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A Condição Humana - Hannah Arendt PDF
A Condição Humana - Hannah Arendt PDF
ume necessidade, nao podia
ser considerado livre e nada tinha a ver eom o bins pikes
‘Com o desaparecimento da antiga cidadeestado — ¢ Agost
‘tho foi, aparentemente.o iltimo a conhecer pelo menos 0 que ou
trora significava serum cidadio — a expressao ita efi perde
‘© seu significado especificamente politico e passou a denotar todo
tipo de engajamento ativo nas covsas deste mundo. Convém lem
brar que isto nio queria dizer que o trabalho eo labor howvessem
talgado posigio mais elevada na hierarguia das atvidades humanas
€ fossem agora to dignos quanto a vida politica * De fato, 0 oposto
fra verdadeiro: a ago passara s ser vsta como uma das necessida
‘des da vida terrena, de sorte que a contemplagio, (0 his theoreti
os, traduzido como va contemplatic) ea 0 nico modo de vida
realmente livre.”
‘Contudo, a enorme superioridade da contemplagio sobre ual
‘quer outro tipo de atvidade, inclusive a gio, 0 € de origem ets:
1B. Encontramovla na filsofia politica de Plato, onde toda a reor-
‘ganizagdo utdpica da vida na polis €nio apenas dria pelo supe:
Fior discemimento do fisofo, mas no tem outa finalidade seno
tomat possivel o mado de vida flossfico. O prOprio enunciado
arstoélico dos diferentes modos de vida, em cuja order a vida de
prazer tem papel secundiri, insprs-se claramente no ideal da con-
{emplagio (thoria). A antiga iberdade em relagio is necessidades
dda vida e& compulsio alhci, os fibsofos screacentaram a iberda-
7. Vejase iid. 127% para a distingi entre govern desptic €
politica, Quanto 20 afgumento de que avi do despta no gal vi
1: do homem lve, uma vez ue o pimeio esta preocypado com =
sas necevsirias, Nejse fl 12824
Quanto a opie generalizada de que a moderna avaliaio dol
bor € de origem eisty vei alan, $48
9 Veinse Toms de Aquino, Sune thee 2. 19, especial
rmente art ome rte uty rena da mercies ae practi €
[Eysiann Puaws,48-3,ande se stb uo corpo politico a arta
roporcionar tao gue € necessai 4 Sia: Vr irate port sane
de ea cessagio de toda atividade politica (stole). de sorte que a
posterior pretensio dos cristios — de serem lives de envolvimen-
{0 em assuintos mundanos, ives de todas a8 coisas terenas — fo
precedida pele upolita flossfica da ltima fase da aniguidade, ©
‘ela se originov. 0 que até entao havia sido exigido somente por
alguns poucos era agora visto como dizeito de todo.
‘A expressio cia atica, compreendendo todas as atividades
hhumanas edefinida do ponto de vista da absoluta quietude da con-
templacio, corresponde, portanto, mais & askalia grega (2ocups-
son, sdesassossegos) com a qual Aristételes designava toda atvi-
‘ade, que ao bios polikos dos gregos. J desde Aristteles, a dis:
tingao entre quietude e ocupagio, entre uma abstensio quaseesti-
tica de movimento fisico extero e de qualquer tipo de ativdade, &
mais decisiva que a dstingio entre os modos de Vida politic ete
Fico, porque pode vir a ocorrer em qualquer um dos trés modos de
vida. E como a diferenga entre a guerra ea paz: tal como a guerra
‘corre em beneficio da paz, também todo tipo de atvidade, a
‘mesmo 0 processo do mero pensamento, deve culminaf na asolta
{uietude da contemplacio. Todo movimento, 0s movimentos do
‘Corpo e da alma, bem como o discirsoe oraciocinio, devem cesar
siante da verdade, Esta, sia a antiga verdade do Ser ou a verdade
TO. A palavea greg sktole, como 2 latin oun, significa bask
mente isengao de atvidae politica e alo sinplesmente lize, embors
$mbas Sejam tambem usadas pra indica seg do abo eds neces
‘dades da vida De qualquer modo, indica sempre uma condo de
isengio de preocupeoes c cldados. Excelente sscrigi da vida cote
‘ana de um ciao aenensecomum, que goza de completa engSo de
lator e wabalbo. pode ser encontrada em Pstel de Couanges, The Ar
ent City (Anchor 198) pp. 33436; qlslguer um se convener de
‘como a ativdade polite Scupava 0 tempo dos ciladis mas condnes
{a cidude-crtado, Pode-sefacimente imaginary Como essa vie police
‘comum era cheia de preocupgoes, quando se recoda qe ae ateniense
fio pevmita que ua cidadio perennecesie neue, puna com pends
‘be cidadania agueles que no quisessem tomar partido em dispuas fa
1, Vejase Arsttees, Poti 1232033, Tomis de Aquino def
ne a contemplatso como gts ab exterrbus mobs (Sanna theo
2 iD,
aCristi do Deus vivo, s6 pode revelar-e em meio completa quiet
‘de humana.
“Tradicionalmente, ¢ até o inicio da era moderna, a expresso
‘ita atica jamais perdeu sua conotagao negativa de wit-quietude>
nnecorium, askholia. Como tal, pernaneceuintimamente ligada
listing grega, ainda mais fundamental, entre as coisas que S30
Por s'0 que sio eas cosas que devem ao homem a sus existenci,
fenlre as coisas que so plise e as coisas que 830 momo. O prima:
to da contemplagio sobre a atividade baseia-se na convioyio de
‘que nenhum trabalho de mios humnas pode igualar em beleza €
Yerdade 0 Kosmos fsic, que revolve em toro de si mesmo, em
Jmutivel etemnidade, sem qualquer interferncia ou asssténcia
externa, seja humana ou divina, Esta elemidade +6 se revela a
‘olhos mortais quando todos os movimentose aividades homanas
esto em completo repouso, Comparadas a este aspecto da quietu-
de, todas as diferencas e manifesagses no dmbito da vida actita
‘desaparecem. Do ponto de vista da contemplagio, aio importa 9
‘que perturba a necessiria quietwde; o que importa & que ela seja
peruurbada,
Tradiionalmente, portanto, a expressio vita activ deriva 0
seu significado da vie contemplativa; sua mui limitada dignidade
deverse a0 fao de que serve as necestdades e caréncias da con-
templagio num corpo vivo." O eristanism, com a sua crenga num
‘outro mundo cujas aegras se prenuneiam nos deletes da contem-
plagio.* conferiu sangao religosa ao rebaixamento da vita acica a
‘ua posigo subaltemna e secundaria: mas a determinacio dessa
mesma hierarquia coincidiv com a descoberta da contemplacao
(theory como Faculdade humana, acentuadamente diversa do pen-
samento € do raciocinio, que ocorreu na escola socrtica e ave,
desde entio, vem orientando o pensamento metaisicoe police de
TE. Tomis de Aqui resata a quite da alma, ¢ recomenda a
‘ita actira porque ea expo, portant, saree as pines intros:
© prepara‘ homem para a coniemplaga (Summa vheoogica i282 3)
13, Tomés de Aquino ¢ bastane explicito quanto & conexio ene &
vita enta'e as necessiades careniae do coro humana, ue O8 ho
mens es armas tem comm (Summ tealgicn 2. 182.1
1, Agostinko fla do sdnuse (urna) da via ava iposto pelo
ever da carade. que Seva nsuportsvel sem “dogurs (suse) ¢
‘prazer da verdades obtido na contemplagae (De cette Det. 19).
u
FAFICH/UFMG - BIBLIOTECA
toda a nossa tradigio." Para as Finalidades deste lio, pareve-me
Adesnevessario dscute as razdes dessa tradigan, Obviamente, $30
‘mais profundas que o momento historico que motivou 0 confito
tntre & polis € 0 fidsof,e com isso levou também, quase que por
‘caso, descoberta da contemplago como modo de vida Jo fiss0-
fo. Essas razies devem resiit num aspeeto interamente diferente
dda condigao humana, cuja diversidade ndo €esgotada pels varias
mmanifestagdes da citu eta e, provavelmente,nio seria esgotada
mesmo que se Ihe ineluissemos 0 pensamento ¢ © movimento do
Portanto, se 0 uso da expressio vit actca, tal como aqui 0
propano, esta em manifesto conflito com a tadigao, @ que duvi-
Soro dae apni ge te or es der
mas da ordem hierarguica que a acompanha desde 0 inicio,
{sto ndo significa que ev desee conesar ou sé mesmo dscutir ©
‘eonceito tradicional de verdade como revelagio e, portant,
falgo essencialmente dado a0 homem, ou que prefra a assergao
pragmatica da era moderna de que 0 homem s6 pode conhecer
fquilo que cle mesmo faz. Afirmo simplesmente que o enorme var
Tor da contemplagio na hierarguia tradicional obscureceu a5
dliferengas e manifestagdes no imbito da propia vite activa e que
fa despeito das aparéncias, esta condigio nio fol essencialmente al-
Terada pelo moderno rompimento com atradigio nem pela eventual
inversio da ordem hierarguica em Marx e Nietzsche. A estrtur
‘conceit permanece mais ou menos Inala € isto Se deve & ro
pria natureza do ato de -virar de cabega para balxo- os sistemas
Filosdticos ou os valores atualmente aceite, isto €, a natureca da
propria operasio,
"A inversdo hie
tradicional hierara
equica na era moderna tem em comum com a
1 premissa de que a mesma preocupagio he
15. O tradicional resseatimento do Flsofo conta 4 condo hur
1a de possi um corp nso # mesma coisa que o antigo desiem emf
Tapio Ss necessdadey da vida! sug nocesnade er apenas um
dos aspects da exstnca corpvea, © uma vez libetado desta tecey
Sidade 0 corpo es capa daguelaaparncia pars que ov gregos cham
‘am de Beleza. Depois de Plas. ovals stescentaram a0 resent
‘memo. de seem fergados por necessidades corporas 0 resentments
contra quaer tipo de movinentagso. E por vver em completa gue
Sde‘que somente 0 corpo do Sno habits cidade, segundo Plato. E
festa tamer a ongem da acsagio de sabethudie> (ulepusmosine)
‘iigida aueles que pasar vida 9 sundae dy politic,
3s‘mana central deve prevalecer em toss stividades dos homens,
‘posto que, sem um io principio global, nenhuma ordem pode
fer estabelecia. Tal premissa nio é necessiria nem axiomaticas ©
‘0 uso que dou & expresso rita ucticu pressupse que a preocups
‘G20 subjacente u todas alividades nao & a mesma preocupagio
Sentral da vitu contemplarca, come ao Ihe € superior nem infe-
Seg
Eternidade versus Imortalidade
A ie a tu ao a vis formas de eneiamento
tivo mis coisas deste mundo e, de ous, o pensamento puro
{que culmina na contemplagio possam corresponder a das prevcu-
‘pagdes humanasinteiramente diferentes tem se evidenciado, de uma
Forma ou de outa, desde que -os homens de pernarentoe 0 hares
dd agio comegaram a enveredar por caminhos diferentes, isto é,
desde a ascendéncia do pensamento politico na escola socrtica
CContudo, quando os filésofos descobritam — e & possivel que &
sdescoberta tena sido feta pelo proprio Sécrates.embora nio se 0
possa provar — que a esfera politica nio propiciava necessria:
mente 1s atividades superiores do homem, presumiram imedat
mente nig haverem descaberto algo novo slem do que ja se sabia,
mas terem encontrado um principio superior capaz de Substiuir ©
principio que governava a pls. A mineira mais faci, embora Um
tanto superficial, de iustrar esses Jos principios diferentes e até
Certo ponto confiantes, élembrat a diferenga entre imortalidade ©
eternidade
Tmortalidade significa continuidade no tempo, vida sem morte
nesta terrae neste mundo, tal como foi dada, segundo o consenso
[rego, A natureza e aos deuses do Olimpo. Conta este pano de fun
16, Velase F. M. Comford, Plato's Commonwealth. em Urner
sen Pbnopin (1950, p+ morte de Beces «4 Guerra do Pelopo
‘eso marcam 9 instante em que o» homens de persamento eos homens
‘de aeao enveredaram por caminhos diferentes, desnados 8 Se separar
‘da vez mais até que o foto ewico denou de Ser um ciao do
Seu pas c pasoo a serum cidadso do univeso~
%
do — a vida perpétua da naturezae avid diving, ienta de morte €
{de velhice — encontravam-se 0s homens mortals, os Unicos mor
{ais num universo imortal mas no eterno, em cote com a8 vidas
imortais dos seus deuses mas nio sob o dominio de um Deus eter
no. A crermos em Herbdoto, a diferenga entre as duas parece ter
Sido surpreendente para a autoconsciéncia dos gregos antes dos
enunciados conceituais dos fildsofos e, portanto, antes das experi=
Encias do-etemo especficamente gregas que inspiraram esses
tenunciados, Ao diseutirerengase formas asiaticas de adoragio de
lum Deus invisivel, Herodoto menciona explcitamente que, em
Comparago com esse Deus transcendente (eomo dirfamos hoje),
Situado além do tempo, da vida e do universo, os deuses gregos
tram anthropophyes, isto &, dotados da mesma natureza do ho-
‘mem, e no apenas da mesma forma humana." A preocupagio dos
{regos com a imortalidade resultou de sua expergncia de uma na
{ureza imortal ede deuses imortais que juntos, crcundavam a8 Vi
‘das individvas de homens moras. Inseria num cosmo onde tudo
‘ea imortal, a mortaidade tornou-se o emblema da existéncia h-
tana. Os homens sio »08 mortase, a Gnicas cosas morals que
feistem porque, a0 contrrio dos animais, nao existem apenas
{como membros de uma espéciecuja vida imortal € garantida pela
procriagao." A mortalidade dos homens reside no fato de que a vir
{a individual, com uma histéria vital idemifieavel desde 0 nase
Imento até a morte, advém da vida bioldgica. Essa vida individual
difere de todas as outras coisas pelo curso retilineo do seu movi
mento que, por assim dizer intereepta 0 movimento circular da vi
dda biologica E isto a morale: mover-se 30 longo de uma linha
feta num universo em que tbdo 0 que se move 0 faz num sentido
ciclo,
"A tarefae a grandeza potencial dos mortals tm a ver com sua
17. Dep de reutur que os persis no im simagens de deses. nem
templor-nem allares, € conideram imenstar esas coisite, Herdlo
LISI) passa 4 expcar que no demonstra ue eles stan acre,
‘Soma ot gegon, ve 0s deuses Sejm antirapophves, denature Mama
fan, ou, poderamosacresentar, que os deowen eon homens tena
mesma natorezs. Vejase tamer Pinto, Carmina Nomar
1S, Veinge Ps. Aristteles Economia 34302: A natureza grant
sterna reorrencia (pein) da especie. mayo pode gaat a0 in
Viduo'a mesos eteridade 0 mesmo pemamento, “Pars esos N35
vida 0 sere, sorge em Sobre a Abuw 415618
”capacidade de produzir coisas — obras efeitos e palavras"” — que
rmereceriam pertencere, pelo menos até certo ponto, pertencem
elernidade, de sorte que, através delas. os morais possum encon-
{rar o seu lugar num coumo onde tude € mortal exceto eles pro-
ios. Por sua capacidade de feits imortas, por poderem deixar
tris de si vestigios imorredouros, os homens, a dspeito de sua
‘moralidade individual, atingem o Seu proprio tipo de imortalidade
‘edemonstram sua nalureza »divina». A diferenga entre 0 homer €
‘0 animal aplica-se & propria espécie humana: $6 os melhores (08
faristo), que constantemente provam ser os melhores (useuein,
‘verbo que ado tem equivalente em nenhuma outra lingua) e que
“preferem a fama imortal as coisas mortais-,sio realmente huma-
‘Os; 0s outros, satisfetos eom os prazeres que amatureza es ofe-
rece, vivem e mortem como animals. Esta era ainda a opinizo de
Hericlto,” opinido da qual difcimente se encontra equivalente
fem qualquer filbsofo depois de Socrates.
Em nosso content, no faz muita diferenga se foi © proprio
Sécrates ou se fot Plato quem descobriu o eterno como 0 verds
‘eiro centro do pensamento estritamente metatisico. Depde muito
1 favor de Sdcrates 0 fato de que s6 ele, entre todos os grandes
ppensadores — singular neste aspecto como em muitos outros — jax
mais e tena entregue a0 trabalho de dar forma escrita a seus pen
‘amentos; pois € Sbvio que, por mais que um pensador se preocupe
om a etermidade, no instante em que se dispoe a escrever 0s seus
pensamentos deixa de estar fundamentalmente preacupado com
fternidade volta a sua atengio para a tarefadelegar aos pésteros
algum vestigo deles. Adota a tila activa e escolhe uma forma de
1B. A lingua regs no faz distingio entre cobras © ofion mas
chama‘os de wre quando suo rufcentemente dives grandiows par
Ser lembrados” ot somente quando os Mosoon. ou melhor. ov sais,
‘omegaram a fazer suas sstingoeslnerminiveis ca etabelecer de:
Fengas entre fazer e apt (icine prin) que os sabstntvos ena
ce pragmata passaram ser usados mst coretemente (vee Patio,
‘Charmider 16). Homero ainda no conhece pln post ie em
Pat (avon anthro progmara pode ser metho radia come =e:
‘5cios humanos- ¢ tem a conoagio de nguetarane fathead. Em He
Flot, progmate taver tenia 2 mesma sono (ch por exemp,
FIss)
20. Heréelto, rag. B29 (iets, Progmente der Vorsoratiber
197).
2
permanéncia e de imoralidade potencial. Uma coisa € cena: €
Somente em Plato que a preocupagio com 0 eterno ea vida do f=
Tsofo sa0 vstos como inerentemente contraditrios e em confite
‘com a uta pea imortalidade, que é 0 modo de vida do cidadio, 0
Dios polkas.
‘experiencia do eterno tal como tem o fisofo — experi
cia que, para Paso, era arreton(eindizivels) e, para Ansttees,
faneu logow (sem palavrae) e que, mais tarde, fi conceltalizada
‘no paradoxal mune stans (caquilo que € agorae) — 36 pode ocorer
fora da esfera dos negécios humanos e fora da plralidade dos ho-
mens. £ 0 que vemos pela paribola da Caverna, na Republica de
Patio, na qual 0 Mlsofo, tendo-se liberado dos grhes que 0
prendiam aos seus semelhantes, emerge da eaverna, por assim
er, em perfeita -singularidade™, nem acompanhado nem seguido
‘de outros. Pliticamente falando, se morrer € 0 mesmo que adeixar
de estar entre os homens, a experiéncia do eterno & uma especie
‘de morte; Unica coisa que a separa da morte real € que no & fina
Porque nenhuma criatira viva pode suportila durante muito
Tempo. E'é isto precisumente que separa a vita contemplatva da
‘ia activa no pensamento medieval" No entanto, o fator decisivo
€ que a experiencia do elemo, diferentemente da experiencia do
mortal, nio corresponde @ qualquer tipo de atividade nem pode
nela ser convertida, visto que até mesmo a atividade do pensamen-
to, que ocorre dentro de uma pessoa através de palavras,€ obvia-
mente nio apenas inadequada para propiciar tal expergnciy mas
interromperi e poria a perder a propria experiénca ;
TA iheoria, ou econtemplagin,€ a dsigngao dada a experién-
cia do eterno, em contraposig a todas as outas atitudes que, no
‘maximo, podem ler aver com a imoraldade. Talvez a descoberta
do eterno, feita pelos flsofos, tenha sido favorecida pelo fato de
‘Que eles, muito justiicadamente, duvidavam das possibilidades da
polis no tocante a imortaidade ou aé mesmo & permanéncia tl
‘ez choque de tal descabertatenha sido to grande que ees iio
pixderam deixar de olhar como vaidade ou vanglonia qualquer busea
fe imortalidade, o que certamente os colocava em franca oposigio
8 antiga cidade estado & religso que a inspirava. Contudo, a pos
terior vi6ria da preocupagio com a eteridade sobre todos 0 pos
Ts Pest asc fd pernanere possum: in contemplation autem
Invent inne manera mod lems Tomas de Agno, Summa
tevin 2. 1.
»de aspiragio & imortalidade no se deveu so pensament filossfco.
‘A queda do Império Romano demonsirou claramente que nenhuma
‘obra de miot mortas pode set imortal,e foi acompanhada pela
promogao do evangelho cristao, que pregava uma vida individual
tema, 8 posigdo de religio exclusiva da humanidade ocidentl
Junta, ambas tornavam til € desnecessria qualquer busea de
jmortalidade terrena; e conseguram tio bem transformar & cla
ltiva € 0 bis poltos em servos da contemplagio que nem mes
mmo a ascendéncia do secular na era moderna e a coacomitante in
Versio da hierarguia tradicional entre aggo e contemplagao foram
Suficientes para fazer sar do obivio a procura da imortalidade que,
frigialmente, fora fonte e 0 Cento da rita activa
x0
CAPITULO IL
AS ESFERAS PUBLICA E PRIVADA
Ee gio
O Homem: Animal Social ou Politico
A. itactva 0 se, vi manana media cm gu om
penha aivamente em fazer algo, tem raizes permanestes num
‘mundo de homens ou de coisas feitas pelos homens, um mundo
{que ela jamais abandon ou chega a transcender completamente
AAs coisas eos homens constituem o ambiente de cada uma dasa
Vidades humana, que no teriam sentido sem tl localizagio; e, n0
centant, este ambiente, ¢ mundo ao qual vemos, no exstiia sem
‘2alividade humana que o produziu, como no caso de coisas fabri-
‘cadas; que dele euida, como no aso das teras de cultivo; 0 que 0
festabeleceu através da organizapio, como no caso do corpo polit
0. Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio
natureza selvagem, € possivel sem um mundo que dreta 00 indi
retamente, testemunhe 2 presenga de outros seres humans.
“Todas as atividades humanss so condicionadas pelo fato de
‘que os homens vivem juntos; mas a agdo & a unica que mio pode
Sequer ser imaginada fora da Sociedade dos homens. A atividade
do labor nio requer a presenga de outros, mas um ser que labo
russe» em completa soldi nao seria humano, e sim um animal
laborans no sentido mais iteral da expressio. Um homem que tra-
balhasse e fabricase ¢ construsse nlm mundo habitado somente
por ele mesmo nit deiuaria de ser um fabricador, mas ado seria um
homo Jaber: tera perdido a sua qualidade especifiamente humana
fe seria, antes, um deus — certamente no 0 Criador, mas um de-
tmiurgo divine como Plo descreveu em um dos seus mitos. SO
‘ago prerrogativa exclusiva do homem: nem um animal nem um
deus capaz de ago." e $6 agdo depende ineramente da cons:
tante presenga de outros
1. Enotivel a circunstncia de que os devses homéricos sagem no
tocante abe homens, gvemando-os de lange iterferindo om 0 Soe
3HEsa rela especial entre ago e vida em comum parece
justiicarplenamente a antiga tradogao do 200m polihon de Aristé-
Teles como animal socials, que ji encontramos em Séneca € que,
i Tomis de Aquino, foi aceita como tradugio consagrada: homo
(31 naturaliterpoltcus, id est, soctalis (0 homem é, por nature
2a, polite, isto socal)" Melhor que qualquer teria complica-
‘da, esta substituigio inconseiente do social pelo politico revela até
‘que ponto a concepedo original grega de politica hava sido esque-
ida. Para tanto, é significative, mas nso conclusive, que a palavra
“socials seja de origem romana, sem qualquer equivalente na Kit-
‘ua ou no pensamento gregos. Nao obstante,o uso latino da pals
‘ra socieras tina também orignalmente uma acepsdo claramente
politica, embora imitada:indicava certaalanga entre pessoas para
lum fim especifico, como quando os homens se organizavam para
Mdominar outros ou para cometer um crime.’ E somente com 0 ul
terior conceito de uma svctetas generis hnmani. uma ssociedade da
Se passa ene eles, Além disso, oF confitos afta entre os deus,
parecem resultarprincipabmente de sun auagio nos epics humanos
‘ou de a conftante parca em relagso os moras O rest &
‘ima sta na qual Moment edevses stam em conjunt, mab tama ©
festabclecida pelos moras, mesmo quando a dco tomada noma 38
Sembsia de deuses no Olinpo. Creo que s rs" andron Je theo te. de
Homero (Oise 23), inca crs sco-apcrsaoeo bard cant er
tos de deuses © homens, aio historias de deus hstnias de homens.
Do mesmo modo, a Teogon de Hesioo tata nia do fits doe de
Ses, mas da genese do mundo (116: area, portato, como as eos Pat
Sram a exist através da grag © da procrago (Constantement pe
ties). O cantor, servo das Musas, cant 20s feitosglorosos Jos homens
nigose os deuses bem-aventurados: (97 IE), mas em pote slguma, 80
fque'eu alba, oF Fitosploriosos dos deuses.
2. A cago & do tex Rerum da edo de Turim das obs de So
Tomis de Aguno (1922. A palivra spoiicus- mio ocrre mo text,
mas Indes Taz um resumo correla do que ele quer diet como Se poe
erica pela Suma teuloica 1.96. 44.2 10. 3
3. Soviets rem Livi, sits lei m Comébo Neg Ese
tip de alan pois tumbim ser realiza pra fine comercin Tomas
de Aquino anda afrma que una sverdadeia sovctane ene negocantes
S6 existe nquando proprio investdor compartha do sco~. so
‘quando a sociedad € realmente una alianga (ejose W. J. AsMey, A
Tnvadaction to English Economia Histor aad Pars 9. pa
x
‘espécie humans, que o terme «social» comesa a adguirit 0 sentido
feral de condigio humana fundamental, Nao que Arstteles 08
Pato ignorasse ou nao desse importncia a fat de que 0 homem
1ndo pode viver fora da companbia dos homens; simplesmente ni
incliam tal condo entre as caracterstica especiticamente hi
‘manas, Pelo contrrio, ela era algo que a vida humana tina em co-
‘mum com a vida animal — razio suficiente para que nio padesse
‘er fundamentalmente humana. A companhia natural, meramente
Social, da espécie humana era vista como limitagdoimposta pelas
necessidades da Vida bioldgica, necessidades estas que sio as mes-
‘mas para o animal humano e para outras formas de vida animal
‘Segundo 0 pensamento grego, a capacidade humana de orpan-
zagio politica nao apenas difere mas @ diretamente oposta a essa
associagio natural cj centro € constituido pea casa (iia) € pela
Talia O surpimento da cidade-estado significava que o home
recebera, lem de sa vids privada, uma espécie de segunda vida,
(0 seu bis polihos. Agora cada cidadio pertence a duas ordens de
texisténca;e hi uma grande diferenga emt sua vida etre aquilo que
The € proprio (idiom 2 0 que &comum (oinon)s* Nao se tatava de
‘mera opiniio ou teria de Arstteles, mas de simples fatohist6r-
‘or precedera a fundagio da pols a destruigio de todas as unidades
‘organizadas & base do parenesco, tals como a phratria € a phe
Werner Jager, Pads (988), IL, 11
5. Eimora a tee principal de Fuel de Coulanes,sepndo a into-
tga de The ten Ciy(Abehor, 1986, comita em demonstrat que
“a mesma religion moldou a antiga organiza dafunfia ew antiga c=
Aade-estado, 0 autor far numeroas referencing cotirmam 0 fo Se
‘que orepme da gems aseado a rego a fama, eo regime daca
Ae-seram, na verde, dus formas attginics de govern. Ou a ce
‘dade desapareceria ov, com o tempo. desagrepara fais (p 252).
‘ontradigao dessa grande obea devese apurentemente i testativa de
CCoulanges de tratar. num mesmo conunio, Roma e as eidaesestados
tress; em seun concetone demonsragSes,o aor Base pial
‘mentee senieatoisttuconal epic de Roma, embora ecombegs
fe o alto de Vests = perdera 0 seu vgor na Grecia em tempos mi
{O-remotos .. mas nunca 0 perdeu em Roma (p36) Nao 56 hava
‘ima separasdo muito maior entre fama eu cidade ma Grecia do oe
fem Roma, mas somente na Grecia eligi olimpice, queer #relig
{de Homero e da cidade estado, era separa du rein mas aes
Favilia edo la, c superior a esta. Enquant Ven, 3 Sea Sofa ps
3De todas as aividades necessrias © presentes nas comunidades
‘humanas, somente uss eram consleradas poiteas consttumte,
ddo que Arstteles chamava de Pion lito: agi (orass) © 0
Aiscurso (lexis. dos quais surge aesfera dos negocios humanos (a
ton anthropon pragmata, como chamavaPltao). que exclu este
amente tudo 0 due seja apenas nevessario ou iti
‘Contudo, embora certamente $6 fundagao da cidade-estado
{enh possibltado aos homens passar toda a sua vida na esfera pi
bia, em agio e em discurso, a convicgo de que estas Juss capa
cidades humanas si0 afin uma da outa, alem de serem as mais
altas de todas, parece haverprecedido a polis eter estado presente
ro pensamento pré-soeritico, A estatura do Aqulles homérico so
pode ser compreendida quando se o vé como =0 autor de grandes
feitos e 0 pronunciador de grandes palavras-’ Diferentemente do