-intérprete, nds, na ocasiao, repete a repeti¢do anénima, e que, enfim, 0 leitor, vocés, portanto, uc repetir essa Ultima repeti¢ao, sem que a cadeia, lugar fentatorio da fidelidade, possa jamais produzir outra coisa é no seja uma série de infidelidades. -chaye para a qual A repeti¢ao mais evidente, repetigs jaliza o conjunto do tratado, é a que Gorgias, assim anun- jado por Melisso e Xendfanes, propée de Parménides: parece cessdrio estuda-la primeiramente, para toma-la como pa- cligma nessa cadeia analégica e precisar enfim a identidade ido Andénimo coma do discurso doxografico, BANDARA CASSIN SE PARMENIDES 51 irménides de Gorgias 1. Um discurso espelho O titulo conservado por Sexto Empirico para 0 Tra- lo" de Gérgias é provocador: Sobre a natureza ou sobre o -ente. Eo titulo mesmo dado aos escritos de quase todos filésofos pré-socraticos, dentre os quais Melisso e Xend- 8, que compuseram um tratado Sobre a natureza. Mas é b¢m sua exata inversdo j4 que todos os fisicos, e dentre jos Parménides, designam por “natureza”, como o sublinha {stdleles, o que cresce e vem assim a presenga: o ente. O jscurso de Gérgias se apresenta, portanto. ele proprio como discurso que se opée aos discursos anteriores, como um tilogo. Critico ou interpretativo, ele se encarrega de des- lar o verdadeiro objeto do discurso dos outros: falar sobre Natureza nao é, como eles creem, falar do ente, mas, antes, tar do nao-ente. Ao mesmo tempo, ele se propGe, por sua z, esse Novo objeto como tema explicito e se distingue assim mo pratica demolidora, catastréfica. Se “tratado” designa o conjunto do Sobre Melissv, Xendfanes e Gorgias (De M.X.G,,nés convencionaremos que Tiatado, com maidscula com italico, remete a isso que é conhecido como 0 Tratado do nao-ser de Gorgias. ss Essa sugestao macica (que o Tratado de Gorgias se possa entender apenas como discurso segundo, fazendo referéncia aum discurso primeiro que é 0 Poema de Parménides) ainda deve ser confirmada ¢ articulada. Para fazé-lo, o unico método € se engajar na via aberta pela hipdtese e propor, simultanea- mente, uma leitura tanto do contratexto de Gorgias quanto do texto de Parménides, leitura do texto tal como o contratexto deve té-la praticado para se escrever como ele se escreveu. O Tratado seria assim a imagem no espelho do’ Poema, e essa imagem suficientemente consultada revelaria ao mesmo tempo as dissimetrias, as irregularidades, as singularidades do original, imperceptiveis ao olhar sem mediagao, e as leis Gticas do proprio espelho, espelho feiticeiro que éa sofistica. “Nada, diz ele, é alids, se ¢, € incognoscivel.” As duas primeiras teses do Tratado se opdem diretamente ao Par- ménides escolar, o qual todo mundo, de Platao até nossos dias, teve que reter: primeiramente que ha o ser jé que “o ser €e 0 nao-ser no é”; em seguida, que esse ser é por esséncia cognoscivel j que “ser ¢ pensar sao uma sé e mesma coisa’? através disso, a filosofia, e mais particularmente essa filosofia primeira que se nomeou metafisica, pode se engajar muito naturalmente em seu caminho: conhecer 0 ser enquanto ser. Quanto terceira tese, “se é e se € incognoscivel, nao é mostravel a outrem”, ela nio parece, da mesma maneira, em contradigao com Parménides. Ela se opde, em um sentido, a revela¢ao pela deusa; mas ela se situa sobretudo em um outro nivel, ndo literal mas “pragmatico’, remetendo, do ponto de vista do Andnimo, a situagao efetiva da transmissao, e em particular 4 constitui¢io de uma escola eledtica na qual Xe- nofanes ¢ Melisso, assim como Zeno, longe de ter recebido Parménides de Parménides, teriam transformado, cada um deles, a palavra do mestre ao ponto de se constituirem mesmo ” Cf.28B2,3e5DK;28B3DK(t.1, p. 231); ver infra, p. 74-77, ad FILé precursores de Gorgias ~ e esté ai, com efeito, a intuigaéo nizaciora do tratado em seu conjunto.® ‘Vodavia, a formulagao literal ¢ a demonstra¢ao precisa ‘dias primeiras teses obrigam a tecolocar em questao 0 ides escolar: seria alias espantoso que Parménides, a a de 50 anos de distancia, fosse jé integralmente vulgari- ¢ platonizado por um outro pré-socratico. Encontramo- Agajados também em uma leitura original da origem, tal 6 o Parménides de Gérgias nos faz efetivamente pensar Harménides. 2. O movimento tautoldgico A deusa nomeia, para quem as portas foram abertas, os s inicos caminhos que se oferecem a pesquisa: “Um: que ée que nao € possivel nao ser, © outro: que nio é e que é preciso nao ser. (O enunciado da primeira tese de Gérgias, na retomada introduz a sua demonstrago, é literalmente idéntico ao ame lo segundo caminho: “nao é””! Nao se deve acreditar, sor isso, que Gorgias, desobedecendo deliberadamente a letisa cao pai Parménides, ja se engaja de saida no caminho lnterdito, impraticavel e que nao vai dar em nada; nao ha nada qui de uma contestagao tio imediata, primaria e, sobretudo, egligencidvel ja que ela dé do sofista a imagem bem conhecida de im fedelho insolente pronto para dar uma de malandro. contrario, “nao é” se apresenta explicitamente como uma sonsequeéncia ¢ o resultado de uma dupla demonstragao. Ora, ‘gsnas duas demonstragdes constituem em si mesmas uma © Ver supra, p. 38-47. 4 G.,2., 1: hoti men ouk estin, “que nao é”, retoma 28 B 2,5 DK: hed’ hés ‘0 outro: que nao €*. (N.T.: E preciso ter em mente que “que’ ocompletiva ouk estin: aqui deve ser entendido comoa conjungao de subordina i " que?,em francés ~¢ no. pronome relative “que” —“qui”, em frances.) BARDARA CASSIN SE PARNENIDES 55 interpretagdo do caminho do “é” tal como ele é tragado no Poema e marcam suas etepas. E, de inicio, a diferenca entre as duas demonstragdes propostas que é significativa. A primeira, a que € propria a Gorgias, incide sobre o verbo como tal: ela proya que “nao é” porque nem “ser” nem “nao ser” se sustentam em posi¢éo de verbo, porque nao ha verbo para ser. A segunda, demons- tra¢ao referencial que opera combinando as teses dos outros cleatas, incide sobre o sujeito: ela prova que “nao é” porque nenhum predicado sendo conveniente ao sujeito também nao ha sujeito para ser. B, portanto, por duas vezes que é preciso concluir “nao é”: porque nao é verdade que haja ser, e por- que nao é verdade que haja um ente para ser. A duplicacao produz uma estrutura de recuo, alids caracteristica, ao longo de todo o tratado, da maneira de Gorgias: nao ha verbo, e mesmo que houvesse um verbo, esse verbo nao teria sujeito, Assim se interpreta — com suas duas negacées, como um re- forco, incidindo uma sobre o verbo e a outra sobre © sujeito ~ 0 enunciado inaugural dessa primeira tese, impossivel em virtude das regras gramaticais da dupla negacao de traduzir por “nada nao é”, e que poderiamos traduzir por um “nao é (absolutamente) nada”. Sea hipétese texto contra texto é exata, esse encarecimen- to demonstrativo supéc por si mesmo uma certa compreensao do Poema: a ser lido em dois tempos ou trés movimentos, tais que, da posi¢do inaugural do verbo “é” advém, por meio de uma predicagao efetiva, a posi¢ao segunda do sujeito “o ente”. De resto, 0 amtincio feito pelo Anénimo da demons- tra¢do propria a Gorgias para a primeira tese é também ela reveladora de uma leitura do mesmo tipo. Ela se sustenta em uma frase: “nao é (possivel) nem ser nem nao ser”. O * GL, 1: ouk ginal... ouden. 2G. Fn 198. se FiLe ntese esté af para servir de alibi, isto é, conferira frase alhures, uma ubiquidade, 0 equivoco caracteristico do jlo grego. Pois o grego quer dizer ao mesmo tempo: “nem nem no ser so”, “nao é possivel nem ser nem nao set”, ao é nem ser nem nao ser”. E a propria demonstragao va que nenhum desses sentidos deve ser excluido, mas e, av contrario, eles decorrem um do outro de maneira ada: se 08 dois verbos “ser” € “nao ser” nao sao, eles nado dem nem um nem 0 outro servir efetivamente de verbo portanto, “nao é possivel nem ser nem nfo ser”; nesse ao, qualquer que seja 0 sujeito que se queira supor, nem 7 nem nao ser serdo seus predicados, de tal mado que “nao ser nem nao ser”. Esse enunciado wunico leva a explorara pretensa tautolo- a parmenidica, “o ser &”, para ler ai nao a fixidez da identi- lade estéril de um “é” imposto para sempre, anti-heraclitismo earicatural, mas 0 automovimento de algum modo mais he- geliano de uma identidade viva que se desenyolve na lingua e produz sua légica como sintaxe predicativa. Resta experimentar diretamente essa leitura-espelho, fua possibilidade e seu interesse, no contato com o texto do Poema. «pr 3. Etapas sobre o caminho do “é’ A literalidade do resumo sofistico dessa primeira de- monstracdo toma como modelo duas passagens precisas do Poema: a explicitacao do primeiro caminho, no fragmento 2, e sua retomada no fragmento 6. “Nao é (possivel) nem ser nem nao ser” decalea: “nao é (possivel) nao ser”, e, salvo pela negacao: “pois é ser”.** Mas, desde que nos fiemos as tradu- goes usuais que um leitor em francés tem razoavelmente em 4 Seja: ouk estin einai mé einaf (G,,2., 148), oukestimé einai (Parménides, 28 B 2,3 DK) eesti gar einai (Parménides, 28 B 6, | DK), BARBARA CASSIN SE PARMENIDES imaos,*° ¢ impossivel interpretar Parménides como 0 contra- texto de Gorgias o sugere, e a ideia de um desdobramento Progressivo da sintaxe é absolutamente inconcebivel, Uma traducao difundida nas livrarias traduz assim as palavras da deusa nomeando as “duas vias”: “A primeira diz que o Ser é € que nao € possivel que nao seja... A outra é: 0 Ser nao é e necessariamente o Nao-Ser é”.5 “O Ser’, infinitivo substantivado e mesmo modificado Por uma maitiscula, nome préprio, portanto, é, de saida, sujei- to do verbo “é” ou do verbo “nao é”, assim como “o Nao-Ser”, E inimagindvel, a Partir dai, que a aparigdo do sujeito possa constituir uma etapa distinta da posigao do verbo, As outras traduges francesas,” mais atentas ou mais literais, tem em comum o fato de traduzir as palavras do caminho por impessoais: “€”, “nao é”, a ser entendido como um “Hé ser”, “Nao hd ser”. Mas esse sujeito aparente™* ja é sem * Barbara Cassin faz referéncia, nas passagens a seguir, As tradugdes do Poema de Parmenides que existiam na Franca ne momento em que escreve Si Parménide, Para que o leitor brasileiro nao leitor em francés Possa minimamente acompanhar a discussio teremos que “traduzir a tradugdo” desses tradutores, mesmo que com perdas umpossiveis de serem evitadas, (N.T}) Jean Voilquin, Les Penseurs grecs avant Socrate, Paris, 1964, p. 94. Essa tradugao se antoriza de uma parte da tradigdo alensa que subentende, ao menos quanto go sentido, um sujeite (dass das Seiende ist, “que o ente é": Diels, Zeller-Nestle, Reinhardt; das Sein ist, “o ser 6": Deichgraber; ou ainda dass (etwas) ist, “que (algo) é”: Hélscher) “Uma afirma: ¢ € ¢ impossivel que nao seja... A outra afirtna: nic ¢e¢ necessdrio que ndo seja” (Yves Battistini, Trois Présocra iques, Paris, 1968, p, 112); “o primeizo dos caminhos mostra que é sem que nenhum interdito possa incidir sobre ser... Quanto ao outro, a saber, que nao ée mesmo que devidamenie reina sobre o ser o interdito” (Jean Beaufret, Dialogue avec Heidegger, Paris, 1973, . I, p. 58); “uma que: é,e nao ser € impossivel... A outra que: nao é, e no ser & necessdrio” (Clemence Ramnoux, Parménide et ses successeurs immédiats, Paris, 1979, p. 110). © Barbara Cassin se refere aqui 20 fato de que em francés nao ¢ possivel haver verbos sem sujeito. Por isso, no caso de “é”, em francés nao se 58 FIL tivida demais, ele antecipa o lugar de um sujeito, lugar que rd aberto somente na sequéncia, e faz o ser de algum modo ji se redlobrar em uma apresentagao de si mesmo, Retomemos, antes, 0 texto grego desses versos para afialisii-lo de modo escolar a fim de justificar nossas tradugSes anteriores, e de modo que aquele que nao sabe grego possa, #6 entanto, ai se localizar: 12,3: Hew) artigo definido, © grapo retoma, nominativo feminino para desenvolvé-lo, singular: “a” © feminino hodos (866), “estrada”, “caminho”, “via” do tien (ey) particula adversativ: “por um lado” verso precedente: “ama (das vias)” hopis (raw) conjuncao de subordinagac, completiva de um verbo significando “dizer”, em elipse: “que” estin Gat) terceira pessoa do singular do indicativo presente do verbo “ser”: “€” Ww (te) grupo formando uma estreita conjungao de coordenayio, hati (Kant) aprimeira incidindo scbreo primeiromembroeasegunda, sobre o segundo: “e... e”, “e (também)” has (coe) conjuncio desubordinaggo, completiva como 6mw¢ “que” ouk (ob) advérbio denegacao, modificando o verbo que segue: “nao” vsié Gor) terceira pessoa do singular do indicativo presente do verbo “ser”: “é"; colocada como aqui, no inicio da proposigio e seguido de um infinitivo, acontece, e& mesmo de regra, que esti signifique: “é possivel pode dizer simplesmente “est”, diz-se “II est”. B a este “il” que ela se refere quando fala de um “sujeito aparente” que jéé sem duivida demais precisamente porque em grego o verbo “estin’ aparece sem sujeito no texto de Parmenides. (N.T.) e 59 BARBARA CASSIN SE PARNENIDES. mé (uh) advérbio de negagio, modificando 0 verbo quesegue e conotando, diferentementede ouk, umamodalidade:“ndo” einai (elvay) infinitivo presente do verbo set: “ses” pode ser tanto completivo de ouk esti, que ganhaentio seu sentido de: “nav é possivel”, quanto sujeito deouk esti, que significaria, nesse caso, simplesmente “nao é” “Uma: que € e que nao é (possivel) nao ser.” B2,5 he (i) artigo definido nominative feminino singular: “a” poues (das vias)” de (88) particula adversativa simétrica de men: “por outro lado” hés (¢) “que” ouk (ovr) “nao” estin (Sot) “e fe (ve) “e kai (xa) (também)” hés (de) “que” Khreon nomiinativo singular (xpedy) do substantivo neutro to khreén, “o que é preciso, o necessério”; forma com “Deal esti, “é”, uma locucao neces’ impessoal esti Gor) “e ma (,1)) “nao” - einai (elvat) infinitivo completivo de kiredn esti. “é precisa”:“ser” “A outra: que nao é e que é preciso nao ser,” 60 ru Se a literatura nao implica a fidelidade, é no entanto vivel que uma certa auséncia de literalidade faga obstacule toila fidelidade - nao essa auséncia de literalidade escolhi- a; que tem valor de interpretagao e questiona o leitor, mas uel que encobre por inadverteéncia ou por facilidade, e de aieira definitiva, a singularidade regrada da expressio. Na ‘acuao de Voilquin, a posigao do substantivo “o Ser”, como jelto de “6” e de “nao é”, ea do substantivo “o Nao-Ser” sao jistificaveis, nem literais e ainda menos ficis. Pois ha dois minhos, um que “é”, o outro que “nao é”, tal é o engaja- nento solene da deusa, ponto de partida do Poema: ouve-se le Inicio e somente o verbo sem nenhuma substantivagao, phuma nominalizagao de nenhum tipo, em toda a sua forca verbo conjugado. Depois a afirmagao se explicita e se sustenta com uma dupla negacdo ou impossibilidade do contrario: “é”, isto 6, “pio € nao ser”.” O verbo se duplica ai, adquirindo através sisso uma forca modal (“nao é possfvel nao ser”), e torna-se, sb a forma infinitiva, para si mesmo seu préprio sujeito. A férmula de Gorgias, “nao é nem ser nem nao ser”, eonvida a ler da mesma maneira 0 inicio do fragmento 6, 10 qual o infinitivo “ser” é, segundo a mesma estrutura mas fem negacao dessa vez, sujeito do indicativo “é”: “pois é ser”; a alirmagao sai, por sua vez, reforgada por essa duplicagio: "é ser”, “é ser que ”. Em conformidade cam 0 esquema légico legivel no iratado, esse redobramento, essa duplicacao do indicativo em infinitivo parece marcar no Poerna uma segunda etapa sobre o caminho do “é”. Para apreendé-la com precisao, é preciso rastejar de novo sobre a frase, lentamente, e analisar bem de perto 0 inicio desse fragmento: sre o destino dado por Gorgias a esta dupla negacho, ver infra, p. 71-74. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 61 B61 Ale (xp) verbo impessoal, constréi-se com o infinitive: “6 preciso”, “é necessdrio que” to (xa) artigo definido, nominativo-vocativo-acusativo neutro singular: “o”; tem na lingua arcaica um sentido forte, muito préximo do demonstrativo: “este”, “isto” legein (Aye) _infinitivo presente ativo de Jago, “eu digo”: “dizer” te (te) conjungao de coordenagéo incidindo sobre o que precede; ela est’ ligada ao segundo f’e serve, com ele, para coordenar os dois infinitivos legein, “dizer”, e e noein, “pensar”: novin (vosix) infinitivo presente ativo de ed, “cu penso”: “pensar” P(r) conjungio de coordenagao incidindo sobre o que precede, ligada ao primciro te, “e”: “e” eon (Sy) primeira ocorréncia, em sua forma positiva, do nominativo-vocativo-acusativo neutro singular do participio presente do verbo ser: “ente” emmenai forma épica do infinitivo presente do verbo ser: “ser” Eupevan) Eoartigo to, “o”, “este”, “isto”, que é 0 ponto dificil. Ele serve, segundo as andlises, principalmente para substantivar © grupo dos dois primeiros infinitivos: “é preciso que o fato de dizer e de pensar seja ente” (Karsten, Diels em seu Parme- nides, Verdenius), ou ainda: “que o fato de dizer e de pensar © ente seja” (Frinkel, Untersteiner); ou entéo para anunciar a proposicao infinitive final: “é preciso dizer e pensar isto: que o ente é” (Diels posteriormente, Calogero, Hélscher). Heidegger, observando que a auséricia do artigo diante de eon, “ente”, aumenta ainda mais a estranheza, escolhe sem © Quiappelle-t-on penser?, wweduction A, Becker et G. Granel. Paris, 1967, p. 198 (Wass heisst Denier ?, 3. 6¢. Tubingen, 1971, p. 130). 62 FLO vida essa Ultima andlise para articular a fala de Parméni- a de maneira quase paratatica; “Necessario: assim o dizer, fia lmcnte © pensamento: ente: ser”,*! ¢ meditar até o fundo teu sentido: “FE, de uso: o deixar ser posto-diante, (0) tomar iiidado também: o ente sendo”.@ Mas a leitura proposta por rgias ndo se move nesse horizonte; mesmo que deixando J reserva a questio de saber se ele nao leva em conta, A sua ancira, algo como a diferenca ontoldégica, ¢ certo, em todo As, que sua escuta e sua contrafacao do Poema se fundam an aberturas surpreendentes do jogo sintatico, muito mais lo que no abismo do sentido. Jean Bollack e Heinz Wismann propuseram recente- jente uma outra andlise da frase em questao, a unica que arece integralmente atenta a singularidade especificamente sintatica do enunciado: dar ao artigo seu sentido pleno de demonstrativo e construi-lo como sujeito proléptico da pro- posicao infinitiva con emmenai; o participio é, entao, atributo ilo sujeito: “é preciso dizer e pensar que isto € ente”.* Seguin- io essa andlise, é nesse ponto do poema, apds, portanto, o enunciado ‘out court do yerbo “é”, que a predicagao “¢ ente” se constitui explicitamente, enquanto o lugar do sujeito se encontra designado pelo déitico. Como dar conta dessa segunda etapa? A sequénci do verso se apresenta como sua explicagao: a predicagio “é ente”, isto , a aparigdo do participio positivo em posigéo de atributo, resulta jd de uma duplicacgao, anteriormente * Ihidem, p. 172 (p. 111). © Ibidem, p. 206 (p. 136). © [sta andlise foi proposta em Lille ne ocasiéo de um seminario de 3° ciclo consagrado aos fragmentos de Parménides em 1971/1972. Seas andlises do “Parménides de Gorgias” ¢ desse Parménides nao coincidem em todos os pontos, é notdvel que em duas abordagens tao diferentes se imponha uma mesma estrutura de conjunto para o Poema. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 63 observada: a do primeiro indicativo, “¢”, pelo infinitivo “ser” em posicao de sujeito: esti (Eo) terceira pessoa do singular do indicativo presente do verbo ser: “€ gar (yap) particula de sentido causal: “pois” einai (elvat) infinitivo presente do verbo ser*: “ser” “Pois é ser” quer dizer: porque 0 verbo do caminho “é” nao tem outro sujeito possivel que nao seja ele mesmo, ele se desdobra, ele se segrega a si mesmo como sujeito, “o que é, é ser”. Quanto ao verbo do outro caminho, “nao é”, ele nao tem nenhuma possibilidade de desdobramento, ele nao pode se dar nenhum sujeito, ele (nao) tem nada (méden) como su- jeito: “pois (é) ser (que) é, e nada (que) nao 6”, Trata-se entio do autodesdobramento do primeiro “é”; de inicio, palavra Unica, como verbo se conjugando, e depois, para respeitar 0 encadeamento indicado pela coordenagao, infinitivo sujeito de si mesmo, ¢ imediatamente participio atributo designando o lugar do sujeito. E entao, ¢ somente entao, que se pode constituir em um terceiro momento © sujeito para sempre definitivo do primeiro “é”: “o ente”, to eon; a sequéncia - artigo, marca da fungao sujeito e participio, dizendo o predicado essencial - s6 aparece no meio do fragmento 8, 2: o sujeito da proposigao 5 Também aqui, as traducbes propostas sio muito diversas (“puisquilest VEtre” [ja que ha o Ser"), Voilquin; “car il peut étre” ["pois ele pode ser”], Battistinis “Tl est en vérité atre” [“Ha em verdade ser”], Beaufret; “carde Pétre, oui, ily en a” [pois 0 ser, sim, ha”), Ramnoux), remetendo auma anélise ea um horizonte diferentes. A que nés propomes faz de einai, “ser”, nao um atributo mas o sujeito de esti, “é": « auséncia de artigo, que interdita ler af um equivalente de fo eon, “o ente” (Karsten, Diels, Calogero, Frankel, Verdenius, Taran), modela a frase com o mol- de negativo: ouk esti mé einai, “nao € ndo ser” (B 2,3), como o sugere justemente Gérgias. 64 rus identidade “o ente é ente” éa fase tiltima do “é” e se segue predicagao. A etapa da predicagao é ela propria complexa. Para que aujcito ganhe sua plenitude de sujeito, é preciso produzir gentido de seu predicado préprio: “ente”. Essa explicitacao el”, “tinico”, “imével”) por meio de “signos”, isto é, atra- 4 de raciocinios mostrando a cada vez a impossibilidade predicado contrario. E com a interdigao da ilimitagao, Jas palavras mesmas que descrevem Ulisses preso a seu astro para passar além das sereias, mantido “pela Ne- sidade potente nas liames do limite”, que se encontra lizada a identidade de: “o ente”. Essa identidade é enfim equadamente representada pela esfera, totalidade fechada jiteyralmente definida por um desdobramento centrifugo Tendo partido da demonstracao propria a Gorgias para A primeira tese, eis-nos aqui conduzidos pelo Poema a se- wunda demonstragao, a que procede da impossibilidade da tibuigdo a inexisténcia do sujeito. Gorgias, como Parmé- ides, demonstra a impossibilidade da série de predicados engendrado”, “miltiplo”, “mdvel”; mas ele utiliza, além dis- 0, as teses da escola eledtica para demonstrar igualmente a lmpossibilidade da série contraria, “ingénito” e “um”. O _fijjeito, cujo lugar é marcado por um “algo”, um “isto” (ti), na potética “se algo é”, correspondendo ao artigo isolado do ema (to), ndo pode entao, na falta de qualquer predicado, isténcia, amenor identidade, e no lugar deixar dizer como “o ente”, ao contrario, se nadifica: ja “nao é nada”, é que “nada é”. = HH, 30s. DK; cf. Odisseia, 12, 160s. 8 BARDARA CASSIN SE PARMENIDES: 65 Uma primeira certeza é assim adquirida: 0 Poerna de Parménides se deixa tranquilamente ler através do Tratado de Gérgias, como caminho do “é ” se desdobrando em pre- dicados para se realizar como sujeito, assim como, de modo especular, Gorgias produz o “nao é” a partir da impossibi- lidade de sustentar 0 “é” primeiro como verbo, depois, pela falta de predicagao, como sujeito, Essa leitura se sustenta, ao menos, por uma andlise rigorosa, muitas vezes muito mais rigorosa que aquelas em curso, das singularidades do texto parmenidico. 4. Se Parménides, entao Gorgias Mas 0 Tratado nao é simplesmente o antilogo do Poema: cle se apresenta também como sua consequéncia, Se acreditamos em Gorgias, é 0 Poema ele mesmo que produz necessariamente sua propria inyersao, ou ainda: Gérgias so contradiz Parménides por fidelidade. As duas demonstracées da primeira tese sio a ilustragio disso, cada uma a sua maneira. Quanto a demonstracao refe- rencial, isso ¢ imediatamente evidente. Pois ela, para provar a impossibilidade do sujeito, s6 se refere aos fi¢is de Parmé- nides, aos seus companheiros, a seus filhos: “que nao é nem um nem coisas multiplas, nem ingénito nem engendrado”, Gorgias, com efeito, o mostra “em parte seguindo Melisso ¢ em parte seguindo Zenao”” e produz, através disso, com seus enunciados em nem... nem, “nem ingénito nem engendrado”, “nem uno nem miultiplo”, a forma aberrante caracteristica dos enunciados xenofanianos sobre 0 deus.* Gérgias, alias, nao opde Melisso a Zendo, como se um demonstrasse a impos- sibilidade de um predicado e 0 outro a impossibilidade do predicado contrario, mas ele os utiliza, os dois, para provar © Gy 2, 14-18, & X., 5. B6. supra, p. 44. 66 FILO «a mesma impossibilidade; mais precisamente, sAo as he- fodoxias maiores, ou o aporte proprio, como preferimos, cada discipulo & teoria do mestre que ele articula para yoduzir conclusdes antiparmenidicas: ele se serve da ilimi- «ilo do algo melissiano, por oposicao a limitagao da esfera, da divisibilidade do lugar ou do um em Zendo, por sua Iferenga com o um-todo de Parménides. Nos dois casos, 4 filhos que buscavam salvar “o ente” dos riscos que uma presentagao espacial Ihe faz correr s6 teriam trabalhado para melhor nadifica-lo. A demonstragao referencial reproduz assim, numa es- “fala menor, a estrutura de conjunto do tratado, que organiza, ‘yla Melisso e Xenofanes, a transformagao do ente parmenidico 1m “nada” sofistico.” Gérgias, por sua vez, apds Melisso, Yenio e Xendfanes, nao faz sendo cumprir sua filiagdo, ¢ jmanifesta claramente, através dessa nadificacao explicita, seu periencimento a Escola. Ao mesmo tempo, encontra-se de facto provada sua terceira tese, “alias, se ée se € cognoscivel, fio ¢ mostravel aos outros”: ” toda transmissao ¢ impossivel, ji que a pura repeti¢ao de um absolutamente idéntico é ela jesma impossivel. Toda tentativa desse género, toda palavra excolar, portant, é essencialmente perversa, pervertendo e invertendo a origem. A primeira demonstragao 0 faz ouvir ndo mais do exte- rior, do ponto de vista do eleatismo, mas do interior, a partir do proprio Poema. Ela torna manifesta tanto a necessidade de sustentar a tese parmenidica proposta por Gorgias, quanto sua efetividade destrutiva. A deusa revelava duas vias, uma que “é”, a outra que “nao é”, e ordenava solenemente nunca se engajar na segun- dla. Sé que é preciso, para Ihe ohedecer, poder distingui-las, © Ver supra, p. 38-47, " Gy Ly 24 5 10.e 11 HARBARA CASSIN SF PARMENIDES 67 identificd-las,” na falta do que, 0 risco é grande de tomar uma pela outra e, por ter criado assim o impasse, de se por em marcha no caminho que nao é um. Gorgias, portanto, se dedica a identificar 0 “nao é” para reconhecé-lo por meio de uma marca segura e diferencid-lo do “é”. E importante que 0 “nao €” seja de fato um “nao é”. O ponto de partida minimo de um engajamento filoséfico sagaz ou critico no sentido préprio é portanto a proposigao de identidade: “o nao ser é nao ser”.” E preciso observar de novo que Gérgias nao se aventura assim de modo algum no caminho interdito uma vez que ele nao afirma que o “nao é” é, mas pretende apenas nao se deixar implicar nele. Ora, o que se segue dessa simples proposicao, exigéncia e requisito insuperaveis no entanto, é definitivamente perturbador. Pois tudo se passa como se, tio logo identificado, o verbo, qualquer que ele seja, desdobrasse sua esfera de identidade no interior do discurso e, por essa aplicacao predicativa dele mesmo a si mesmo, nao pudesse nao se produzir como sujeito. Desde que é detonado, nada pode parar o processo da identidade: ele se desenrola de maneira implacével conforme a descricao mesma que Parménices — o Parménides de Gorgias — fornece dele, de tal modo que 0 verbo “nao é”, assim como o “é” do Poema, advém como sujeito: o “naéo-ente”, assim como “o ente”. Mas se produz entao o contrario do que era visado: o nao-ente, que é nao ente, portanto, assim como o ente é ente, “é”, assim, da mesma maneira que o ente, £, desde entéo, impossivel, sim- plesmente ao se enunciar verbo “é”, saber se seu sujeito, o que é — as coisas que séo ~ “é” como “é” 0 néo-ente ou como “é” o ente, se ele € antes ndo-ente que ente: impossivel, portanto, 7 “Aqueles que insistem na diference entre o ser e 0 nada fariam bem em nos dizer em que ela consiste”, Hegel, Science de fa logique, trad. S. Jankélévitch, t. I, p. 84 (Theorie Werkausgabe, Francfort, 1969, ¥. 5, t. 1, p. 95) [somos nés que sublinhamos. ” G31 68 saber se o caminho sobre o qual nos encontramos engajados ¢ eletivamente aquele do “é” ou aquele do “nao é”. Assim, € 6 movimento mesmo de diferenciagdo entre “néio &” e “é”, 0 dizer da identidade do “nao é”, que produz a indistingao, e identificacdo joga nos dois sentidos, nao chegando a discernir endo para melhor confundir. Gorgias até aqui é sempre obediente, talvez excessiva- jnente, A deusa ea Parménides: ele nao infringe de modo al- gum o imperativo do primeiro caminho, “que ndo é (possivel) iho ser”, caracteristico do “é”, j4 que ele busca simplesmen- te distingui-lo do “nao ser”. Mas esse zelo pela origem nao conduz senao a impedir 0 seu funcionamento. Nao resta ao fofista sendo uma ultima possibilidade de servi-la ainda: lhe desobedecer, tentar trabalhar para cla apesar dela. F entao que Gorgias tem que se engajar sobre a via interdita: “se o nao ser é”. “Nao é” torna-se a palavra do caminho, 0 unico verbo possivel, ¢ é necessdrio dizer que “é” ele-mesmo “nao é”. Mas se “é” nao é, também nao pode haver §ujeito, ente, para ser, ¢ portanto “nada é”. Se, para que “é” 4eja, nds 0 supomos, em desespero de causa, idéntico a “néo é’, todo sujeito de um é indiferentemente sujeito do outro, e 0 sujeito de “é”, o ente, éao mesino tempo sujeito de “nao é”, confundido com o nao-ente: o sujeito de “é” nao é um sujeito, “ele nfo é nada” e de novo “nada é”. Assim, a indiscernibilida- de entre “é” e “nao é” ndo faz ganhar nada sobre o caminho do “ndo é”. Mas para se engajar no caminho do “é”, 4 onde a auséncia de diferenciagdo parece ser inoperante, é preciso poder, inicialmente, reconhecer o bom caminho, portanto, diferencia-lo do “nao é”; e partir de novo para uma nova volta: “se o ndo ser é um nao ser”. Desobedecer nao basta, nao muda mesmo nada. £ im- possivel sustentar uma identidade distinta para “é” e “nao €”, 1 Ba BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 69 e é nesse sentido que “nem ser nem nao ser nao sao”. Com efeito, toda identificagao do “nao é”, necesséria para distin- guir o “é”, abole a diferenga entre os verbos como entre os sujeitos. Desde que se tente garantir a distingdo das duas vias, elas se confundem. Gorgias demonstra, portanto, que o “é” da origem e seu desdobramento em esfera da identidade sé se efetuam a partir de um equivoco insuperdvel entre “é” e “nao é”. A origem sé é origem porque ela se excetua da exigéncia de identidade que ela constrdi, e que nao cessa de se deduzir dela, como regra universal de todo discurso posterior, como principio de identidade, O primeiro efeito do Tratado é, as- sim, lornar manifesta a originalidade da origem: violacao da lei que ela produz, e sé produz, por meio dessa violacéo mesma, “Se Parménides, entio Gérgias” significa que, ao tomar ao pé da letra 0 imperativo do Poema, ao aplicar Parménides a Parménides, ¢ o Tratado que se escreve: pois © Tratado nao faz senao repetir 0 Poema, mas de maneira tal que a exigéncia de identidade, o principio universal, seja nele efetivamente respeitada. O Trutado € a escrita da falta constitutiva da origem, o que quer dizer que o Poema nao é, por sua vez, seno a falha do Tratado, falha equivoca ja que cla repousa em uma distin¢ao nao sustentavel, insustentavel, entre “é” e “nao &”. O discurso sofistico, que sustenta esse insustentavel, produz assim a origem como “sofisma”, no sentido mais banal do termo: como dissimulacao e explorasao de um equivoco, analogo aquele pelo qual v doxdgrafo recriminarA Gorgias. O Tratado, que s6 pode se escrever apés a origem e para estabelecé-la, aparece no entanto como fundamento, requi- sito, condigao de possibilidade, origem dessa origem, como arquiorigem, fundo sobre o qual a origem se destaca como golpe sofistico necessario a essa sequéncia que é a ontologia * Ver Gs d.,2 infra, p. 89. 70 FILe aim, invertem-se os papéis, um se apresentando come ori- 1 lo outro, e apresentando o outro como sofisma. 5. O lugar da ontologia O parentesco entre Tratado e Poema é ainda mais pro- do: ambos sustentam uma mesma relacéo com o dizer. lem um nem 0 outro se seryem da linguagem como meio ra descrever um objeto exterior ou preexistente, mas so, os is, prestagdes, efetuagdes cuja consisténcia diz respeito ao foprio dizer, sao, em sentido proprio, “poemas”. O Poema de farménides, é essaa sua falha original, nao identifica as duas jas ¢ nado demonstra a diferenga entre elas, mas designa-a, jostra-a, como o produto da esfera do ser, simplesmente pelo faio de nomed-las, dizendo-as, deixando-as se dizer. O Trata- ilo, da mesma forma e em sentido inverso, produz a aporia da identificagdo simplesmente pelo fato de deixar a identidade ae dizer; como o “é”, o “nao ser é nao ser” obedece as suas proprias leis e produz seus proprios efeitos. Parménides e Gorgias sdo assim dois nomes possiveis para a autonomia do dizer. Tanto um como 0 outro nao se resumem, sé podemos dizé-los de cor ou redizé-los palavra por palavra, e, como escreve no fim das contas o Anénimo: “Fis ai seu proprio discurso”’> ~ entendamo-lo bem: se a origem é um sofisma, é que todo sofisma é um poema. Para além desse parentesco, a diferenga entre os dois dizeres, palavra do Poerna e discurso do sofista, encontra- se, todavia, fixada pelo proprio Tratado. Ele apresenta, com eleito,o Poema ea ontologia inteira come um caso particular, uma possibilidade entre outras possibilidades por ele abertas. A aporia constitutiva da origem, desdobrada no Tratado, mostra que o “é” do Poera é um simples efeito do dizer: re- pousando em uma identificagio impossivel, 0 “é” nao pode ser G3, 16. BARBARA CASSIT SE PARMENIDES 7 objeto de uma demonstracio, mas somente de uma afirmacao, ea seu poder dizer: o discurso ¢ todo potente em um mundo de uma pratic: tologicamente inexistente, ele ¢ ele mesmo todaa realidade waivel, Sobre o fundo do “nada”, a afirmag’o do “é” ganha fi sentido completamente outro: nao epifania originaria da #enenca, mas, antes, “menos que nada’, efeito evanescente de nica demonstra¢ao possivel, precisamente aquela que Gorgias tenta para Parménides, acaba em uma conclusao catastréfica cm “nao é”, ‘nfo é nada”, “nada é”: “nao €(possivel) nem ser nem nao ser”. Se “ontologia” nomeia o en- gajamento na via do “é”, forcosamente devemos levar a sérioa designaco inteira dessa via pelo proprio Parménides: “queée (no sentido de “isto é”, “ao mesmo tempo”) que nao é (possivel) nio ser”. O “6” aparentemente primeiro aparece ai como 0 equivalente, até mesmo 0 resultado, de uma negacio anterior € precisamente de uma negaco de negagio: “nao é nao ser”. Ora, tal € exatamente o lugar que lhe concede Gérgias. Nada, com efeito, autoriza recusar sua primeira tese “nada 6”; nada sendo uma decisao logicamente insustentavel que coloca sua mma simples consisténcia discursiva, Nao ha outro ser senéo ietivio, e “ser” quer dizer: ser “efeito de dizer”; ou ainda: dis- rar é a unica pratica ontolégica possivel. A partir dai, o Poerna de Parménides é primeiramente urso entre outros: toda a validade do seu “é” se prende imples enunciagdo ¢ a seu desdebramento discursive ein esfera de identidade. Pois, se “nada”, um discurso pro- dlutor de “2” é sustentavel tanto quanto, mas nao mais que negacao como nova premissa, relance do Tratado. O carater hipotético da segunda tese, “alias, se 6, é incognoscivel”, ma- nifesta que a afirmacao do “é” nao é nada além da negacao simplesmente posta dessa negacio original e rigorosa que é 0 “nao 6”. Também a sucessio das duas primeiras teses tem por primeiro efeito fazer ler a afirmacao ontolégica como negagao da negacio. O sentido do “é” se encontra, ao mesmo tempo, radi- calmente transformado. A demonstragao da segunda tese someya por uma retomada que sempre pareceu enigmiatica: se portanto nada (nao é), as demonstragies dizem tudo sem exceqao”.” Ela caracteriza, no entanto, até em sua esséncia, 0 discurso sofistico;na medida em que “nao é”, as demonstracdes podem tudo dizer j4 que nenhuma conformidade, de nenhum tipo, nenhuma correspondéncia, nenhuma adequagio é nem exigivel nem apenas possivel; a tunica lei ¢ aquela do proprio dis- curso em sua discursividade, sua demonstratividade proprias, * 28B 2, 3 DK; supra, p. 59s, 769,18, ~ 72 FLO jim discurso produtor de “nao €”, sobre o fundo do qual, de ovo, o discurso ontolégico se sustentaré ainda ou também. No entanto, e esta aia sua originalidade, uma vez pro- ferido, o discurso ontolégico nao é mais um discurso entre outros, ele pretende 20 contrario ser o inico possivel: ja que 0 ser 6 e que 0 nao-ser no é, a via do ser na qual ele se engaja € engaja é 2 unica praticavel, a excluséo de qualquer outra. Essa afirmagdo de exclusividade ¢ efetivamente impossivel de evitar pois é um fato de estrutura do proprio discurso: o Poema de Parménides, como vimos, desdobra com a esfera do “€” a diferenciacio verbo-predicados-sujeito que produza proposigao idéntica; ele produz, discorrendo a discursividade mesma do discurso, em que reside, sobre o fundo do “nada” ¢ na interpretagdo que a sofistica propée da ontologia, toda a consistancia e também toda a validade do “é”. A ontologia € assim, ao mesmo tempo, a partir da sofistica, um discurso entre outros, nem mais nem menos verdadeiro que um outro, ¢ um. discurso fundamental ja que ela fabrica o tinico “é" efetivamente possfvel, o “€” discursivo. Ora, na exata medida em que o “é” discursivo se tornou o unico “é” possivel, ele nao se distingue mais do “é” ontoldgico ¢ justifica sua pretensao tiranica. a BARBARA CASSIN SE PARMENIDES Seja, portanto, o Poema de Parménides e, com ele, a ontologia, O Tratado sofistico repete a ontologia para torna- la consistente consigo mesma e se apresenta, a posteriori, como sua arquiorigem. Essa arquiorigem é uma refutacdo da origem uma vez que ela sé produz um “nao é” no lugar do “é” esperado: a origem no serd entao senao a sua falha sofistica. A ontologia se encontra aqui deslocada: ela nao é mais que um discurso entre outros sobre o fundo desse “nao é” ante- rior, enquanto o “é” muda de sentido: nao mais subsisténcia do pensamento, mas consisténcia do dizer. Através disso, a ontologia recupera sua posigio de origem, designando o “é” como nica via possivel e ela mesma como discurso fundando o discurso, A repeticao sofistica, no fim das contas, produ- ziu apenas 0 hiato de um “como”: pois tudo ¢ simplesmente “como” antes. 6, Se Parménides, entao Gdrgias. Tudo, salvo Gérgias, diz Gorgias. Portanto, nao Parménides. Entao Gorgias. Com a segunda tese: “se é, é incognoscivel”, Gérgias desdobra as consequéncias da origem, mostrando que elas encontram um lugar-comum sofistico insustentavel, Assim, nao apenas a origem é essencialmente sofistica, mas a via que ela abre é ainda sofistica, ao ponto de a ontologia inteira ser sofisma. O segundo ponto de ancoragem nessa leitura que Gor- gias propoe de Parménides remete ao fragmento 3: to gar auto noein te kai einai. A anélise que parece a mais segura feita de to auto, “o mesmo”, 0 sujeito, e dos dois infinitivos, noein e einai, “pensar” e “ser”, os atributos: “pois o mesmo € tanto pensar quanto ser”. Alids, qualquer que seja a in- terpretagdo que se proponha do fragmento, a de Gorgias é * 28B3 DK (tI, p. 231). aA FILO H transcreve a forca dessa assergao de identidade por imperativo de substituabilidade: “é preciso que o que € saclo seja e que o nao-ente, se ao menos ele nao é, também seja pensado”.” A identidade assim entendida nao sinaliza, 10 na interpretagao que dela propoe Heidegger, para um ertencimento do ser e do pensar em um desvelamento jiluo originario e um comum ordenamento no seio da pre- ja se deixa, antes, representar como a igualdade de dois ea, E anjuntos, o do pensar ¢ o do ser, tais que todo elemento de tudo o que é pensado — seja ao mesmo tempo elemento GH outro — tudo o que é. De tal modo que o pensamento pode servir de critério # ser: basta que algo seja pensado para que isso seja. Se, por i vez, o dizer é um critério suficiente do pensar, basta que JK seja proferido para ser pensado, e portanto para ser Pasa scri de equivaléncias tem por consequéncia imediata 0 entre dizer e ser: tudo o que é dito, mesmo se é videntemente um erro, uma mentira ou uma ficcao postica, Fumo esses “carros que correm sobre o mar’, tudo o que é . O copertencimento parmenidico do ser edo pensar apresentado portanto como a origem e a garantia da tese wolistica bem conhecida: que nao pode haver falsidade;*' além disso, ela permite melhor fundar, “ontologizar”, essa tese conti dito sei esima: Nao € que o falso nao seja falso, mas, muito simples- Hente, que, falso ov nio, ele “é”. A questdo do falso nao se He, tampouco, alias, quanto a do verdadeiro, uma vez que 4s planos pensar/dizer por um lado, e ser, por outro lado, sao snfundidos, ja que a possibilidade de toda (injadequacao é através disso suprimida. G., 9., 2-5. Sobre esse sentido de “pensar” (phroneisthai), que se traduziu por “re- “Se Parménides, entéo Gorgias” deve ser entendido agora: ao se ler, como Gorgias, a tese ontoldgica da identidade entre ser € pensar, é, para retomar um termo de Novalis, a “logologia” sofistica ¢ nao a ontologia que se encontra efeti- vamente produzida. Essa leitura de Parménides, com a equi- valéncia entre pensar e dizer, s6 pode, ¢ claro, ter lugar sobre © fundo do “nada” demonstrado pela primeira tese, ou ainda, ela supoe ja algo como essa logologia. Mas ela apresenta ao mesmo tempo essa logologia como a consequéncia ¢ mesmo como a visada profunda, a boa interpretacao, da ontologia: se © pensamento é 0 critério do ser, é também pelo fato de que © ser € 0 pensar se entrepertencem no dizer, de que o logos é © lugar da identidade deles. F é preciso reconhecer que essa interpretacio do logos soa mais “parmenidica” que aquela A qual Aristoteles sera constrangido. justificando que Heraclito Possa sustentar a contradigao do “é” e do “nado é”, com um: “pois tudo 0 que se diz, nao se ¢ obrigado a pensd-lo”? “Entao Gorgias”: é um unico e mesmo Parménides, recto et verso do mesmo texto, que propde a soberania do logos ea realidade de carros que correm sobre 0 mar; se eu digo “car- ros correm sobre o mar”, entdo carros correm sobre o mar. E Gorgias nao contribui em nada para isso: ¢ Parménides 0 pai do sofisma; Gorgias, de novo, nao fez senao ler, repetir, obe- decer, concluir. Ora, essa conclusio que teve que tirar - todos os ditos sio - é, por sua vez, como na primeira tese, uma ma repeticao da tese sofistica segundo a qual o ser é um efeito de dizer; ela ¢, de maneira exatamente simétrica, a sua conclusdo ao mesmo tempo implacavel e irremedidvel; a ontologia funda uma sofistica caricatural. “Tudo salvo Gérgias”, o Gorgias de Parménides, diria entao Gérgias. Basta para isso renunciar a tese parmenidica e supor, no lugar da identidade entendida como igualdade entre pensar e Met,T3,1005b25s, . 76 Fu , um simples recobrimento parcial, uma inclusdo: 0 pensa- ento nao é mais o critério exclusivo do ser mas um critério Ale oulros, assim como a ontologia apareceu antes como um iuctuirso entre outros. “Portanto, nao Parménides.” “Entdo Gérgias.” Para o Gorgias do qual se trata agora, 0 Gorgias de Gorgias, tudo é critério de ser: cada fenomeno, na ‘hedida em que simplesmente aparece, “e” tal qual ele aparece: jialquer que seja o dominio de aparecimento, a aparéncia ¢ ser nao se distinguem. Assim o que é percebido é como ¢ ercebido, o visto tal qual é visto, o ouvido tal qual é ouvido; ja niesma forma, o imaginado ou o pensado é como é ima- #inado ou pensado. Em caso de conflito entre os dominios, la permite decidir, nem o consensus, nem a experiéncia, em o habito, que fundariam uma verossimilhanga: que ‘ii imagine carros sobre o mar, e carros correm sobre 0 jnar, mas, se eu nao vejo carros sobre o mar, é que nao ha farros sobre o mar. A verdade é assim atomizada em uma infinidade de designacdes (“tal” fendmeno ou “tal” outro) sem hierarquia possivel entre elas, sem razao de escolher, ‘entre clas, uma de preferéncia a outra. De tal modo que a alribuicao de uma verdade tinica, a possessdo da verdade, é Absolutamente impossivel; tal sera o sentido do “relativismo” solistico: “se é, & incognoscivel”, ja que a verdade ndo tem henhuma permanéncia, nenhuma identidade. Como essa atomizacao da verdade entra em acordo com a lese discursiva? Ser nao parece mais ai 0 efeito apenas do diver, mas também do ver e do ouvir. E que é preciso, sem diivica, fazer avangar ainda mais a tirania do dizer e inter- prelar essa volta a mais realizada com a repeti¢ao do “entao Gorgias”. O discurso nao €é apenas, se “nada”, a tinica pratica pntoldgica possivel em si mesma, como discurso efetivamente pronunciado; ele o é também, na hipdtese do “e”, como uni- co modelo das outras praticas, quaisquer que sejam elas. O fendmeno, com efeito, nado se produz como manifestagio de BARBARA CASSIN SE PARMENIDES WW um ente a partir de seu préprio fundo, desvelamento do que. 6, signo de uma presenca qualquer, e desde entao suscetivel de uma organizacio, até mesmo de uma experimentacao ede | uma prova¢ao; ele é, ao contrrio, estritamente fugay, inarti- culavel e comparavel a nenhum outro, fendmeno ou substrato, Sua identidade instantanea, que o excetua de toda prova con- traditoria, é assim andloga 4 do discurso, sob a condigao de ouvir de maneira ainda mais minimal sua discursividade: nao organizacdo demonstrativa, mas puro fluxo sonoro, sequéncia sem consisténcia e sem identidade, tempo. Desde entio, o ser, que nao é como na ontologia um dos termos da adequacéo com © pensamento, nem um objeto preexistente ao dizer, mesmo se desvelado por ele, também nao é um efeito légico, objeto produzido por uma demonstragao; é ainda menos: um caos de dtomos dos quais nada garante que eles formem mundo." 7. Gorgi Heidegger e a sintaxe da Ppresenca Parménides, uns 150 versos no Diels-Kranz, € hoje o terreno de uma guerra da origem entre filologia e filosofia, cada uma se revelando, no uso, da outra, segundo a expres- so de Jean Beaufret, “sempre boa filha”,** isto é, competén- cla para ironizar, mas nao para interditar. Seja, portanto, de um lado, 0 maniqueismo do antepassado académico, come o tempo monétono e palido - o ser é € o nao-ser nao & verdade do sabio, opinides mutantes dos mortais =, pro- movido pela grande tradic4o da filologia alema, ela mesma herdeira da interpretacao platénica: seja, por outro lado, a aurora que excede toda posteridade de um deixar-se dizer © copertencimento do ser e do pensar que nos rege de modo destinal, heideggerianamente; como situar o Parménides de Gorgias? ® Ver infra, p, 104-107, " Op, cit, t.1,p. 58. aa FB ts apenas com Parménides, escreve Heidegger em A Wenca de Anaximandro,® que eon (presente) e einai (ser gente) se tornam palavras fundamentais divulgadas do isamento ocidental. Na verdade, isso nao se deu pelo fato que Parménides, como a opinigo equivocada embora cor- Ale ndo cessa de ensinar, teria interpretado ‘logicamente’ o te a partir da proposigao nominal e de sua copula... Nao é #ménides que interpretou logicamente o ser, é, a0 contrario, a ica, nascida da metafisica e ao mesmo tempo dominando-a, @ conduziu a que a riqueza essencial do ser, em reserva nas Jayras fundamentais da aurora, permanecesse escondida. Imente assim o ser pode aceder 4 posicdo de conceito mais io e mais geral.” O esquecimento do ser é parricidio sempre lerior; ndo aquele cuja necessidade o Estrangeiro mostra no jofisia de Platao e que Aristételes sistematiza - € preciso dizer ie © ndo-ser é “enquanto outro” ou “em poténcia” -, pois este aié apenas um parricidio segundo, mas aquele sobre o qual ele #e insere, essa “logificaao” primeira discernida por Heidegger que, muito antes de Platao, portanto, faz passar o consequente elo original ¢ a contradicao pelo interdito por exceléncia. Exatamente segundo a mesma estrutura, o ser ¢ defi- nido no Poema de Parménides “a partir de uma identidade © como um trago dessa identidade”, a identidade entre ser ¢ pensar. “Mais tarde, ao contrario, a metafisica representou a identidade como um traco do ser. Nos nao podemos por- tanto partir da identidade da metaffsica para interpretar a de Parménides.”** Crer que enunciados de identidade tais como “o ser é” ou “o ente é ente” constituem enquanto tais 0 essencial do Poema seria, portanto, o mais raso, mas também © mais fatal dos erros, © Chentins qui ne ménent nulie part, trad. W. Brockmeier eB, Fédier, Paris, 1962, p. 286 s. (Gesamtausgabe, I, 5, Frankfurt, 1977, p. 351 s.). © “Identité et différence”, trad, A. Préau, em: Questions I, Paris, 1968, p. 262 (Identitiit und Differenz, Pfullingen, 1957, p. 15). BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 79 Ora, o Parménides de Gorgias parece de inicio reunir 0s tracos essenciais de uma tal “metafisicacao” e acusar, qual- quer que seja a proximidade historica, uma distancia historial considervel. Longe de se interrogar sobre o sentido do termo “ser”, Gérgias 0 manipula como uma variavel qualquer, e essa manipulacao tem por finalidade a identificagao e a identida- de. Ele produz assim uma leitura de Parménides que insiste na diferenga entre verbo, sujeito e predicados, e a interpre- ta, portanto, “logicamente”. Martin Heidegger parece ter, a partir daf, todas as razdes para considerar 0 Tratado, tanto mais que ele o analisa na versdo de Sexto Empirico, como a testemunha de uma posigao ja tardia, que ele determina mais precisamente como cética.” O Tratado, como 0 ceticismo em geral, se autorrefuta na medida em que pée somente a questo da existéncia da verdade; ora, essa questao s6 é primeira em aparéncia: ela supGe ja a possibilidade mesma da verdade e uma questéo que visa seu conceito, sua esséncia. A denegagio dessa prioridade basta para invalidar 0 ceticismo; ela faz em particular de todo “relativismo”, afirmagao segundo a qual nao ha verdade absoluta, uma contradicao interna, j4 que ha pelo menos uma verdade absoluta: que a verdade é apenas relativa, Enfim, a definigdo da verdade a qual 0 cético remete, como alias seu adversdrio, provém de uma escuta essencial- mente nao original: o ser da verdade é predeterminado como “validade dos enunciados” ¢ contém um apelo ao principio de nao-contradi¢ao como critério. Também 0 ceticismo, longe de constituir uma reflexio fundamental sobre a logica filosofante, seria antes a indicag&o de que “essa questao fundamental da l6- gica nao atingiu ainda a dimensao de uma questao filoséfica”. Conyém distinguir aqui muitos niveis de critica: 0 primeiro, e mais geral, considera a assimilacao da posigio " Logik, “Die Frage nach de Wahrheit”, Gesamtausgabe, II, 21, Frankfurt, 1976, p. 19-25. 80 FLO Gorgias ao ceticismo; o segundo diz respeito ao método prio de Gorgias no Tyatado e deve explicitar sua relagao n a identidade ¢ a contradigao; o terceiro, enfim, avalia a rpretagao tardia ou nao, légica ou nao, de Parménides posta por Gorgias. E é também ai que 0 resto estd em jogo. Parece inegavel que o Parménides de Gorgias seja “légico”, ila jue sejanecessdrio imediatamente precisar em que sentido. ‘le nao o é, certamente, por exemplo, como o é 0 Par- icles de Platao. O Parménides do didlogo, apés ter feito S6- ales explorar as aporias da nogio de “ideia”, lhe propde uma nistica dialética’; o didlogo consiste em desdobrar a tese #menidica, ado um, para dela extrair, série por série, as con- juéncias predicativas no que concerne ao proprio um, assim MO No que concerne aos “outros”.** A tese fundamental Contrariamente ao quese afirma mais frequentemente,e que. apresen- tagao e 0 recorte do diélogo por Dies na edicao Budé sugerem, nao se trata de nove hipéteses distintas, mas de uma s6 hipdtese sob a forma positiva ou negativa, 4 qual faz explicitamente retorno cada um dos raciocinios (¢f, 142 b 1 s45 159 b 285 160 b 4; 163 b 75 165 ¢ 2): “Voce . que eu comece por mim e por minha prdpria hipétese, supondo sito do um, seja ele um o: nao seja ele um, o que deve resultar disso?” (137 b 1-4), Nas dois casos, trata-se entéio de examinar quais nko os predicados que resultam disso para o um e quais sio aqueles que :ltam disso para “0s outros”, explorando a cada vez.os dois sentidos is de “um”: um como “a parte” ou um como “participante”, A nbinatéria produzida se resume portanto camo segue, os ntimeros correspondenda a isso que se tem o costume de chamar as “hipdoteses”: Suponhamos o Um Seoum éum Seoumnioéum| um,iparte [multiplo, |um,aparte | miltiplo, participante participante_ | oumé [nem.nem.. |e... TEM MEM — | en Gin {ay Q) @ (6) osoutros|nem..nem.. |e.e. nem..nem. [en @n sto 6) CH 0) @) Notemos que oestatuto do raciocinio (3) deve ser inteiramente repensado, c-que ele ndo constitui propriamente falando um raciocinio distinto. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 8l de Parménides é enunciada por Sécrates desde 0 inicio” sob a forma de um resultado demonstrado pelo Poema: “o todo é um’. “O ser” nao é, por esse fato, jamais interrogado enquanto tal; dito de outre modo, o Parmeénides de Platao se situa de saida no nivel do ente e dos entes, em sua unidade e em sua pluralidade. E isso, alids, o que indica claramente a mise-en- -scene inicial, que assimila Parménides e Zenao e a tese do ‘Um Aquela da nao-pluralidade.* O préprio Poema nao pode, portanto, jamais ser apreendido em seu movimento préprio, e “légico” significa apenas: combinatéria de possiveis. Gérgias, ao contrario, l¢ 0 Peema n&o quanto a seus resultados, mas em seu desenrolar, em seu efetuar-se, em seu “poematizar”: “logico” deve ser entendido aqui no sentido de atengdo ao logos. Sua leitura nao parece tanto emplacar do exterior os conceitos gramaticais de sujeito, de verbo e de predicado necessérios 4 proposicao de identidade, quanto extrat-los, fazé-los aparecer em sua produgao no interior mesmo do Poema e através dele. Pode-se dizer que, com 0 Poema de Parménides lido por Gorgias, a lingua dé a luz a partir de si mesma, e que a sintaxe manifesta, a luz do dia, sua prépria constituigao. Isso ndo implica cm nenhum caso que Parménides seja 0 primeiro “gramatico”, pois como o escreve Jean Beaufret, denunciando sempre o husteron proteron caracteristico da metafisica: “Os gregos nao pensam... regulando-se pela gramatica, que ainda nao existe. E, muito pelo contrario, a gramatica que se regulara bem mais tarde pela filosofia grega e em particular pela filosofia platénica da participagao”;' mas isso significa que uma lingua é lingua somente na medida em que ela é “com-posigao”, “por junto”, sun da articulagao sintatica, e que essa dimensao sintatica & * 128 08s. * 1288-1286 * Op. cit. “Notes sur Platon et Aristote”, t. 1.,p. 93. 82 FU 6 necessaria e origindria quanto a dimensio dita semantica. jem cntendida, essa distingdo sintaxe/semantica nao poderia, jor Sua vez, intervir sem tecnocentrismo e metafisicagao: fambém é preciso dizer que é a uma coconstituicao da forma do sentido que o Poema nos faz assistir. Assim, Gérgias nao interpreta “logicamente o ente a ‘arlir da proposic&o nominal e de sua copula”, mas ele faz ler possibilidade mesma do verbo enquanto verbo, do predicado fquanto predicado e do sujeito enquanto sujeito como etapas jo Poema, no fundamento da identidade predicativa. Que o erbo seja “é” eo sujeito “v ente” nao é certamente indiferente, nao se ouve, segundo toda probabilidade, senao que com ajuda de Heidegger, a escuta do desvelamento da presenga ‘sa lingua pensante que é o grego. Mas, lingua pensante, grego ndo poderia sé-lo sem um andlogo desdobramento de sua dimensao sintatica. O Parménides de Gérgias nao “nomeia” apenas a presenca, mas ele a articula e produz uma sintaxe dela: é, portanto, através da gramaticalidade mesma tla lingua que se deixa dizer 0 modo de presenga da presenga. Medimos assim, ao mesmo tempo, a analogia e a dis- Hincia: para Gorgias como para Heidegger, o Poema de Par- iménides 6 verdadeiramente um poema, no sentido em que “o pensamento é poema”;” s6 que a lingua nao é tanto, para Gorgias, matriz e recolhimento do sentido quanto mise-en- 4céne de sua propria estrutura - como se houvesse dois tipos de poemas possiveis, aquele no qual a lingua se faz “palavra”, encarregando-se de dizer e pensar o ser, e aquele no qual, Hilo tendo que se encarregar senao de si mesma, ela se efetua como “discurso”. © Chemins...,“La parole d’Anaximandre’, p. 268 (p. 328 da edigao alema). BANDARA CASSIN SE PARMENIDES 1. Hipstese O Parménides de Gorgias deve agora servir para preci- como Gorgias usa a identidade ea contradicao e permite, , caracterizar o discurso sofistico. Gérgias, nés diziamos, sé faz cumprir sua filiagdo; como isso, Xendfanes e Zenao, ele confirma Parménides, e é ‘as por isso que ele o inverte: o que entender por esse sso” de obediéncia, essa desmedida na fidelidade? Nos poderiamos dizé-lo grosseiramente assim, por mais Astico que isso parega: o sofista antecipa desde Parméni- 0 conjunto da metalisica, prevé a compreensao légica do ea logificacao da verdade, de Aristételes e de Leibniz até 1. Ele os prevé, o que quer dizer que ele os pratica, usando principio de identidade, dos indiscerniveis, do terceiro- luido, da nao-contradicao e do principio de razo, como origem os contivesse, como se eles jd fossem evidentes. usando deles, abusando deles como de uma técnica de ta, ele os usa, prova que eles mesmos se desfazem e que que eles pretendem fundar nao resiste a essa fundagao. € indubitavel que o Tratado de Gorgias supoe a verdade néo-contradigdo, é preciso acrescentar que ele nio a 85 supée senao para dep6-la de sua pretensao, ja que assegurar a ontologia é tinica e inevitavel maneira de nadificar. O crédito feito aqui & sofistica pareceré exorbitante, ja que ela parece ao mesmo tempo interpretar a origem de maneira original ¢ desenvolvé-la em suas implicagées tltimas que, retomadas nela ea ela reaplicadas, acabam por bloqued-la e por fazé-la “desbloquear”. Essa dupla hipdtese nao cessa, no entanto, de se verificar como necesséria e legitima. 2. Sofisticagdo da identidade: 0 equivoco do significante F de inicio o principio de identidade, a ¢ a, que ¢ assim evidente. E evidente que ele é universal, portanto aplicavel a todos os abjetos; ele funda cada objeto em sua identidade, o que quer dizer que ele o garante como igual a simesmo¢ diferente de todos 0s outros, idéntico e identificavel. Sabe-se que Gorgias 0 aplica primeiramente a esse objeto proposto pelo Poema que é o “nao-ser”, € a seul sujeito, 0 nao-ente, a fim de fundar o seu reconhecimento possivel e estabele- cer assim a distingdo entre as duas vias: a proposicao de identidade aplicada ao “nao-ser” é 0 requisito minimo do engajamento. E nesse ponto que a primeira catdstrofe de um “excesso” foi constatada.”? Tentemos extrair a lei desse funcionamento catastréfico. © Poema parte do enunciado de um “é” &”, sustentados como originarios por terem sido enunciados pela deusa, por serem o produto de uma enunciagao divina. A distincao entre as duas vias ¢, no interior do Poema, um puro efeito dessa enunciagio. Gorgias se esfor¢a por esta- pelecer demonstrativamente a distingao; ao longo de sua tentativa, e isso é precisamente a causa do seu fracasso, ele se atém ao “é” € a0 “nao 6” tais como eles séo enunciados ede um “nao nessa enunciacao: cada “é”, tomado em qualquer enunciado, % Yer supra, p. 67-69. 86 ‘um tal “¢”, confundido com o “é” da enunciacao origindria, a “nao é” um tal “nao é”, ou ainda, todo “é” é de direito léntico a qualquer outro, sem equivoco possivel. Ora, essa posicao de univocidade é justamente o fundamento neces- itio do equivoco: uma equivocidade funciona se ¢ somente a identidade de todas as ocorréncias ¢ evidente. E ja que 0 ema é inaugural, j4 que a enunciagao divina se impée como tética, confiar na origem é creditar de univocidade sua ra mestre “é”. “E”, suposto univoco, autoriza 0 equivoco. razao pela qual, no tinico enunciado que possa permitir tificar o “nao é” (“o ndo-ente é néo-ente”),?* o “é” que ve de cépula é de direito idéntico ao “é” que identifica 0 em “o ente é ente”; todos os dois sio indiscerniveis do da enunciagdo primeira, como ele mesmo ¢ indiscernivel dois; ele nao pode ter outro sentido que o deles e eles nao lem ter outro sentido que o seu. A censura que, apds Platao e Aristoteles, o Anodnimo lereca a Gorgias ~ de utilizar a homonimia dos termos, particular de nao distinguir entre o sentido copulativo sentido existencial do verbo ser — encontra aqui a sua ificagao. E, no entanto, uma tal critica aparece ao mes- tempo como particularmente inadequada; pois o sofista se enterra no equivoco, de onde seria preciso desalojé-lo > licitando por exemplo em quantas acepgoes se diz o ser e isando, a cada vez, se se trata de ser “tout court” ou, ao nario, de ser “semelhante”, de ser segundo a predicagio de itidade.* E ao menos tao legitimo dizer que ele se mantém ivel Ga enunciagao original, anterior a toda distingio0 0 a toda homonimia. Através disso, quando ele compie 8 enunciados, a homonimia pode efetivamente funcionar mente: tal é o efeito da origem. WA CASSIN SE PARMENIDES a7 Assim, a “sofisticagio” da identidade nao é, aparente- mente, de inicio, uma logificaga4o; muito pelo contrario, é a logificagao, como regulamentaco do equivoco ¢ apreensio categorial do ser, que se apresenta explicitamente como uma resposta a essa sofisticacdo. A pratica sofistica nos introduz, antes, em um dominio completamente diferente, aquele da identidade sonora: aquele do significante. Identificar 0 “6” em todos os enunciados é, com efeito, ter em vista a materialidade fonica ou a sua transcricio literal, Que o nome de Gorgias tenha marcado tanto, ao ponto de que a Grécia tenha forjado 0 verbo epénimo “gorgianizar”,* nos sugere que sua retérica ousava Propagar o significante. A relagao entre citacdo ou letra do texto e significante torna-se assim manifesta. E retomando no curso de suas proprias demonstragdes a enuncia¢io primeira, citando, portanto, o “é” do Poema que Gorgias impde por meio da identidade do significante a suposi¢ao de uma identidade de sentido, qualquer que seja o nove enunciado: assim se explicam as frequentes ocorréncias do “é” sem sujeito, que podem chegar ao ponto de interromper 0 curso mais esperado da sintaxe e que constituem tantas citacdes do Poema, isto é a0 mesmo tempo tantas irrupdes do significante no interior do Trata- do.” Tocamos aqui na raiz de numerosos “sofismas” famosos, que funcionam gracas ao esmagamento da complexidade do signo apenas na dimensio da identidade do significante, nisso que poderiamos chamar de uma reducio a superficie, O mais exemplar 6, sem divida, aquele em forma de silogismo que se atribui ao estoico Crisipo: “o que tudizes Passa pela tua boca, tu dizes uma carroga, portanto uma carroga passa pela tua boca”® : Essa identidade é tanto mais notavel porque ela funda nao somente o equivoco semantico de um termo isolado com * CE. Fildstrato, Cartas, 73 (82.A 35 DK, t. Il, p. 279), " ChG,1y 1 23741. * Didgenes Laércio, VI, 187, 8 e FLO é", mas um equivoco mais inaudito e dificil de ouvir: o uivoco sintético, O exemplo mais marcante é fornecido 6 Tratado pelo anuncio da demonstracao propria a Gorgias “nao é (possivel) nem ser nem nao Fa sua primeira tes #”, A forma grega se assemelha a desenhos-limite caros aos firicos da Gestalt nos quais se percebe um cubo alternada- eile segundo uma, e depois segundo outra perspectiva: ela Fomcte ao ouvido trés andlises implicitas e trés sentidos, ja emarcados - “ndo € nem ser nem nao ser”, “nem ser nem lo ser ndo s80”, “nao é possivel nem ser nem nao ser”.”” E sal como nao se vé o cubo, em parte alguma se ouve a intaxe em sua verdade; mas a verdade da sintaxe, como a do cubo, se constitui no desdabramento das perspectivas; sun apercepcao sintética, o ponto de vista de Deus, repousa finalmente na identidade material do proprio cubo, nos sons dla cadeia significante: é em conjunto que os trés sentidos so verdadeiros, na sua coincidéncia numa s6 frase. Da mesma forma, a demonstracao referencial da pri- meira tese tem por conquistado o principio do terceiro- excluido, que ela aplica a producao da identidade do sujeito, eletuada por meio da predicacao no Poema. Se nenhum dos dois predicados contraditérios convém, é evidente que nao existe um terceiro, de tal modo que 0 sujeito da predicacao impossivel, nio sendo determinado por nada, ¢ ele mesmo nao designavel ¢ inexistente. Ora, no fundamento dessa de- monstragéio, Gérgias utiliza ou, antes, deixa falar, um equi- voco do mesmo tipo: aquele entre sujeito e predicado. Em prego, com efeito, diferentemente do francés [e do portugués], a ordem das palavras é nado marcada, ou nao imperativa mente; por outro lado, o pronome sujeito é regularmente incluido, sem ter que ser expresso, na forma do verbo (eirti u sou”); de tal modo que as sequéncias oudert quer dizer: “ ” G2. 19 saver suprit, p. 368. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES BO (“nada”) estin (“8”) ou ouk (“nao”) estin (“€”) ouden (“nada”), que escandem as etapas da demonstracao, querem dizer ao mesmo tempo: “nada é” e “ele” ou “isso nao é nada”. Esse equivoco é ao mesmo tempo requerido e legitimado pela demonstragao, na qual Gorgias deduz da impossibilidade de todo predicado a impossibilidade do proprio sujeito: se “nao é nada”, entio é que “nada &”. O equivoco sintatico é em sumo grau necessdrio e significante, O Anénimo compreendeu perfeitamente essa sofisti- cacao significante da identidade. Ao ponto de praticd-la com ainda mais virtuosidade que Gorgias, sobre um exemplo aia mais fundamental e que pode ser um paradigma: sobre © préprio principio de identidade. Ele parte do enunciado minimo exigido por Gérgias como garantia do Poema: “o nao-ente € ndo-ente”."! Em grego, assim como em francés [ec em portugues], os dois termos nao sio idénticos de um lado e de outro da cépula, mas o primeiro, diferentemente do segundo, é afetado por um artigo. Em francés [como em Portugués], todavia, por causa do papel do artigo indefinido ~ pois se diz que “um gato é um gato” ~, a presenca/auséncia do artigo nao constitui um traco pertinente para diferenciar 9 sujeito do predicado. Em 8rego, ao contrario, onde, como acabamos de ver, a ordem das palavras nao é normatizada pela sequéncia “S é P”, a auséncia do artigo é regularmente a marca distintiva do predicado, O Anénimo inver te entao a identidade sofistica ou, mais exatamente, se serve de sua reciprocidade: se o significante nao é idéntico ja que falta um “o” no segundo nao-ente, € impossivel identificar “o nao- ente” sujeito ¢ o “nao-ente” predicado; a exigéncia de Gorgias, identificar 0 nao-ente, refuta-se, Portanto, a si mesma. A observagao do Anénimo vencendo Gorgias em seu proprio CEG. 4.128.575 11; wo 2s, :eidekaiestite mé “ G.,4.,12s, :ei dekaiestito méonméon, meso se 0 néo-enteénio-ente”, 90 FILO yeno, como Gorgias, Parménides, é de uma perspicacia miravel, Ela funda o recurso a isso que se poderia chamar “sipniicante sintatico” em uma ontologia da gramatica: pois artigo diante do sujeito, baseado no modelo do artigo diante participio enfim sujeito no Poema (“o ente”), éa marca da fsisténcia, da substancialidade; ele indica que toda posigao um sujeito em uma proposigio de identidade implica uma Wessuposicao de existéncia. O predicado, ao contrario, nao substancial, ele nao tem outra existéncia que aquela de ser lentificado a um sujeito suposto ja af: a este ser menor nado pode convir o fechamento totalizante do artigo. O emprego ‘lo artigo regulamentado pela gramatica remete, portanto, A diferenga de estatuto entre sujeito ¢ predicado, que remete por sua vez a diferenca de sentidos suportados por uma sé e mesma ocorréncia de “é”; em “o ndo-ente é ndo-ente”, o pre- ilicado “é” apenas no sentido de “é idéntico” ou “semelhante” 0 sujeito, a0 passo que o sujeito, ele préprio idéntico e se- melhante ao predicado, “é” também “tout court”, ou “existe”, “alem disso”. O Anénimo se serve assim do equivoco do “é”, fundado na sua identidade como significante, para apontar paraa diferenga constitutiva da proposi¢ao de identidade. Falando yerdadeiramente, antes de se oporem, 0 An6- nimo e Gorgias se entender aqui, porque eles entendem da mesma forma. Nao mais para um do que para 0 outro, a identidade do nio-ente, sua identificagao consigo mesmo, nao é cletivamente praticdvel. Segundo Gorgias, que o nao-ente seja como o ente, e da mesma maneira que ele, nao impede em nada que o néo-ente seja ndo-ente, e portanto nao seja.!” © Anénimo, por sua vez, propée distinguir “o nao-ente” do “nao-ente” “como se se tratasse de dois entes”,'" dos quais ™Cf. G.. 4. em particular 21 5.. WEE G3. G44 8 BARBARA CASSIN SE PARNENIDES 91 um, em posi¢ao de sujeito, é, enquanto 0 outro, sem artigo e em posi¢ao de predicado, nao é; mas é preciso acrescentar que © sujeito sozinho nao apenas “é”, mas também “é ndo- ente”, de tal modo que ele ainda se desdobra em dois entes dos quais um é ¢ 0 outro nao é, ¢ assim ao infinito. A escolha do nao-ente como objeto privilegiado do principio de iden- tidade ganha assim todo 0 seu sentido: 0 nao-ente ¢0 objeto que torna manifesta a diferenga contida na identidade e cuja diferenga consigo mesma interdita para todos os outros toda atribuicdo de identidade. Se um sofisma nao pode se resumir mas apenas se re- petir, é também porque ele nio se dissipa, mas se reproduz a cada vez que 0 escutamos. Pois ele se atém, para dizé-lo nao sem anacronismo, a algo como a linearidade do signi- ficante. Simplesmente: ao enunciar “o nao-ente é ndo-ente”, entende-se primeiro, ¢ isso é um efeito necessario da diacronia constitutiva do discurso, “o nao-ente é”. E somente em um segundo momento que “nao-ente” vem completar “o nao-ente &, e obriga a reinterpretar em sua totalidade o sentido do enunciado parcial, contraditério com © enunciado completo. Reencontramos, nessa perspectiva, 0 privilégio do enun- ciado de identidade incidindo sobre o nao-ente; diferentemen- te de “o ente é ente”, onde a reinterpretacao ¢ insensivel ja que os dois sentidos “o ente é” e “o ente é ente” se confirmam, até mesmo se confundem, o enunciado “o nao-ente é ndo-ente” obriga a tomar consciéncia do curso do discurso, e constrange a ouvir 0 jogo significante da sintaxe. O discurso sofistico se deixa assim figurar como uma séric de engarrafamentos, ma- nifestando em sua estrutura mesma o sentido como um efeito de a posteriori: discurso esgotante na medida em que provoca uma tensdo ¢ uma atencio intermindveis até o siléncio final. Assim, 0 equivoco da sintaxe, nao mais que aquela do “é”, nao é a exploracao de uma falha da lingua, que justifi- caria uma corregao légica através da atribuicao de sentidos 92 FILO iferenciados. Ao contrario, a pratica sofistica encontra-se, fen, entre aquelas que “remuneram a falha das linguas”. Fla presta os ouvidos e faz ouvir o que na lingua constitui fia densidade semAntica e sintatica e que seriamos tentados hoincar, de modo heideggeriano, sua esséncia pensante. jan a especificidade da pratica sofistica esta longe de ser Alificientemente definida por uma tal autenticidade. Pois com atcngdo ao significante, que funda 0 equivoco ¢ obriga, em iia linearidade, a uma perpétua gindstica de reinterpretacdo, ela nao ouve apenas a lingua como “fala” [“parole”| mas como “iscurso”, e é nessa conjuncao detonante que ela reside. 3. A melhor contradi¢io O equivoco significante produz um excesso de identi- ide, obrigando a identificar os diferentes sentidos do “é” e tomar finalmente por modelo da identidade a autodiferenga ilo nao-ser. Ao mesmo tempo, ele bloqueia o funcionamento do principio de nao-contradigao. O principio, tal como ele ¢ teorizado por Aristételes no livro Gama da Metafisica, faz funcionar, através de seu proprio enunciado, um certo numero de nuances essenciais a set: bom funcionamento: “Eimpossivel, diz Aristételes, que 0 mesmo pertenga e nao pertenga, ao mesmo tempo, ao mesmo e segundo o mesmo”, Uma dessas nuances essenciais: “segun- doo mesmo” remete diretamente a pluralidade normatizada dos sentidas do ser, que a identidade do significante interdita distinguir. Nenhuma das diferengas ~ nao mais a poténcia e © ato que a substancia e o acidente, a forma e a matéria ou as categorias, cujo uso Aristételes recomenda para dissipar a aparéncia de contradigao contida nos sofismas — é, portanto, eletivamente aplicdvel a proposi¢do sofistica por exceléncia: “o nao-ente é ndo-ente”, A outra exigéncia fundamental, aquela do “ao mesmo tempo”, permanece ela também sem efeito, ja que ela ja é sempre necessariamente satisfeita em virtude BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 93 da sofisticacao da identidade; pois é nao apenas sob uma 86 e mesma relac¢ao, ja que todas as relacdes confundidas, mas também “ao mesmo tempo”, no ao mesmo tempo de um tinico significante como “é”, que se produz a contradigao. Na falta dessas nuances, o principio funciona demais, e o discurso nao cessa de produzir contradi¢ées, como aquelas sobre as quais repousa a tese “nada €” - ou, o que da na mesma, o principio absolutamente nao funciona. Sem divida, o discurso sofistico nao constitui um lugar possivel para a contradicao, pelo fato de que, de saida e es- sencialmente, ele nao constitui um lugar. A atencao dada ao curso, a discursividade do discurso, e 4 sua manifestacdo, a linearidade do significante, Ihe interditam isso. Com efeito, 0 ao mesmo tempo do significante é estritamente pontual, e cada ponto s6 tem identidade em sua relacdo com os outros, posta em questao a cada novo outro até o ponto final: sua identida- de, constituida por essa diferenca a cada vez diferente, ¢ pura autodiferenca. A linha dos significantes nao é, portanto, uma figura estdvel cujo tragado subsiste ¢ se alonga. Nao sc trata dessa linha cujas diversas partes constituem uma série que, na célebre distingao kantiana do espago e do tempo, “representa” ainda espacialmente o tempo até em sua preeminéncia sobre 0 espaco e, espacializando-o, mantém justamente um “lugar” possivel para a contradicao.' Ou, se se trata dela, ¢ sob a condicao de se agarrar 4 inadequagao radical da figuracio, ao cardter “excepcional” da linha do tempo — suas partes, em vez de serem “simultaneas”, sio “sempre sucessivas” — excluindo assim que um “ao mesmo tempo” de dois pontos possa jamais fornecer 0 espago-tempo necessario 4 contradigio. Mas 0 procedimento sofistico parece entao paradoxal, até mesmo impossivel. Se cada proposigao - que ocupa, mudando de escala, o lugar de um significante — ndo é jamais suscetivel de “Of Kant, Critique de la raison pure, p. 63 (p. 81 da edigdo alema). 94 FILO ser contradita por uma outra, como, de uma sequéncia sempre esvanecida de proposicées, poderia consistir, no entanto, algo como uma demonstragao logicamente articulada, isto é, nao contraditéria e se servindo da nao-contradicao? Para dar conta desse paradoxo, nds nao encontramos nada melhor que sugerir, por meio disso que no momento aparecera apenas como uma metafora: as leis do chaque. A contradig&o nao deve ser pensada como a coexisténcia impos- sivel de duas proposigdes em um mesmo espago de discurso aristotélico. Também nao é, em modo hegeliano, a retomada dialética de uma primeira proposigao por uma segunda que a nuintém, negando-a: esse tipo de relacdo é certamente tempo- ral, mas a retengéo memorizante reconstitui um novo espago, odo sistema. O discurso sofistico nao conhece acumulagéo sistematica, ele nao tem memoria, ja que, ao contrario, ele nav cessa de se esvanecer. Mas a contradi¢ao se produz pelo lato de que se pode fazer apelo a ele a qualquer momento, em (jualquer ponto evanescente da linha, a qualquer proposigio: basta exibi-la, sustentd-la, enunciando-a; ¢ ela é tanto mais sustentavel na medida em que ela ja foi sustentada ou que, pertencendo ao tesouro da doxa, ela se sustenta a si propria. © ao mesmo tempo da contradicao se reduz entao ao choque instantaneo de duas proposigdes. E claro, essa colisao (e a metafora) tem a ver ainda com 0 espaco, ela nao poderia ter lugar na pura sucessao. Na verdade, ela nado poderia ter lugar mais do que o choque de dois dtomos que caem paralelamen- tc. E uma excegao lateral, analoga ao clindmen, ¢ 0 clinémen nao 6, ele proprio, nada além da exibigao que se faz dele. Pois tudo ¢ uma questao de exibicdo: a prestagao do sofista traz o nome de “exibigao”,!"* assim como a do prestidigitador, que faz aparecer, quando lhe parece bom, 0 coelho de dentro da Bpideixis, « partir de deiknumsi, “eu mostro”, por opesigée a apodeixis, “demonstracio”, BARBARA CASSIN SE PARNENIDES 96 cartola. Assim, Gérgias, na hipdtese em que “o nao-ente €”, exibe de novo e como nova a proposigao ortodoxa ja susten- tada de que “o ndo-ente nao é”: a demonstragao do sofista é como uma “demonstracao” publica, que produz unicamente por sua manifesta¢4o seu direito irrefutavel de estar ali. O Anénimo compreendeu perfeitamente a natureza do procedimento. Fle o torna manifesto utilizando-o ele proprio, e para fins contrdrios: sua critica consiste em exibir, em um ponto nomeado, uma outra proposi¢ao, a fim de produzir uma conclusao oposta. O exemplo mais marcante é¢ aquele do ultimo caso considerado por Gorgias, no qual “o nao ser é”, suposto, além disso, que ndo-ente e ente sejam a mesma coisa. Em vez de concluir, como o sofista fazendo apelo a proposicado “o nao-ente nao 6”, que “nada é”,'” 0 Anodnimo escolhe reiterar a proposicao contréria: “o nao-ente é”, para deduzir dat imediatamente “por uma inversio” tanto que 0 nao-ente é, j4 que ele é, quanto que o ente é, ja que ele lhe é idéntico, portanto, que “tudo é”.!"8 O interesse da critica é apontar com violéncia para 0 fato de que nao hé razdo para exibir uma proposicao em vez de outra, ou que, se razdo ha, isso nao tem a ver com um constrangimento interno ao discurso, mas com uma escolha deliberada, A partir das mesmas premissas, “h4 uma possibili- dade equivalente de dizer” que nada é ou que tudo é, segundo a preferéncia concedida a tal ou tal irrupgao lateral, a tal ou tal “ora”: a cada um, sua contradicao. O Anénimo generaliza esse procedimento para fazer dele o instrumento de sua critica ao longo da exposicao das trés doutrinas. Fle refuta cada tese de Melisso e de Xenofanes, WG, 3. 12-15. “G,, 5. 17-26.A refatacio se complica pelo esmagamento dos doisplanos infinitivo/participio, rigorosamente distintos por Gorgias na sequéncia de Parménides 96, FILO jnostrando que, dadas as premissas, uma outra conclusio pode “tanto quanto” dela decorrer; “mas por que, quanto a isso, seria ile proferéncia assim?” e “nada impede que, quanto a isso, seja também de outro modo” se tornam formulas canénicas, ¢, nds 6 veremos, exemplares da maneira doxografica“” 4. Contradigao e razao Se tal ou tal contradicéo depende de uma escolha, ¢ que, de maneira mais essencial, o proprio principio de nao- contradicao sé pode ser objeto de uma escolha. Voltemos a fMuilo célebre “demonstragdo” que Aristételes propde de- Je." © scu elemento prévio é que, uma vez que se trata de um “principio”, e até mesmo do tinico principio verdadeiro enquanto tal - isto é, primeiro, anipotético, fundamento de todo conhecimento, de toda demonstragio e de todos os ou- tros menos bem nomeados principios -, nao se poderia exigir demonstragao dele, sendo por “falta de educacao”: nenhuma demonstragao dele propriamente dita pode ser dada sem pe- ligao de principio. Sua demonstragao consiste simplesmente em uma “refutacao”. A refutagao, alids, recenseada por Aris- toteles como um procedimento sofistico,"' éuma montagem dialégica que faz o outro assumir toda a peti¢ao de principio. P preciso e basta a refutagao que o outro “diga algo”: que ele fale (que ele seja efetivamente um outro, homem e nao planta), e que ele signifique (que ele diga algo que tenha um sentido para simesmo e para outrem) e, através disso, ele se encontra de saida ja sob a dominagao do principio. Assim, o principio de nao-contradi¢aéo remete a uma dupla escolha: escolher ser um ser falante € escolher que- rer dizer, isto é, dizer algo em vez de nada, Aparece entao, W Ver infra, p. 137 s W Met. 324, em particular 1005 b 35-1006 a 30, ¢ 1008 b 2-31. NCL o proprio titulo: As refiutagdes sofisticas. BARBARA CASSIN S= PARMENIDES 7 manifestamente, que o prinefpio de nao-contradi¢ao se enra- iza nisso que Leibniz nomearé, uns 20 séculos mais tarde, o “principio de razao”. Nao é apenas que seja preciso dar razéo a ligacao entre sujeito e predicado, e produvir assim a verdade definida pela nao-contradicio como analitica; muito mais radicalmente, Aristételes nao tem razéo em sustentar que o principio de nao-contradicao é absolutamente primeiro, pois sua afirmacéo requer uma decisao prévia, implicando ela pré- pria que tudo nao ¢ igual ou indiferente, mas que hd um mais, um preferivel, um melhor. E a prova irrefutavel da existéncia deum tal melhor é que nao hé homem que, vivo, nao aja e nao escolha quotidianamente viver: “Por que (0 homem que pre- tende recusar o principio) pega o caminho para Mégara em vez de ficar em casa, pensando que vai para 14? Por que, seem um ponto do dia ele encontra um pogo ou um precipicio, ele nao anda em sua diregao, mas parece, ao contrério, tomar cuidado, como se ele pensasse que nao é igualmente bom e nao-bom cair nele?”." Essa escolha pratica ¢ finalmente apresentada pelo proprio Aristételes como razio ultima do principio “primeiro”. O principio de nao-contradigao assim enraizado nao & apenas um principio ldgico, fundando a consisténcia do discurso, nem mesmo um principio ontolégico, definindo 0 proprio ente como nao contraditério, racional, enfim, cal- culavel; é também c talvez essencialmente um principio éti- co, que remete a liberdade em cada homem de viver como homem, de escolher a humanidade. E 0 motivo pelo qual Aristételes distingue explicitamente entre dois casos. HA os que nao admitem 0 principio em razio de dificuldades reais, € cuja oposi¢ao tem a ver “nao com o discurso, mas com a maneira como eles pensam”,"" extrapolando, em particular, 2Met,T 4, 1008 b 14-17, ua . Gene Met.,T'5, 1009 a 19 s. Tricot traduz: “ce nest pas ici un simple raison- nement, Cest & une véritable doctrine que nous avons affaire” [nao se oa FILO “a partir de um exame insuficiente das coisas sensiveis: a ig- fordncia deles é sem ma intengdo, ela ¢ filosdfica e facil de stir, fazendo-os compreender o seu erro, por “persuasao” porlanto. Mas hé também “aqueles que falam pelo prazer de falar”, “que discorrem em vista do discurso”, “gracas a0 fliscurso” e “pela graca do discurso”! esses, 08 sofistas, a sua recusa do principio tem a ver com ume intencao ética, de tima “escolha de vida!* A sua cura s6 pode vir da “refuta- go do discurso contido nos sons da voz e nas palavras’; ela deve ser 0 efeito, nao da “persuasao” que demonstra o erro € faz. compreender a verdade, mas da “forga”, do “constrangi- mento”, Esse constrangimento é aquele do proprio discurso enquanto discurso, em sua materialidade discursiva. Mas, justamente, ele é impossivel: “aqueles que buscam somente 0 constrangimento no discurso buscam 0 impossivel; pois eles m que dizem contraditérios simplesmente enunciando contraditérios”6 Ao colocar a consisténcia do discurso no proprio discurso, e ndo em uma relagao com o ser exterior a cle e que ele seria encarregado de exprimir, 0 principio (le nao-contradicéo é insustentavel: basta, com efeito, para destrué-lo, produzir, exibir duas proposigées contraditorias, © que se faz simplesmente enunciando-as. O personagem do sofista 96 é tao assustador porque ele tem tado o ar de ser um homem:; pois, no fim das contas, ele trata aqui de um simples racivcinio, € com uma verdadeira doutrina qque estamos lidando”| (Paris, 1966, 1, p. 218). fond, 1009 a 20 s.: hosof de logow kharin legousi ' [bid., T 2, 1004 b 22-26. \ jbid,, 06,1011 a 16: Erantia gar eipeinaxiousin euthus enantia legontes. Futhus significa “muito simplesmente”, “indo direto 20 ponto”. Tricot iraduz, nao sem hesitacae: “car ils ont la prétention qu’en leur accorde lv privilege de se contredire eux-mémes, demande qui se contredit ele- ineme immédiatement” (“pois elestém a pretensio que selhes concedao privilégio de eles proprios se contradizerem, demanda que se contradiz cla mesma imediatamente”) (t. 1, p. 230). BARBARA CASSIN SE PARMEN! DES 99 ‘jd existindo, ja sedimentado na doxa. E por puro cuidado ido “também”, do “tanto um quanto o outro”, que o sofista é conduzide a ser, mais frequentemente, paradoxal. Mas essa teleréncia a doxa nao deve ser subestimada: ja sempre hé doxa; dito de outro modo, o discurso do sofista nao ¢ jamais primeiro; o Tratado, por exemplo, nds o sabemos, é uma re- peligao da origem, mesmo se, através dessa repeti¢ao, ele se ‘presenta como sua arquiorigem.'* Compreendemos agora © que termos como “sustentar’”, “sustentado”, “sustentavel”, assim como “consisténcia” do discurso, tém por contetido: eles nao querem dizer nada além daquilo que os discursos anteriores lhes atribuiram, ¢ em particular a ontologia, e em. particular o Poema de Parménides. As regras de consistén- cia do discurso sofistico nao tém nada de essencialmente solistico, elas sao as regras de consisténcia de todo discurso: sintaxe, cujo ato de nascimento Gérgias decifra no Poema, ca légica, no sentido do conjunto dos principios tais como 0 da identidade, 0 do terceiro-excluido ¢ o de nao-contradicao, que fundam a “aceitabilidade”. Mas é ent&o que é preciso fazer intervir a repeticdo; pois ela produz, simplesmente através desse “excesso” de respeito que a caracteriza, as catastrofes eas perturbacées j4 demarcadas. O discurso sofistico que dobra sua indiferenca ontoldgica a légica do ser s6 pode ser mais excessivamente ldgico, ldgico até a obsessdo. A segunda tese de Gorgias estabelece essa indiferenca, essa impossibilidade de fixar um “mais”. Trata-se, como nds nos lembramos, a partir de uma interpretagao da identidade parmenidica entre ser ¢ pensar, de deduzir que “se é, é incog- noscivel”. No curso dessa demonstrac¢ao, Gorgias é conduzido asubstantivar de maneira sintomatica 0 advérbio “mais”, por meio do artigo," e faz dele assim 0 pivd da prova. O que é, é nio se cala, ele fala; ¢ ele diz certamente algo; por exemplo, que “nada ¢”, Entao, como se faz, ja que aparentemente ele escolheu a humanidade, que ele consiga ser um outro tao mau, nao um alier ego, mas, assim como Platao tora 0 cuidado de sublinha-lo em cada didlogo em que ele o pée em cena, um Visitante, um perpétuo estrangeiro e quase um “alienado”? 5. O principio de indiferenga E sobre “isso” que ele diz que é preciso se interrogar. Pois 0 “algo” que o discurso sofistico diz é muito precisamente “nao importa o qué”. O que ele diz é indiferentemente isso ou aquilo. O principio de razao obriga a escolher o melhor ea agir antes assim que de outro modo, ele obriga a falar de maneira nao contraditoria e, assim, dizer o que &. Mas, para © sofista, todos os “algo” tém 0 mesmo valor e nao ha razio para cscolher um de preferéncia a outro. Fles tem todos 0 mesmo valor, que nao depende nem de sua nao-contradicéo nem de uma qualquer adequacdo com um ente ele proprio nado contradilério; toda a substancia deles Ihes é conferida Por seu status de serem enunciados e discorridos; cles s6 sio porque sao ditos, ¢ por isso que eles sao tanto uns quanto os outros: o discurso nfo tem nada a dizer, ele diz. Em uma tal Perspectiva, o principio de razdo nao pode mais funcionar, mas se Lransforma em um principio de indiferenca: “nao ha razao para dizer isto de preferéncia aquilo, para falar assim e nado de outro modo”. Encontramos aqui a tese discursiva que nos pareceu caracterizar a pratica sofistica:!” tudo é sustentavel, tanto que nada é, quanto que tudo é, que Helena é inocente ou que ela € culpada. Se o sofista sustenta um de preferéncia a outro, de preferéncia nada e a inocéncia, é apenas porque 0 outro - é e ela é culpada — j4 foi sustentado, e se encontra, portanto, "Ver supra, p, 74. !'Ver supra, p. 71-74, 'G.,9., 13: to mallon, “o ‘mais” (20). 100 Hes BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 101 incognoscivel porque é impossivel de determinar como isso 6 “de verdade”, isto é, qual é“o mais”, “o de preferéncia” cons- titutivo do que é. Pois o que ¢, é “nao mais” 0 que nds vemos que 0 que nds escutamos, e “nao mais” o que nds percebemos que o que nds concebemos. Nao ha nenhum critério possivel da identidade do objeto, nem mesmo 0 consensus, ele mesmo variavel. O objeto é inteiramente difratado entre a pluralidade de seus aspectos, dos quais, justamente, nada garante que eles sejam aspectos de um mesmo objeto, mas que constituem, antes, cada um, “tal” ou “tal” objeto distinto,!?? sem consis- pu maneira que ndo parece mais apenas metaforica, auma Hcepeao atomii 6, A alomizagao Na terceira tese, segundo a qual “se é e se é cognoscivel, ¢ Ao entanto intransmissivel”,* a atomizacao do objeto € apre- nticda de maneira explicita como correlata de uma atomizacao ) sujcito. Se o objeto nao tem outra consisténcia que nao seja ja disseminagao de “talidades”, é porque o sujeito nao tem ‘ele proprio outra subsisténcia que nao seja diferir, Nao ha mais Felacdo entre um som e uma cor que entre alguém que ouve e alguém que vé, sem que nada permita afirmar que se trata de téncia unitaria, na falta de uma hierarquia dos dominios e de um “mais” organizador, Essa indeterminaco é produzida por uma compreensao puramente déitica do que & exatamente como, na Fenomenologia do espirito, isto é tanto uma arvore quanto uma casa,'"! este “o mais” necessario a objetividade é tanto tal quanto tal. O principio de indiferenga se funda assim em uma certa compreensio do que é: se o discurso nao tem que dizer isso de preferéncia aquilo, ¢ porque nada é assim de preferéncia a de outro modo. A unica consisténcia possivel para um objeto € ser o correlato de uma pratica necessariamente pontual, seja ela perceptiva, conceitual ou discursiva. E signo dessa inessencialidade do ente, essa atomizagao nao sintetizavel do objeto, o termo mesmo que vem substituir 0 termo “ente”: o plural pragnaia, “as coisas efetivas”? a ser entendido nao como “realidade” aparecendo de seu proprio fando no desve- lamento de um conhecer, mas como “efeitos” déiticos de uma praxis ela mesma atomizada, A precminéncia do discurso e a indiferenga em relacdo ao que é dito remetem assim, e de lim mesmo objeto ou de uma mesma pessoa. Essa anulacio da sincronia se duplica com uma diacronia irredutivel: nio ha mais relag4o atribuivel entre o visto ou a viséo cm um instante dado e 9 visto ou a visao em um instante que precede ou que acgue. O sujeito é finalmente reduzido ao estado de ménada: é tum atomo perceptivo instantaneo, lugar - ou antes, naéo-lugar JA que toda série no espago como no tempo é impensavel — de aparicdo de um fora fugidio para um dentro nao menos fugidio; © toda a sua identidade consiste nessa diferenga para consigo mesmo. Essa autodiferenga corrobora uma diferenga igual- mente irredutivel entre os sujeitos: se ninguém é 0 mesmo que si mesmo, ninguém poderia, com mais forte razdo ainda, ser 0 mesmo que um outro. Na medida em que um objeto tinico nao pode se duplicar no interior de dois sujeitos distintos, e POHANG; inversamente, dois sujeitos nao podem ter uma percepgao ins- tantAnea idéntica sem se confundir, toda comunicagao de um mesmo, toda transmissao, portanto, ¢ impossivel. Assim, o principio de identidade, se nés o levamos “Sobre a aparicio do predicado “tal”, j4 como finica caracteristica ade- até as suas Ultimas consequéncias, interdita identificar um quada do “algo” melissiano, ver supra, p.4l s. '* Hegel, Phénoménologie de Esprit, trad, J. Hyppolyte, Paris, 1975, 1, p. 84. 12G.,9., 24, 9G, 10.e LL. *- FILS BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 103 mesmo a si mesmo assim como dois mesmos entre si. Ele cava um fosso insuperdyel entre similitude — duas Ppercepcoes semelhantes e/ou dois objetos semelhantes que fariam uma transmissdo aproximativa — e identidade: em virtude da indiscernibilidade solo numero de dois objetos assim como de dois sujeitos, uma transmissao integral é portanto im- possivel. E, de novo, um excesso de identidade que obrigaa conceber a identidade, segundo o modelo da identidade do nao-ente e segundo © modelo da identidade do significante ou do fonema, como pura diferenca. A forga do principio de identidade entregue a si mesma e seguida até o fim deixa no caminho sua primeira criagao: 0 mundo estavel, ou animado por um sabio devir, dos entes ~ objetos e sujeitos definidos por sua identidade a si mesmos -, e produz uma espécic de acosmia, feita somente de diferencas ¢ de autodiferengas que tornam essas diferencas inatributveis. “Atomo” parece ser 0 termo mais adequado para designar esses pontos vibratorios de pura diferenga. E preciso levar a sério as ligacbes estabelecidas pela doxografia, e sublinhadas JA por Platao e Aristoteles, entre sofistica e atomismo!”! Uma das frases mais enigméticas atribuidas a Demécrito esclarece a similitude dos problemas ¢ da relacao com a ontologia: “o ada nao é mais que o nada”.""* “© ada” ndo éuma palavraem portugues, assim como to den, sobre a qual ela esta calcada, nao éuma palavra em grego; mas, em portugués como em grego, "0 conjunto da problemética 6 exposto por Heinz Wismann em seu artigo “Atornos Idea” (Neue Hefte fiir. Philosophie, 15-16, 1979, p-34-52), "SPlutarco, Contra Colates, 4, 1109 A (68 B 156, 18 DK, t. IL, p, 174): mé mallon to den é to méden einai. Voilquin traduz: “le rien existe aussi bien que le “quelque chose” [“o nada existe tanto quanto o ‘algo”| (op. cit, p. 177), [A tradugéo de Barbara Cassin é: “Ie ien rest pas plus que Ie rien”, que traduzimos por “o ada nao € mais que o nada”,| ‘Em francés, “le ien”, que. assim como “ada’, em portugués, também no é uma palavra em francés, (N'T)) 104 fermo s6 ganha sentido em sua relagio a e em sua diferenca foi “o nada”, to méden. E preciso ainda precisar que tirar a. eonsoante inicial (“n/ada”) é uma operagao menos violenta que suprimira primeira silaba, para cortar assim, bem. a lado da arliculagao etimolégica e semantica: pois to méden, “o nada”, é méd’hen, “nem mesmo um’; escolher den, € eouservar algo da negacao e recusar algo da unidade, fazer assim ouvir que © positivo nao é jamais inicial e sempre produz a partir dz Hegagdo e do enfraquecimento de um negativo; masé também # untes de tudo manifestar que nao se trata de inicio de uma coisa e de um significado, mas de um some de um significante. Plutarco, de quem nos temes o enunciado, interpreta and “ada” como nome do “corpo”, que é, por sua vez, ainiexpretarda corrente do termo “atomo’”, eo “nada” como nome do “vazio 0 conjunto da tradi¢ao assimila “atomo” e “ente”, “vazio” € ria e Aristételes marca ja no fandamento do atomismo um princi- po antiontologico; Demécrito afirma, com efeito, Finalmente “(Jue o ente nao é mais que o nao-ente”.”” O enunciado tae amarra assim o princfpio de indiferenga - “nao mais que”! — em sua aplicagao a ontologia, a uma pralica discursiva: sobre o tundo do nada, o que resta do ente, 0 “ada” que é dessa vez, a0 pé da letra, um menos que nada, 36 tem existénciae sentido no e pelo discurso, como diferenga vibratéria. Do ESHA modo, a tinica qualidade positiva atribuivel ao atomo é aguela. ane interdita toda outra atribuicao, até mesmo no moderno princi- velocidade, caracteristica do movimento!” pio de incertez: ' Met., A 4, 985 b 8. © contexto imediato da citagao, que poe, alids, a telagao Deméctito € 0 sofista Protgoras, repete por trés vezes este “nao mais que’ (ou/me mallon) oaplica, exatamente como no tratado, a talidade* das coiees efetivas”: “cada uma das coisas nao é maistal do que tal” (fbid., 12-15). '“Tnversamente,o movimento sempre foi um in¢Omodo para a consistén- cia do ente. Por isso, nds conservamos no interior da Tratado o carater excepcional do predicado (cf. G., 8). 105 BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 7. Discurso da fisica ¢ fisica do discurso i) poderia ser um dizer da fisica, a ndo ser enunciando-o #0 \m dizer entre outros, nao mais verdadeiro nem falso ie um outro. A maior verdade da fisica, e isso é sugerido Jn frase de Demécrito, seria ser uma elaboragdo segunda exenhando um mundo a imagem do discurso, compondo partir do discurso e por meio do discurso um equivalente ico do discurso: 0 4tomo no seria entéo nada além da fic- Essa evocacao do atomismo permite Precisara diferenga entre fala [parole] e discurso. A fala, cujo modelo é 0 Poema’ de Parménides, diz.o ser. E como o ser nao cessa de se furtar ao se deixar dizer, ela diz o ente e os entes, ela diz algo em_ vez de nada, e acaba por produzir tegras de consisténcia desse_ ue sob a forma dos principios légicos. O desvelamento se fecha em nao-contradicao, ¢ a verdade se torna ade quacad 10 ~ efeito e fixagdo ~ fisica do discurso em sua intimidade entre um dizer e um ente, ambos nao contraditérios, A fala jignificante, para a qual essa irredutivel invengao do “ada” chama a atengao."! O atomismo, longe de ser um discurso fisico entre outros, toma de empréstimo o discurso da fisica £0 tema da ontologia para reconduzi-los a sua unica verdade: fio ser nada ontoldgico, mas um menos que nada ontoldgico. A relaco entre fala e discurso é complexa, como aquela entre ontologia ¢ logologia. O discurso pode parecer, de inicio, tio poematico quanto a mais poematica das falas: o poema, partir do copertencimento do ser e do pensar em seu dizer, {uz ser o ser que ele desvela, assim como o discurso confere algo como 0 ser a seus efeitos. Discurso ¢ fala se cagam entéo tim ao outro, pretendendo cada um a totalidade da cena. Seo que diz assim o ente em seu brotar como phusis, como objeto da fisica, ¢ finalmente, desde o mocats “Sobre a natureza ou sobre o ente” até a fisica ea constitufdas como ciéncia, um discurso da fisica, O discurso sofistico, ao contrario, si e depois primeiro metafisica sal ¢ © apresenta essen- talmente como nao tendo nada a dizer e, através disso, lhe acontece de nao ter nada a dizer. Ele é autarquico, suficiente, Porque ele simplesmente é ¢ nao ¢ nada al autos- discurso, todo o resto “é” simplesmente seu efeito; og meee sao produtos légicos, em particular os sujeitos de enuncia- dos: ha carros sobre o mar se e somente se “hd carras sobre 0 mar”, assim como os sujeitos que os enunciam so 0 produto discurso faz aparecer a fala como um discurso entre outros, de auas enunciagdes: 0 dizente diz um dizer, ¢ sé tem sera aquele que escolheu sustentar a ficgao do ser, a fala, por sua vez, partir dessa pratica anénima. A autonomia do discuirey ga ginhando forga de origem uma vez que ela é enunciada, obriga marca pela poténcia de sua instancia significante; nao, mais toda pratica discursiva a no ser senéo um jogo insuficiente ¢ perverso. O personagem do sofista, como o do atamista, é desenhado pela ontologia: aos sofistas faltam raizes — eles nao demoram na casa do ser; so estrangeiros errantes, uma raga de “barbaros”,? que nao fala grego, lingua da presenga e do desyelamento, mas, nomeada a partir da onomatopeia, fazem uma vez, porque ele significaria algo, tal como Aristételes o define, mas porque se trata nele do significante, na acepeao moderna do termo que remete a bocaea orelha, aos sons, aos fonemas e A literalidade. O discurso nao significa, ele se faz ouvir e até mesmo: “sé ha o ouvir” E assim que o sofista joga we © significante, em seu equivoco e em sua linearidade. O iscurso se diferenci 7 ncia, portanto, da fala pelo fato de que ele ' E¢sa interpretacao absolutamente original do atomismo deve-se a Heinz Wismann, que a defendeu ema um certo némero de seminérios, assim como no artigo citado, insistindo na relagao entre tomo ¢ fonema/letra. OCE G,, 10., 23, '® Aristofanes, Os pdssaros, 1700 (82 A'5.a DK, tI, p. 273, 1.34). 106 FLO BARBARA CASSIN SE PARMENIDES apenas “bla-blé-bla”, Tal como Leucipo, que nasceu em Eleia, em Abdera ou em Mileto, e s6 tem talvez exist€ncia de nome, tal como Gorgias que “gorgianiza”, eles sao eles proprios efei- tos de discurso, e seu nome por si sé atrai multidées de ouvin- tes, voyeurs do discurso. Pois os sofistas sto “ventrelinguas”,' eles tém o ventre na lingua: iscorrer — propalar o significante ~ ese deixar assim discorrer os faz gozar e os faz comer. Eles recebem uma indenizagao cujo escdndalo tem a ver como fato de que ela provém do seu discurso: nada de guardar ou dese encarregar do ser por uma fala que seria como a sua casa, nada da constituicéo de um tesouro, mas uma pura despesa, um fluxo de energia, um ato, como 0 potlatch descrito por Georges Bataille e que constitui uma “parte maldita” perturbando a economia. Assim, a restituigao é ambigua e manifesta um reconhecimento da despesa, mas a0 mesmo tempo a faz entrar na ordem, remunerando sua estranheza; o sofista se artisca a perder ai sua reputacdo e parecer, se nos perdoarem 0 jogo de palavras, nao tanto peripatético da energeia, praticandoa soberania do ato, quanto uma prostituta que faz o trottoir, 4 Cujo gozo pago se reduz a um prezer do drgao: fazer barulho com sua boca. A fala parece assim vencer o discurso em seu proprio jogo uma vez, que, se nada é e se o discurso é a inica pratice ontolégica possivel, entéo basta que o sofista fale para que “seja”, estando bem entendido que esse ser, que é nao mais do que nao é, é insuficiente, negligencidvel ¢ decadente para um auténtico fildsofo. O personagem do sofista ¢ entao encurralado até em sua prépria prética: também o admirdvel Cratilo no abria mais a boca, contentando-se em mexer 0 pequeno dedo, com medo de ser preso na palavra. Por isso, bid, 1695 s.; 1702 5, *Jogode palavras imposstvel de ser traduzido. Em francés, péripatéticienne, que vem do grego peripatein,“pesseat”, significando,em francés,a partir dai, “prostituta, anulher que faz o trottoi:”, (N/T) 108 - FILO ii Bataille, “uma dilapidacao de energia é sempre 0 contrario ‘tle uma coisa, mas ela s6 entra em consideragao ao entrar na rdem das coisas, transformada em coisa”.! De maneira simétrica, 0 discurso utiliza, contra a fala, as proprias armas da fala. Ele nao tem outra consisténcia que aquela que o dominio exacerbado das regras da fala lhe confere e se funda exclusivamente na légica elaborada, a partir da on- jologia, pela propria ontologia. Mas ele as toma, por sua vez, 4 pé da letra e leva até o fim a identidade, a nao-contradicao © a exigéncia de dar razo; ele aplica a lei sem limite e sem restricao, isto é, sem levar em conta nuances, dominios, ex- cegées simplesmente costumeiras ou evidentes e que nao sao explicitamente tematizadas por ela; ele ultrapassa a pegada do adversario, como um bom judoca que sabe utilizar a forga do outro; ele leva até o fim o regramento, como os aduaneiros que fazem greve e bloqueiam assim os viajantes como toda a administragao das aduanas; bloqueando em toda legalidade as leis da fala, ele desbloqueia a possibilidade do discurso e ihe permite, nds 0 vimos, “desbloquear’. A sofistica torna manifesto que uma catastrofe, uma revolugao, nao tém lugar a partir do fora, que uma instituicdo nao cai como uma ci- dade sitiada, mas apenas desde dentro, por esgotamento da légica do sistema. O sofista pratica assim uma técnica de ponta, uma tec- nologia avangada, cujo modernismo nao pode mais nos es- pantar. Mesmo uma descricao légica detalhada e adequada dos procedimentos sofisticos sé poderia talvez ser fornecida por formalizagées totalmente contemporaneas. A “mereolo- gia”, por exemplo, estabelece uma logica rigorosa que repousa no equivoco de “é”, a partir de sua identidade em todas as ocorréncias. Por sua vez, a ldgica “intuicionista” mantém “La part maudite, Paris, 1949, p. 79. BARBARA CASSIN SE PARM/ENIDES 109 uma diferenga irredutivel entre afirmacio e negacio de uma nega¢io, precisando, por outro lado, as nogées de “sustentavel” e de “contestdyel” a tal ponto que a unica prova de falsidade consiste em uma repeti¢do em um ponto nomeado disso que 0 adversario ja disse, praticas com as quais Gérgias e 0 And- nimo nos acostumaram amplamente. A sofistica esta ficando na moda, porque ela desdobra os paradoxos implicados na logica dita Classica e limpa assim o terreno, propoe até mesmo um modelo para outros tipos de praticas significantes. Essa moda nao é separavel de uma visada, a partir de Heidegger, da ontologia como tal. Mas, com a sofistica, nao se trata de nenhuma lenta meditagio da origem, de nenhum passo atras. O sofista, é claro, nao cumpre nem desconstréia metafisica; ele nao poderia tomar a diferenca ontolégica por tema explicito, seu “nada é” no se efetua com uma regressio desde “o ente &” até “o ente nao € (ente)”, que faria ouvir que apenas “o nadificar do nada” é o ser.® Ele empurra, antes, a origem com toda a velocidade, a velocidade do discurso e do étomo, em direcao a seus excessos, suas realizacdes mais esgotadoras; seu “nada ¢” — e 0 discurso é esse nada - é, muito antes, esse resultado de uma tecnicizacao furiosa da fala e do pensamento, que, como técnica de ponta, destranca os constrangimentos mediocres da técnica ambiente. Enfim, 0 Tratado do ndo-ser tem isso de particularmente notavel: que ele nio é apenas discurso, mas discurso sobre o discurso, ou, antes, discurso do discurso, praticando uma teoria da pratica. Como uma phusis invertida, em vez de crescer e de se enriquecer, ele se da de saida a velocidade ea despesa méximas: “nada é”, depois, ele se reduz com recuos sucessivos: “se é, é incognoscivel” — nao h4 nada a dizer -, “se ée se ¢ cognoscivel, ¢ incomunicdvel” - nao ha ninguém °CE. Questions LV, “Seminaire dur Thor 1969”, Paris, 1976, p. 296 (Vier Seminare, Frankfurt, 1977, p. 99), 110 FIL a qucm dizé-lo. Essa “coisa” na qual necessariamente a “dila- pidlagio de energia” constituida pelo Tratado se transforma é porlanto ainda nada: nada além de discurso, e cada vez menos, somo a curva decrescente que ele descreve, que o descreve. 1 & preciso que nada seja, que a fala, a fisica, a ontologia se ilesencadeiem, para que o discurso possa ser tomado em consideragao enquanto tal, enquanto esse nada, esse menos qe nada, que ele é e que € 0 ser. A fim de que ele nao seja efiliio reificado ou, o que dé na mesma, a fim de que a fala tio yd repetindo que o sofista sé se ocupa do nao-ser ¢ do acidente, é preciso que o discurso nao cesse de ser praticado, fepetido, deslocado, rediscorrido, ainda mais, mais, mais, @ é o que faz o Anénimo. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 1. cao generalizada 1. Repeticao doxografica e repeticao sofistica O Anénimo, portanto, repete Gorgias, até o ponto em as vozes deles se confundem no final. Trata-se nessa repe- io da esséncia da discurso sofistico - repetigao catastrofica ontologia e que nao pode nem deve se resumir, mas apenas enunciar de novo -, ao mesmo tempo que da esséncia do so doxografico. A doxografia, tal como ela sc apresenta, ¢ tal como a \izamos habitualmente, é, com efeito, ela também, essen- ente repetitiva. Mas a repetigao que se lhe atribui nao é rtamente de tipo sofistico ou catastrdfico: é uma repetigao ramente escolar, ao mesmo tempo sabia e desajeitada, cons- tiva da transmissio e da tradigio. O De M.X.G., classificado de maneira undnime dentro do género doxografico — especie: doxografia tardia; individuo: doxégrafo pouco dotado e pouco escrupuloso -, pareceu, no entanto, na ocasido de uma and- lise das repeticées de Parménides por Melisso, Xendfanes e Gorgias, depender de uma repeti¢ao de outro modo delicada esubversiva. Essa discordancia envolve uma série de questées: a apreciacao tradicional da repeticdo doxografica € suficiente? 113 Sendo, como se deve pensar a doxografia, e quais sao as rela: Ges exatas entre repetigdo doxogréfica e repeticao sofisticag, 2. O fim da doxografia “Doxografia”: escrita de opinides. No comeco, a fala: os dizeres dos primeiros filésofos, que, se foram emitidos, nao foram jamais escritos. Pois, desde Platao descrevendo a Posteridade das Musas da Jonia e da Sicilia, desde Aristote- les, quando ele faz as histéricas fisica, metafisica e celeste de todos aqueles que nao pensavam ainda como ele, esses dize- Tes se transformam em doxai ou resumos de doutrina, e se transmitem através de uma série de textos doxograficos sera a qual nada, quase, se saberia hoje da filosofia pré-platénica. A doxografia antiga propde contetdos numa primeira abordagem codificados ¢ invariantes; mas ela os inscreve em horizontes de inteligibilidade diferentes, ess: smudangas de significagao influem em retorno sobre os Ppréprios resumos, podendo produzir, como por elaboracdo secundaria, onil doxa nova incompativel com o esteredtipo precedente. ‘Trés horizontes maiores condicionam, embora em niveis diferentes, omaterial que nos chegou. A orientac4o mais fundamental é sistematica; ela hierarquiza as doutrinas segundo uma grade de quest6es e uma escala de valores platénico-aristotélica adotada de inicio por Teofrasto, © sucessor de Aristoteles 4 frente do Liceu, ea qual se liga a prolifera¢ao ulterior dos manuais escolares. Em um plano mais literdrio, a tendén- dfica solidifica ¢ precipita a teoria em uma unidade a da “vida’ ao termo de uma evolucao, que é intitil retragar aqui, Didgenes Laércio conjuga as duas tendéncias em suas Vidas, doutrinas e sentengas dos fildsofos ilustres'*? que dizem tudo sobre todos, dos Sete Sdbios a Epicuro. Enfim, 0 ” Acessiveis em francés na traduga Paris, 1965, aproximativa de Robert Genaille, 114 FILS jogo dos horizontes vai dar em si mesmo, entre outras leitu- fas, em uma relativizacao de tipo cético se manifestando de inicio no seio mesmo da Academia, antes que um cético de linhagem pirroniana como Sexto Empirico, o outro citador do Trulado do néo-ser, se sirva disso para justapor a diversidade das opinides e tirar dela argumento contra a existéncia de um eritério do verdadeiro. As coisas ficam nisso durante séculos. Até que Leibniz abre, com o principio do melhor, a dimensio do progresso histérico, progresso da razao que se eleva, de uma configura- Gio proviséria a outra, até a transparéncia maxima. 6 nessa perspectiva, aquela mesma das Luzes, que Brucker publica em 1742 sua Historia critica philosophiae, na qual a tradicéo doxografica é pela primeira vez retomada a fim de ilustrar 0 encaminhamento da razao universal. Ela fornece seus mate- riais aos grandes historiadores da filosofia do fim do século XVIIL, serve, através de Tiedemann ¢ Tennemann, ao projeto dessa Doxografia do Espirito que éa Fenomenologia de Hegel, calimenta até no detalhe as Licdes sobre a histéria da filosofia. Mas quando, no século XIX, 0 devir histérico se au- tonomiza, o sistema cessa de fornecer 0 horizonte de inte- ligibilidade: a sucessao regrada pelo conceito dé entao lugar 4 causalidade das influéncias reais. Zeller, que descreve em um afresco positivo “a filosofia dos gregos em sua evolucio histérica”,* se interessa muito naturalmente pelo jovem Diels quando este aplica esse tipo de causalidade, nao mais como cle, a historia das ideias ¢ a sucessdo das doutrinas, mas ao instrumento mesmo que forneceas informacoes, a doxografia propriamente dita. Com 0 eparecimento das duas sumas sem as quais ne- nhum filélogo e talvez nenhum filésofo poderia passar, os *fotitulo da obrackissicade Edouard Zeller, Die Philosophieder Griechen in ihrer geschichtlichen Entwicklung (primeira edigio, Leipzig, 1853). BARBARA CASSIN SF PARNENIDES: 115, Doxographi Graeci em 1873 ¢ Die Fragmente der Vorsokratike em 1903,'*° uma verdadeira Muta¢ao se cumpre. Diels, co: efcito, pée definitivamente fim ao jogo doxografico, a prolife. ra¢ao das interpretagdes e das reinterpretacoes dos resumog antigos. A doxa, na distancia mesma que separa a fala viva do resumo de doutrina, se definia inteiramente Por uma ascilagao, a dificuldade do enunciado primeiro; ora, muito mais fre- ilicntemente, apenas as insuficiéncias da transmissao, que se (rata de reduzir duplicando a problematica das fontes com tum método comparative. Assim, ¢ preciso, segindd Wikshet ® para nos ater ao De M.X.G., que o Anonimo Fecopity Por tazoes quaisquer, [um] argumento logicamente menos justo’ entre interpretagao e repeti¢do: a partir de Diels, a repeticao determina todo 0 seu valor e ganha lugar de norma. Como um homem no fim da sua vida a quem Diels os compara, og doxégrafos, retardatérios que vieram depois dos sistemas de Platao ¢ de Aristoteles, sé teriam tido que compilar. A doxo- grafia se levantaria, mais noturna que a coruja, como 0 tédio com o fim, ou um primeiro fim, da filosofia: Hegel vai dar as — cartas depois do ultimo ponto colocado em sua ultima obra, os doxégrafos escrevem. Tamhém os prefaciadores sio de um despeito unanime: “(Sexto Empirico) repete a saciedade o que se compreendeu imediatamente... Como em todos os escolas- ticos de qualquer época, isto é, em todos aqueles que repetem © pensamento dos outros, hd, nesse deserto, alguns odsis com Os quais nos surpreendemos... Mas nado sentimos jamais a ascendéncia de um grande espirito, jamais uma iluminaca Jamais um grito, Isso destoaria, alias, nessa confusio” 40 Desde entio, nao ha mais senio uma unica construgao Possivel: a que descreve a filiagao historicamente exata, real, que Diels elabora em seus Doxégrafos. As divergéncias ¢ as contradi¢6es entre doxai sio doravante imputaveis ora aos Préprios sistemas transmitidos - nada de espantoso no fato de que Xendfanes, se ele afirmava que o deus nao é nem limitado nem ilimitado, tenha dado origem a duas tradicoes igual- mente parciais, seja limitadb. seja ilimitado, para dissimular * Doxographi Graeci,quarta reimpressioem 1965; mas.os Fragmente sio também um sucesso de livrazia: 1 reimpressio da 6 edigio em 1968, “Jean Grenier, Oeuvres chotsies de Sextus Empiricus, Paris, 1948, p. 17 s, 116 FUd sobre uma fonte eleatica tardia, travestinde o valor desigual dos documentos, e os suture com desajeitadas transicdes. Essas pessoas sé sabiam repetir ¢ se repetir, elas nado pensavam, e nada de mais cansative do que a auséncia de pensamento. Com excegéo precisamente dessas maigalhas de pensamento que Wwavestem, por instantes, a pura repeticao — acontece até mesmo ao tédio ser infiel. Através disso, 0 edificio de Diels nao é mais posto em (uestao. Sua forca incontestavel, inevitavel, tem a TERE O {ato de que ele permite enfim, e apenas ele, se apropriar ec um zelo antiquario do corpus abundante dos extn
racrescentado ao texto 7.7 : designa no grego um locus desperatus * : designa na tradugio m locus desperatus M1. 148 [APIZETOTEAOY] EPI MEAIEZ0Y AiStov elvai gnow et 11 gow, einep ph EvdéxeoBat yeveodar pndiv ex pnBevoc Fite yap dnavra yéyovey elite wy ndvra, aibia Guporépwc. "EE obSevdg yup yevéodat av abTHY ylyvoieva. Andytwy te yep yLyvo- HEvOY, ovd2y apodndpyew. eit’ Sviwy Tivey Gel, Etepa mpoaylyvorto, mdéov ay Kai petov T dy yeyovevar el 5) mAgov Kai peitov, TovTO yevéoar dv & odéevss tH yap ehar- TOM TO MREov, O06" Ev TH pLKporépy Td yEilov ody ondpyew. ‘AiBtoy Se Sy, Aneipoy elvat, St od Exet dpxhy SGev tyévero, od rehevriy ele 6 yy vopevov étehedtnoé nore. Mav 5é, Kai dmeipov bv, slvai et yap mhéw H S00 etn, mepar’ av clvar tadta mpc éMAnAa. Test, emend.: 3 didta: Addvatov Bonitz Brandis: atv& Apelt Sairov: va attoy 10 évante ta add. Beck, Tit, mM. Spalding: 'A piaxoréhoug nepi Zyros L: ‘Apiorotéhovg (@eoppdarou man. rec) nepi Xevopdvous xepl Zivovog nepi Lopylov x nepl Ziivwrvoc R 2 evdexeoBat Ls évdéxeraR 3-4 &ldia auporé pros 1:5 dugorépwy R 4yevé0ai Ls lacuna IX litt. R avpostadt@yt.R 8 dvL:&yR HLGR I-EAATIOWL:BatrovR 10086" Test. emend. : I naty 5¢, kal neipoy bv: (nav yap). Zineipov 6°Bv Apelt vente elvaradd. Kern 2 nAéw f Oto O80 f wAEw Susemibl. 2rdewl:wAeovR népar'iv aulg.:neparay R: nepl Atay L. 974a 10 FLO [ARISTOTELES] SOBRE MELISSO E eterno, diz ele, se algo é, ao menos se nao ¢ 974a possivel que nada provenha de nada. Com efetto, que todas as coisas sem excegdo tenham proveniéncia, ou nao todas, nos dois casos eternas, pois nao ¢ de nenhu- ma dentre elas que elasproviriam, se elas proveém.Com. efeito, todas sem excegio tendo proveniéncia, nada existe antes; e se, algumas desde sempre sendo, outras proviessem, maior e mais numeroso 0 ente teria se tornado; entao, se mais numeroso maior, proviria de nada; pois ao menos nao pertence o mais, e no menor nao est4 o maior. Sendo eterno, é ilimitado, porque nao tem prin- cipio, coisa de onde provir, e também nao tem fim em que, tornando-se, ganhe fim um dia. Mas é tudo, mesmo que sendo ilimitado; com efeito, se fosse mais, ou mesmo dois, elesseriam limites uns para 0s outros. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 10 149 4 "Ey 88 }y, byowwv eivar maven. el yap 4. Sendo um, é semelhante por toda parte; pois 2 2 . yz 5 i a iamais um, dvopoioy, meio Svta, obx &v Ett elval, GAXG se é dessemelhante, sendo muitos, nao seria moda, mas urna pluralidade. 3 Aliov 8 6, wetpdy te Kai Spowv 15 5 Sendo eterno, imenso e semelhante por toda 15 Ravin, axivytov elvar to gv Od yap av . . 24 4h ode semen xePfvat ph ets ci inoywpAsay- vnOXw- parte, iméveléoum. Comefcito, clenao p _ praat dE avayeqy elvar frot cic mpec ov sem se deslocar para algo; ora, desloca-se necessaria- cig Kevov. tobrov 8% to Uv obK dy . 4 é ja para ovazio; mas, Beeasoes vo MANpeC, TO 42 be elves abdey sac aca gnepimaet Feng 04 EG 10 Kevov. desses dois, um nao pode receber o pleno, 6. Towodtov St dv, 1 Ev dvadvvdv re Kal 4o é nada além do vazio. ve nao é . a avadyqtov, by1é¢ te Kal Svocoy elvat, ote 20 6 Sendo tal,oum ésem perturbagdoesem dor, sto HETAKOGHOUpEVOY Bede obte EtepoicbuevoY . 2 si¢o,nemaltera 20 eSet oBte quyvopevov aAdp: Kata navi sen oes ee seamen sna aaeesee Yap tadta, mOMMd te To Ev yiyveoat rai sua forma, nem se misturaamaisnada. Em to Rese 30 th By rexvotioa kai ro dy @BelpcoBai casos, com efeito, o um se torna miltiplo, eo nao-ser AvayxdleaBar- taiita 8% ASvvara etvat ° ‘5 i iamente; 1 'Y Kai yap ei 78 wopiyOal By 2x mleiovov éengendrado eo ente ¢ destruido, necessarial Aéyoito Kai ein TMOLAG te Kai Kivodpeva ele 25 ora, isso sao impossibilidades, , WAnha 1a mpdypata, Kai A wkic, Woe ev E, com efeito, mesmo se, em vista da mistura, evi, obvOeow ety tov melvwy, H TA axad- e que as coisas 25 Adker clov srinpdodecis yiyvorto Ho Kaas. pode-se SE eee ia cman a. tov, txelveg pay dv Siddnha yxwpigovra efetivas sejam miltiplas e em movi: elval ta wty@évta, exinpood sews & oon aoa eseamistura, enquanto que em wi Mux! Ps na m relacao As outras, faa év th tpivel ylyveodat av Exactov gavepdoy, A ick is de um elemento, agaisoue yan ey Tpatwv Ti Sn aANghe 974b iat Semen te8EvTa TeV puXBevrar: bv ovdétEpoY oop ousetornasse, por separagao, come Baivatv. elementos misturados: no primeiro caso, os elementos Serer a scare EES 4. 12v,8t010v L:8pdvoy RR ndven LimavtaR misturados seriam distintos, sepmmande: sseno el eiuulg ALiAR — 2avipoww LidvopoiaR ey da superposi¢do que oculta, seria na fricgio que cada stétihab R elven L ; Ociva: R. ° ‘ imei $ 5. L aoe wees um se tornaria visivel, os primeiros dos elementos ‘ Adviloy Bekker 6 td mANpes del. Diels misturados removendo aqueles que sto colocados 974 7 i)70 kevov del. Apelt (jj iam Bekker), adol nemo SeivneverL: KwvyVAR eletiL store uns sob os outros. Mas, dos dois, nem um, bnoxwpoav iter. R$ elgom. R, outro se produzem. 6, 1-2dv.. hai L dv twy avei6vyor 8 xal dvedyttioy Sreore kal avoOay etvat R. 7. Test. emend. ; 2Aeyorto: yevorre Bonitz 3y:F Beck 4-5 anaAAaer: eroAiéke Mullech 6 ywptdovta : xopic Syta Kern, 2texalom.R 5 éntxpdoticoic L:émmpoabiceic R 6 éxelvac Ls ExeiwougR SiddnAa xwpitovea HEM ov ywmivrovR — 7émzpoadisews L: éminpoaBécews R. 151 150 mi BARBARA CASSIN SE PARNENIDES Awa tobtwy 58 Tov tpédmwy Kav elyat MOAAG KaV Hutv, Geto, palvesBar pdves. ‘Dore Eneidi, ody oidv te ofitws, odd! noha dvvaroy elvat Ta Svta, GAAA tadta Soxety ovx 698 ToAM@ yap Kat Aa Kara THY alaOnaiw pavraiecBal Anacay, hoyov & otte, ei aipeiv, ta abta yiyveo9a, odte TOMAG elvar TO dv, GAMA Ev aldiov te Kai dneWpov kai navey bporov abrd avg Ap’ ody Sei mp@rov pév pi) macav Aa Bovta 66tav dpysoBa, aX af pariorée cio BéeBaiol; Nor’ ei ev Gnavta 4 SoKodyea pi} 6p0@> dnOAABaveTar — Sev tows xpoarKel Ov6E TOvTH mpocxpHadar tH Soypatt - odx dy mote obdév yévotto &k pndevds. Mia yép Tie €ott B6Ea, Kal atirn wav odk op8Gy, Fv &k Tov aicfdvedai nw¢ int TolA@y ndvrec bnethpapey. — Bi S8 piv navta Apiv yevdq TH atvoueva, GAAd Tives clot Kai toltwY SpOai Onodnyers, H emdeiEavta toravty rod i] Ta PaAIGTA SoKovoas 6pBAc, TabTaG An Téov- &¢ dei PeBatotépag elvat Set i al HEAAovoIY e exeiviay TY Adyov SeixOH- orobat. Test, emend.; 2 dev piv : xed ode Ay HLiv Mullach 6 wavidfeBat del. Spalding &raaav: amaréy Spaldin : del, Diels: dairy Wiesner 7 oiite, ei: obt'éxeiv’ Bonitz ta obra : tedra Diels, 1 robtwy dé tay spénwy L: tobtoy 8b toy tpoMOVR 2 @eto rest. Diels: er Lrg téR 4 robre L: tabtaR GlimaoavR: dnata L 7 ote, ciapeiv scripsi: of eeimupety L: ob cuxeivaiper R, Test. emene. 5 étante odx add. Spalding 9 wry nave : wi, anayta Apelt 11 to1aiity : to1ab TH Bekker. QatucinLidlwovR 469ev L:ob8évR SndvregLh:vtegR phy Ry} AL 12 rowaden Tod L: mowT}tag R. 3 Nesses dois casos, tanto a pluralidade seria, acreditava ele, quanto ela nos apareceria, somente cla. De modo que, ja que ndo pode ser assim, também nao é possivel que os entes sejam multiplos, embora parecam ser assim nao corretamente. De fato, muitas outrascoisassio imaginadasna extensio dosentir,mas segundo a discursividade, nem - se ela tem forga de prova — se torna identidades, nem ele é milltiplo, mas um umeterno eilimitado, ¢portodapartesemelhante ele proprio a si proprio. Sera entao que é preciso, primeiramente, nao aceitar, para comecar, qualquer crenca, mas apenas aquelas que s4o as mais firmes? De modo que, se, por um lado, tudo o que cremos, sem excegiio, é aceito incorretamente como fundamento - em consequéncia disso néoconvém talvez também utilizar esse axioma -, entao nao é verdadeiro que nada possa jamais provir de nada. Pois isso é uma crenca, ela também fazendo parte das coisas incorretas, que, a partir de algum. sentir repetido, todos nds tomamos por fundamento. Se, por outro lado, todos os fendmenos sao certamente para nds ilusdes, mas se existe, de qualquer modo, certas assuncGes corretas a seu respeito, que se tenha demonstrado a natureza de uma tal assungao, ou que se aceite aquelas que se cré, no mais alto grau, corretas, sao essas que devemos aceitar; e elas Gevem sempre ser mais firmes queaquelas que vio ser mostradas partir delas, tomadas como principios. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 10 153 154 10. 10. El yap Kal elev 860 56a dxevavriat aAAHrars, Wonep otetar - el psy mOdAg, yeveoUar pnoiv avaykny eivar &e wi dvtwv. a SE tobtO i Oldv Te, Ove Eival ta SvTa ROAAG dyévntov yap bv, 6 tt getty dmeipow elvat el & obtws, Kal Ev -, dpolwe wév dh Hpiv d AUMOTEPwY T, od- Sev uaAdov vi Ev i Ott TOAAG Selievoran. Ei St BéBatos wadrov ¥ étépa, and tabrng buumepavOevea [AMov Sédemtar. Toy- Xavouev 58 Exovres apporépag tae bnodAwers tabvtag, Kal we ay ob yévoit’ dv ovdtv dc unBevds, Kal dig MOARG Te Kai KIvODUEVA HEV for. t@ Svra, dupotv S moth yaddov aben, kal O&rtov Gy apdewvto mevtes TavTHY Exelvy|G thy S6fay. ‘Dor’ el Kal ovpBatver évaveiac sival tag pacers Kal Abvvatov yiyveoBai ti Bx pi Sytog Kal pi KOAAG elvat ta mPAypara, PA€yxotro fev dv br GAAHov zadta. 20 25 975a “Test. : M-4 uid, Hes. Theog, , 116-120. Test. emend.: 56 t1elt1 Cook Wilson 8 11:81 Spalding Seand:tind Diels 13 44ey del. Bonitz 15 tadcqy Exgivnc: tad éxeiviy Konitz — 16 ovuPaiver opBaivor Spalding, 2yév Apelt:uyLR 3 &vayeny Mullach ; dvdyen LR 5 ayévatoy Apeli : yen. ta yap ev L: yevouto yp avOv Ro 611 scrips: éri LR SSR: Se L 7. aqpotépav ™ suppl. Apelt : 6 iacuna VI litt, éugorépey lacuna Vill. LR 10-11 tvyyayouey Mullach : Twyxavoueva LR 11 Fxovres L: Bxoveoc R 12.13 &&.. kaiom. R12 yévorr’ ay rest. Olearius :yévorray 13 xai og Mullach , $y tog L 16 cupBaiver évavtiag L: ouppalvew av tic R ITT: te DER, FLO BARBARA CASSIN SE PARMENIDES, Admitimos, com efeito, que haja duas crengas contraditorias entre si, como ele pensa ~ se ha plu- ralidade, é necessario, diz ele, que ela venha de nao- entes, mas se isso éimpossivel, entéo os entes nao sao pluralidade; pois sendo eterno, o que é, é ilimitado; ese é assim, é também um -. entdo, se nds concede- mos igualmente as duas premissas ao mesmo tempo, nao éem nada demonstrado que é um e nao que ha pluralidade. Se, por outro lado, uma das duas Z mais firme, o quendés concluimos dela se encontra mais bem 20 25 demonstrado. Ora, nds temosessas duas assungdes a9 mesmo tempo, tanto que nada poderia provir de nada, quanto que os entes sdo numerosos e em movimento; mas, das duas, é esta Ultima a assungdo mais digna de fé, e todos escolheriam essa crenga mais rapido que a outra. De modo que se esses enunciados sio efetivamentecontraditorios, eseéimpossivel que algo 975a provenha do nao-entee queascoisas efetivas nao sejam miultiplas, essas proposigées se refutariam entre si. iL. 12. iL 12, _ AMS tl padRov odtwg Ay EyoK “Tows te sav pain TI TOTO Tévavria, Otte yep Seifac Se bpOi| Sdka ay” Ae dpyerat, obre paArov BéBatov i} mept fic Seixvuai AaPwy, SiedéyGn, M@Aov yap UnohayBaverat elds elvar yiyveo- Bar ex wh Svto¢ ci uA MOAAA elver. Ad yetai Fe Kal agddpa dmép abtav yiyveoBai te r& wh Svia Kal i) yeyovevan modhA eK Uj Svtwy, Kal Obx StL of TUYXaVOVTES, LAA Kal thy Sokdviwy twee clvar copay eipieaay, Avtixa 8 ‘Halodog « Mavtav piv Tpdroy, not Kdoc eyéveto, abtap fmevra Lata edpborepvos, mivtwy E6o¢ daparéc aiel, 5° Epo, 5¢ névrecat wstanpéner aBavarotat ». Ta & GdAa pnoi yiyvecdat, tadta 88 ek obSevd. — MoAAol dé Kai Exepor evar pay oddéy qacr, ylyveobar Sé mavta, deyovrec ove 2 Svrwv yiyvecBar ta yiywouteve: o8dé yap av En abtotc dnavra yiyvoito. ete tobt0 Ly SAAov Sti, ev oie ye donet, Kai & ode dytwy dy yevéodar, AM &pa el yey Svvaté gory H Addvara & Meyer Aextéoy. 1d 6 nOTEpPOV cupMepalveTar abt € dv AauBaver i od6iv KwAter Kai 20 Gos Exew ixavov oxeyaoba Erepov yap &y 111067 laws éxelvou ef, Be Test. 1-H uid, Hes, Theog. , 116-120. Test. omend, Sui: OF Bonitz 20 8v ofc: éviorg Spalding. SénoRapBaverar L:RayBaverarR 6 ei Leif R 10 tivég civai copiby Ls eivat copay tivéc R I tévtov pév mpdtov L: npdrov usv ray tw» R IFAS L:5 R WSyiyveoda Ls yevéoda R IW OvK EE AvrovL: Kobe Svt@VR ob6k L oR 19 ylyvorro L: ylveodai té yevopeva R. ‘Test. emend.: 2Aextéoy : éatéov unig add. Spalding, Qrexrédov Li detesyR 3 abre L:adto R KOADELR: KWADELY L 4 fkavby Bonitz:ixaviig LR txepov yap L: Etepd ye R. 48ei post oxtyaoGan i. Mas por que seria de preferéncia assim? Talvez se poderia dizer o contrério. Com efeito, é sem ter 5 demonstrado a corregao da crenga da qual ele parte, esem aceitar uma mais firme que aquela sobre a qual. incide sua demonstragao, que ele faz.a sua dialética. Pois se pode sustentar que ¢ mais verossimil que haja proveniéncia a partir do nao-entesea pluralidadenao é. Tambemse diz sobre isso, nao sem peso, que os nao- entes vém a ser sem que por isso a pluralidade prove- nhadendo-entes;enaosao apenasoshomenscomuns, 10 mas aqueles que tém uma reputagao de sabedoria, que odisseram. J4 Hesfodo: “Entre todos, primeiro, diz ele, veio a ser Caos, depois Terra de amplo seio, de todas as coisas inabalavel sede para sempre, e entio Amor que resplandece entre todos os mortais’; 0 resto, diz ele, provém, mas eles nao ver de nada. Muitos outros 15 afirmam que nada ¢, mas que tudo devém, dizendo que nao é de entes que provém 0 que provém ja que, de outro modo, para eles, tudo sem excecio nao teria mais proveniéncia. Assim, ¢ manifesto que, ao menos nos limites da opinido, 6a partir de entidades que nao sao que pode haver proveniéncia. 12 Mas, agora, é preciso dizer se o que ele diz é possivel ou impossivel; ora, basta examinar se isso se conclui do que ele toma a cada vez por premissa, ouse 20 nada impede que seja de outro modo; pade ser muito bem, com efeito, que isso seja outra coisa que aquilo. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 157 158 IS 14. 15, 13, 14, 15, Kai mpiitov teBévros, & npovov AauBaver, UNdEY yevéotar &v ex ui Sytoq apa avankn ayévata Gnavra eivat, f obSév Kodter yeyo- vévat étepa && trépwv, kai toot ele dineipov eva TH kal dvaxdurrew Kw, dove 1 Etepov eK tod Etepov yeyovéval, del te obtwE SytOG Tog Kal Ameipérig Exdotov YEYEVNWEVOU gE ALAHAWY; ‘Nore oddey dv KWAVOITO Amavra yeyovévar, Ketévov Too undév yevéatat dy Ex jth dvro6, Kal dineipa évta npdg éxeivov npooayopet- oat oddév KwAbE TOY tH Evi éxopévov dvo- dtoy. TO aay yap sivar Kal AéyecBar kal Exelvoc 1 ameipy npoodnte. OvSéy Te KOE Kal UW dmeipov SyrwY KLE avtay elvan ty yéveow, : “Em el dxavta yiyveoba, fou 88 ob8éy, Ss weg Aéyoval, noe Ev aidia etm; AMAA yap tod uty elvai ti. de Svt0g kal Kemévov Siaheyerar el ydp, gol, uh eyveto — Sorw SE ~ GiSiov ety we Géov dmépye Td elvat Toig mpayuaow. a era Test. emend. : 9 xwhdoira : xwAbot té Spalding, Davéyen LR: avayantl 3 ayévyta dnavta L: ayévyntamivta R 5 ivaxdyrreiy L: averduncer RM xeyévov L :kwvopévoy R, ‘Test, emend. : Lt&ante dvra add. Spalding 20PEML:evT@R 31d dnay Ls th dnaveaR 4A npoodnrer uulg: npoodrrety LR. Test. emend, : 1 yiyvectar : yiyverau Urb. 108 4éarw: fort Spalding. 3 Evante ti hab. R 2 v: av Spalding SAi8tov ei) L:dibiavew 2, 25 30 FILO 13, 14. 15. E, posto deinicio o queeleassume de inicio, que nada pode provir do nao-ente, € necessdrio que todas as coisas sejam ingénitas, ou nadaimpede que elasnao provenham umas dasoutras, e que esse processo vaao. infinito? A menos que, também, hajaretorno ciclico, 25 de modo que a cada vez uma provenha da outra: as- sim um ente determinado se conserva sempre e, um numeroinfinito devezes, cada um provém dos outros. De modo que todas as coisas sem excecao nao seriam em nada impedidas de ter proveniéncia, concedidoo “nada pode provir do nao-ente”. Echamié-los, deacordo com ele, de entes ilimita- dos, nenhum dosnomes que seguemoum oimpedem, Pois ele também ligao fatodeseredeserditototalidade 30 ao ilimitado. E nada impede que, mesmo se os entes néo so ilimitados, a sua geracao seja circular. Além disso, se todas as coisas sem excecao pro- yém, ¢ nenhuma é, como alguns dizem, como elas seriam, como um, eternas? Bern, ¢ que, que algo seja, ele fala disso como se fosse e se isso fosse suposto. Pois, 35 diz ele, se nao houvesse proveniéncia — portanto se fosse - seria eterno, coma ideia de que é preciso que © ser pertenga as coisas singulares. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 160 16. 16. “Eu el kal Sti padiota pte td pi) dv avbéyetat yeveaOat ujte axohgoBar 7d Li Sy, Seg ti KwAdEL Ta LEV yevopteva adtiv civat, ta 8 &i6ia, do Kal EumedoKhie Aéyer; Gravta yap Kaxeivos taita dspokoyhoas, Stt «Ek tod pi) Svto¢ aphyavev tori yevéobat, 1 te By EAMGBAL AviVUOTOV Kai &mpyKTOV, Gel yap ByoeoAa day Ke tg alév epeidp », Suwo tHv Svtwv ta wey Aisld gnaw elvat, nbp Kal Sdwp Kal yfiv Kal aépa, ta 8 Edda yiyveaBai te Kai yeyovéval Ex tobtwy. Ov- Sepia yap étépa, we oleta, yeveoic sot toig oboww, « AANA povov pikic Te SidAAakic Te LLyEVTWV EoTI. QUaIG S Eri tog Svopaerar avopanoiiv ». Thy dé yéeveory, ei mds odsiav, Toig aidioig Kal TH dvtt ylyvecBar AéyeL- enel TOOT ye dddvatov Gero, « Mae yap », hoe, Kai « “Enavthoee td nav ti xai T6G_V EMOv’s » GAAG wLOVOUEVOY te Kai ovvTiBe- Mévov mupdc Kal TY Leta Upds yiyveo#ar TA MOAAG, StaAAATTIOPEVOY te Kai Staxpivo- uévov p8eipesBar madty, Kal elval tH pev piker MOAAG mote Kal tA SiaKpicel, TH d8 pooet TETTApA dvev THY aitlay Fev. Test. 6-8 Emp. 46 B, 9-11 ct, Emp. 31, 17 B. 13-15 Emp. $3, 3-4 B. 18-19 Emp. 31, 31 B. Test. emend.: 2 uijdel. Spalding 15 el: ob Fiilleborn, Sradtal:rabrdR — 6 &x rob wh OvtocL : €etepvovtegR SkeLixaiR — épeiby L:epet ER 9 pnow elvarL:elvai pn R 13 pbc Te R : pikic texal L 1Selmpdgodoiay L:nposwbeay R WavaL:duR Ie LiémR Gero | Roe yap Lito nde yavR — 18 émavkioese 16 nay 1 rest, Spalding : Enavtnaetero navel Lz emdpeeg (eronavtiR Kai LitexaiR 192\04yR: ENGYL loyouevov R: opyouévov L 19-20 ovyTiBepéveov L” R: ovveWerwv L* 21 Staddatroyevov te R: 6ladopévev SEL 22 nddw L AMR 23 note L:teR. eR, 975b 10 15 FLO 16. 18 Além disso, mesmo se néo convém, sobretudo, que o ndo-ente advenha nem que o nao-ente pereca, © que impede que, entre as coisas, umas tenham tido proveniéncia e outras sejar elernas, como justamen- teo diz Empédocles? Tendo, com efeito, concedido 975b tudo isso: “Do nio-ente nao ha meio de provir, e que oente seja nadificado, é interminavel e impraticavel, pois ele seria a cada vez posto lA onde a cada vez nos siamos”, ele afirma, no entanto, que, dentreosentes, ills so eternos — fogo, Agua, terrae ar-,enquanto 5 que os outros vém a ser e so provenientes deles, Pois nao ha, a seu ver, outro tipo de proveniéncia para os entes: “Mas s6 hd misturae troca de elementos mistu rados; ‘nascimento’ é seu nome entre os homens”. Mas a proveniéncia, se ela dissesse respeito a esséncia, ele diz que ela adviria aos elementos eternos e ao ente; jA quejustamenteisso ele acreditavaserimpossivel,elese 10 perguntard “Como entao?” e “O que poderia ser acres- centado ao todo, surgindo de onde?”; é, ao contrario, da mistura e da composigao do fogo e dos elementos que o acompanham que provém as coisas miltiplas, eda sua separagao e da sua divisao que, por sua vez, elas perecem; e pela mistura e pela separacio, hd, a um momento dado, pluralidade, mas por naturezaha 15 a quadruplicidade sem contar as causas ou unidade. BARBARA CASSIN St PARMENIDES 161 162 17. 18, 17, 18. "H el Kal Gmeipa ev tatta ein ek dy ovytienevoy ylyvetat, dtaxpivopevay 8% POeipetal, de Kai tov Avataydpay paci tives héyety 2 del Svtwy Kal dngipav ta yeyvoneva ylyveoBal, Kav obtwo obK av ein aidia méyta, GAAG Kai ylyvopeva Gtta xai 20 yevouevad 1 gE Svtwv Kai gepdueva cic obolag twas Gas, "Ett obé&v xohvet play tiva obsay To av popgiy, Os Kal 6 Avativavépoc Kai 6 ‘Avakiwévns A€youowy, B nev Sup elvar gd- Levos to nay, 3 Sé, & Avakwévns, dépa, Kad Soot GAAot obtwe elvar tO nev Ev HEWKaat. 25 tobto Sn OX Havi te Kal AANPEG Kal dALyO- THT Kai 1 Pavey H moevoy yiyveoOai, TOAAa kai &netpa Svra te Kal yeyvoueva amepydtedat td Bdov. — Syol 8& Kal @ Anpoxpitoc To S8op te Kal tov dépa ExaoTSy te téy NOALOY, tobt by, PvOpd Sagéperv. Th det xwAd- ev Kai obtwo va moAAd ylyvecOai te Kal 30 and\Avabar, & Svtog dei ei¢ Sv peraBdlhov- tog taig elpnpévais Stagopaig tod évdc, Kai od8ay ovre Méovos obre EAatrOVvos yryvoEvoU 10 dhov; "Ett th K@Aver woAAa pév éE Gov ta cdpara yiyvecBar Kai Stadbeabat ele dspara, otis Si) avahuspeva xai toa, yiyveaOai te Kai and\AveGar néhivs he Rein ‘Test. emend, : GmAjGeor: mAHDet Diels 11 vodyor ravrd Sylburg U-12 xocdsew: KoMerunlg. 18 Si dvadvdpeve: S'del avadvopeva Diels Kal faa: kar’ ioa Kern. 2 Sante ‘Avagéevng om. L ide L:6yR IeigLiégR 16 noMALimoreR 17-18 yiyveoBat - xal toa. om. R. taiira ein L: ety tara R ro 17, Ou ainda, se no inicio esses elementos sao tam- bém ilimitados, cuja composicao engendra e cuja di- visdo destréi — como alguns contam que Anaxagoras Justamente diz que de entes sempre eternos e ilimi- tados provém oque provém -, mesmo entdo todas as coisas nao seriam eternas, mas algumas viriam a ser, as quais scriam provenientes de entes Ppereceriam em outras esséncias. Além disso, nada impede o todo de ser uma forma que scja em um sentido una, como Anaximan- dro Anaximenes o dizem, ore afirmando: queo todo é Agua, ¢ ora, a saber, Anaximenes, que é ar, assim como 0s outros, todos, tantos quantos eles sio, que consideraram que otodoéum destamancira. A partir dai, esse todo, pelas figuras ¢ pela quantidade de cada uma, pela limitacao do ntimero, pelo devir rarefeito ou denso, faz, de coisas que ao mesmo tempo sdoe devém miltiplas ¢ ilimitadas, 0 conjunto do mundo, Demédcrito também declara que a agua, o are cada uma das coisas multiplas, sendo esse todo, sé digerem pela modulagao. Por que é preciso impedir, assim, que também as coisas multiplas nascam ¢ peregam, na medida em queo um se transforma, sem cessar, de entcem ente, pelas diferencasanteriormenteditas,sem que 0 conjunto se torne de modo algum nem maior nem menor? Além disso, o que impede que, em sua multiplicidade, oscorposprovenham deoutros corpos esedissolvam em corpose que, entdo, assim resolvidos ¢ iguais, eles, em retorno, nas¢am e perecam? IRBARA CASSIN SE. PARMENIDES. 20 25 30 163 164 19. EL 68 cai rabté tue ovyyopoin Kai ein ce 20. 21 19. 21, kal ayévqrov ein, ti UGdAoV tineipoy dein. Vorat: “Amtpov yap civai pnowy, el Loti sy, it yéyove dé mépava yap elvou thy vig yevéoewe Gpxiiy te kai tedevtqy, Kaito. ti Kkwhter ayévytoy Sy, Exe népag ex ta elpyusvov, ci yap eyevero, éxew apxiy akiot tasty S0ey pate yryvoueva. TH SE Kedber xal et An byévero Eyer Apyiiv, od évtor ye EE A ve Eyévero, GAAA Kal Exépay, Kai elvan nep- aivovea npde @AAmAa, alia Sv ta; Eri ti kodver td pev Slow ayEvntOV dy, Gmeipoy iva, ta 5% gy ate yiyvoueva menepavOal, Exovta Apxiy Kai tedevriy ye- véoewg _ "EM Kal @¢ 6 Happevidng gyal, ti xodver Kai x) nay Ey Ov Kal dyevmtov bpws nenepdy- Seu, xal clvar « Tlavrobey cbxbxrav ogaipag évahiysioy Syxov ueosdGey toonadee naveg, 7 yap obre 11 ueiov obte ti Baibtepov elvar uéxpr Ov Zar tH H ti >. "Exov 68 usoov Kal foxata, mépag exer ayévqrov by. enel, el kal &e abtdc Reyer Ev gov, Kat rodt0 Goya Ret Aa eavrod pepy, xa 8& Suotw avre a ge tuner obtw Aéyer 7d nav elvar odyi — ‘Test. emend. : § yeyvoueva : yey vopevoy Bergk. 2ehiom.R 4 yéyove st Splburg: yeyoveva LR Exe apxhv Lr apyhy Rew & ryoqteva L: ylyworro el yyvonpeve R, ee eee ‘Test. : 23-6 uid, Porm, 28 B8, 43-45 DX: cf. X, laud Test. emend. “_ 5-6 elvau wey div: teASLieV ypeciv Spelding 7-8 fxel: Apelt I We G\Aw Twit de GAOL Erépeo zavl Beck. BoinindovL :yxoKhovR 46 é sow L: yKOVL : dytciy R loomadic L: RaipedtepavR Sire pr. L der BatdtepovL :BaiBedtepov R_ 6dvlwv) Lac: by Ripe th rfhuule scqey Ret lacuna Vilitt.L ns Ove engi gi xai R :8y lacuna V litt, notet wall 10-11 003) dg G\Aw tot suppl. Diels: ouyl oe GAL lacuna VIitt, tw Lo lacuna VI litt, adda tivt R a 35 976a 10 FLO 19. 20. 2l. Mas mesmo que nés estivéssemos de acordo 35 comessas proposigdes, que sejae que seja engendrado, em que isso é mostrado, antes, como ilimitado? Com efeito, ele diz que éilimitado se ¢ sem ter provindo. Pois limites sdo o principio eo fim do devir. No entanto, o queimpede que, mesmo sendo ingénito, isso tenha um limite a partir do que dissemos? Com efeito, se isso tivesse proveniéncia, ele estima que isso teria por principio aquele mesmo em que isso teria tido prin- c{pio como coisas em devir. Mas 0 que impede que, mesmo se isso nao tivesse proveniéncia, isso tivesse um principio - nao, é claro, um de onde ele proviria, mas um de um outro tipo ainda -, e que sejam coisas que se limitam mutuamente mesmo sendo eternas? Além disso, 0 que impede que 0 conjunto, sendo ingénito, seja ilimitado, ao passo que as coisas que sao engendradas nee so limitadas, tendo um principio e um fim de sua génese? Além disso, como 0 diz Parménides, o queim- pede que o todo, mesmo sendo um ¢ ingénito, seja, no entanto, limitado e seja “Massa por toda parte se- melhante de uma esfera bem arredondada, com, a partir do centro, uma forcaigual; pois naoé, em nada, nem maior nem menor nos limites em que é, aqui ou ali”. Tendo um centro e extremidades, tem um limite, mesmo sendo ingénito; j4 que. se é como ele proprio o afirma, étambémumcorpo, entao temem sipartesdis- tintas;e, de fato, é nesse sentido que clediz que o todo ésemelhante, e nao como semelhantea algo diferente. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 976a 10 165 a2. 166 23, 22. 23. + ‘Onep ACnvayopac + EAgyyEI Stt Sporov © Uneipov. To ye Suolov stép@ Spowov, dote S80 i weiw Svia, odK Av Ev ObSE aTeLpov elvat: AAX lows xd Spoiov apos ro adro Aéyet, Kai gnaw add dpowoy civat kev Sut Spowpepés, Bdwp by Sxav A yi H 7 towdtov BAdo. Afog yap obtwc abidv sivat Hy, tov Si pepav AGTOV OdiLa dv obK ameIpdv got YO yap Sdov dnepov, Gote TavTa nepaiver mpdg &A- Anda dyévnra dy ta “Ext el diddy ve Kai dnepoy gotl, TH dv ely ty, dua by; Ei piv yap avopow- pepOy ely, TOALA Kai avtdg obtw yiyveoDat abot. EL 88 fray twp | amav ya, F Seu Si vo dv voor’ gor, TOAX Ov Exot pepn, de Kai Ziiveov Emyeipet dv derevovar 13 obtws v Ev cin ody Ay Kai MAsiova Ta adTOD [EPpy Bhattovoy te Kal IKpoTépwy GAA: pawl” 6 dy LpcR: GvL* —HyyAubs}yqvelmR 7.89 pepaw L: Sperdv R, “Test. emend, 7 mheiova Ta: weiov"tta Diels 8-9 Eharr6 TE KGL HIKPOTEDOY AAA Te: EAATTOV' Svta Kal pixpdtep’ dAAa <@AAwy de> te Diels 12 av alt.: 1 Diels 13 fjante tiadd. Cook Wilson Ey ApOud : vipa Bern, 402, 2 €y, oa Ls €v lacuna LL Ltt. R Avopoloy duepGvR — 3 ylyveaQar (yiveo€ay Li yeivaR 4 dmav yij L: &racay yiyR SyIPR:SaL" 7raom.R 8-9 G\A te suppl. auct. Diels: GAA lecuna VI litte L:dAhaiteR 9 ovdev L:odéevdg R 12 eyo: byoyR 13 wwAver LR: Keeddor L* nohAé ante xaibab.R ev apBugL: 2ydoua 2-3 avouoropepiov T. 5 20 25 30 FIL 22. 23. * Ora, €0 que Atenagoras * refuta, dizendo que € 0 ilimitado que é semelhante. Para o semelhante que é semelhante a algo diferente, de tal modo que ha dois entes ou mais, ele nao seria um e também nio seria ilimitado; mas talvez ele fale do semelhante com referéncia ao mesmo, e diz ele que é semelhante em seu todo porque constituido de partes semelhantes, sendo todo inteiro agua, ou terra, ou outra coisa desse género. Visivelmente, com efeito, ele pensa queassim isso éum, enquanto que cada uma das partes, sendo um corpo, nao ¢ ilimitado; pois é 0 conjunto que é ilimitado, de modo que as partes se limitam umas as outras mesmo sendo ingénitas. Além disso, se € eterno e ilimitado, como seria um, sendo um corpo? Com efeito, se é constitufdo de partes nao semelhantes, cle proprio considera que isso se torna assim miuiltiplo. E se fosse inteiramente gua, ou inteiramente terra, ou o que pode ainda ser 0 ente assim feito, ele teria partes multiplas, como Zeno se da 0 trabalho de mostrar 0 que é0 um que é dessa matéria; nesse caso, suas partes seriam. maismiultiplas ainda, partes departesmenosnumerosaseelasmesmas menores que outras, de modo que, dessa maneira, isso seria por toda parte diferente, sem que do corpo, em nada, venha se acrescentar nem desaparecer, Mas se isso naotem corpo, nem comprimento nem. Jargurade qualquer tipo, como isso poderia ainda ser ilimitado? © que impede que, mesmo sendo um pelo nimero, haja essas partes? BARBARA CASSIN SF PARMENIDES 15 20 25 30 167 24, 25. 168 2A Eo Tl KwAVEL, Kai TAEiw Svta Evds, peyeber aneipa evar; dg Kal 6 Sevopavns dnewpey vo te Babos tig Fg Kal tod aépoc gnotv eivat Andot 68 Kal 0 “EuneSoKAiig émnipa yap os AeYOVTOV TIV@V ToLadTo BSbvatoY elvar obtws éxdvtwv EvuBalvewy adta « Einep amelpova yiig te BdGy Kal Sawdde aiOyp, dc Sia TOALOY 8} Bpotéwy pNPvta pataiws ixKéxvrar oto- patwy, OA yov 108 navtds iSovtwY ». "Eu fv dy ovsév kronoy, el qu) névey duoidv éottv, El yap eorw Swe dmav mop fj StL Sy GAAO Towdtoy, oOdSEv KwWAdDEL mAglw eineiv to8 dvrog Evds, et Sh Set Exactov Spolov adtd kavt@ Kal yap pavey 1d Se muxvoy elvat, |) Svtog év tH pav@ Kevod obd8v KWALELY yop to Pavey - obK EotIY Ev TIGL wépeat ywple anoKeKpipévoy +O Kevoy, dig tO Tod Ghov vo pev mvKvdy elvat, Kal tod’ Hon sori pavoy 10 nav obtwo Exov, AAV Opolws &xav MAAjpes Sy, Spolws Hrrov mAApés éott Tod TVKVOD, ‘Test.: 4-7 vid, Emp. 240 B. ‘Test, emend, : 1 évtaate tladd. Cook Wilson. LpeyeBer L:peytay R 26om.R Sadivarov LidddvavaR 7G¢L:d¢R 9Aiyovom. R. ‘Test. emend_ 4el 8 Si: ei8y, iBig Apelt 7 KoAbELy :KwhdeL fyRonitz 9dicrd:oteMullach 70 58 4 mukyov post suxvov add, Diels. LévbyLiOvivR 2aLRecielRpe 421 6} GeiLpe: 08 SF SetLac sth SU R 6 evL: too RR Fropavoy Lit@pavoR WL:’vR 9 mvKvav dlyai Li sluainvevdy R 9-10 robt’ Fy Ls touri SR. 24, 25, O que impede que, mesmo sendo mais de um, eles sejam ilimitados em extensao? Assim, Kendfanes diz que sio ilimitadas a profundidade da terra assim como a doar. Eo que mostra também Empédocles, pois ele se indigna com 0 fato de que se sustentem tais afirmagées: impossivel, sendo as coisas 0 que elas sao, que esses ilimitados se produzam: “Se sao ilimitados as profundezasda terra ¢ 0 imenso éter,como palavras ‘vas que correm da boca de muitos mortais que veem tao pouco do todo”. Além disso, se € um, nao hé nada de absurdo no fato de que isso nao seja em toda parte semelhante. Pois se éinteiramente agua, ou fogo, ou qualquer outra coisa desse género, nada impede de dizer que é mais que o ente um, se, é claro, é preciso que cada um seja semelhante ele préprio a si proprio: e, por esse fato, rarefeito é0 que, por outro lado, é denso, se 0 vazio no esta no rarefeito; pois o rarefeito nao oimpede em nada—nao hd em certas partes, como que destacadoa parte, 0 vazio, ja que o queé de inicio denso é densodo conjunto, ja é ser rarefeito encontrar-sc assim denso em todos os pontos; ao contrario, como é de maneira semelhante de modo inteiramente denso,édemaneira semelhante menos cheio que o denso. BARBARA CASSIN SF PARMPNIDES 35 976b 169 170 26. 26, 27. El 68 xai Bony, ayévntov gore Kai did Todto dreipov Sobein eivai, Kai ph svdéxco8ar GAO Kai GAO Greipov eivar dia ti Kai év totto bn mpooayopevtéoy; xai ddbvatov. m@¢ yap; f 1d dmetpov, Soov f, 1d pA 7 Ohov Gv Ody te Elva t Axivytov 8 eivai, pnoiv, et Kevov jh gotv: dmavta yap xiveioGar TH) aAAaTTELV TONOV, TIp@tov pev ov Tost. moAdois od ovvdokel, GAN elval TL Kevey, ov pevtot tofTo yé Tt o@pa elvat, GAN olov Kal 6 ‘Haiadoc év Ti yevéoet mpOtoy Td Xdoc noi yevéaBat, &¢ SéoV XdPAV TPG@TOV drape Toi obat toLobtov 6€ Ti Kal TO Kevov olov ayyetov tt ava péoov evar (ytodpev. Test. emend. : Iaiante &yévqroy add, Bonitz Kal: kdly Diels 3rd ante 2v add, Wiesner Axi Abvator : cai ayévntov Kern : Kal Gmeipoy Fel. : ok d5ivatov Apelt kal dxivn roy Spengel, Diels-Kranz, Wiesner: post d8svarov lac. stat, Diels 5-6 i 70 &reipoy, 800¥ f, 70 [1h OAov ay olév te ela: eld &reIpov Bhov ein, tb xevby pi Ghov By oloy ve elvat Diels, Lareipov So0ein L :6o0ein SreipovR pa) L: WNOER 36a: L:SiavooroR — EVL:2VR 4npooayopevtéoy L: npoayopertéovngR Si LiavR feces L: AR wevovante pi hab. R 6olbv teR: olovtaL. ‘Test. : 6-7: uid. Hes, Theog,, 116, et supra, LL., 12. Test emend. 9.05 rH ante dvd add, Diels. 1h L:yev R 7 Séov L:deR. 10. 15 FILO 26. on. Mas se é, € ingénito; e, por essa razao, poderia- mos conceder que ¢ ilimitado, e que no convémn que haja um ilimitado, ¢ depois outro, Por que é necessario dar, entéo, como predicado disso, ainda essa unidade? Deresto,éimpossivel. Poiscomo? Sera que o ilimitado, namedida em que ele é, * poderia nao ser 0 conjunto? * Par outrolado, ¢ imovel, diz ele, se nao ha vazio. Pois tudo sem exce¢io se move por mudanga de lugar. Ora, primeiramente, muitos nao estao de acordocom isso, mas pensam que hé ovazio, mesmo se isso nao é um corpo: Hesiodo, por exemplo, diz que, na génese, 0 Caos nasceu primeiro porque é necessario que um espa¢o primeiramente seja um fundo para os entes; ora, nés procuramos justamente que 0 vazio seja algo desse género, como um vaso em seu espago interior. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES. 10 15 171 172 28. 29; 28. 29, AMA Si Kal ef wn Eov Kevov, unde TH fooov av xivoito- énci Kal Avataydpac td 20 Mpd¢ adtd mpaypatevBelc, Kal od pévov ax0- Pijoav adt@ dnophvacda Sti odK gotty, bos xiveioBal gnoi t& dvta obK dytOG KEVOU. ‘Opoins SE Kal 6 "EuneSoxdijg xwveioBat uev dei gow, ovyKpivdueva tov dnavta evoe- ex@¢ xpbvov, $2 odéév elvai, Aeyev dc « Tob navtdg SE o8Sev Kevedv. 25 nobev oily tik’ énéAVOK >. ‘Orav 88 ele jtiav Hope cvykpiy a6 Ey elvat, « Odsiy, gnai, t ye Kevedv xéAet ob82 neptoody », Ti yap Kwdver el¢ GAAMAa gépecOar Kai TepliotacBat &ua Stovodv elc AAO Kal tobtov elg Erepov, Kai el to rpdrov, Rov wetaPddrovtos dei; “Ect kal tiv év tH adt@ pévovros tod 30 Tpaypwatos tomy tod elBovg peraBohiy, fv AMoiway of 7 GAOL KaKeivos Eyer, EK TOV cipnpévwv od8iv Kwver xiveioDar ta Tpdypata, bray &K AevKod pérav | eK wuxpod yiyvnjtar yur’; o8S8y yap TO pi elvan KEvoY Hh un SexeaBeu 16 rAfipes dAAOLOBoDaL KwAVEL Test. : 9-10 uid. Emp. 48 B, 11-12 Emp. 96 B. Test, emend., 7 roy drravea : rk 6vra néyta Apell 1-2 undv tt fiocoy L:pnéé jaocR 3 -apd¢ uulg.: mpdLR 4adtPR: abt L 7 avykpwvdpeva LiovyrowopevaR 8 add. Apeli dom, R FEE L:ob6ER xevesvR xeylacuna TV litt. L no8ev uulg.: x680v LR LU bob &y Beck: wo8evL: dc évR Selb: elo R, Test, emend, ; 1 Eris ti Diels, 4obbtvRollack :abtHIR 6 ylyynratL.; yevnrarR, FLO. 28, Mas, sendo ha vazio, isso também nao poderia se mover. Assim, Anaxagoras, tratando do mesmo problema, nao contente de mostrar que nao ha vazio, diz que os entes se movem, no entanto, sem que o vazio seja. De modo parecido, Empédocles diz que as coisas se movem sem cessar, misturando-se durante toda a duragao sem fim do tempo, sem que haja vazio algum, afirmando que: “No seio do todo, nenhum vazio; de onde, entao, eo que poderia seacrescentar?” E quando elas se reunem em uma sé forma de maneira a nio ser sendo um, “em nada, diz ele, esse um é vazio, nem também sobrecarregado”. O que impede, com efeito, que elas se movam umas em relacao as outras e se desloquem de modo circular, uma qualquer na diregio da outra, eao mesmo tempo esta ainda na direcao de uma outra, ¢ se a primeira muda de lugar, uma outra muda sem cessar? 29. Alémdisso,quantoamudangade formaquando a coisa permanece no mesmo lugar, que ele, como os outros, chama de alteragao, nada impede a partir do que ele disse que as coisas efetivas sejam movidas, como quando do branco nasce o negro ou do amar- go, 0 doce; pois nao é de forma alguma o fato de que nao haja vazio ou que o pleno nao possa acolher, que impede de se alterar. BARBARA CASSIN SE FARMENIDES 20 25 30 173 30, 31. 30. 31. 74 ‘Qor’ 080’ dmavra diSia 086’ Ev ot’ 35 Gmeipov avdyxn elvat, all’ dneipa moda, obte Ev 8 Suo1oy oft” akivntoy, ot” et tv obt’ el TOAN atta. Tovtwy dé Kemtveor Kai wetaxoopeiodar kal étepoiodo0a ta dvta ob6v av Kwhdor &k TOV bn’ exeivou cipnwévev wai Evdc Bvtoc 977 Tod navtds, Kivijoews oBans, Kai MANOEL Kal ShiySt Att Slapépovtos Kai éARorovpévov, od- Sevd¢ xpooytyvouevon, el 8 Gpa tivdc, ob Tod owpatog Kal el TOA, ovpmioyonEvoy Kal Siaxpivopevwr Addo, Tv yap ple ob? éminpdadqow roiadtny elvar obse obvOecW 5 eikd¢ olay Aéyew dare H xwpig edGdc elvar, i kal anootpepAevtos, tninpooOev étepa erépwy gaiveoOar ywpls AAAHloY tudTa, AAV obtw>5 GvyKeioBar TaxBévta ote SttodY Tod pLyvOUsvov nap’ StiodY hiyvvodat nkpog obtwg ds wi dvadnglfvar cuyneipeva, 4G peptypéva, pns’ drovcodv abz@ pépn. 10 ‘Enel yap obk gat copa td EAdx.ctOV, amay dnavtt pépos péunerai Spoiws Kal 1 6dov. ‘Test. emené. : 1008" Evdel. Diels 26AX:00te Fel, 36": 080" Diels ‘Test, emead. : 6 i O'dpa TIvbs, od O85 'aroyLyvepEvoy Kern Weyer sAeyer Sylburg_ LidnoatpepdEvt0c : dmorpigdivrog Apelt: &noxprpQévtwy 60° Cook Wilson M uiyvvatet : piyveras ylyveaBat Apelt 15 ¢ pi avadnpervar: Go cre> yi Av MNporiVaL Cook Wilson 16 dnowody abx}: nosGOdy bron Diels 1716: Tt Apel. 2rhOvtaom.R — oddéey dv Kwhto1 Apelt ov6eva, kwhier LR 3 Gr 'icivou L: éxeivy 2 7 ovpptayopévov (ovpvoy) L:ovypryoutvoy R 8 Siaxpwvopévov L: ovvSiaxprvonevwy R 9 éxnpdabnow L: emnpdadeow R12 Exépwy Leéeaipwy R paivesbai L: gaipeatiaR 14 room. R SpiyvooOaR: OtyvucGaiL 16 wed Groiwody Re ph 8 notaoby L. Assim todasas coisas naosao eternas,etambém 35 nao énecessirio que seja nem um nem ilimitado, mas ha muitos ilimitados; também nao é necessario nem que seja um e homogéneo, nem que seja imével, nem. se éum, nem se é uma pluralidade qualquer. Isso posto, nada pode impedir, a partir do que ele proprio diz, que os entes se reordenem e sealterem: eseotodo é um, como ha movimento, ele difere segun- do 0 muito eo pouco sem que nada se acrescente, se é que em algum momento algo o faz, que nao pertence ao corpo; € se ha muitos entes, eles se misturam € se separam entre si, Pois a mistura, nao é verossimil que ela seja nem uma superposigao de camadas nem uma composi¢ao, formas préprias para dizer disso que ou ha af, de saida, separacdo, ou, um retorno tendo sido operado, os elementos misturadosaparecemunsacima dos outros em sua separacgao mutua; eles sao, antes, compostosem uma tal ordem que toda parte do que se mistura esta junto de toda parte disso queé misturado, demodo que uma vezcompostas, elas nao podem mais retornar suanatureza, mas tendo entradonamistura, elas naosao disso nem mesmo partes quaisquer. Jaque, com efeito, nao ha corpo que seja ultimo, toda parte esta misturada a toda outra, a imagem do conjunto. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 175 XA 176 EPI EENO®ANOYS ASbyatov gnow elvai, ef tt ort, yeveoBan, rodto Aéywv éni tod Beod. ‘Avayen yap itor gE Spolov fy & avowoiov yevecéar to yevonevoy- Svvatov 6& ovdétepov, Odte yap Spowy dy’ dpoiov rpoorKew texvoOfivar par- Rov i] texvdoa (radts yap Anavra roig ye Yooig Kat duolwg dmapystv mpd &AAnha), oY av & dvopoiov tavopotov yevéoBar ei yap yiyvoto & aoB_eveatépov tO icyvpotepov i) & Ehdrtovog TO wetlov i ex yElpovos To Kpeittoy, f} tobvaytioy tk xelpw tk Tov Kpeittévor, to ob« dv é& Svtos dy yevesdat, &nep ABbvatov. Ald.oy pev odv id tadTa eivat tov Gedv. El & gti 6 Oed¢ andviwy Kpatiotoy, Eva, pnolv, adtdy xpoorKer elvar. El yap S00 F mAeioug elev, odk dv Ett KpatIoToY Kal PeArtiotoy addy elvar navtwv. Exastos yap Ov 885g tov TOlh@y, Spolwe Gv ToOLodTOS fine ToDTO yap Aedv Kai Beod dvdvayty eivat Kpateiv GhAG pH) KpateicGat, Kal navta Kpa- retoOar eivar Gore cal ui) xpeitrwv, Kara toaodtoy otx elvar Bedy. Tlketévwv oby dvrtwy, ei pey elev Ta LEV GAANLoY Kpelrtous, ta SE Hrtous, od av eivat Beote nepoxevar yap td Gsiov uh KpateioBal. “lowy 62 bvTwY, obk Gy éxew bedv ovow Setv elvat Kpatiotov- to 68 Toov obte BEAtLOV ote Xeipov Eval TOD ‘Test. emend.: 12 410 dv E ox Sy TOs post Svt0¢ add. Diels. 1 Tit. nep!X. R: 'Apwotoréhoug rep X.L 3 duolov 1 &E ayopoiou 1, Spolwy i] & dpoloyR 7 xal Soles L-FSpoio R ——-& ravdporov 1. sob r'avopiowov R 12 0v postovkom.R avante yevdoBat om. R. Test. emend. : 7-8 xévra xpattiobar : navtwy xpatioray Karsten, 13 pbaw deiv: ovary, bv deiv Diels. 2elvacom.R 3dv0 i melovg L: 6h Eri meloug R 4abrovL:abravR SévL:avR Spokes dy L:Gyows VR — 8 xpetewowL Kpeittoy R 13 qbew L: pUoqoc in ras. R Myelpov L: xépiovR 17 0bL:088ER 18 dpaom. R. x1. SOBRE XENOFANES Eimpossivel, diz ele, se algo é, que isso tenha proveniéncia ~ ¢ isso, falando do deus. Necessariamen- te, com efeito, é do semelhante ou do dessemelhante que provém o que provém; ora, nem um nem outro é possivel. Com efeito, nao convém que um conjunto seja gerado por um semelhante em vez de gerar a si mesmo: pois todos os predicados desse genero, ao menos para termos iguais, se predicam também de maneira semelhante em uma relagao reciproca. E do dessemelhante, o dessemelhante também nio poderia provir. Pois se do mais fraco tivesse proveniéncia o mais forte, ou do menor, o maior, ou do mais baixo, o mais potente, ou, ao contrario, os mais baixos, dos mais potentes, o que nao é proviria do que é,0 que € impossivel. Eterno, portanto, por essas razOes, é 0 deus. Se odeus é0 mais potente dentreo conjunto dos entes, convém, diz ele, que este seja um. Com efeito, se houyesse dois ou mais, nao haveria o mais potente € melhor dentre todos, pois cada um dessa pluralidade sendo deus seria tal de modo semelhante; pois ¢ isso um deuseo poder de um deus: dominar sem ser domi- nado, etodo o restoéum ser dominado. Demodo que, na medida em que nao é mais potente, nessa medida nao é deus. Suposto efetivamente que eles sejam mais. numerosos:se, por umlado, eles fossem, unsem relacao aos outros, tanto mais potentes, quanto menos, eles no seriam deus; pois o divino consiste por nalureza em nao ser dominado. Suposto, por outro lado, que elessejam iguais, nao seria possivel que um deus deva, quanto a sua natureza, ser o mais potente. Mas oigual nao énem melhor nem pior que seu igual. De modo BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 15 20 25 30 177 178 joov. ‘Qor’ einep ein te Kai totodtov ein Beds, Eva pdvoy clvat voy Bedy. OSE yep odde mavta Sdvacbar av & Bovdorto- ob yap ay Sbvac0a1 meidvor dvtwv-. Eva dpa evar uovov. “Eya & Svra, Spoioy eivar nivey, dpav te rai axoveiy, tag te Shag aiaBiseic Exovta, aavty: et yap pi, Kparetv av Kal Kparetobar bn’ GAAMAwV ta pspy Bcod Svra, bxep ASdva- ov. Tlaven & Spotov, Svtw ogaipoessi} elvat- od yap TH wey tH 8 Ob ToLodTOY clval, AAG navy Aidiov 8 Syra Kai Eva Kal opaipoeidi obte dncipoy obre nenepavOat, — Aneipov nev 8 pi Sv elvar todt0 yap ote pécov obte &pyiy Kai rédog ob’ GAAO oBSEv [Epos EXeW, ro1wdtov 8 elvat rd dneipov. oloy 68 7d ph By, obk av elvat td dv. Tepaivery 8% mpdc AAAqAa, et whetw ei cd de ev obte 7 odk Bvt obte Tig RoALOTS GpoLdeBL Ev yap obK Byer zpos dei nepavbety. Test. emend. 1.2 bpay te Kal axovety : bpGvee xal dkovovta Wendland 4 Gvra del. Diels. Lottw L; 6vta R. Test. emend.: 1 Buowov kai ante agaipoeidij add. Wendland 3.3 yh ys ph 6v Brandis. 2menepaveat L :nenepdoBuR 3 pévante d om.R JelvLrelevR 8 dpordoOa L: opododat R 9 repavely L: nepavet R. 35 977b BARBARA CASSIN SE PARMENIDES que, se a0 menos um deus é ¢ é algo tal, unico é 0 deus, De outro modo, ele nao poderia absolutamente 35 tudo o que ele quisesse: ele nao o poderia, com efeito, se eles fossem mais numerosos. Ele é, portanto, tinico. Sendo um, ele é por toda parte semelhante; cle vée ouve, tendo também os outros sentidos, por toda parte. Sendo, dominariam eseriam dominadasentre si as partes do deus que entao seriam, o que ¢ impossivel. Por toda parte semelhante, é assim que ele tem 977b aparéncia de esfera; pois ele nao é tal aqui, e nao la, mas por toda parte. Sendo eterno, uno, esférico, ele nao é ilimitado e também nao tem limite. Por um lado, ilimitado ¢ 0 que é nao-ente; pois issondotem meio, nem principioe fim, nem qualquer outra parte, taléoilimitado. Ora, 5 oente nao pode ser tal como 0 nao-ente, Por outro lado, eles se limitam reciprocamente se eles sio mais numerosos. Mas 0 um nao é semelhante nem ao que nao é nem 4 pluralidade. Pois sendo um, ele nao tem, efetivamente contra o que ser limitado. 179. 180 6 To 5 toL0b tov Ey, Sv Tov Gedy elvat Aéyer, obte KwveloBat ove axivntoy elvat. Akivn- 10 tov piv yap elvat 70 pi dv- ofte yap av ele avrd Etepoy ob?’ exeivo ele GAXo EMOeiv, KivetoBai 88 1 meiw dvta Evie Etepov yap tig Erepov Setv KivEIOBat. Hic pv odv Td ph dv obdéy ay KuvNBAVAL TO yap Bh dv ObSany elvat. Ei dé vig GAAMAG peraBaAroL, rAeiw abroy eivat voc, Ald tadTa Oi KIVEIOBaL 15 uv dy ra 6Uo i] mhelw bvéc, fipepetv dF Kea axivntov elvat to obdév. To 6% &v otte drpepeiv obte KiyetoOar ote yap tH ph Sve obte toig ROASTS Byowov elvat : Kata navta 68 oftwc ge tov Gedy, Gisioy we Kal Eva, Syowy te Kal opatpoeidy dvra, obte Uneipov obte aExEpacHEVOV odte 20 Hpepely obre muvqtOv elvat, _ Tip@tov ev obv hapBaver 10 yryvouevov kal obtog 2& Svr0g ylyveo8a1, donep 6 Média- G05, Kairot vi xwAvel fr’ &€ dpoiov Td yryv Hevoy ylyveoDat, @XN ek yu) Svto¢; “Ent ovsty Uahov 6 Beds ayévNTog H Kai THAAG navia, einep dxavea & dpoiov i Kai & Avo- Holow yéyovev, Snep dBbvarov- Sore H ovdév tort napa tov Hedy Fj kal ra UAAa di6ia navta. Test. emend. 9 abrdv; av td ey Karsten, 1 év, by Diels : 8 dv Ls 8v ty SVR 2 dxivyrov L: KivqtovR — 2-3dkivqtov L:avévqrovR 1088 Kall; yep R. 1 Eyew ung, : Exets L: Eyoig R 4 xevqtov Falleborn : axivntoy LR. ‘Test, emend. 3 wiyv’ék dvouolov post ouciou add, Brandis, 1.2 16 yeyvOuevoy Kal obrog &8 Ovtos ylyveobai L : Kat ob 05 7d yrywdpevoy ylyveabar é SrTo¢ R 3 Colo LrdpoiagR S5qL:eiR 6H Kaig&L:AR BrapaL: nepiR, FILD 6. Um tal um, que ele diz ser o deus, nao se move e também nao ¢ imével. Com efeito, por um lado, é 0 nao-ente que € imével, pois um outro nao pode ir na diregao dele, nem ele na diregao de outro. Por outro lado, s6 se movem as coisas que sao em nitmero supe- rior a. um, pois € preciso que uma coisa se mova em diregao a outra. No que concerne ao nao-ente, nada pode ser movido em direciioa ele; com efeito, o nao- ente nao est4 em parte algumia. Se, por outro lado, as coisas mudam de lugar entre si, o deus seria, entao, mais de um. Eis a razao pela qual s6 podem se mover duas ou mais, enquantoonadapermanece emrepouso eéimével. Maso um, nem permanece inabalavel nem se move; pois ele nao é semelhante nem ao nao-ente nem a pluralidade. assim que, segundo todos os aspectos, se en- contra sendo o deus: eterno e uno, semelhante ¢ com aspecto deesfera, nem ilimitado nem limitado, ele nao esté nem em repouso nem em movimento. Primeiramente, portanto, ele sustenta,também cle, como Melisso, que o que provérn provém do ente. No entanto, o queimpede que o que provémprovenha, n&o do semelhante, mas do nao-ente? Além disso, 0 deus nao é, de modo algum, mais ingénito que todo o resto, a partir do momento em que tudo sem excegao provém do semelhante ou mesmo do dessemelhante, eque isso éprecisamente impossivel. De modo queou nadaé, a parte o deus, ou todo 0 resto é também eterno. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 10 20 25 181 182 10. 10. “Ett Kpariotov tov Geo LayBaver, tobro Svvatéraroy Kal Pe\tToV Aéywr- OD SoKel 88 robTO Kata TOV VooV, aA TOAAL KpettTONE Fiva @AAHAwY of Beal: OK Ody &k TOD BoKodv. 30 106 etlnge tairny t08 Deod thy Spodoyiav. : ___ Tete xpétiorov elvat toy Beav oby offre drodapBdviov Aéyerar ds Apde BAAD Ti TOL ahrn A TOO Beod pbors, AAU mpd¢ THY abToD SidBect, erei rol ye mpdg Etepov oddév av Fodor yh ch avtob Emeiceiqa Kal proxi bmepéxety, @AAG Bid Thy TOV EAdwv aobé 45 velav. @£do1 8" Ay oBSeig obTw Tov Beov Gavat Kpatioxoy elvar &N It adtdg Exet se oldv te Apiota, Kal obSév EdAcinel Kal eb Kal Kaddic Exe abt. Sa yap tows zyovei Kaxeivy 8 ovpBaivor. Obtw 62 dia- Keiofar Kai melovg adrods Svea Ose ay KWAVOL, dmavtag we ol6v te Epioza StaKel. 978 Hévoug Kal Kpariotous ty HAhwv, ob adtoy Ovtac. “For 8 de ouRe Kai GALa. Kpdtiotov yap elvar rdv Bev ena, todro BS TIvdy clval everyx, ; "Eva vt évta, névra Opay Kai dxob Od8eV MpoaKer ob yap, el ii wt ~A8" Ope, 5 xeipov bp& radrp, 4X ody Opa AAN tows toot Bobetar x ndvey uioddveabar SttOdtaG Gv PAnota E04, Suotog dy ndvey, ‘Test, emend, : 7 tnohapPaveoy Aeyerat: Guodappavery evBexerat Vahlen ZALVOVLER: vopwv L* — 3 xpelzrousL: xpérrougR Sxawhante tod hab. R 904 ye TitobyipR 11d nivRitivSial 12601 LiBACCR 13 gavar LR etepavarL® 14 eAXetne. Li bicheiner R 16 edKeivo av ovpBaivot L: Kaxeivo avoupBaiv R 17-18 ob8év ay Kwhior Corr, Mullaca : obdév dv Keohip L ob88va xwhier R 18 ol6v te L; olovtat R. 1 ivar’ évre Kern séva tv TAL Eva aR ob yap LacR:6€Lsl sii (qu exx) T sein xa R, FL 9: Depois, ele sustenta que o deus é 0 mais potente, dizendo com isso que ele é 0 mais forte e o melhor. Ora, nao é essa a opinido admitida, mas os deuses sao considerados como, sob multiplos aspectos, mais potentes uns que os outros. Portanto, nao¢daopiniao 30 que ele tomouessamaneiracomum de falardedeus. E se diz, sustentando que “o deus é 0 mais potente’, no sentido de que a natureza do deus ¢ tal nao em relagéo aoutra coisa, mas em relac4o4 sua propria disposi¢ao; pois uma vez que a reportamos a de outra, nada im- pediria que ela seja superior nao pelas qualidades ea forca do deus, mas por causa da fraqueza das outras; 35 ora, ninguém gostaria de dizer que o deus é 0 mais potente nesse sentido, mas na medida em que ele se encontra, ele proprio, no melhor dos estados possiveis e que nao lhe falta nada para que seu estado seja bom e belo: senao, isso poderiaacontecersimultaneamente a quem seria em igualdade com ele. Mas nada impe- diria que, mesmo que eles sejam mais numerosos, eles se encontrem assim constituidos, todos em conjunto sendo de uma constituigao a mais perfeita possivel,e 978a os mais potentes dentre os outros, sem sé-lodentre eles mesmos. Ha, alias, parece, outros entes; comefeito, ele diz que o deus é mais potente, € isso requer necessa- riamente um “dentre”. 10. Mesmo sendo um, nao convém em nada que ele veja e ouga todas as coisas. Com efeito, nao é,se 5 neste ponto preciso ele nao vé, que, daqui, ele veja menos bem, mas que ele nao vé. Mas talvez ele queira que haja sentir por toda parte, porque o deus s6 pode ser no mais excelente dos estados se ele é semelhante por toda parte. BARBARA CASSIN S= °ARMENICES. 183 184 il. 12. uu. 12. _ "Bt rowdtog av, Bie ti c@aipoeidic & sin — GAN by Gu ér¥pay cw wd dov Epa fav Senden Snover nal ney xpath ; REP yap Stay ALywMeY to Yuh du nave tori Nevkdy, od8ey Blo onpatvoney f O11 &v Gracy adrod Toig uepeaw eyKexpwva- ai 1 AevKorng, Ti Si Kwlier obtws Kee 7d nayin Spay Kal Kove Kal kparety AéyeoOar Bxt ray 8 dv ug avtov Aayivy pspos, rode Sorat rerovdés; “omen 8& ovde to yijle.oy, 15 atey Beav dvayan elvar d1a Toit cpaipo- _BTt wire dneipov wire nenepdvoor, oaud tobe’ dotly dinetpov 8 dv wr yn tépac Sexticdy Sy népatoc; népac 6” ev peyeOer Kal ribet éyyiyverat Kai év dravat tw moog, Gate ei pr Exe xépas, wéyeOog dv, dxeipdy gor. “Ere 20 8% opapoeidi Svra, dvayen népag Hew Eoxata yap tel, eltep ucoov eet abrod, of Meiotov dnéxer pésov 8 Exe agaipoedic 8v- TobTO yap fat opaposidis 8 éx roo ueToo Suolws mod¢ ta Foyata. Lona 8 Soxura fh mépara Eye olov dtapéperv. El yap Kal wo 25 1 By dicots, ob K av Kal 74 Sv daexpov, : Test. emend. 260. del, Karsten, TEE UL SOR SadvinLindvra R ovsey RrovsEl postdddohab.R om. L Sadto6 R:at Inc. Mitt. rob L eyxéxeworat LskyxéxpnofarR 9 AquBavyL: Rauaves R 11 clver 5té rodro L: Bid rodta elvan R, Test emend. : 12 olov: opdév Bergk —_ante el yap lac. stat. Diels 13 dreon, obx ; éxeipoy gor, 1 otk Diels 1 Axeipov LR post dxeipov coeperat ei L%, prize Li 2évom R EywwL: ExovR 3 Sexrucdv EsdectuOvR SéyyyveratL.-iv yweraR S-6el yh Eyer L: 8 phexy RS BVL: 600 Savrol, ab Diels: adtot +} of Lait woR ¥ 106 dhe Grick LinpocLimvpdgR 108 Liom. R Napépew L* : Siapéper LP: Siagopet : Eeeee pe opel RK 13 dmeort FILS I. 12, BARBARA CASSIN SE PARMENIDES Além disso, mesmo sendo tal, por que teria ele oaspecto de uma esfera — nao que aconteca de ele ter, antes, alguma outra forma -, sob o pretexto de que ele ouve por toda parte, e por toda parte domina? Com efeito, da mesma forma que, quando dizemos 10 da cerusa que ela € inteiramente branca, nds nao significamos nada além de: em todas as suas partes, ela é branca, da mesma forma, 0 que impede, aqui também, que digamos o fato de por toda parte ver, ouvir e dominar, no sentido de que, qualquer que seja aparte do deus que se tome, cla seré afetada por ele? Mas comoacerusaendo mais queela,odeusniotem 15 por essa razdo necessidade de ser esferico. Além disso, ja que, em todo caso, eleé um corpo e que ele tem grandeza, como é possivel que ele nao seja ilimitado ¢ que ele também nao tenha limite, se ao menos ¢ ilimitado isso que ndo tem limite mas é suscetivel de té-lo? Ora, o limite ndo nasce no interior da grandeza c do ntimero, isto é, de toda quantidade, de modo que se algo, sendo uma grandeza, nao tem limite, éilimitado. Sendo, além disso, esférico, eletem 20 necessariamenteum limite, poiseletemextremidades, seele tem.ao menos umcentro préprio, do qualeleesta afastado com uma distancia maxima; ora, isso tem um centro, se € esférico; pois é esférico o que, a partir do centro, tem uma relagdoidénticacom asextremidades. E.um corpo tem extremidades ou limites na medida em que ele é diferente. Mesmo se, de fato,o nao-ente 25 nao estd ai, o ente pode nao ser ilimitado. 185 Tl yap Kohver Evia tara AexOFvar KATA TOO Syto¢ Kai UH) SvtOG; TO te yap ov, odk dv, obdeig vOv aidBaveta Kal, dv dé, 1g OvK dy aidBdvoITo viv. dnow Sé AeKTa Kal Stavonté. Od AcvKoV te TO ph By: el ody, dk todto 74 Svra Advta AevKa Swe pH TL rabrd Katd tod Bvtog onMiveuEY Kai i Svtog H OvSEY, Olnat, KwAVEL Kal TOV SvTOY Tt ph lvar AevKoy; Obtw 68 Kal GAAnV ody Andpaow dékovra, to &xetpoy, el [i TO méhor hexGév. Ti paARov mapa 16 pA éxew f pi Exe gotly anavy; Qare Kal 1d dv i &meipov H mépag exov gotiv. —“Tows 58 &ronoy 1d Kai npoodntey th pt Sveti dneipiav. od yap nay, ei pi} exer mépac, dneipoy héyouev, Gonep o88’ Svicov odk ay gatpey elvau v0 pu bv. 13. Test. emend. 26v del. Mullech (t6 te ov dv yap Du Valliane) 5 ante ob Aevxdy lac. stat, Diels 10 6€fovta1 : Sékairo Diels uy: xatd Diels 11 AAov del, Diels mapa:nepi Wiesner i del. Brandis 12 i whee: népas Diels &nav : &retpov Diels Ltabra L*:tadr’év Le: tava R 3 dv dL: évdéR — 4Gantevdvhab.R 5 xalL: SxR — 7ravz xatd cooR: Kate to Ls Kar” adtoH LX onsrveouevL: onpatveopey R Soluaom.R 9 tpi LtovR UW tiL: MR 12413 dore-éotiv iter. L nisi quod fj ante Gneipovabest. 1d éronoy rd kai L*: 7S ante teronov L*: 10 dzonov xai R. 13. Ilimitado, pois o que impede que algumas des- sas determinagées sejam ditas do entee do nao-ente? Comefeito, o ente, enquantonioé, ninguém 0 percebe atualmente,e,poroutrolado, enquanto 6, alguém pode nao percebé-lo atualmente; essas duas prOBOsigses podem serditasepensadas. E onao-entenao ébranco: se 6 0 caso, as entes sd0 todos brancos, simplesmente por medo de significar uma mesma coisa do ente e do ndo-ente— a menos que nada, como eu acredito, impega que algum dos entes tambérn nao seja branco. Da mesma forma, portanto, entee nao-ente receberao mais uma negagao, o limitado, se néo é assim como se disse antes. O que é, além disso, toda coisa, fora do fato de ter ou de nao ter o “nao”? De modo que o ente também é0u 0 Jimitado ou tendo limite. Mas talves sejaabsurdoligar igualmenteao nio-enteai mitagaos pois nao étudo o que nao tem limite que nds dizemos ilimitado,assimcomo naoiriamos chamarde desigual © néo-ente. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 978a 35 187 188 14, 4, “Eeri> tl odk av éxor 6 Gedc mépac els dy, GAN ob apdc Gedy; Ei 62 Ev pdvov gotlv, & Bedc av etn povov Kai ta 978 oi Beoi jépy: gsi Kai toot’ aromoy, ei roils mohdote avpPéPnxe nexepdvOar mpoc @Anda, bia tobto TS Ev wh ee népas. Toda yap toig nOdAoIc Kal rH evi dadpyel rabra, met Kai 16 elven Kody adtoig eativ, ‘Aronov ody iowg fv ety, el 61a TodTO pi) 5 oapév elval tov Bedy, ei Ta mOAAA Fort, “Ent al xwhvet wenepdvOar Kai éxewv népara Ey dyta tov Gedy; Os Kal 6 TMappevi8ys Agvet Ev by elvai aitd « Mavrobev edxbKAov ogaipac Evaiykiov dyxp, pecodbey ioonakés ». TS yap 10 aépag tivdc Hey avayrny civar, of pévrot apg ti ye, Ode avayxn TH EXoV tépag mpdc ut gyal népag Os menepacjévov mpdgq 1d pri Eqetic dreipov, aAN fori 7 merepavOat Zoxata Exew, Eoyata 3° EXov od av aveyKn apog tt eet. “Evioig pév ody GupBaiver nav, kai nenepévOai tpg TI avvéntew, tolg 88 xenepavOat uév, [1 [LEvroL npdg cL -menepav- 15 Bau. bxw¢ pi Spotov Estar avtoig tab ‘Test. 14-15 uid, Parm. 28 B 8, 43 5, DK; ef. M.,21., 3s. “Test. emend. 3 ev ante dv add. Urb, 108 18-19 +3 pt Egebiig Aneipov : ‘10 [tii] Lpekiic dineipov Mullach 21 cvpBatvei nid : aupPalvor y'év Cook Wilson 22 kai post ‘nenepévOat add. Brandis. 12ers ciBrandis:@ri LR 2@ANODR G@AkovL — SaupeSnxe R; EvwBéSnkev L*: ovpfepnseyL® — BredtS Ls rata R lO paydv LigaiveyR Ul tadry R= raw lec, Tit. L 1 adto L:adtdbyR 15 OyKML: dv TOR 16 avéynny L: dvdyen tows R 20 vom, R A odvL:obR 23 nexepavBat-npdg ri om. R. FILO Além disso, porque o deus ndo teria limite mes- mo sendo uno, a partir do momento em que isso nao écontra um deus? Mas se cle é 0 unico ente, haveria unicamente o deus e as partes do deus. Todavia, ¢ absurdo que, se acontece as coisas multiplas serem limitadas umas contra as outras, por esse fatoo um no possa ter limite. Numerosos atributos idénticos pertencem com efeito as coisas miltiplas e ao um, ja que o ser [hes é comum. Seria sem divida absurdo, portanto, dizer que o deus nao é seas coisas miltiplas sdo, simplesmente por medo que ele sc parega com elas sob esse aspecto. Além disso, o que impede que 0 deus seja limitado, isto é, tenha limites, mesmo sendo algo de um? Como, por exemplo, Parménides diz que sendo um, é “por toda parte semelhante 4 massa de uma esfera bem arredondada, do centro igualmente radiante”. Com efeito, é necessdrio que 0 limite seja limite de algo, mas nao absolutamente contra algo, endo é necessdrio também que 0 que tem um limite tenhaum limite contraalgo, porexemplo, seélimitado contraanao-contiguidade prépriaaumilimitado;mas serlimitadoéterextremidades,e quando setemextre- midades, nao seria necessdrioté-las contra. Assim,em certoscasos, tudo se produz, tanto serlimitado, quanto ser atinente contra, enquanto em outros, élimitado, mas sem ser limitade contra. BARBARA CASSIN SC PARMENIDES 978b 10 15 183 190 15, Hédwy repli tot axivatoy elvat td dv Kai ro 45. éy, Ott Kai Td Sv xwveltaL Lows dyolws toi éuinpoodey atonov. Kai éti pa ye ot Tabto Gv Tig HmOAABor x5 4H KWweiGBar Kat xd Gxivgtov rival, AX To yeY Andgoty 16 xiyetaOat, donep 13 ph Yoow, rep Kel Kara TOD ut Svtac inep AAnBEs, x9 8E aivnroy 1H EXeWv mag Hn AsyeoBat, Sorep zo Avigov, Kai emi t@ évavriy vod KtreioBat TH fpepsiv, te Kal axeddv al amd 10d o eixopdseic emi évavrior Akyovrat. TO pév obV Un KwveIoBar dANBE¢ Eri TOD 4H SyzO6 7 SE Apeuelv OX Smapxer TH we Syee dpoiwc J% ovde axivntov elva ovsBaiver TadTOv. ARN oftoc ani vd fipeyety abeG xpAtar Kai gnoi to ph Sv Apepsiv or 8K Exet wetaBacw. ‘Test, emend. : 1 ph ante dxlvytovade, Brandis 2 pA ante évadd. Brandis 00 ante kavettau add, Brandis 7 einep :einety Bonitz. 1106v Kal TEV L:tdSvKaLISVR 4zigL: mR SeBom.R 6 borep 10 pi toov, Ore0 Tsihonep wh Oteov benepR — ovpBaiver L: onpaiver R 15 emi tL: gi OR. 15, Mais uma vez, quanto ao fato de que 0 ente, no sentido do um, seja imével, que, além disso, 0 ente se mova é sem ditvida uma absurdidade semelhante as precedentes. E, além disso, poder-se-ia, em todo caso, sustentat efetivamente que 0 “no se mover” e 0 “ser imével” nao sao idénticos, mas que o primeiro é, para o “se mover”, uma negagdo, como o “nao ser igual”, que se atribui também precisamente ao nao- ente, ao menos verdadeiramente falando, ao passo que o “imével” se emprega para o que japossuiemum sentido a propriedade, como 0 “desigual”, ese aplica, ao contrario do “se mover”, ao “ser em repouso”, como também, sem duvida, as negagGes privativas em a- se aplicam a contrarios, Portanto, 0 “nao se mover” se diz com verdade do nao-ente, a0 passo que 0 “ser em repouso” nao pertence aonao-ente. Demodo parecido, também nao convém que o mesmo sujeito se encontre “imovel”. Mas Xenofanes utiliza esse termo para “ser em repouso”, € diz queo nao-ente éem repouso porque ele néo tem movimento. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES: 20 25 191 “Onep te Kal év toig &vw elnopey, dto- nov sw, ef th th yh) Svti npocdntopey, ToOdtO LN AANOEC elvai Kata Tod BwvtoC einsiv, Drug te Kiv andgaaic § to hexBev- Kai TO pi Kiveioar finde petTarapaverw ori. HoAAd yap Gv, KaBdxep Kai EsyOn, agar poito tGv Svtwy KatHyopsiv. Ove yap av TOAAG GANféc sineiv ci yy Ev, elmep Kai TO yh Sv gott wh Ev. Bite én’ sviov tavavtia EvpBaiverv doxel Kate tag adtac dmogaceic, bv, aveyen ff ioov A &vicov, & Tt TAAOOS f Kai pi} we f}, Kai &ptiov H nepitrdov KaV GpIBpLd¢ f). duolwe 8 Ioug xai td Apepetv i] KtveiaGat avayKn, dv capa F emend, séuBonite 118v:olovBonitz 12 xai Hi be ff: weyetos ff Felicianus, Lteom,R 4andgaoigL: anogactwR 41d AexDév (ro + Ae + yGév) Ls 1d BeyxBEvtwv R ‘Fxarnyopely Weise: xatqyopet LR 10 tae awitic Ls ooabtagR NW OvL:OvR 12 fj eal phagh seripsi: f.ui dor L:fxai pi OoR 13 KavL: GR 8 tows L: 5 Ewe R E, como nés dissemos também antes, € sem davida absurdo, se nds ligamnos algo ao nao-ente, afir- mar que isso nao pode ser verdadeiro do ente, em particular quando 0 predicado €uma negagao, € 0 nao poder se mover nem trocar de lugar séo nega- goes. Pois muitos atributos, como dissemos, seriam interditos 4 predicagao dos entes. De fato, nao seria mesmo verdadeiroafirmar que muitossio ndoum, sob pretexto de queo no-ente também ¢ néo um. Ese,em certos casos, os contrdrios,como parece, advémnoseio mesmo das negagées, entao ¢ necessario que, sendo, seja ou igual ou desigual se for alguma quantidade, e nao enquanto é; ¢ ou par ou impar se for também um ntimero. De modo parecido provavelmente, ser ou em repouso ouem movimento é, também, necessario quando € um corpo. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 30 193 1. "Et. el Kal 5 ToOTo pi} xwveirar 6 Beds Te kai tb €v, Ott TA TOALA Kiveital TH el GAAnAa 979a levat, ti K@AVEL Kal TOV Bedv KIVEiDBaL etc GAXo; OvSacpod yap héyer> Gt Hovoy, GAN 6ti eig LOvog Bedc Ei 6é wai obtos, ti KwAbEL ig GAANAA Kivovpevwy THY HEPHY TOD KKAW pé Gedy; OD yap SH 10 ToWstOV Ev, daxep & Zivor, TOAAA elval phe. AdToC yap copa 5 déyet elvat tov Oedv, elte Tse TO Mav site Sti SH note adtd Agywv. aodpatos yap av, mas Gy apatpoetsic etn, enei povwc tav obtw¢ obt’ dy Kwvotro obt Gv Apeuoi, unda- od ye dv; “Enel 62 od gol, Ti av abt nwbor kivetoBar doc EAexOn; 10 17. Além disso, mesmo se o deus, isto é, precisa- mente o um, nao se move pela razdo de que as coisas miltiplas se movern deslocando-se umas em diregao 979a as outras, o que impede que o deus também se mova em direcao a outra coisa? Pois em parte alguma Xe- néfanes diz que ele é a tinica coisa, mas que ele é 0 fanico deus. Mas mesmo que ele seja tal, o que impede que, movendo-seas partes do deus umas em direghh as outras, o deus seja afetado por um movimento cir- cular? Pois ele certamente nao afirmard, como Zenao, que um tal um émiltiplo. De fato, ele proprio diz que 5 odeus é um corpo, diga ele que isso é 0 todo que nos vemos ou.0 que quer que se queira. Com efeito, se fosse incorporal, como ele seria esférico - embora possa ser de tal modo que nao seja nem em movimento nem em repouso, sendo entao em parte alguma? Mas ja que ele é um corpo, o que poderia impedi-lo de se mover como dissemos? 10 17, Test.emend.: Godt0¢ ob wg Apelt 12 énet: ET Apelt Sxvetobai L:kvao6aiR — 4-5 odd0 6ct <év doc>pdvov suppl. Apelt: o6Sa lacuna X litt, 6u1 lacuna VIT litt. povov L : o68a lacuna V litt. wilacune Vlitt.uovR — oobto¢L:avto¢ R 7 100 wine ge Oedv suppl Bergk : rod lacune V litt. xbiche pe lacuna VIT lite GedvL: 200 KvKA® lacuna VILlitt, BOR [etre robeL: tite Sé78SeR 12 éwel wdvog Ls empsving R tay L:6tavR 15 xaAsorL: Rwhter R. ENIDES 195 it FILO, BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 196 i, 2. TIEPITOPTIOY Ov elvai, @noiv, obey. et & éotiv, d- ywwotov eivar ei 68 Kai tom Kal yrwordy, GAN ob Snwrov dArorc. Kai bt wey o8« Fort, avvOelg ta Erépotc eipnuéva, d001 nepl tav Svtwy Agyovtec, tavavtia, &¢ Soxototy, anogaivovtat abtoic, 15 of pév Sti év kai ob wOAAG, of SE STE TOAAG Kai odx Ey, Kal of wey bri dyévnta, of 8 we yevoueva émdeuvovtes tadta, cvddoyiterat TH Guporépov. Avayen yep, gnotv, et tt fort, yore Ev pte TOAR civar white ayeynta Hite yevopeva: obSéy Av ein el yep etn t, 20 Tovtev &v Batepa ety. ‘Om obk Lor odte Ev obte TOMA, obte ayevnta obte yevoueva, Ta [av wg MéAtccoc, ta SE os Zivev én Xelpet Serevdery, peta thy mpdryy tiv abtoo anodekv, ev fy A€yer Set ovK Foti ovte elyat ob te ph elven, epi Topylov Spalding : ‘Apiototéhovg nepl Fopyiov Liom.R 3 dAdo L: dAAWCR, ‘Test. emend.: 7ré:Kar'uulg. 8 i Evi wAAE clr Kal ff ayeynra 4} yevoueva. EidA EupBalvei post Eon, add. Bonita 9 ody post od8tvadd. Cook Wilson 10 oSv post Sut add. Bonita, 4 bualt. (oex m) L: 00 St108 R: ab Sri uulg, Suyevnta Lav yévntasR 7h scripsi:t” LR 9 ei yap en Lei yap piety R. FILO Gib, SOBRE GORGIAS Nada, dizele, és masse é, éincognoscivel; ese ée écognoscivel, nao ¢, no entanto, mostravel aos outros. Que nao é: compondo os dizeres dos outros au- tores - de todos aqueles que, falando dos entes, opoem. entre si, como parece, teses contrarias, demonstrando ora que esses entes sio um e nao miiltiplos, ora que eles sio miltiplos e nao um, ¢ ora que eles sio ingéni- tos, ora que eles sao engendrados -, é a conclusdo que cle tira dos dizeres de uns e dos outros. E necessério, com efeito, diz ele, que, se algo é, que isso nao scja nem um nem nuultiplas coisas, nao maisingénito que engendrado; entao, nada seria: pois se fosse algo, seria uum ou outro desses atributos. Que nao é nem um nem miltiplas coisas, nem ingénitas nem engendradas, ele o mostra em parte seguindo Melisso ¢ em parte seguindo Zenao, apés uma primeira demonstragas bem prépria dele, na qual ele diz que nao ¢ possivel nem ser nem nao ser. BARBARA CASSIN SF PARMENIDES 15 20 197 198 Ei pev yap rd wi) elvar Eom yi) elvan, abbey av Frrov 13 uh 8v 100 Bvrog et, TS TE yap wh dv kor yr Sy Kal Td Sv Sv, Sore OD6EV HaAROV elven H odk elvan Ta tpayyara, EL 8’ Gwe 78 pi elvat Eou,, 70 eivat, gnoiv, Ovk ETL, Td dvtKeivevov. Ei yap td 4h elvan Fort, 10 elvai ph elvar mpooxer, “ore ovx av ota, noiv, obSéy av ein, el uh Tadroy fouy elvai te Kai uh civ. El 68 trait, wal obtwc ovk av cin o88Ey. 1 te yip ry Ov dk Bort Kal 78 dv, éneizep ye tadtd 1@ Ui Ove. Obtes [EY obv 8 abrd¢ Adyoc éxeivou, a en, 3. Test. emend. : 120 abtds : ai10¢ 6 Foss :8 mp@rog Diels, 1 evabou L ielvatt gon R 2 dv iroov ay fy ftrovR delvaqL:felvaAR taom.L 7 eivaiph giver Leivaci yh slau R 9 dorcwv elvan LiterwaiR 9th dot RR Il yeom.R 22 oiitw¢ L : obt0¢ R, 25 30 FLO 3 Pois se o nao ser é nao ser, nio menos queo 25 ente, o nio-ente seria: com efeito, 0 nao-ente é nao- ente assim como 0 ente é ente, de modo que sao, nao mais que nao sao, as coisas efetivas. Mas se, no entanto, o nao ser é, o ser, diz ele, seu oposto, nao é. Com efeito, se o nao ser é, convém que o ser ndo seja. De modo que, nesse caso, diz ele, nada seria, uma vez que naoéa mesma coisa sere nao ser. Mas secariecta coisa, nesse caso também nao seria nada: com efeito o ndo-ente nao é, assim como 0 ente, se, ao menos, ele éa mesma coisa que o nao-ente. Eis af, portanto, o discurso mesmo dele. BARBARA CASSIN SE PARIVENIOES. 30 139 200 4, Ovoapobev SF oupPaiver & Gy cionxey 35 undky elvat. A yap Kai dnodelxvvaw, obtwe Siadeyetar- 18 pi Sv Eottv, | amac eineiy ety kal Eotiy Ouolov uh Sy. Tobto 8 obte gatverar obtws obte dvayen, AAX donepel Sveiv Sytoiy, Tod wiv Svtoc, Tod SoKodvtos, 70 pév Eowi, 1 6" OK AANGES StI EoTI, Td uby 979b Hy, Ad Th obv Ob EoTIV oite eivaL Otte i elvas TO 58 know ovGérepov odK Eativ. OvBey yap , gnaly, eM av TO ji elvat tod elvat, einep ety tt Kal TO Ui elval, bre ovdeig prot elvar TO yl elvat ovSapis, Ei St kai Gori rd ji dv ui) Sv, O06 obtwe O[aiwg etn 5 Ay td yh Sv to pi Ove TO UeV yap gow UH dv, 10 88 kal Eorwv Er. Test. emend,: 2kal Anadelxwwou ; nai & MOdeUKvvOUSLY Diels: xal acdrdg d>noSelxvoow Kerferd 3 dtadéyerar: Siehéyyerar Wendland — fpr: et Bern, 402 3.49 amdd¢ eineiy ely cei Eotty Spotoy iH Sv Eom, anhaceirety, xal Korw duotag ph by Foss: H bot aida etrety, kal Eociv Spo. ph av Diels: jl fori anAds einetv ety xa [Loci] Akal €or dpoinc ji By Newiger 7-8 78 yy ph Sy: 1d pay ul Gv Diels 97888 Sppn od88cepov ob Lorri : 11 58 duge ovGETepOV OK EoTIV; Diels 11 6te obBeig: O88 Newiger 14 1 ul Gut: uh del. Sylburg, 2dnobelkvvary Ria (lacuna Il litt) noSeuvvovow 1 SAL: R gorvantedmaghab,R 4 etn xa gory iter.R 6 dvtoty, TOD Lévom. R top Soxobvr05 L t05 Sob BytoGR 7 yey Lite HevR 8SaTiL S61 R 96 oma. R ebSérepoy scripsi : 086 étepov LR 10 Arrow rest, Foss : lacuna VIlitt, L: om. R dl 6te om. R. Fud 4. Mas de onde quer que se parta, nao seseguedo 35 que ele disse que nada seja. Pois qualquer que sca sua demonstragao, ele dialetiza assim: ou bem o nao-ente é,oubem ele seria, falando simplesmente, e¢ também semelhante, como n4o-ente. Ora, ndo ha ai nem apa- réncia nem necessidade; mas é como se se irotessede dois entes, dos quais um ¢¢ 0 outro parece; 0 primeiro é,maso outro, nao éverdadeirodizer que ele seleque & 979b primeiramente néo-ente. Porque, entao, ele nao . em ser nem nao ser? Ele que é, por outro lado, os dois nao énem um nem outro. Pois ele diz que o nao ser seria nao menos que o ser, desde que o nao ser seja ‘tanbisin dealguma maneira - uma vez que ninguém vai dizer que o nao ser nao ¢ absolutamente. Mas, mesmo se 0 nao-ente é ndo-ente, o ndo-ente nao seria entéo nem sequer de maneira semelhante ao nao-ente, pois um éndo-ente, enquanto 0 outro é também, além disso. ww ° 201 BARBARA CASSIN SE FARMENIDES 202 a. Ei 68 al amX@g eimetv ays, ds Sh Gavpdaidy y &v cin ro uh dv gouty, GAN ei Si btw, pétepov paAAov EvpBaiver éxavta H eivau, wh elvay Adtd yap otitw ye To¥vavtioy Eorey ylyveobat. ei yap 16 te ph dv Sv gon xal 16 dv by got, dnavza gotr Kal yap Ta dyta Kal pi Svta Kory: ob aveyen yap, el Td Hi dv got, Kal tO dv ph elvat, — Ei 3h Kal obte tig Evyywpot Kat To Bey pi dv el, TO SE Sv pi etn, Swws odS8v Artov ety ay. Ta yap ply Svra ein kara zy exelvov Moyo. Bl 8 radtéy got 70 elvan Kai 16 fi} elvan, 008 oBtwE PGAROV OdK ef &v TH ein. ‘AG yap Kdxeivos Agyet St, el rabTd 7d pi Sv Kal TO by, 16 te dv dk Eom Kai TS pi by Gore odSév Zot, avtiotpéyaves Forty duoiws @avat Sti advta forty: 76 te yap pr dv ott Kai TO dv, Gate navra got, ‘Test. emend, : 2 vO ante wh bv add. Diels 44 elvat, wi elvan: pi elvat i elvar prop. Apelt 10 ttpost avadd. Foss. DyavL:vavR — 3 -xpdtepovL: nétepov R Gnavea L: wemdvea R44 elvat, ph elvan: elvarij pijelvarR 6 valt. Lom.R 6-7 yap 1a Byte cal ph Svta scrips! : 7a yap ta Svra Kal bi) Svta L: yap ra bvta Kal va pw Gvta RY Evyywpot L EvyywpetR 12 wat post Zov heb. R 13 ri ely Felicianus: ct ef Rew lacuna IZ litt, L WM tabto L:tadievR 16 ante pi bv et ante vom. R 18 ndvraR: dxayea sed ut uid. in nayra corr. L 10 15 FILO Mas mesmo que seja verdadeiro, falando sim- plesmente — como seria espantoso que 0 nao-entte seja -,mas se fosse no entanto assim, éem um primeiro tempoqueacontecede todasas coisas,emvezdeserem, no serem. De fato, ao menos assim, é justo 0 contrario que parece se produzir: com efeito, se o ndo-ente é ente e se o ente é ente, todas as coisas S40; pois entes € nio-entes sao; nao é necessario, com efeito, que, seo nao-ente é, 0 ente, em fung&o disso, nao seja. Mesmo se agora alguém o concedesse, e que, por um lado, 0 nao-ente scja, ¢, por outro lado, o ente nao seja, no entanto, ele nao seria menos; com efeito, os nao-entes seriam, segundo 0 seu proprio discurso. Se, por outro lado, o ser e © nao ser s40 a mesma coisa, nao é, as- sim, mais 0 caso de que algo nao seria em vez de ser. Com efeito, da mesma forma que Gérgias diz que, se o nao-ente ¢ 0 ente so a mesma coisa, 0 ente nao €,¢ 9 nao-ente também nfo, de modo que nada é, por uma inversdo pode-se, de maneira semelhante, dizer que tudo é: com efeito, o nao-ente é, assim como 0 ente, de modo que tudo é. BARBARA CASSIN SF PRMENIDES 10 15 203 204 Meta 88 todtov ray Adyov, gnoly, et SE 20 Eotiv, Hrow dyévntov jj yevopevov elvat. Kal ei ev dyévatoy Sneipov adtd toig rob Me- Alocov akpact LapBaver, Td 8° &reipov vk &y elvai rote: obte ydp vy ait ott ay gv @Ay elvar S00 yap dy obtws A meio elvat, xd te ev ov Kai 1 Ev d pndapod Sé dy, obSév civar 25 KaTd TOV Tod Zijvwvos Aoyov nepi Tic Opa. Ayévntov pty obv bie tad7 ob elvat- od iv 0088 yevopevov. TevéoBar yoy ovdiy &y oft? gE Svros obt’ &k fui) Svt0G. Ei yap 1d dv weranésot, odx av ev elvat 18 by, Gonep y’ ci kal td qi) Sv yévoito, obk &y Eu ety wh bv. OBSE pay 038" EE Svroc ay yevéoBat, ai ev 30 yap pi Eo 7d pi) 8v, 6! Amep 008? ex tod Li) Bvt0g yevésOat, Ei ody avayen pév, elnep fort t, H to ayévntov A yevouevov elvat, tata 88 , Adbvaroy Ti Kai elvan. Test, emend, 14 ob iy 0088 dvr0g. ‘ob BAY O08 8x ui Gvto¢ Newiger 17 10 ayévntov: r01 yey tov Bekker. JFL: BAR ytyvopevov (ywopevoy) L: yevouevovR 6th reL: toot R 72vdvR: fyovL dé dvuulg,: 6éovR:vL obSEvL: o¥BER —-BtoVEM.R 10 yoivL: rovR oOVEKR:oteL 13 8valt. LioivR 1M pil uty 15 ov6tv dy &x undevoc dv yeveadar- el 8 Seti adrd ui Sv ante 8 hab. Ru Ls Ovtos, bid tabT! ay ODS" &x rob ante pi hab. R I? fl yevopevey elvat L: elvar i yevopievov R 18 add, Newiger. FL Depois desse discurso, ele diz que, se, noentan- 20 to, é, éoubem ingénito ou em devir. E se, porum lado, éingénito, entio, isso ele o sustenta em virtude dos axiomas de Melisso sobre ilimitado. Ora, 0 ilimitado nao poderia ser jamais; com efeito, ele nado poderia ser nem em simesmo, nem em um outro; pois ele seria assim dois ou mais, o que € um ¢ isso em que ele é; ora, nao sendo em parte alguma, ele nao seria nada, segundo odiscurso de Zenio sobre o espago. Por essas raz6es, portanto, por um lado, nao ¢ ingénito. Mas também nao éengendrado, De fato, nada podevirnem do que é nem do que nao é. Se, com efeito, o ente caisse na mudanga, ele nao seria mais 0 ente, exatamente da mesma forma que seo nao-ente tivesse proveniéncia, elenao seria mais ndo-ente. Além disso, também nao pode haver proveniénciaa partir do que é, se, de fato, onao-ente nao ¢ - razio pela qual também nao pode haver proveniénciaa partir do nao-ente. Se, portanto, é necessdrio, se isso é verdadeiramente algo, que seja ou oingénito ou engendrado, ese isso é, no entanto, impossivel, é impossivel mesmo que algo seja. BARBARA CASSIN S= PARMENIDES: 25 30 S "Eu einep gon, 8v A mhelw, pnoiv, eotiv. EL 88 prire By pute roAAd, obSEV Oy ett Kai 8v pév... kai Sut dowpatov dy ein 10... ev ku. € EXO Uev ye... T TOD Zipvwvoc hoyw. ‘Evég 62 bytos, 068° Gy... elvar ob52 un... tite woldd.. Bi 6& rte... mite modded éotty, ovdév Eotiv. O88 ay KivnOfval pnow ovéévi yap KivnBein H obK av Ex i) WoabTwS FYoV, GANG td pév ob dv ein, tO dé, OdK dv, yeyovdc cin, “Er Sel kivettar wai 8y eta pépetal, ov avvexés dy, Sifjpntai 1d dy, obte tt tatty: Gore névry Kwvetta, maven Sujpyptar el 8 obtws, navy obk Eouy. “Exhinéc yap tavtH, pyoiv, H Sujpyrat, cod dvtos, avtl tod xevod 16 Sinpficba Akywr, KaOdnep ev toIc Acuxinniov kaAoupévois Leyous ye ypartrat, Test. emend, Ln, fj post €otiadd, Foss 3-4 xai tv piv vat rl da@uaroy dv rin 10 <éy, 79 S'écmpatow o08>Ev, x 8 dg odK EXO Hépn 1 rod Zijvervos NSyy test, Cook Wilson 5-6 8965 62 eluat od Sév- uh , pSénOhAa rest, Apelt TALGAR 2elLicreR 3-6 xal Evpey (lacuna VITitt) kal tt doupartoy ay etn 13 (TX litt evic (V Ltt) edyov uév ye (VI itt) 10 100 Zivovos kaye ixd¢ 6¢ Sve0s, 088 ay (VI itt) elvat ov68 py (VILE Litt) arjre roa (LY Litt) ef 88 uate (VITTitt) pce n0AAd gory L: kat ey ley (TTT litt) kai drt dodpatoy ay etn vo ev (UT itt.) n (LV litt) EvaXOY jv Ye TH TOB Zéyvevos ASyoU— TONG (V Ltt) et yap uryre Ev pte moAAé (TTTitt) gore R. ‘Test, emend, : Tante 008° Av lac, stat. Foss odSevi od8ev el Foss2ijpr.del. Foss étifj: éx1eln Foss 3 bv post pévadd, Foss 4 cixwettat nal BV: ei xivnow xiveitan kay Apelt 5.03: 1 Newiger auct.Apelt 5-6 ot'te TL: obx dott Foss. 3évprL:avR yeyovdgR: yeyovig Lo detaulg ALR kiveteat L steve xwvetraR évLrciR Ss.odte ter: odtétt LR J ravi Lemavta R fxkutéc R: bedceté LW Aeoxinnov R:Aevninov L. 980a Além disso, se, ainda assim, é, diz ele, € um ou mais. Massenaoénem umnem muitos, entdo nao seria nada. (Se é um, Melisso afirma que seria incorporal. Mas se isso nao tem corpo, nao é em parte alguma, € portanto nao é nada, segundo o discurso de Zeno. Por outrolado, seo um nao é, a pluralidade que é uma soma deunidades também nao €.) De modo que senao énem um nem miltiplo, nao é nada. Também nao pode ser movido, diz ele. Com efeito, isso seria movido por nada, jéque ou bem naoé mais ou entao é tal qualé: senao, por umlado, nao seria ente, €, por outro, mesmo nao send, teria no entanto vindo a ser. Mais uma vez, se ele se move e se desloca enquanto um, nao sendo continuo, o ente se divide, € is4o; de modo que, por nao é algo no ponto desua di toda parte em movimento, por toda parte dividido; ora, seéassim, por toda parte ele nao é. Com efeito, ele diz que isso é privado do ente ld onde isso é dividido, falando do ser dividido no lugar do vazio, como esta escrito nos discursos ditos de Leucipo. 980a, oy BARBARA CASSIN SE PARMENIDES . 207 208 9. EL wav ody od8éy, tis dnodelkerg Aéyel fimavta. Aciv yap ta ppovotueva eival, Kai 10 10 4 dy, ctnep ph Ear, unde gpovetabat, El 8’ oftwe, od8d8v ay elvai yetSoc oddeic nol, 008 ci év 1G meddyer galt ajiALacdat dppata néavra yao av tubra etn. Kal yap ta Spaueva Kai axovdueva 64 tobto Forty, StL Ppoveita txacta abrov. El S& ph) dia ToBto, AN Gonep obSéy padhov & Sp@uev 15 Eon, obtw wéddov & dpdpev i Stavoobueba- kal yap Gonep éxet noAdoi dv rabtd Gorey, kai évtadBa rool ay rabté Siavondetnuey. 16 obv LAMov Si To1ds! orl. Mota SE taAnG Sndov. “Dore ei Kal Loti, wiv ye &yvwor’ av elvan va xpayyara. Test. emend, 1-2ei- Aeyeev anavta: ei - héyer elvat ayvwote dnavea Foss: elvat oby obser, Tac dnodeibeig AeyerApelt 4 elvan :etmoe Apelt 4-5 o¥Seig enow, ob8"el: od6'el, gnoiv, [od8'ei] Cook Wilson 6 rabza:tabtp Apelt 7 Optrtat kal éxoverat, Kai Spolux ra qpovodxEva Bory Su post éxiadd. Diels, 9-10 AAV": dtevoovueBa: 4X Gonep oddiv wadAoy & dpGpev Lotiv, obtws paAAov & Op@pev f Siavoovyeba Apelt: aANonep oS uaAAov & Opdpev gory, oitw U@Aov a [opapev i] Savooipea Diels: dAN'<6ti nohoi ra abza SpGar, ta Spapeva Eotw>, obtw obdiv uaNLov & Opauey i Scavooupe€a Newiger 13-78 - dat: th oby paov SiPove. s01d6'Sot! Apelt: loc. desp, ed, Diels et Newiger. 2belvL: SiR GF toda R: vavird ex tatta L 9aom.R 13.54 roids" L: bn (lacuna IL litt.) awidd'R ldelxaiL:xaleiR yedyywor'ty L:yvooray R FuLd 9. Se, portanto, nada é, as demonstragées dizem tudo sem excegao. Pois é preciso que 0 tepresentada seja € que 0 nao-ente, ao menos se ele nao é, tember nao seja representado. Mas se é assim, ninguem diz que uma falsidade seria nada, diria mesmo quecarros lutam em pleno mar, pois todas essas coisas seriam, ja que tanto o queé visto quantoo queé ouvidoésomen- te por esta razdo: que isso é a cada vez representado, Masse nao é por essa razao, entdo, na medida em que isso que nés vemos n&o éem nada mais, nessa mesma medida isso que nds vemos, ouconcebemes, € mais. E com efeito, da mesma forma que ai muitos poderiam ver essas coisas, aqui, nds poderiamos também ser muitos a canceber essas coisas. Assim, o “mais”, nao sio sendo tais coisas; mas quais sAo verdadeiras, isso no se mostra. De modo que, mesmo se elas sao, elas seriam incognosciveis para nds, as coisas efetivas. iy BARBARA CASSIN SE PARNENIDES 10 15 209 210 10. El Sé Kal yvword, nae av tts, prot, dq- A@celev HALO: 6 yap Elbe, nao Av tI, enol, 20 todto elnot Adyws "H még av éxeivo SHAov akavoavtt ylyvolto. ut idvTi: Womep 980b yap odd fH Sytg tods PAdyyoud ylyves«kel, obtws Od6E fH ako TA XpmpaTa aKover, GAAA PBSyyove Kal Aéyer O Aéywv, GAN ov Xp@ua ovd= npaypa: “O odv tic jh evvost, nag airtel nap’ GAhov Oy i onpei tIvi étépw TOD mpayyatoe evvoraeley, GAN A gv Hev xp@ua, idwv, eav 6& héyer <6 NED yay ob8 xpipa Cook Wilson ; heyer yO Fie xpdya Newiger. 188 (6 ex corr. L) cal om. R gyal Bekker: aolLR 3eino.R:etmL — exelvo L: éxeive R SovdtLiolSevR Rik’ L pdyyous R: GoyyoucL GARI Buh evvoet L: uetevoost R 10 to} om.R_ 1 tong Cook Wilson: lacuna V litt. vaogL: vpogR 12 ob Aéyerdé xp@pat Lon (lacuna TI litt) eye (TV litt.) youede xp" R14 oDS"Spav L: GANOpAYR. FLO 10. Mesmo se elas fossem cognosciveis, como al- guém, dizele, poderiatornd-lasmanifestasaum outro? Comefeito, o quealguém viv, dizele, como o enuncia- riaem um dizer? Qu ainda, como justamente isso se tornaria manifesto a quem ouve sem ver? Damesma forma, com efeito, que a visio nao chega a conhecer os sons da voz, da mesma forma 0 ouvido também nio ouve as cores, mas sons; e aquele que diz diz, mas nao uma cor, nem uma coisa. Assim, portanto, isso de que alguém nio tem ideia, como ele o pergunta a um outro por meio de um dizer, ou ainda, como ele poderia ter ideia por meio de um signo qualquer da coisa que ¢ outra- sendo, se é uma cor, vendo-a, ese éum ruido, ouvindo-o? Pois, para comegar, ele nao diz uma cor, mas um dizer. De modo que nao ha nem oconceber nemo ver da cor, néo mais que do ruido, ha apenas o ouvir. oe BARBARA CASSIN SE PARMENICES 20 980b 2il 212 1 12. i. 12 El 52 Kal évdexetat, yryvdoner te Kal avaytyvibaker Agyov, @\M& Toe 6 dKobwv 1d adTd évvoioes OF ykp oidv te tadrd Spa év mAkioot Kai ywpls OaIy Elva Sho yap &v ely tO Ev. Ei 62 Kai ety, gnoiv, &v mheioor Kai TavTSV, OdSEV KOALEL pH SpoLov PaiveoBat abrois, ww név7 Spoiois eKeivorg aba «ai év 1 ave7@, ef tt BV ToLodtov, sic Gv GAN ob Sto eiev. Gaiverar SE 088 abtdg abt Spoia aicbavopevos év tH adt@ ypdve, GAN Etepa th aKof Kal Ti Sel, Kai vov te Kai méAat Stapopws. “Qote oyodrH GAA nav Tavts aloGorrd tic. Obtws - otk Fativ év- £oTL yywotay. - oddeig av abrd étéepy SHddoetev, Sa te to wh elvar ta cpdypata- Royovs, Kai Str ovdSelg etéepw évyoel. ‘Anavtes 6 Kai obtog Etépwv apyato- tépwv eiciv amopia, @ote é&v th epi éxeivoy oxéwpel kai tabta éketaatéoy, TantToy Test, emend. = 12 yeywwoxet te Kal dvaytyvoaxet AEyov: yuyvdoweW ternal d By yryvdony Aéyery Diels 8 el cv ToLodrov : al yap év 1G avrg Cook Wilson 13-14 ovx Eouy Ey. dol ywordy: obv el got TI yyaoTEV Cook Wilson 16 Etepov del. Foss. 3radrdL:to avtdR 4avom.L § ig av Apelt: eljoay LR 12 oyoAg Sylburg: oxoA Ls oxoARy R 148y: tomL: bveots R 1S Snddorey R: 6} Aooetev L 16 Aoyoug Ls Aerté R. Test. emend. : 1 finavres 62: Grraoat 6é abtet Mullach Kal ot HAAo1 ASyor abroo yryvovearnepl & xal ante erspay add. Diels. 10 20 Fd ay ll. 12. Alias, mesmo se for possivel, ele conhece e reco- nhece ao falar, mas como ele, que ouve, teriaa mesma coisa na ideia? Poisa mesma coisa nao tem o poder de estar ao mesmo tempo em muitos, os quais sao sepa- rados: dois, entao, seria um. Alias, diz ele, mesmo se exatamente a mesma coisa estivesse em muitos, nada impede queelanaolhes paregasemelhante:mesmoem uma situacao de identidade, na medida em que exista alguma unidade desse género, cles seriam um masnao dois. Alias, nao parecemosnés mesmos ter percepcdes semelhantes aquela que temos em um mesmo tempo, mas diferentes para o ouvido e para a vista, ¢ diferen- temente no instante presente e no instante passado. De modo queainda menosperceberiamos absolutamente amesma coisa que uma outra pessoa. Assim - nao é um, écognoscivel—ninguém poderiamostra-loaoutra pessoa, porque as coisas nao sao dizeres,e ninguém apreende uma coisa diferente para uma outra pessoa como sendo a mesma. Todos, eele, sdo aporias de autores maisantigos, de tal modo que na investigacao que trata deles, é isso também que se deve examinar. BARBARA CASSIN SE PARMENIDES 10 15 20 213 FILO “Se Parménides’: trata-se de ontologia, de sotistica, de doxografia. ‘Edigao do tratado anénimo RS0) oe TO COC MELO UC CES} estabelecimento de um texto prego, de sua traducao, de suas justificagdes. Do titulo ao subtitulo, trata-se de filosofia e de filologia, de uma certa relacdo entre elas. [...] Pratica filos6fica ou pratica filolégica: uma, XR MErCOM Ii cll Colo Mol0h eM olga CoM ta-ial Soot L...] Nao se compreende nada em um texto como o Sobre Melisso, Xendfanes © Gorgias enquanto nao se o decifrar literalmente e longamente. Eis por que é tao dificil. E nele se 16 mais e outra coisa que nao se tinha pressentido ou que nao se teria inventado, eis por que é tao interessante. Nao que se passe assim da filologia 4 filosofia como a uma esfera superior ¢ que teria fornecido em segredo uma pré-compreensao para executar as obras baixas. Nem que haja na prépria filologia dois niveis de interpretacdo, um Bi 1h Ai ore LT) Ue Lasoo Mole a gramaticalidade da frase, e outro mais alto para decidir do sentido geral e da identidade do texto. Ha, antes, uma pratica Unica que, seguindo simplesmente até o fim suas préprias leis, respeitando simplesmente a si mesma, nado cessa de se erguer, do mesmo modo como sons articulados pelo jogo de Suas articulac6es acabam em discurso.” auténtica eee e rete etl

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