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CULTURAS E PRATICAS MP svorisnday Lor historia | 2 $9 | 2010 | pp. 83.99 | PERIGOS DA LEITURA NO FEMININO. DOS LIVROS PROIBIDOS s ‘AOS ACONSELHADOS (SECULOS XIX E XX) F —_roneVaqunnas a . I Faculdade de Letras ~ Universidade de Coimbre A formas fominina sob o ebafo pesilencial da romances ame Cate Banco 2 ‘Ao comentar a tradugfo feita pela educadora Maria Amalia Vaz de : Carvalho (1847-1921) do livro O reine da mubher esctico por Cordelia, 0 historiador e politico Oliveira Martins condena a influéncia do romance no espirito feminino e, com veeméneia, afirma: «Platio expulsava os poetas da Repiiblica; ev punha de fora do reino da mulher todos os romances» Este comentirio, redigido em finais do século XIX, no se limiea a expressar um ponto de vista pessoal mas, pelo contririo, reproduz uma copinido bastante generalzada nos meios cultivados quanto 20s efeitos nefas- tos dos romances e das novelas, a qual petsstrs, pelo menos, até meados do séeulo XX. Admite-se que a chamada literatura de «gua com agian", fou, de uma forma mais corrente, «cor-de-rosae, constcui uma adiversio insalubre © perigosas’, comparando-se certos livros a sfrascos de veneno iareados com uma caveira; existe neles perigo de morte! Indirectamente, iden jcam-ce ¢ mulheres como a Iitora-tipo deste sinero lterico, junto de quem aleangam grande suceso editorial, e cen- sura-se a adeficiente educagaov que recebem por as converter em criaturas superficias, indolentes, pouco inscruidas e acilmente ingluencidveis pelos 2 conteidos romanescos. Para o escritor Camilo Castelo Branco (1825-1890) 0 romance nio se limita a consttuir uma instincia negativa de educagio e de formacio Femininas. Em seu entender, exerce uma influgncianefasta sobre os conce- Agradeco i Dontorn Helena Santana todas assugestesUiterdvias que reve a amabilidade de me indisar. A maior parte dos avtiges que serviram de bare a ete estudo encontrancteelenados no Quadto 1 (ler Marin, +0 eno er, Der, Tow, boo, Geass Gres da Bea Naconl, 124, : pth a “comm dove una Hadad MPF. prone tmp fra? Respsas, Macitade Poruues2 Fomine 7, 5 dino de 1509 ‘Mara ira vi de Cana, ok eugo cota tras mora, Cote crazies, Ubon Paci Ari ‘Mara Pra Uwaria ir, 1803p 62 . «Cae eLtuase, Medd Patagusa Femina, 0°57, eno de 19 lvene Vaguinhas | Perigas da leitura ao feminio. ene ce a ee pa wor jocus deeded tre oS aig anton [Bh prose porcaso bat potent do romance tpondo + spade dat a tie alae ‘Quadro I~ Perisicos eonsultados ‘A Malbec 4 Mal Live, ote Ee P, Pi,An 1972 fs VA Ne TT 1 ede, igi da For Ln 19), 1909-10 A Vis Finn evi qunenl de ebcwsic, rlca prpioal P| ‘omic da aes, avo on 1,15 de Ouabo de1910 “Aina Fein do Const Nail as Males Porngss (m0, 5 V3 039, 013), 1919 46 “ina coal. Revie Rp, > Van 35,10 de Roo de T9109 22 de Sete de 190 tna men lear eienifce, Usboa, 1920. wro da Mocidade Republicna Inwansgente, Porto (0 dnio) Comarca cde Argon (1901-1955). Eicon Svil revi de pedagogiaewaciolegia, BLAST. voli, Pela pain epola lberdde, Figura da For, n° 1 1909 3 30 de Outubeo de 1910, ornate tuer Kevin qvinzenal luna para Fora, coloaas © Baal, n® 1 a n° 63,5 de Agosto de 1910 330 de Junho de 1913. mb, 1905, ‘Menina e Mocs Mato de 1947 a Julbo Agosto de 1959. ‘Macdade Portuguese Fominina. Obra das Mes pela Educagio Nacional (3° Van 96), ‘Malo de 1939 a Abril de 1947 ‘Madheres do Nove, mensivio de ate tra (0 Livy at Malber.Revist lara de conbeinentas ute sd (omos 1223) ‘0 Semeador, 1909-1910. - ite debe, Chaves, 912-193, ‘Plo Nowo, Porto, Nb Setembio de 1910, Pas Liberdade, Lisboa, 1909. Revit do Br, Lisboa, 1909. a 16,22 de Agonto de one Peso, Gaspar Perera, Mo Pato Ramin com ar, Cas Msn Carl Casel Bano Cara Mung Wa Nora Fase, 897, 988, Ler historia | W. 59 | 2010 | pp. 83-99 Juiros semelhantes, embora néo tio radicais quanto a0 impacto na compleigio fisica, sio partihados pelo eseritor Bea de Queirés (1845- 1900). No seu liveo Uma campanha alegre, a0 discorzer sobre a educagio ‘da smenina soleiray de Lisboa néo poupa eriticas 20s romances, afirmando, sem rebusos: «E depois, © seu espitito, como é educado? Pelo romance, que Ihe descreve o amor, pelo teatro que Iho dialogs, pela 6pera que lho suspira, pela opereta que Iho assobias'. As consequéncias na formagio das jovens sio, em seu entender, devastadoras: moldadas por sentimentalidades falsss, tornam-se sees afracos ¢ tentosy, eabandonados as Fantasias, a0 sonko © a chama interior passivas ¢ «sem determinacio nem vontade». Maria da Piedade, personagem cencral do seu conto «No moinhor, corporiza essa alteracio de comportamento, 20 passar de asenhora-modelov a uma «Vénuss desmoralzadla, por Forga do «romanticismo mérbidos” ‘Tambéim Maria Veleda (1871-1955), feminista republicana, aponta @ dedo ao romance, envolvendo-o na sua critica umulher coquette, a mulher que vive para o culto da Modas. Acusa-a de perder tempo com a leitura de romances perversos ¢ se identifica(t] com as personagens inver de Richebourg ¢ Montépins’, Reporta-se, em concreto, a Jules Emile Richebourg (1833-1898) c a Xavier de Moncépin (1823-1902), escritores de nacionalidade francesa com uma copiosa produgio na érea da literatura sentimental de gosto popular, com livros publieados em coleegdes de grande sucesso, em Portugal, 20 longo do séeulo XIX, como é 0 caso, entre outras, dda «Biblioteca das damas: coleegio de romances escolhidos dedicados 3 senhoras portuguesas e brasileirass, da «Biblioteca serdes romnticos» ou ainda da «Biblioteca romantica luso-brasileira» (Quadro 1) ‘Hino século XX, sio as romances de Delly, pseudénimo colectiva dos itmaos Jeanne (1875-1947) e Frederic Pevtjean de la Rosie (1875-1947), bem como de M. Maryan ¢ Max du Vewzie, também pseuddnimos de dluas autoras francesas com uma produgio romanesea de larga difusio na primeira metade do século XX, que se encontram sob a mira dos censores da lceraturajuvenil feminina, embora se reconhesa serem muito apreciados pelas jovens leitoras das classes médias". Demonstram-no, com eloguéncia, as reedigées suessivas de algumas obras, entre as quai, se pode referir 0 conhecido romance de Max du Veuzit, John, chauffeur ruse, um verdadei jade Gueioz, Ua camping Pato Lela & mio Ears, 90. Ea de Guo oho ios, Cares, 3" eo, Loa, ago Lives do Bae p. 4988. \les, aia. «Armbar ous do se. A Conga, Decree, Prt do Dr Ania se ‘Tricia Lab, Lia Conde Goes do Canoe, 109,198, ‘nvcteieessrl comely in (7.092010 12.05) Se Aare Yassuoeur Acer Sine (871982, ata gst pun, A ea em sss, Hod Poogunsa Fen, Juho Ago de 180 1 dja 6 pani de ae Rate Verge Cao (1E47-127), rata de Best (Fangs oe Vt leone Vaquinhas sucesso de vendas, que, no final da década de 1950, jé ak Perigos da leitura no feminin, sara, em Por tugal, a 11" edigio”, ou o romance Anita de M. Delly que, pela mesma Epoca, chegaria & 10. edigio” ‘Quadro Il —Alguns livros de autores de romances sentimentais| “Tales Emil Richebourg Xavier de Montépin Maryan Dally Max du Veualt Tass Tae 23.1902 1847-1927 175.1947: 176-1952 Dramas modernon A avis As dune mies Ae pos: A iba malta: Mice rival: Mama Rost Pung do mainhos A maer fal A he- ranea inesperads; O arid; Rsina: Segre de mic; A irmaziona dos pobre. Romance de rand senacso com bons usteagies ong ‘aE amor sans de Paris grande romance da stl es castelo dos pets; Os cava do pu ‘hal gant; Os Cigar da reencs Primera pte Arana do Sabés As primera nips: (Os Ciganos da ogencia. Testa pare. Made roll Lifer As rags de Paris: Esme sda & Cs O modelo vivo: Mathers de rons ‘Asean de Pri La ponte de pai, Dionla (Romance; Ogu de raga Tadao Portugues. Jveneade sequetada, Romance: A elds Dana Kes oui A cass dor runnin, A fie hay A senders I (Acasa das bel cous Educaio do amor For do kr Ror do clasto: Adis; Almas pererbades O cov das easy Es ‘condi na lest; Enee dss amas, Bene, Un mati de premier choix Fille de prince Ro rman: La jeune Jah, chaleur ruse. Ror mance; O sgredo de Montoya. Romance, Fe: Bile Goal da Unieie de Comb, Biblen Coal de Facade de Las da ‘nid de Cra ie fnipal Fgura da Fo (© romance é, assim, encarado, por numerosos autores, come poten- cialmente perigoso e um factor de alienagéo e de desvio moral. Elevado 2 tinimigo» da mulher, ou melhor, da mulher como se pretendia que ela 0 fosse, atribui-se-lhe capacidades corruproras, capar de distorcer as 12 Max Voto, chau sso:enares 1 ed, Lisbos, Romar Tres, 158 Eso remarce cornu ‘eres ros gui, vis oeagos: cn 1085 13" om 158, 2 4 or 87, asa TE ese, 10 Doty, Aa, 10 eda, rads pruquesa do Sousa Narn, Lisboa. sn. 157 Lor historia | N° 59 | 2010 | pp. 83-9 mentes,chegando a set qualificado de shaxixe ou dpio das mulheress por suscitat a evasio da realidade e abrir horizontes desconhecidos para tlém do tradicional mundo doméstico. A possibilidade de identficasio Gque 6s romances deixam ein abetto is suas leitora era visto como uma ff] fmeaga, susceptivel de despertar na jovem a recusa dos padides sociais impostos pela ideologia dominante quanta 20 papel eao lugar da mulher na sociedad [Nesta perspectiva, mais do que as sleituras que pervertem degra dame, ou sj, os livros «pornogeficoss que causam uma sviva impressio de nojor mas que se reconhecia nao trem Iugar nas biblioteca Femininas, sio 0s romances de amor que corporizam o pergo da lecura em particular, todos aqueles que, sob a aparéncia de sum ar quase inocente», podem ser servilmente copiados, «sem grandes escripulos de consciéncian, como se fescrevia, nos anos 1940, nas revistas da Mocidade Portuguesa Feminina ‘organizagio oficial do Estado Novo. No que coca a esta questo, os textos historiogrificos manifestam grande sintonia, 20 longo do periodo que se estende do timo quartel do século XIX a meados do século XX, independentemente do regime politico que os enquadra, Tanto sob a monatquia consiucional (1820-1910) como durante a [ Repablica (1910-1926) ou na vigéncia do Estado Novo (1933-1974) se condenam os romances sentimentais ¢se manifesta a mesma veeméncia em manté-los afastados das vestantes da mulher”. J no plano dos principios « das priticas de actuacio, se registam diferengas significaciva, as qua femetem para posigoescloutrinarias adversas no terreno politica religio~ so, bem como pata factores de género, uma vez que a valéncia diferencia dos sexos, na expressio de Frangoise Héritier, se espetha nas produsoes literris, sobretud oitocentsas. TImporta, pois, enquadrar, em termos histéricos, as riicas produzidas, de modo a aval cal dos romancese, como escrevia Camilo Castelo Branco, em meados do século XIX", e dstinguir entre a retdrica ea realidad 1 do impacto na formacio feminina do sbafo pestile asia agua Api, A a om ess, Moka Pogues Fania n° 8, Jubrkgost de 1943, besoesso ttre Jers le nos pesos omios to da Rep cso do sta ve, bas ‘che wos economia eepeaa ees Wert as, ene cas qo 8 pam at, ds evs Mase & Boras. Resa Forno da Aime Foi. vw rangle aio, Massal/ Fam, a pone deo eae, ats, £4, Ose cb, 186, p. 27. (Gaspar rire Perot, No Pato Rain. P55, Irene Vaquinas | Perigos da leltura no feminino. ‘Da condenagao do romance como wveneno social» & sua reabilitagao como instrumento pedagégico wi Seres sugestionsveis, intclecrualmente fracos ¢ pouco instruidos & a imagem-tipo da leitora de romances partilhada pela grande maioria de aucores que abordam o tema, na transigio do século XIX para o século XX. Sob a aparéncia de observadores imparcias da realidade, adoptam uma estratégia discursiva de contetdo eritico, a qual, dirigindo-se prio- ritariamente 3s mulheres, visa, em sitima instineia, denegrir os escritores que estas em, desvalorizando a sua eserta, negando-thes a qualidade de escritores profisionais e remetendo-os a0 estatuto de 2.4 ou 3.* categoria Confrontados com 0 sucesso comercial dos scus concorrentes, contestam as suas capacidades literdrias € emitem jufzos depreciativos, embors, com polida reserva, omitindo nomes ou fulanizando as ertieas 'Na base desta potencial ameaga parece residir 0 que alguns autores qualificam como um verdadeiro fendmeno literivio do periodo da belle époque: a emergéncia, a partir de 1890, de uma pléiade de mulheres de letras, sobretudo em Franga, que se dedica a0 romance, género até entio considerado masculino®, O seu répido reconhecimento piblico provoca reacgées de hostilidade, sendio mesmo de misoginia, sobrecudo por parte de autores anti-feminisas, que interpretam a entrada das mulheres no ssantusio viril das letras» como uma forma de contestacéo da tradicional hegemonia rmasculina na sociedade™, associando-a is tcinvindicagdes feministas de liberdade individual e de igualdade de diteios. A coincidéncia cronoligica ‘com os moyimentos de mulheres que, por toda a Europa e nos Estados Unidos da América, ganha forga e combatividade, agrava essa suspeita ¢ radicalza a hipotética intrusio feminina®. Em rigor, as romancistas nunca constituiram uma séria ameaga 40 desempenko profissional da eserita, demonstrando os estudos dispo- niveis a sua fraca representatividade numérica no mundo das leteas, no dealbar do século XX". A erispagio que suscitam deve-se interpretar, segundo André Rauch, como uma forma de reccio de «perda identicérias por parte do sexo masculino, na sequéncia, entre outros factores, do Ceti Hose, able éponue ds romsncey,Mascln Flinn, 2 XD Ap cd ge, Tee ae pesos par Chal Berené-enigs, Tos, Cente Exaes du XR sl, 100, 8-107 © Gig Chats Maras (182-1962) da Acton Fara, movimento poco ¢ cole antral «at ano, alia 2 emer fomina no mordo ae a de srvat dae mere (Cr Nel Sores, “Leman aga ene deux qos (1990190), niigeaogs nly ances emance. tangas de ezibeni Suz ures 1819199 pt (0-08.21, 1048). ‘Aros lagu, ieee atin argos masclre a wana use, Cisne Bad (i), Un sie anfitmnsme,Prac Ge tachale Pe Pris, ay. 188, pp. 6353, (abr Houte, ble Spgs dis romances, 84105, 4 Ler historia | N° 59 | 2010 | pp. 83-99 acesso das mulheres a detceminadas actividades consideradas exclusivas daquele sexo” 14 suceso editorial das romanestas beneficia, em larga medida, do avango progressivo da alfabetizacio feminina, sobretudo a partir do dltimo [9 Gquartel de Oitocentos, do aumento do poder de compra, do aparecimento das inddstias culurais de edges de grande tragem, bem como da dispo- nibilidade de tempo de que usufria a maior parte das mulheres das clases médias. Dedieadas ao la, onde permaneciam no Ambito das suas Fungdes dlomésticas, como donas de casa, podiam-se dedicar& leitura, entendida como uma distrcsio acessvel. Paradoxalmente, esas caractersticas ser30 cexploradas, em termos comerciis, sobretudo no perfodo pés-l Grande Guerta, por uma nova vaga de autores de romances wcor-de-rosu» que cscrevem pata 0 piblico feminino, como é 0 exo de Delly, M. Maryon ou | Max du Veusit, entee outros nomes que se poderiam mencionar. Rainas do folhetim sentimental e do romance popula cortespondem a um outro modelo» de romancista, identificada por Ellen Constans como «operitas das letras, por fazerem da escrita de romances, remunerados i pagina, sganharpio © meio de vida". ‘Ao cempo sexia muito questionada a legitimidade dessa «literatura industrials, produzida como mereadoria ede acordo com as leis do merca- do, como eta depreciativamence classifcada pelos seus deractores, por se afastar dos ideaisatitios da literatura institucional E, por conseguinte, num contexto de confiontagio entre a cultura ert dice cultura populat ou, por outras paavras, entre a literatura de elites a literatura massficada e de grande consumo, que se devem enquadrar as criticas drigidas & mulher leitora de romances. Em Portugal, a entrada das mulheres no campo literétio, nos finais do séeulo XIX, também suscitou reacgses por parte de autores de ambos fs sexos, Para além de escritores consagrados da Geragio de 70, refirase o caso, entre outros, da educadora e ensaista Maria Amalia Vaz de Carvalho, 1 qual di vos a pontos de vista conservadores, sendo mesmo anti-feministas, ‘0 que nio deixa de ser um pouco paradoxal, como escreve a investigadora ‘Ana Maria Costa Lopes, por se atar de uma auvora que muito se bateu pela inserugéo feminina num perfodo de profundas cransformagées sociais™. "Num pequeno ensaio intitulado «As mulheres na literatura accual em Franga» insurge-se contra a sinvasio da mulher nos dominios que o homem, 2 Aad Roh, Cod ists asco 1788-814, Paris Machetes, 200, 9p. 24-281 iy Sonchee, ea omancirefrangaise.v: Levee de Casto Garzon, sOuwibces des lets, ‘won ca tds. .srps 0 -10200; 253) 1 tara Cosa Lopes. agen ds mutter ca prensa fmt foes Paes de mde, Liss, Gin, 208, p. 5-2 Irene Vaquintas | Perigas da leitura no feminin. até aqui, orgulhosa e exclusivamente, se destinavay, eslarecendo, ainda, que aquela no s6 «coneorre com 0 homem, mas o esti [| destronando em determinadas regides de arte: o romance por exemplos”. Embora admita que [B88 algumaseseritoras possuem indiscutvel lento, urlizam-no, em seu entender, de uma maneira lamentivels, depreciando o «sentimento individualistas aque deixam transparecer nas narrativas romanescas ou questionando os ‘modelos femininos das protagonistas fccionas, assim como a froncalidade na abordagem de alguns temas, como é o caso, entre outros, da anise dos sentimentos amorosos ¢ das relagées entre os sexos, dos conflitos entre a vida privada as carreras profisionais, da wcrueza» nas referéncias a0 amor fisico e aos comportamentos sexuais. Manifesta, por conseguinte, um profundo mal-estar relativamente & dousadia revelada pelas escritoras cuja obra literdvia comenta®, ¢ interpre como um sintoma da sua virilizagio. Aos seus olhos, 0 discurso transgees- sivo é impréprio e inadequado % mulher, cuja condigio exige modéstia, sensibilidade e decoro. Ao apontar nas escritoras a falta de epudors, +0 encanto supremo da mulher em seu entender, inclui-as na categoria de sseres hibridoss, meras caricaturas desnacuradas de mulheres. ‘A hostilidade que transparece das suas palavras tanto reflect a questi muito debacida a0 tempo da suposta auséncia de génio criador no sexo feminino®, como o receio desmesurado de masculinizagio da mulher, cor- porizado no esteridtipo da intelectual como um ser sem graga nem formas, solteirona e que rompe com a construcio do feminino convencionado pela Ideologia dominante", que exigia & mulher wvireude, sim; eiéncia, pouca Maria Amalia nada inventa, limicando-se fs sexistas que associam a escrita feminina fou nenhuman®, Neste aspect a reactualizar velhos preconct Mari ia Vi Cana, oe mus na ieee sual am Fanos, Cabo caro, Loo, Pace Dri aa Praia Estr, 190, p. 153 Num our nso, lamer cba, aora sb queso ‘4a smoraiacera ara, esclecedo gu, ems pmo a eratiaFarcesa ba que mas ba ess, ‘tea cana ras rr 8195. 25 Em canoe, Mara Ala soe Caro debrgns sobre 9 ota adr de Mele Take (La mason a ct, de hime, Hey de Re (Tanti) da Codessa Maou de Noa (a roel ‘als ests tas alo dons ay ites Ja Unveil de Colne, na su Unga oa, ‘ginat, aos bo eas auras, cane 80 ca de Modo as jul dae ene 13" een, Pars, Catan Ley 1927) e Mere Taayt ou vs fanaa de Hom Go Rig (Les ans gar ‘Later pla Romane Casaove cez Vai} ee esos. Maria Aaa az de Cava, Caebes 2 coves, p. 157, 18 2 Aca tos pretzcas que ela sea mulle-aur arse, ene utes, sme Glin, eFenmetiur tea ada de Cen tuoi eaves doe lt fos ross au i-noone Petra eRomancer 9 ea (aden c ret, 17 ovina, Antu de Chara rn am Clana de Conger Sara tao, 0p 1708 30 ta Maria Costa Lopes nagans do mur. 875. Ler historia | 1° 58 | 2010 | pp, 83-99 | {i i A aquisigio de atributos masculinas, os quais remontam, pelo menos, 430 século XVII, no momento em que Moliére alcunhava de pedantes as | mulheres que tinham veleidades literdrias. J& no decurso de oitocentos, cram mais comuns os epitetos de sabichon ou doutora, pronunciados em tom de troga ou de sitira Depreende-se que, em seu entender, cabe a mulher viver grandes paixoes| ‘mas nao lhe compete, nem €adequado & sua posigfo subalremna na sociedade, cexteriorizé-las, devendo estas ser mantidas em segredo, escondidas no fundo do coragio. Nesta matétia, a educadora acerta © passo pela visio tradicional ida mulher, segundo a qual Ihe é exigido 0 controle dos comportamentos fe das posturas corporais, Renunciar, sacificar-se, ser comedida, prucente fe disereta, «coder nas pequenas coisas, andar sem ruido sio algumas das prescrigbes reiteradamente repetidas as jovens © ensinadas desde tenra idade, através de um subsil processo de intetiorizagio que valoriza 0 auto- -ocultamento feminino” ‘Ao contraporem, no registo ficcional, um novo tipo de mulher, afectiva intelectualmente activa ou que nio se conforma com os valores morais respeitiveis, as romancistas afiguram-se subversivas, devendo, por isso, os seus livros ser banidos das leicuras femininas ‘Apesar das transfarmagées sociais em curso, acompanhando 0 cres- cimento econémico e a ascensio da burguesia, com impacto directo na condigio feminina (entrada progressiva no mercado de trabalho, necessidade de ampliagio da instragio ¢ acesso a novas profissoes, sobretudo no sector dos servigos, entre outros aspectos)*, insistia-se numa visio passadista da mulher, como um ser frigil, dependence e incompleto, incapaz de resistir 4s tentagbes do romance, Contra esta visio da mulher, em geral, ¢ da leitora, em particular, manifestam-se alguns autores, sobretudo de filiagio republicana que, #0 invocatem 0 principio da igualdade, contestam o papel subordinado da ‘mulher na sociedade ¢ insistem na sua maioridade, pessoal e social. Ao conferir-se, em termos doutrindrios, uma maior individualidade & mulher, como sujeito de direito, esta era equiparada ao homem no que tespeita a0 pensar e a0 agis, perdendo fundamento a argumentagdo que menorizava as suas capacidades erfticas. Parcilha deste ponto de vista, 0 magon € republicano César Porto (1873-1944), uma das figuras cimeiras da pedagogia portuguesa da primeira + ren gars; Mara Mos Pra Gumares, eEcoania dorsi 0 gover dolar Os saberes dons Ings d dra Go casa, Hetira doth pada em Portal, 37 ve ~ De 18208100 pral). hao Vauis «Weel e gars magam ania a ule osu XX, “Santas ¢ muhores ‘vate portuguese se XX Usoa, Cole, 200, 8.25. rene Vaquinhas | Perigas de leitura no feminino. metade do século XX, tendo sido um dos impulsionadores da Educagdo ‘Nowa. Num artigo publicado, em 1926, sob o titulo «A pedagogia pelo romances, desconstréi as esesdefendidas por Maria Amilia Vaz de Carvalho (2) e por toda a Geragio de 70, as quais se Ihe afiguram terem como intengso impedie 0 progresso e inviabilizar @ igualdade, ao afirmar taxativamente due «se alguém pensa que & mulher, que € quem faz. uso mais ardente das cobras fantasiosas, a poesia perturba os nervos © o romance dequilibra o senso pritico ~ seja na vida conjugal, seja nas ocupages comezinhas (1 raciocina erradamentes,adiantando mais frente que sh maus livros, quem ‘6 duvida? S6 é forte, porém, o seu efeito nos entendimentos transvertidos «nos remperamentos perversos»”. Defensor de pritias kidicas eartstcas no magistério escolar, considera aque as obras imaginativas, entre as quais inclui o romance, constituem um meio de aprendizagem das scoisas da vidas. No que respeita as mulheres, as apobres emparedadas» na sua definigio, faculta-thes«...] conhecimentos que a tadigio Ihes nega [...] pondo-as em contacto com a prética, com a profissio, com o trabalho [...J> Embora César Porto no proponha qualquer romancista em particular, ‘um outto autor, ambém de fliagio republican, Luis de Almeida Nogueira, ponta, como fundamentais, as obras dos «grandes socialistas — ou melhor hhumanistas geniaiss, entre os quais inelui Leio Tolstoi (1828-1910), dis- tinguindo o seu romance Ressurreigdo «pela alta compreensio que tem da dignidade e do progresso da mulhers". No eampo das leituras femininas, « sugestio deste autor vai ao enconto das recomendagbes de slivto a ler» dados pelo escritor poeta Guerra Junqueio (1850-1923), também republicano tendo sido ministro da I Repiblica, 4 actriz Mercedes Blasco, Em nota de leitura recomendaracthe, entre outtas obras, as «Doutrinas do Conde de Toto, de J. de M. de Limae”, provavelmente pelo facto do grande escritor russo constituir um referente adequado & apreensio dos comportamentos hhumanos, o que se compagina com o humanismo fraterno que animou a ideologia republicana. ‘lata Cain, Cir Poin, Dindon de Eauaderes Poon, de Atria Nowe, Lita, Asa, 208, pte, « Brat Po, sAedato ploamance, Esicoo Sail Revita de Padaggl e Secs, 3°20," (5-8, 1S do Go 126, teem, de. [iz Aino Nog, sQuetes emis, Amur demas, har @ @ Caza, n° 13, oe | tho de ‘10 1 Ene uae cae «esata Guero ung sual ata ura de woneresies ¢ cannes, os de ‘wdbarag do Cnn gongs, sera, las, os Erargshese, ono les de cabece ‘Avil de Cros e« Vi de aos reads Blasco, sma eliasae, Moma db une ar, 2 adga0 ene auanind, oo, rari la Viva Tees Roto, 130, p25) Ler historia | 1°59 | 2010 | pp. 83-09 (© romance é assim, reabilitado como um instrumento de uma peds- gogia inovadora e activa, por opasigao ao ensino tradicional, baseado na No que toca especificamente ao sexo feminino, os autores mencionados consideram que 0 romance sentimental abre horizontes e ajuda a transpor a clausura doméstia, a0 Funcionat como uma espécie de escola de civilidade que mostrava a incoeréncia dos condicionalismos cultuais impostos mulher, 4 quem uma instrugéo correcta podia converter num sujeito auténomo € racional, acitudes incelectuais adequadas & participagio social e politica ina légica posiivista republican. A amaioridade» feminina atingia-se pela instrugio, factor determinante da valorizagio pessoal. Nesta materia, César Porto limita-se a reproduzir um lugar-comum da retdrica tepublicana que aribu‘aa escola acapacidade de formar o +homem novos (e naturalmente também a xmulher novas), condigio imprescindivel para produzir a sua emancipagio™ © seu pensamento, que esté longe de ser partlhado por alguns sec- tores republicanos mais conservadores, vai ao encontro das comadas de posigio de auroras feministas que, nos anos 30, pugnam pela incervengio cultural dos intelectuais, de ambos os sexos, na reforms da sociedade e nna construgio da cidade do fsruro”, avangando relativamente as reivin- dicagbes do feminismo de primeira vaga, na transigio do séeulo XIX para © século XX, que se batia pela valorizagio da fungio social da mulher, pela revisio da sua sicuagio familiar ¢ profissional, ¢, em alguns cas0s, também politics, aa exigit a drcita de voto, A xnava mulher» era deserita como saquela que trabatha, que alimenta a incligéncia, que se interessa pela cultura, cooperando na descoberta de novos ideas, afastando-se do paradigma de ociosidade e de deficiente educagio da leitoractipo de Este ponto de vista estava, porém, longe de ser consensual, entre as clitesintelectuais e politcas nacionais. O reforgo de posigbes conservadoras com a instivucionalizagio da Estado Novo, a partir de 1933, que clama pelo regresso da mulher ao dominio exclusivo do lar, ceréconsequencias na forma de encarar 0 romance sentimental 0 reconhecimento do seu peso nas lecuras femininas, sobretudo entre as jovens em periodo de férias escolares, condicionara a sua orientagao ideolégica no sentido de reforco de valores moralistas, em estteta conso- Fenand Coroge, 0 repubesis om Pra - Da oso 2 5 db alto de 110,29 vol Comba, a age ca aa, 191. po 49406, 1 Zia Osi de Cao Ds rc ensmos, Rel de Mri abs es, ol 24 (08, pp. 45480, "i ce, 88 Irene Vaquinas | Pergos da titra no feminino nincia com o projecto politico relativo As mulheres defendido pelo regime estadonovista de retorno 20 lar: ‘A entatva de imposicio de um projecto doutrinério toralizante para Ba juventude portuguesa, tanto masculina como feminina, passaria também pela orientagio idcoldgica das respecivas letras, de acordo com o papel «a8 Fungbes attibuidas a cada sexo na sociedade. A formagio das fururas tmulheres/mnées, como esteio da familia, ella base do corpo sociale ins- tncia de regulagio fundamental entre o individual eo colectivo na lgica do Estado Novo, apela sobrerudo a sua responsabilidade moral, mats do aque A sa instrugia propriamence dita 0 retorno ao romance moralista A anise das obras literitiasrecomendadas i jovens em algumas das publicagées oficiats da Mocidade Poreuguesa Feminina (MPF), caso do Boletim da MPF, cuja edigio vai de 1936 a 1946, bem como da revista ‘Menina e Moga, iniciada em 1947 e finalzada em 1974, no momento em aque Revolugia de Abril pbs fim ao tegime politico vigente, permite captar os valotes que se propunham no campo privado feminine (Quadro IID) Em rigor, a Mocidade Portuguesa Feminina foi criada pelo Estado Novo, no ano de 1937, sob a tutcla do Ministério da Educacio Nacional, vendo sido inspitada em organizagées congénereseuropeias,canco da Telia fas- cista como da Alemanha nazi ou da Espana fanguista®, Era de inscrigio obrigatéria para as raparigas portuguesa, do ensino escolar e secundstio, sieuagio que se manceve até a0 rerio da II Grande Guerra, ornando-s, 4 partir dos anos 1950, voluncitia, tendo sido extinea pela revolugio de Abril de 1974 Estas revistas, que se destinavam a piblicos distintos,sendo o Boles diteccionado para as filiadas, enquanto a Menina ¢ Moca pretendia chegar 4 acodas as raparigas de Porcugale®, inham uma periodcidade mensal serviram de veiculo doutrinéro na transmissio da ideologianacionalista | Moctade Poruguses Femina ead pla Oa de Mos ple Eds; Maciral(ONEN) edo, car ‘hjcivo, ego Oslo de de Daca 907, etal as ovens paruguesasetormacao dati. 0 ‘lenerciman da apatate ca, oa do expe 3 Sogo 0 sekge soar ama db Ons, Pa de Fanian Ata a wedcay moa evi, ea @ sol pends omar, ede 2 ncaa nora ‘thar bo, cata, ara mo ep» «essa chee Cen Pasa Pati, nMocadePorugesn Ferns m ican de Hstria do Edo Nov, dea de Faun Rosas; J. Me rao oe Brn, 2* wl Use, Gres de Lets, 190, p 8) Epcos de Op ase Bi, rail Ge Mus, oud Sep Fein d Fag, om Espana, ste 4 govemoyi de Gor Faro. tone Fuse Pinel Coie ge @ sta das mulores no Estado Novo. As on Estado Novo Aira as es pla Eda Maconal ea Mocs Pogonsa Fria ‘Dasa de mesg stg 1985, 810 Ler historia | 12 $9 | 2010 | pp. 89-99 cris do regime. No Boeri, os artigos sobre leituras recomendadas no tinham qualquer repularidade de publicago, sendo assinados por vitios atsotes ou escrcos por letoras. A partir do ano de 1947, no momento em (que revista ésubstinada pela Menina e Mepa a eseitoraejoralista Maria cde Carvalho (1889-1973), passa a tea seu cargo a nbricaeLeitarase que viria «assumir regularidadee peso no aconselhamento literirio das jovens Ieivoras, sendo-the reservada uma pagina, pelo menos nos meses de Verio, dldicada & leitura em periodo de férias escolares. Quadro I~ Aiguns dos autores eds livros recomendados nas revistas, {6a Mocidade Portuguesa Feminina (1941-1954) Tain Te gute Bonk Mato devine el Bak [es do Ori end Oa = Sela Las old is de a ner Ose pcr ral Bet Be ine Margen de io Maio Monies Ms z (Coosa [to ves Teo ae Pa Pas Fev Beane de Vans ‘Anion edhe al Leas ‘Sie thane wo vem gciiaio ‘peso Erin Snes Heges o Newpaer EM. Wil Misi Mie de us Mati Tes Ade Sonos and a Pi Sao Awlls o lo 3 ue Auge Das As Rapides Sou in Calo Conic Genin moderna Mil igus Das Mai Sie 0 doar soma [Vigne Lope de Mendon Ar Far Malte aon de Je Cis Ace do gee Diss qu va Mavi de Fin ‘fills do Des Vcr [Bsa Monde Sr Brae de Goma Coli nena Abeta ue Cant a es Pras psquona gaa dos ara vj, nt autos, Maa sso Sra Sous At, ea de Canalo ris o Canaho Frotae, Dinar no foo (cubs X30 Draco de Zia sade Caso ¢ Soo Eso iste, Lines Hoan, 205, pp. 263, lvone Vaguinnas Gontinwas do Quadve It Perigos da titra no feminino. ‘Autores vecomondadon ‘eros recomendadon Taina D, An “Gao de Maja Rahs D. Ama Dy Manoel de ose Pi Det Ll de Alcs La) | Mervin do 6 Marg Lavo Ein Senn Oo dod ne i Caan ae al ae Mazer i Anno de Figs ede bem Mis Pade Aeelo “erp ana de Coro Tins ee pemae Olga de Meas Si ‘Amina menses Matis Mado de Marl a ‘Quand sts pegueinn Oo min ‘Nato de Nose Encore [ Adolfo Simies Maller Te peu in Bch i ds Thane Vang Maria Acie bemaenurngs Mai Snes Ano ‘Conard Na Nai Rl fond Murad Gag Vals Ca Manoee eligi do Sig Cong de Maria [Va vs Maida Pog Fe Cont penn | [LG Doug ‘inet Ca de Sten ‘ARinka Dy Lemar Pino Salgado ‘Avid de eu oe Munthe ‘Ow de Sn Mile Nana de Monin ‘line nga dv a Cove) [canes Wma ai “Aas de Porgs Nove Gar aos de apa ga de Mai Case ae Rerage Maeno Manual de bos ec cia Reda Guna Diol mins ae Vis aor (O tan earaarriquens “Tomi de Rgds ‘Avex do obo “Anis Rea Dade Mops [Divina dade Pade Mowe de Neer als Mas Rey Sl Ps ‘Gros Man, ao ear © ano ds sles Maa ona Rao (arin rane de Gon Alia Pres Noe Raps nk Blin cd Marae Prtgucn Fon (9411914; Meni Ma (AT-99, Ler historia | 112 59 | 2010 | pp, 89-99 ‘A evolugio econémica ¢ cultural do pais parece justificar © maior cuidado a ter com as leitueasFemininas, com rflexosvsiveis na relevincia dada a0 assuto a revista. Ainda que, no ano de 1950, cerea de metade da populasio portuguesa feminina fosse analfabeta (47,79), essa percentagem fina baixadorelitivamente década de 1930, ano em que os recenseamentos acusavam valores da ordem dos 69,996". Essa diminuigio foi acompanhada pelo aumento do ingresso feminino nos diversos niveis do ensino, desde 6 primario a0 univetsitrio, Da década de 1930 4 de 1950, 0 niimero de estudantes do sexo feminino passou, no casino licel, de 24,6% para 46.4% fe, no ensino técnico, de 18,79% para 24,396. J no ensino superior, a per- centagem de mulheres nas universidades piblicas poreuguesas pasaria de 16,5%, nos anos 1940, para 24,9%% na década seguinee, oi se, em meados dio século XX, as mulheres consttuiam cerca de um quarto dos estudances {Quanto i evalugio econmica, a maior parte dos autores tende a salentar o ingresso de Portugal, na década e 1950, na era do creseimento econdmi- ¢o, pautado pelo arranque da clectificagéo e da moderna indusrializagio, enquadrado pela entrada em vigor do I Plano de Fomento (1953-1958)" Esse factor erd contibudo, provavelmente, para uma maior dsponibilidade financeira com reflexos na aquisgao de livros ou de outros bens cultura. No que respeita aos livros recomendados nas revises ateés menciona das, os somances sentimentais estéo praticamente ausentes. Predominam outros génetslitertios as biografs edificances, eanto de individualidades de arctocraca (as exinhae D. Amlia 04 D. Leonor, Branca de Gonta Cole {e..) como de Figuris, mascuinas ou femininas, de uma histéxia micificada (Maria, mae de Jesus, Jeru, Marie Curie, Henrique, 0 Navegador..), ox ain- da de personalidades abnegadas, ise devotamente caticas (Maggy ou, inclusive, individualidades que se destacaram, na Guetra Civil espanhola, do lado nacionalista, como € 0 caso de Carlos Maria, marinheiro e aviador....) Salientam:se, ainda, os livros de pocmas marcadamenterligiosos, os manuais de civilidade ou as obras de precitos de orientagio moral No que toca ao romance «donde nés ndo tiramos proveito de Maior L...J», como se escrevia, em 1939, num dos niimeros do Boletim da MPF, as sugestes fixam-se nas obras da escritora caélica Berthe Bernage (1886- 1972)", awora da longa série imiulada Brigit, onde se narra a vida de © rane Fans Pont, Conboy, 11 tam, pp. 1-18, * Famand Rese, Pore das de Gora: Elo velo, mundo noo (150924), Mit de Pogo dt So Jens ati, va Vl =O tds Move 1026-1574 Usha, Eo Eta, 1H, po. 351-49, am pda fp 402483, Fomiodi.xgitere Bomape (10201 1853. Irene Vaquinnas | Perigas da fetura no feminio. Brigitte Haueville desde a adolescéncia até 4 velhice (Brigitte solteina, Bri- sitte © 0s seus amores, Brigitte mama, Brigite eo soriso das eriancas, Brigitte ‘mulher moderna, Brigitte eos momentos dificeis,..)®. Nesta longa saga, €feita 1 apologia do casamento, da submissio da esposa ao marido e enalcecida a maternidade como expressio da felicidade feminina. Os seus romances ‘moralistas eram considerados «policicamente correctos» ~ leieuras boas» como entio se eserevia -, por constituirem uma garantia de conformidade ‘com principios respeitiveis, indo a0 encontro dos valores defendidos pela idcologia salazarista, Sugerem-se ainda alguns «romancinhos, ou seja, obras menores de autotas portuguesas®, e pouco mais. A formagéo feminina, na lgiea do Estado Novo, decididamente no passava pelo romance, [Neste quad, todas as obras ou autores que pusessem em petigo 0 modelo da mulher dona de casa, esposa © mie ou os valores tradicionais em vigor exam ostracizados, send mesmo reprimidos. F, ali, este o entendimento do regime politico como © expressou claramente, em 1947, a0 encertar compulsivamente a «Exposigéo de livros escritos por mulheres, realizada pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914-1947), associagi feminista, ao tempo dirigida por Maria Lamas (1893-1983), cuja sede se selada nesse mesmo ano, passando a sua direetora a ser severamente vigiada pela policia politica portuguesa". q Concluséo Invervogar as leiturasfemininas, as permitidas © as proibidas, assim ‘como as formas de seu conteoloe disciplina, as suas modalidades e seus conteidas & como que abrir uma weaixa de Pandora» que faz salta, de imediato, 0s precanceitos que recaiam sobre a mulher. ‘Considerada uma menor; inceleetalepsiclogicamente, as suas eturas dleveriam ser orientadas e, acima de tudo, evitados os romances sentimentais, 0 inimigo declarado, a quem era acribuida uma capacidade transfiguradora, capa de afastar qualquer jovern dos seus deveressociais, em especial domés- ticos, O romance corporiza o perigo da leicura no feminino, tanto no século XIX como no século XX, tanseendendo as clivagens politicas. [No entanto, a ideologia republicana, pelo menos em termos tebricos, so atribuir3 mulher uma maior individualidade e 20 equipari-la ao homem, Joana e aor Fugu de Soo Bare Berge, era aa, Salon MPF 80, A de 1944, aa de Cava nLlurae, Manna @ Mega, n? ano ge 1850, so cao dace Arp, 6 Vigna Lopes de rans As ato bon-avntuanas, Ge Branca Vases Mans {ata Caran, cates, Monae gs 28, Setembro de 7: n* 2, Free de 184). vs Mats etna Fiero, Mona ama, Soya, ston Ql ioe, 2003, 10-17, 16, Cla Rosa atta Cinta, O Conte fecorl ae hares Pgs (1916-17) - Us gna fis. Listes, Unerstase ‘bet, 2007, Deere Mesa, 210225. Lor historia | N° $8 | 2010 | pp. 83-99 na esfera do direito civil, introduziu algumas rupcuras na forma de encarar ‘6 impacto do romance na condigio feminina, sendo entendido como uma ‘especie de escola de civilidade, abrindo-lhe horizontes desconhecidas. Séo, ccontudo, em néimero restrito, aqueles que assim 0 consideram. A 1 Repii- blica, apesar de admitir que a sociedade conjugal se bascia na liberdade € nna igualdade entre as partes, no tocou seriamente na supremacia mascu- lina, 20 impor, como obrigagio da mulher, «o governo doméscico © uma assiscéncia moral rendente a fortalecer ¢ a aperfeigoar a unidade familiar», como se explicita no art. 39.° das Leis da Familia e do Descanso Semanal, publicadas pelo 1 Governo Provisério, As préprias atitudes equalizances das feministas e os esbagos de um movimento emancipador das mulheres suscitaram receios desmedidos de inversio dos tradicionais papéis de género no seio do casal ¢ de desorganizagio da ordem familar. ‘Com a ascensio do Estado Novo, a partir do ano de 1933, reactuali- ‘zam-se os velhos preconceitos sobre a mulher, num contexto de orientagio autoritéria das leitura femininas. Os liveos permitidos sao condicionados 3 idcologia oficial eos proibidos, mais do que nunca, afastados das estantes das mulheres. Contudo, o romance sentimental como forma de divertimento de evasio vai fazendo o seu caminho ¢ a inka separadora entre livros para raparigas ¢ livros para rapazes vai-se misturando, no sentido de os livtos proibidos se cornarem cada vex mais petmitidos.

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