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CapiruLo XIV DO TRANSPORTE Sumério: 1. Introdug0. 2. Conceito de contrato de transporte, 3, Natureza juridica. 4. Espécies de transporte. 5. Disposigdes gerais aplicdveis as varias espécies de contrato de transporte. 5.1. 0 cariter subsididrio da legislagao especial, dos tratados ¢ convengdes internacionais. §.2. Transporte cumulative e transporte sucessivo. 6, © transporte de pessoas. 7. O transporte de coisas. 8. Direitos ¢ deveres do transportador, 9. Direitos e deveres do passageiro. 10. O transporte gratuito, 1. Introdugao O Cédigo Civil de 2002 teve a virtude de disciplinar o contrato de transporte, de forma inédita no direito brasileiro. O antigo Codigo Comercial foi o primeiro diploma a regular essa modalidade contratual. Mas se atinha mais ao transporte de coisas e ao transporte maritimo, que eram os mais importantes na época. Posteriormente, surgiu a regulamentagdo do transporte ferrovidrio, cuja aplicagao foi estendida ao transporte terrestre em geral mediante o emprego da analogia, do transporte fluvial e maritimo e do transporte aéreo. Finalmente, surgiram as normas do Cédigo de Defesa do Consumidor, que Ihe sao aplicaveis pelo fato de a atividade caracterizar prestagdo de servigos. No entanto, nao tinhamos uma legislagdo especifica, na qual constassem os principios basicos ¢ norteadores do contrato de transporte, os direitos ¢ deveres que dele emanam e, principalmente, a responsabilidade das pessoas envolvidas. © atual Cédigo veio, entdo, suprir essa deficiéncia, regulando-o em capitulo proprio, dividindo-o em trés segées intituladas: “Disposigées gerais”, “Do transporte de pessoas” e “Do transporte de coisas”. Teve o mérito de tragar as coordenadas gerais desse contrato, incluindo-o no rol dos contratos tipicos e estabelecendo regras gerais que deverdo ser obedecidas prioritariamente, podendo ser complementadas pela legislago especial. 2. Conceito de contrato de transporte Preceitua o art. 730 do Cédigo Civil: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuigdo, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. A redagio espelha-se na definigio de Pontes pz MiRanpa, verbi “Contrato de transporte € 0 contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuigio, a transferir de um lugar para outro pessoa ou bens” 854. Observa-se que 0 contrato de transporte se compée de trés elementos: 0 transportador, o passageiro e a transladagdo. O passageiro pode ser o que adquiriu a passagem ou o que a recebeu deste. No tocante A transladagdo é necessdrio que haja transferéncia ou remogio de um lugar para outro, ainda que nao se percorra uma distancia geografica. E possivel efetuar-se o transporte dentro da prépria casa, do préprio prédio, de um andar para outro, do térreo para a cobertura. Em todos esses casos ha transladagao. Segundo Humperro Turoporo Junior, © transporte, como atividade, “é antiquissimo e, nas origens, se confundia com uma locagao de servigos ou, mais especificamente, com uma empreitada, porquanto se considerava o transportador como alguém que se encarregava de realizar uma obra para outrem. A intensificagao dos deslocamentos de pessoas e mercadorias, com a evolugao do comércio e com o aprimoramento dos meios de transporte, conduziu a uma especializago da atividade, sob o ponto de vista econémico ¢ juridico, exigindo o estabelecimento de normas proprias para o contrato de transporte, que, assim, se desligou dos principios da empreitada e da locagao de servigos” 855. © contrato de transporte apresenta-se hodiernamente como tipico, distinto das figuras clssicas do direito contratual. O que o caracteriza precipuamente é a atividade desenvolvida pelo transportador, de deslocamento fisico de pessoas e coisas de um local para outro, sob sua total responsabilidade. Constitui tal atividade 0 objeto especifico dessa aludida modalidade contratual. Nao basta, todavia, efetuar o deslocamento de pessoas e coisas de um lugar para outro. E mister que o objeto da avenga seja especificamente o deslocamento, pois a relagio de transporte pode apresentar-se como acesséria de outro negécio juridico, como na hipétese em que o fabricante vende uma mercadoria que deverd ser entregue em outra praga. Se o transporte é secundario ou aces rio de outra prestagdo, o contratante, seja vendedor ou de outra espécie, nao pode ser considerado um transportador, cuja obrigagdo é exclusivamente a de efetuar o traslado de uma coisa ou pessoa, regendo-se a sua responsabilidade pelas normas que disciplinam o contrato principal. Nao se lhe aplicam as normas préprias do contrato de transporte. O contrato de transporte gera, para o transportador, obrigagdo de resultado, qual seja, a de transportar 0 passageiro sio e salvo, ¢ a mercadoria, sem avarias, ao seu destino. A nio obtengdo desse resultado importa o inadimplemento das obrigagdes assumidas ¢ a responsabilidade pelo dano ocasionado. Nao se eximira da responsabilidade provando apenas auséncia de culpa. Incumbe-Ihe 0 énus de demonstrar que 0 evento danoso se verificou por culpa exclusiva da vitima, forga maior ou ainda por fato exclusive de terceiro, Denomina-se clausula de incolumidade a obrigagao tacitamente assumida pelo transportador de conduzir o passageiro incélume ao local do destino. Embora tenha caracteristicas préprias, o contrato de transporte “rege-se, no que couber, pelas disposigées relativas a depésito”, quando a coisa trasladada “depositada ou guardada nos armazéns do transportador” (CC, art. 751). Nao se confunde com o fretamento ou contrato de charter, em que é cedido o uso do meio de transporte — navio, avido, énibus — ao outorgado, que Ihe dard o destino que the aprouver. No contrato de transporte quem dirige ¢ se responsabiliza pelo deslocamento das pessoas ou coisas é 0 transportador. Segundo explica PonTEs DE MIRANDA, no fretamento ha transferéncia da posse da nave, 0 que afasta qualquer teoria que pretende ver no fretamento da nave nua ou da nave armada e equipada locagéio de servigos ¢ néo locagdo de coisa. Na verdade, aduz, “o fretador (dono do veiculo) nao & responsdvel pelo adimplemento de transportes, porque nao é, ex hypothesi, transportador: transportador € 0 afretador (o que recebeu a posse da nave). Esse transporta a suas expensas e a proprio risco. O fretador nada tem com a custédia dos bens transportados” 856. 3. Natureza juridica O contrato de transporte constitui tipico contrato de adesdo, que é uma categoria de contrato em que as partes ndo discutem amplamente as suas clausulas, como acontece no tipo tradicional. No contrato de adesao as clausulas so previamente estipuladas por uma das partes, as quais a outra simplesmente adere. Ha uma espécie de preponderdncia da vontade de um dos contratantes, Hé neles um regulamento, previamente redigido por um deles, ¢ que o outro aceita ou nao. No contrato de transporte hé também um regulamento previamente estabelecido pelo transportador, com base em normas legais, ao qual o passageiro adere ou nao. Quem toma um énibus, ou qualquer outro meio de transporte, tacitamente celebra um contrato de adesio com a empresa transportadora. Com o pagamento da passagem, o transportado adere ao regulamento da empresa. Esta, implicitamente, assume a obrigagao de conduzi- lo ao seu destino, sio e salvo. Se, no trajeto, ocorre um acidente e 0 passageiro fica ferido, configura-se o inadimplemento contratual, que acarreta a responsabilidade de indenizar, nos termos dos arts. 389 ¢ 734 do Cédigo Civil. ‘Além de ser contrato de adesdo, como jé mencionado, o contrato de transporte & também bilateral ou sinalagmdtico, porque gera obrigagées reciprocas. Os contratos bilaterais em geral exigem equivaléncia das prestagdes. Essa equivaléncia, entretanto, tem caracteristicas proprias no contrato de transporte coletivo, pois o prego da passagem pago pelo passageiro é inferior ao beneficio que recebe. A equivaléncia, na hipétese, no se da em relagdo a cada uma das pessoas transportadas, mas em relagdo ao conjunto de pessoas, fazendo-se 0 cdlculo atuarial da renda que determinada linha pode proporcionar. Em fungéio desse célculo é estipulado, entio, o preco da passagem. Além de bilateral e de adesio, 0 contrato de transporte € ainda consensual, oneroso, comutativo ¢ ndo solene. E consensual porque se aperfeigoa com 0 acordo de vontades, muitas vezes tacito, como no atendimento do taxista ou do motorista do Snibus ao aceno do passageiro; oneroso, uma vez que a obrigagdo do transportador é assumida mediante remuneragao a ser prestada pelo alienante (CC, art. 730); comutativo, porque as prestagdes so certas e determinadas, antevendo as partes as vantagens e os sacrificios que dele podem advir; e ndo solene, pois no depende de forma prescrita na lei, sendo valida a celebragao verbal. 4. Espécies de transporte O atual Cédigo Civil disciplinou 0 contrato de transporte em capitulo préprio, dividindo-o em trés segées intituladas: “Disposigées gerais”, “Do transporte de pessoas” e “Do transporte de coisas” (arts. 730 a 756). O transporte é, portanto, de pessoas e coisas, e pode ser terrestre, aéreo ¢ maritimo ou fluvial. A diferenga localiza-se no meio de deslocamento de um local para outro. O terrestre, por sua vez, subdivide-se em ferrovidrio e rodovidrio. Em fungdo da extensio coberta, o transporte pode ser, também, urbano, intermunicipal, interestadual e internacional. contrato de transporte pode ser ainda coletivo e individual. HA contrato coletivo de transporte quando varias pessoas utilizam o mesmo veiculo, cada qual pagando a sua passagem e estabelecendo contratos individuais com a transportadora, Se o contrato for um s6, beneficiando varias pessoas, nao sera coletivo. O transporte de bagagem & acessério do contrato de transporte de pessoas. O viajante, ao comprar a passagem, assegura o direito de transportar consigo a sua bagagem. Ao mesmo tempo, o transportador assume, tacitamente, a obrigagdo de efetuar esse transporte. Essa obrigagao é de resultado, como ja dito, e s6 se considera cumprida quando a pessoa transportada e sua bagagem, ou a mercadoria, chegarem incélumes ao seu destinoss7. O passageiro sé pagara o transporte de sua bagagem se houver excesso de peso, de tamanho ou de volume. O contrato de transporte abrangerd a obrigagdo de transportar a bagagem do passageiro ou viajante no proprio compartimento em que ele viajar ou em depésitos apropriados dos veiculos, mediante despacho, hipétese em que o transportador fornecerd uma “nota de bagagem”, que servird de documento para a sua retirada no local de destino. O paragrafo tinico do art. 734 do Cédigo de 2002 inova ao prever que “é licito ao transportador exigir a declaragéo do valor da bagagem a fim de fixar 0 limite da indenizagao”. Nesse caso, o valor declarado determina 0 montante da indenizagdio. Pelo sistema anterior, transferia-se para o transportado a obrigacao de produzir a prova do valor da bagagem. O atual diploma altera o critério, para afirmar que, em principio, ha de se aceitar o valor atribuido a bagagem pelo passageiro. Se a empresa quiser se resguardar quanto a esse quantum, deverd tomar a iniciativa de obter a declaragéo de valor da bagagem por parte do transportado. Desse modo, transferiu-se para a empresa a obrigagdo de definir previamente o valor da bagagem para, com isso, limitar a indenizagaio. Nao o fazendo, nao haverd limitagao. Poderd o transportador exigir o pagamento de prémio extra de seguro, para a necessaria cobertura de valores elevados. 5. Disposicées gerais aplicaveis as varias espécies de contrato de transporte Na segdo intitulada “Disposigdes gerais” o atual Cédigo tragou regras comuns a todos os contratos de transporte, fazendo, porém, duas ressalvas. A primeira consta do art. 731, que assim dispée: “O transporte exercido em virtude de autorizagao, permissdio ou concessiio, rege-se pelas normas regulamentares pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuizo do disposto neste Cédigo”. Sempre que o transporte for privative do Poder Piblico, pode este conferir a sua explorago a particulares por meio dos institutos do direito public, como a autorizagao, a permissio ¢ a concessio. Neste ¢: s0, como assinala ZENO VELOSO, © Estado fixa as regras, as condigées, enfim, as normas que regerdo a prestacéio dos servigos. O transporte “obedecerd, prioritariamente, ao que for estabelecido nos atos de autorizagdo, permissdo ou concessdo — especialmente quanto as obrigagées, itinerarios, tarifas, prazos — e normas regulamentares”, sem prejuizo vil sss, do que dispde 0 Cédigo Ci 5.1. O carater subsididrio da legislacao especial, dos tratados e convengées internacionais ‘A segunda ressalva encontra-se no art. 732 do Cédigo Civil, que manda aplicar “os preceitos constantes da legislagdo especial e de tratados e convengées internacionais”, quando couber, e desde que ndo contrariem as disposigdes do novo diploma. O dispositive em aprego procura compatibilizar as normas deste capitulo com a legislago especial referente a transportes, vindo a repercutir principalmente no transporte aéreo, que é objeto de tratados intemacionais ratificados pelo Brasil. Continuam sendo aplicdveis a essa modalidade de transporte, no que nio contrariam o Cédigo Civil, o Cédigo Brasileiro de Aeronautica, a Convengao de Vars6via e 0 Codigo de Defesa do Consumidor. A propésito, transcreve ALEXANDRE DE Morars a ligio de CaNorILHo e Moreira, nestes termos: “As normas de direito internacional piblico vigoram na ordem interna com a mesma relevancia das normas de direito interno, desde logo quanto & subordinagdo & Constituigdo — sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da Constituig%o ou seus principios” 859. Na mesma linha, assevera HuMBERTO THEODORO JUNIOR que, entre nds, “nao ha prevaléncia hierarquica do tratado sobre o direito interno, nem deste sobre o tratado internacional. Em consequéncia, estéo no mesmo nivel o tratado e a Lei Federal. De tal sorte, um tratado internacional que, em matéria de transportes, contiver, futuramente, disposigdes conflitantes com as do Cédigo Civil havera de revogar os preceitos deste, como o Cédigo tera revogado regras de tratado anterior nas mesmas condig6es. Observa-se, in casu, 0 principio lex posterior derogat priori (Lei de Introdugao, art. 2°, § 12)” 860. Desse modo, nao se pode admitir, no transporte aéreo, a indenizagao tarifada, estabelecida na Convengao de Varsévia. A Constituigdo Federal de 1988 dispés competir 4 Unido “explorar, diretamente ou mediante autorizagao, concessdo ou permissdo, a navegagdo aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportudria” (art. 21, XII, c). Eo art. 37, § 6°, estendeu a responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo, as pessoas juridicas de direito privado prestadoras de servigos piblicos (empresas aéreas permissionérias), sem estabelecer qualquer limite para a indenizagao. Tais dispositivos sobrepdem-se a Convengiio de Varsévia e ao Cédigo Brasileiro de Acrondutica, As normas desses diplomas que limitam a responsabilidade das empresas aéreas, tarifando a indenizagdo, perderam eficécia a partir da entrada em vigor da Constituigdo Federal de 1988. Assim como nao ha limite para a responsabilidade civil do Estado, igualmente ndo o ha para a das concessionarias ¢ permissiondrias de servigos piblicos, que emana da mesma fonte 861. A perda da eficdcia das aludidas normas limitativas foi reafirmada com a promulgagao do Cédigo de Defesa do Consumidor. Igualmente, 0 atual Cédigo Civil, lei posterior aos diplomas legais mencionados, dispde que o “transportador responde pelos danos causados as pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de forga maior, sendo nula qualquer cléusula excludente da responsabilidade” (art. 734). Nao estabeleceu nenhum limite para a indenizagao, salvo 0 correspondente ao valor da bagagem, quando declaradoss2. Por tais razdes, tem o Colendo Superior Tribunal de Justiga proclamado: “Transporte aéreo. Indenizagio tarifada. Convengao de Varsévia. Cédigo de Defesa do Consumidor. Tratando-se de relagdo de consumo, prevalecem as disposigdes do Cédigo de Defesa do Consumidor em relagao 4 Convengao de Varsévia, Derrogagdo dos preceitos desta que estabelecem a limitago da responsabilidade das empresas de transporte aéreo” 863. 5.2. Transporte cumulativo e transporte sucessivo No transporte denominado cumulativo, de responsabilidade de mais de uma empresa, “cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas” (CC, art. 733). “O dano, resultante do atraso ou da interrupedo da viagem, serd determinado em razéo da totalidade do percurso” (§ 12). “Se houver substituigdo idade de algum dos transportadores no decorrer do percurso, a responsabi soliddria estender-se-d ao substituto” (§ 2°). Ocorre 0 transporte cumulativo, pois, quando “varios transportadores — por terra, dgua ou ar — efetuam, sucessivamente, o deslocamento contratado. Segundo 0 teor do caput do dispositive comentado, “cada transportador se obriga a cumprir contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas”. Mas para considerar-se cumulativo o transporte é preciso que haja unidade da relagao contratual a que se vinculam os diversos transportadores 864. Durante a tramitagiio no Congresso Nacional do Projeto que se transformou no atual Cédigo Civil, foi rejeitada emenda em que se atribuia, expressamente, no transporte cumulativo, responsabilidade soliddria pela execugao do transporte ‘ou pelos danos, mesmo na parte executada pelos outros transportadores. Tal rejeigéo poderia ensejar, 4 primeira vista, a interpretagdio de que a intengdo do legislador teria sido dividir a responsabilidade segundo os trechos de que se encarregou cada um dos transportadores. Todavia, a redagao do § 2° do dispositive em epigrafe nado deixa divida de que foi estabelecida a solidariedade passiva entre todos eles. Prevalece, assim, em face do inadimplemento dos transportadores colegiados, 0 direito do usuario de reclamar a reparago de qualquer dos coobrigados. Tendo em vista a obrigagdo de resultado que encarta 0 contrato de transporte, sublinha Sitvio Venosa, “essa modalidade exige que todas as empresas que participam do percurso contratado respondam solidariamente” s6s. Nao bastasse, 0 art. 756 do novo diploma declara, peremptoriamente, que, “no caso de transporte cumulative, todos os transportadores respondem solidariamente pelo dano causado perante o remetente, ressalvada a apuracao final da responsabilidade entre eles, de modo que 0 ressarcimento recaia, por inteiro, ou proporcionalmente, naquele ou naqueles em cujo percurso houver ocorrido 0 dano”. No transporte cumulative ou combinado varios transportadores realizam 0 transporte, por trechos, mediante um nico bilhete que estabelece a unidade, como se a obrigagdo estivesse sendo cumprida por uma tinica empresa. Sem essa unidade de contrato com vinculagao de pluralidade de transportadores inexiste transporte cumulativo, mas sim transporte sucessivo, que se caracteriza por uma cadeia de contratos, cada um com empresa independente das demais. Ocorre esta modalidade quando uma agéncia de viagem, por exemplo, vende duas passagens para duas transportadoras distintas, prevendo apenas a possivel conexdo dos trechos 866. 6. O transporte de pessoas A partir do momento em que um individuo acena para um veiculo de transporte piblico, j4 0 contrato teve inicio, diante da oferta permanente em que se encontra 0 veiculo em trinsito, A responsabilidade pela integridade da pessoa do passageiro sé se inicia, porém, a partir do momento em que esse mesmo passageiro incide na esfera da direcdo do transportador. Segue-se que o préprio ato de o passageiro galgar 0 veiculo jé o faz entrar na esfera da obrigagio de garantia. Observa-se que a responsabilidade contratual do transportador pressupée a formagdo de um contrato de transporte, de modo que afasta essa responsabilidade quando se trata de um passageiro clandestino. No caso das estradas de ferro, a responsabilidade do transportador tem inicio quando o passageiro passa pela roleta e ingressa na estagdo de embarque. Dai por diante, estaré. sob a protegdo da cldusula de incolumidade, hoje substituida pela responsabilidade decorrente do vicio ou defeito do servigo, respondendo a ferrovia pelos acidentes ocorridos com o passageiro ao subir ou descer do trem, por escorregar ou ser empurrado. $6 nao serd responsabilizada se o dano decorrer de fato exclusivo de terceiro, estranho ao transporte 807. Em certos meios de transporte distinguem-se perfeitamente 0 momento da celebragéio do contrato ¢ o de sua execugdo. Nas viagens aéreas, por exemplo, é comum a passagem ser comprada com antecedéncia. Nestes casos, a responsabilidade do transportador sé terd inicio com a execugdo da avenga. No transporte rodovidrio, tendo em vista que a estagdo nao pertence a transportadora, a execugdo se inicia somente com 0 embarque do passageiro, e sé termina com 0 desembarque. Se o pa igeiro vem a se ferir em razio de queda ocorrida durante o embarque, porque o énibus movimentou-se abruptamente, por exemplo, configura-se a responsabilidade do transportador, porque ja se iniciara a execugdo do contrato, Do mesmo modo se a queda ocorrer por ocasiaio do desembarque. © art. 734 do atual diploma manteve a responsabilidade objetiva do transportador “pelos danos causados ds pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de forca maior”, proibindo qualquer clausula de nao indenizar. Considerando que, em outros dispositivos, 0 Cédigo refere-se conjuntamente ao caso fortuito e 4 forga maior, pode-se inferir, da leitura do aludido dispositivo, que o fato de ter sido mencionada somente a forca maior revela a intengdo do legislador de considerar excludentes da responsabilidade do transportador somente os acontecimentos naturais, como raio, inundagdo, terremoto ete., e no os fatos decorrentes da conduta humana, alheios 4 vontade das partes, como greve, motim, guerra ete. Mesmo porque a jurisprudéncia, de hé muito, tem feito, com base na ligéo de Acostinno ALvIM 868, a distingao entre “fortuito interno” (ligado a pessoa, ou a coisa, ou A empresa do agente) e “fortuito extern” (forga maior, ou Act of God dos ingleses). Somente o fortuito externo, isto é, a causa ligada a natureza, estranha a pessoa do agente e A méquina, excluird a responsabilidade deste em acidente de veiculos. O fortuito interno, nao. Assim, tem-se decidido que o estouro dos pneus, a quebra da barra de diregdo, 0 rompimento do “burrinho” dos freios e outros defeitos mecdnicos em veiculos nao afastam a responsabilidade do condutor, porque previsiveis e ligados & maquina, Prescreve 0 art. 735 do atual Cédigo: “A responsabilidade contratual do transportador por acidente com 0 passageiro ndo é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem agdo regressiva”. Em matéria de responsabilidade civil do transportador, a jurisprudéncia ja nao vinha, com efeito, admitindo a excludente do fato de terceiro. Justifica-se o rigor, tendo em vista a maior atengado que deve ter o motorista obrigado a zelar pela integridade de outras pessoas. Absorvendo essa orientagéo, o atual Cédigo Civil reproduz, no aludido art. 735, 0 texto da Sumula 187 do Supremo Tribunal Federal, com a mesma redagio. Mais uma vez a jurisprudéncia antecipa-se a lei. Ocorrendo um acidente de transporte, nao pode o transportador, assim, pretender eximir-se da obrigagao de indenizar o passageiro, apés haver descumprido a obrigagéo de resultado tacitamente assumida, atribuindo culpa ao terceiro (p. ex., ao motorista do caminhdo que colidiu com o énibus). Deve, primeiramente, indenizar o passageiro para depois discutir a culpa pelo acidente, na a contra 0 terceiro, Assim, qualquer acidente que cause danos ao passageiro obriga o transportador a indenizé-lo, porque se trata de obrigagéo de resultado. Nao importa que 0 evento tenha ocorrido porque 0 veiculo foi “fechado” ou mesmo abalroado por outro. O transportador indeniza o passageiro e move, depois, ago regressiva contra 0 terceiro. O fato de terceiro sé exonera o transportador quando efetivamente constitui causa estranha ao transporte, isto 6, quando elimina, totalmente, a relagdo de causalidade entre 0 dano e o desempenho do contrato, como na hipétese de o passageiro ser ferido por uma bala perdida, por exemplo. Em relacdo a responsabilidade extracontratual, ou seja, a danos a terceiros, 0 que prevalece € 0 art. 37, § 6°, da Constituigao Federal, que responsabiliza, de forma objetiva, na modalidade do risco administrativo, as permissionérias de servigo piblico pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, Nao se eximirdo da responsabilidade provando apenas auséncia de culpa. Incumbe-Ihes © énus de demonstrar que o evento danoso se verificou por forga maior ou por culpa exclusiva da vitima ou ainda por fato exclusivo de terceiro. A jurisprudéncia, inclusive a do Superior Tribunal de Justiga, tem considerado causa estranha ao transporte, equiparavel ao fortuito, disparos efetuados por terceiros contra trens ou dnibus, ou, ainda, disparos efetuados no interior de 6nibus, inclusive durante assaltos aos viajantes. A matéria, porém, continua controvertida na mencionada Corte, havendo os que responsabilizam o transportador, nesses casos. Pode-se afirmar, malgrado a existéncia da mencionada divergéncia, que o assalto 4 mao armada em interior de énibus, embora se pudesse ter meios de evité-lo, constitui causa estranha ao transporte, que isenta de responsabilidade transportador, ao fundamento, especialmente, de que o dever de prestar seguranga publica, inclusive aos passageiros, ¢ do Estado, mercé do art. 144 da Constituigao Federal, nao se podendo transferi-lo ao transportador. E também em razio das dificuldades naturais para a empresa permissionaria de transporte publico dar seguranga aos passageiros, ndo podendo manter prepostos armados dentro dos coletivos, nem transformé-los em carros blindados. As providéncias possiveis de serem tomadas envolvem, indubitavelmente, a adog&o de medidas sofisticadas, que encarecem o prego da passagem. Este, contudo, nao pode ser aumentado pela empresa, porque é fixado pelo Poder Publico que outorga a permissio. Por outro lado, prescreve o art. 738 do atual Cédigo: “A pessoa transportada deve sujeitar-se as normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bithete ou afixadas a vista dos usuarios, abstendo-se de quaisquer atos que causem incdmodo ou prejuizo aos passageiros, danifiquem o veiculo, ow dificultem ou impegam a execugdo normal do servigo”. Nao se pode, assim, considerar que © usuario é dispensado de velar pela propria seguranga. A responsabilidade do transportador é ilidida se 0 acidente proveio de culpa do usuario. Por essa razio, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiga vem decidindo, em caso de queda de trem por praticante de “surfismo ferrovidrio”, que “descaracteriza o contrato de transporte a atitude da vitima, que, podendo viajar no interior do trem, se expée voluntariamente a grave risco, Aduz © pardgrafo nico do aludido art. 738: “Se 0 prejuizo sofrido pela pessoa transportada for atribuivel a transgressdo de normas e instrugdes regulamentares, o juiz reduziré equitativamente a indenizagdo, na medida em que a vitima houver concorrido para a ocorréncia do dano”. Verifica-se, assim, que a culpa concorrente da vitima constitui causa de reducdo do montante da indenizagdo pleiteada, em proporgiio ao grau de culpa comprovado nos autos. No capitulo especifico da “Responsabilidade civil”, esse principio ja havia sido adotado, no art. 945, com a seguinte redagao: “Se a vitima tiver concorrido culposamente para 0 evento danoso, a sua indenizagdo serd fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. De acordo com o Decreto n. 2.681, de 1912, a culpa concorrente da vitima ndo exonera o transportador da obrigagdo de compor os danos. Somente a culpa exclusiva da vitima pode exonerd-lo. O Cédigo de Defesa do Consumidor manteve principio da responsabilidade objetiva do prestador de servigos, admitindo como excludentes somente a comprovada inexisténcia do defeito ¢ a culpa exclusiva da vitima ou de terceiro (art. 14, § 3%), que rompem o nexo causal (sendo admissivel, pelo mesmo motivo, a forga maior). A culpa concorrente do consumidor nfo foi considerada excludente nem causa de redugdo da indenizagdo, sendo indiferente, pois, no sistema da legislagdo consumerista, que o passageiro tenha contribuido também com culpa, como no caso dos “pingentes”. Contudo, 0 atual Cédigo Civil, como visto, modificou essa situagdo. Havendo incompatibilidade entre 0 Cédigo de Defesa do Consumidor e 0 Cédigo Civil, nesse particular, prevalecem as normas deste. Sendo assim, ndo poderiio mais os tribunais condenar as empresas de transporte a pagar indenizagdo integral as vitimas de acidentes, em casos de culpa concorrente desta, como vem ocorrendo nas hipéteses de passageiros que viajam dependurados nas portas dos veiculos, que permanecem abertas, caracterizando a culpa do passageiro e também do transportador, por nao prestar o servigo com a seguranga que dele legitimamente se espera, obrigando as pessoas que tém necessidade de usé-lo a viajar em condigdes perigosas, e por nio vigiar para que tal ndo se verifique. Ambas as Turmas da Segunda Seco do Superior Tribunal de Justiga tém entendido, com efeito, que a circunstncia de a vitima viajar como “pingente” nao afasta a responsabilidade da transportadora, havendo um componente de negligéncia desta. Por isso, 0 montante da indenizagado deve ser reduzido pela metade, compartilhando-se tal responsabilidade entre a ferrovia e o passageiros7, ‘A maior inovagdo trazida pelo Cédigo Civil de 2002 em matéria de responsabilidade civil encontra-se no pardgrafo tnico do art. 927. Quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, responderd ele independentemente de culpa. Poderdo os juizes considerar determinada atividade como perigosa, mesmo que nao exista lei especial que assim a considere e responsabilize objetivamente o agente. Segundo o entendimento de Carios ALperro Brrtar, as atividades relacionadas a transportes estdo inseridas na teoria do exercicio de atividade perigosas72. Considero, contudo, que © referido pardgrafo Unico nao se aplica aos transportes em geral. Para estes existe regra especifica, o art. 734, que jé responsabiliza 0 transportador de forma objetiva, salvo unicamente motivo de forga maior. O referido art. 927 destina-se a regular outras atividades ja existentes ou que venham a existir e que sero consideradas perigosas pela jurisprudéncia, 7. O transporte de coisas O transporte de coisas esta disciplinado nos arts, 743 a 756 do Cédigo Civil, aplicando-se, no que couber e ndo conflitar com este, 0 Cédigo de Defesa do Consumidor. Em sua execugdo participam em regra trés personagens: a) 0 expedidor ou remetente; b) 0 transportador, sendo este 0 que recebe a coisa com a obrigagdo de transporta-la; e c) 0 destinatdrio ou consignatério, pessoa a quem a coisa é destinada. Quando 0 expedidor despacha ou remete coisas para o seu proprio endereco, atua ele, ao mesmo tempo, como expedidor e destinatirio. E importante que a coisa transportada seja descrita ou especificada de modo a no se confundir com outra. Por essa razdo, ao ser entregue ao transportador, “deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade”, devendo ele, ao recebé-la, emitir conhecimento, “com a mengdo dos dados que a identifiquem, obedecido 0 disposto em lei especial” (CC, arts. 743 e 744). Se vier a sofrer prejuizo em virtude de “informagdo inexata ou falsa descrig&o” da coisa transportada, “serd 0 transportador indenizado”, devendo a agio ser ajuizada no prazo decadencial de cento e vinte dias (art. 745). O transportador nao pode, com efeito, transportar coisa cuja natureza, espécie ou qualidade desconhece. Deve ser corretamente informado do conteido da embalagem nao sé para que possa tomar as providéncias necessarias, e especiais em alguns casos, como também para que possa exercer 0 direito de recusar a transporta-la, seja por se tratar de coisa cujo transporte ou comercializaao nao sejam permitidos, seja por vir desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento, seja mesmo por inadequagao da propria embalagem, suscetivel de ensejar risco a satide das pessoas e a danificar o veiculo e outros bens (CC, arts. 746 e 747)37. O recibo de entrega ou conhecimento de transporte é também denominado conhecimento de frete ou de carga. Consiste em documento emitido pelo transportador para comprovagiio da conclusao do contrato, do recebimento da mercadoria e das condigdes do transporte. Constitui titulo de crédito, embora impréprio, gozando dos principios cambidrios de literalidade, cartularidade e autonomia. Pode ser transferido por simples endosso. A responsabilidade do transportador € “Jimitada ao valor constante do conhecimento” (CC, art. 750). Como foi dito no item n. 2, retro, o contrato de transporte, embora tenha caracteristicas prdprias, “rege-se, no que couber, pelas disposigdes relativas a depésito”, quando a coisa trasladada é “depositada ou guardada nos armazéns do transportador’” (art. 751), uma vez que guarda afinidade com este 874. E dever do transportador conduzir a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessérias para “manté-la em bom estado e entregd-la no prazo ajustado ou previsto” (CC, art. 749). A sua responsabilidade, que é limitada ao valor constante do conhecimento, como visto, comega no momento em que, diretamente ou por seus prepostos, recebe a coisas7s; e “termina quando é entregue ao destinatdrio, ou depositada em juizo, se aquele nao for encontrado” (art. 750) ou se houver dtivida sobre “quem seja o destinatdrio” (art. 755). Até a entrega da coisa, “pode o remetente desistir do transporte”, pedindo-a de volta ou ordenando seja entregue a outro destinatario, “pagando, em ambos os casos, os acréscimos de despesa decorrentes da contra ordem, mais as perdas e danos que howver” (art. 748). No caso de “perda parcial ou de avaria ndo perceptivel 4 primeira vista”, 0 destinatario conserva a sua “agdo contra o transportador, desde que denuncie 0 dano em dez dias a contar da entrega” (art. 754, paragrafo Gnico). Em regra, quem recebe as _mercadori deve conferi-las e vistorid-las, apresentando prontamente as reclamagées que tiver, sob pena de decadéncia do direito. Todavia, o dispositive em apreco ressalva as hipéteses em que nao se torna possivel perceber o dano ou avaria 4 primeira vista. Observe-se que o decéndio é estabelecido para que a denincia da avaria e a reclamagao sejam feitas ndo para a propositura da agdo. Como anota Sitvio Venosa, “esse dispositivo é especifico para o contrato de transporte e ao meio a que se destina e afasta, em principio, a aplicagdo do Cédigo de Defesa do Consumidor, em matéria de prazos decadenciais” 876. Se, depois de entregue a mercadoria ao transportador, o transporte “ndo puder ser feito ou sofrer longa interrupgdo” em razao de fato superveniente, como, por exemplo, obstrugdo de rodovia, suspensdo do trifego ferrovidrio, revolugdo, guerra ou algum fenémeno inevitavel da natureza, o transportador deverd solicitar, “incontinenti, instrugdes ao remetente, e zelard pela coisa, por cujo , art, 753). Se 0 perecimento ou deterioragdo responderd, salvo forga maior” (Ct impedimento perdurar, sem culpa do transportador, e ndo houver manifestagaio do remetente, seré facultado aquele “depositar a coisa em juizo, ou vendé-la, obedecidos os preceitos legais e regulamentares, ou os usos loca o valor” (§ 12 depositando Quando, no entanto, o impedimento decorre de fato imputavel ao transportador, como defeito mecdnico no veiculo provocado pela falta de adequada manutengao, por exemplo, poderé ele “depositar a coisa, por sua conta e risco, mas s6 poderd vendé-la se perecivel” (§ 22). Nos casos dos dois paragrafos mencionados, “o ftransportador deve informar o remetente da efetivacao do depésito ou da venda” (§ 3°). Se a coisa estiver depositada nos armazéns do préprio transportador, permanecer ele, como depositario (CC, art. 751), responsavel por sua guarda e conservagio, “sendo-the devida, porém, uma remuneragao pela custédia, a qual poderé ser contratualmente ajustada ou se conformaré aos usos adotados em cada sistema de transporte” (art. 753, § 4°). ALei n. 11.442, de 5 de janeiro de 2005, revogou a Lei n. 6.813, de 10 de julho de 1980, ¢ regulamentou o transporte rodovidrio de cargas por conta de terceiros e mediante remuneragao. A referida lei define 0 Transportador Auténomo de Cargas (TAC) como a pessoa fisica que tenha no transporte rodoviério de cargas a sua atividade profissional e que deverd comprovar ser proprictario, coproprietario ou arrendatario de, pelo menos, um veiculo automotor de carga, registrado em seu nome no érgao de transite, como veiculo de aluguel, estando obrigado, ainda, a comprovar experiéncia de, pelo menos, trés anos na atividade, a no ser que comprove a aprovagdo em curso especifico, independentemente de prazo de experiéncia. Dois dispositive do aludido diploma mostram-se extremamente polémicos: 0 art. 5° (“As relagdes decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata © art, 4? desta Lei sio sempre de natureza comercial, ndo ensejando, em nenhuma hipétese, a caracterizagtio do vinculo de emprego”) ¢ o pardgrafo tnico do art. 5%, que dispée competir “A Justiga Comum 0 julgamento de agdes oriundas dos contratos de transporte de cargas”, em desacordo com o art. 114 da Constituigdo Federal, que atribui & Justia Especializada a competéneia para as relagdes de trabalho. 8. Direitos e deveres do transportador Tem 0 transportador o direito de: a) Exigir 0 pagamento do preco ajustado, tendo em vista que o contrato de transporte ¢ oneroso (CC, art. 730), ndo se subordinando a ele o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia (art. 736). A obrigagéo de realizar o transporte corresponde a de pagar a retribuigdo sob a forma de passagem ou frete. b) Uma vez executado o transporte, reter a bagagem e outros objetos pessoais do passageiro, para 0 caso de nao ter recebido o pagamento da passagem no inicio ou durante o percurso (CC, art. 742). Se a passagem nao foi paga no inicio nem durante 0 percurso, quando se tenha ajustado o pagamento em um desses dois momentos, pode o transportador exercer o direito de retengao no final da viagem, como meio de forgar o passageiro a pagé-la. Nao se aplica, obviamente, a regra em aprego quando se convenciona pagamento a prazo. c) Igualmente reter 5% da importincia a ser restituida ao passageiro, quando este desiste da viagem (CC, art, 740, § 32). A retengao é autorizada a titulo de multa compensatoria, 4) Estabelecer normas disciplinadoras da viagem, especificando-as no bilhete ou afixando-as a vista dos usuarios (CC, art. 738). O transporte de pessoas deve ser disciplinado em regulamentos de viagem, cujas regras sio discriminadas no proprio bilhete, para que esta transcorra normalmente, sem incidentes. O fato de © passageiro pagar a passagem ndo Ihe da o direito de molestar os outros passageiros ou Ihes causar prejuizos, nem o de danificar o veiculo ou impedir a execugdo normal do servigo. A transgressdo por parte do passageiro das normas estabelecidas para 0 transporte pode ser motivo para a aplicagdo de sangées, inclusive a de retirada compulséria do meio de transporte 77. A necessidade de estabelecer normas de conduta dos passageiros ¢ de exigir 0 seu cumprimento se justifica, uma vez que a responsabilidade do transportador é objetiva (CC, art. 734) pelos danos softidos pelos passageiros, ainda que causados por outro passageiro (art. 735). Se houver culpa concorrente da vitima, ou seja, “se o prejuizo sofrido pela pessoa transportada for atribuivel a transgressdo de normas e instrugées regulamentares, 0 juiz reduzird equitativamente a indenizagdo, na medida em que a vitima houver concorrido para a ocorréncia do dano” (art. 738, paragrafo Unico). Em caso de culpa exclusiva do passageiro e de forca maior, o transportador fica exonerado de qualquer responsabilidade, pois nestas hipéteses rompe-se o nexo de causalidade. Do mesmo modo quando o dano decorre de causa estranha ao transporte, como pedras atiradas do lado de fora ou uma bala perdida, por exemplo, como mencionado anteriormente, sem a ocorréncia de qualquer acidente de viagems7s. ¢) Recusar os passageiros, nos casos permitidos nos regulamentos ou em que as condigées de higiene ou de satide do interessado o justificarem (CC, art. 739). £) Alegar forga maior em duas situagdes: para excluir a sua responsabilidade por dano ds pessoas transportadas e suas bagagens (CC, art. 734) e para excluir a sua responsabilidade pelo descumprimento do hordrio ou itinerério. O transportador estd, efetivamente, “sujeito aos hordrios e itinerdrios previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de forea maior” (CC, art. 737)s79. Por outro lado, tem o transportador a obrigagdo de: a) Transportar 0 passageiro, no tempo e no modo convencionados. Como visto, o art. 737 do Cédigo Civil sujeita o transportador “aos hordrios e itinerdrios previstos” nos contratos ¢ regulamentos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de forga maior. b) Responder objetivamente pelos danos causados as pessoas transportadas & suas bagagens, salvo motivo de forga maior (CC, art. 734). A obrigagio fundamental do transportador é a de transportar 0 passageiro a coberto de riscos. Trata-s ¢ de obrigagao contratual e de resultado, estando implicita a cléusula de incolumidade. A responsabilidade pelos danos € objetiva, somente admitindo-se as excludentes que rompem o nexo causal, como forga maior, culpa exclusiva da vitima e causa estranha ao transporte. c) Coneluir a viagem contratada, sempre que ela se interromper por qualquer motivo alheio 4 sua vontade e imprevisivel, em outro veiculo da mesma categoria, ou por modalidade diferente se a ela anuir o passageiro, sempre a sua custa, correndo por sua conta eventuais despesas de estada e alimentagao deste, durante a espera de novo transporte (CC, art. 741). d) Nao recusar passageiros, salvo nos casos previstos nos regulamentos, ou se as condigées de higiene ou de satide do interessado o justificarem. Embora nao mencionado expressamente, ¢ evidente que também pode o transportador ageiros por motivo de seguranga. Hoje é notér recusar pi a preocupagdo com a seguranga nos voos intemacionais, exigindo-se a submissao do passageiro a detectores de metais, revistas pessoais e de bagagens etc. ZENO VeLososs0, a propésito, demonstra que o rol de ressalvas previsto no aludido art. 739 do Cédigo Civil ¢ meramente exemplificativo, mencionando outras hipéteses no expressamente previstas, mas igualmente possiveis de serem aplicadas, como a de pessoa que forgou a entrada em 6nibus trazendo uma serpente venenosa enrolada no brago; a do viajante que exala mau cheiro extremo a ponto de incomodar os demais passageiros; a daquela pessoa que se encontra em trajes indecentes; a do passageiro que se apresenta completamente embriagado; ¢, ainda, da pessoa que porta na cintura, ostensivamente, arma branca ou de fogo. 9. Direitos e deveres do passageiro O transportado tem o direito de: a) Exigir 0 cumprimento do contrato de transporte, mediante a apresentacdo do bilhete. Em se tratando de contrato bilateral ou sinalagmatico, as obrigagdes sio reciprocas. Assim, 0 pagamento da passagem ou frete corresponde a obrigagdo do transportador de realizar o transporte. Nao pode este, como visto, recusar o passageiro, salvo nos casos ja mencionados (CC, arts. 730 ¢ 739). b) Rescindir 0 contrato quando lhe aprouver. Se adquiriu © bilhete com antecedéncia, poder desistir da viagem, desde que dé aviso ao transportador “em tempo de ser renegociada” a passagem com terceiro. O art. 740 do Cédigo Civil, que prevé essa possibilidade, no menciona qual o prazo para ser dado 0 aviso. No entanto, o Decreto n. 2.521, de 20 de margo de 1998, que dispde sobre servigos de transporte rodovidrio interestadual e internacional de passageiros, mas vem sendo aplicado também ao transporte intermunicipal, estabelece o prazo de trés horas antes da partida (art. 69). Quando o passageiro simplesmente nao comparece ao embarque nem avisa previamente a empresa, pode ainda assim obter a restituigdo do valor pago, “se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar” (CC, art. 740, § 22). Se desistir depois de iniciada a viagem, tera direito 4 restituigao do valor correspondente ao trecho nao utilizado, “desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar” (§ 1°). Denota-se que, nos casos mencionados, a restitui¢o do prego da passagem ¢ condicionada 4 recuperagao da perda, pelo transportador. Ainda tera ele “direito de reter até cinco por cento da importancia a ser restituida ao passageiro, a titulo de multa compensatéria™ (§ ©) Ser conduzido sio e salvo ao destino convencionado (CC, art. 734). Com a venda da passagem o transportador assume, implicitamente, a obrigagdo de conduzir 0 passageiro ao seu destino, sdo ¢ salvo, como ja foi dito. Denomina-se cldusula de incolumidade a obrigagao tacitamente assumida pelo transportador de conduzir 0 passageiro incélume ao local do destino. Se, durante 0 trajeto, ocorre um acidente ¢ o passageiro fica ferido, configura-se 0 inadimplemento contratual, que acarreta a responsabilidade de indenizar os danos materiais morais softidos pelo transportado, independentemente da demonstragio de culpa do condutor. d) Exigir que o transportador conclua a viagem interrompida por motivo alheio 4 sua vontade, em outro veiculo da mesma categoria, ou de modalidade diferente se houver concordancia do usudrio, e responda por todas as despesas provenientes desse fato (CC, art. 741). Em contrapartida, constituem deveres do passageiro: a) Pagar o prego ajustado, no inicio ou durante a viagem se assim foi ajustado, ou no seu final, ou ainda no prazo eventualmente convencionado. Se nao o fizer no inicio ou durante a viagem, quando desta forma avengado, poderd ter a sua bagagem e outros objetos retidos pelo transportador, para garantir-se este do pagamento do valor da passagem (CC, arts. 730 ¢ 742). b) Sujeitar-se as normas estabelecidas pelo regulamento do transportador, constantes no bilhete ou afixadas a vista dos usuarios, “abstendo-se de quaisquer atos que causem incémodo ou prejuizo aos passageiros, danifiquem o veiculo, ou dificultem ou impecam a execugéo normal do servigo” (CC, art. 738, pardgrafo tnico). Assim como o transportador esté sujeito aos hordrios e itinerdrios previstos, sob pena de responder por perdas e danos, a pessoa transportada deve sujeitar-se as normas por aquele estabelecidas, abstendo-se de qualquer ato danoso ou que dificulte ou impeca a execugdo normal do servigo. Se transgredir normas e instrugdes regulamentares e, em consequéncia, sofrer algum dano, “o juiz reduzird equitativamente a indenizagao”, na medida em que houver concorrido para a ocorréncia do dano”. ©) Nao causar perturbagéo ou incémodo aos outros passageiros. Nao pode, assim, conduzir armas ou comprometer a seguranga dos demais viajantes, ou prejudicé-los, de qualquer outro modo (CC, art. 738, caput). 4) Comparecer ao local de partida no horério estabelecido ou avisar da desisténcia ou impossibilidade de realizar a viagem, com a antecedéncia necesséria para que outra pessoa possa viajar em seu lugar (CC, art. 740 e pardgrafos). 10. O transporte gratuito O atual Cédigo Civil define 0 contrato de transporte como aquele pelo qual “alguém se obriga, mediante retribuigdo, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas” (CC, art. 730). Logo adiante, preceitua: “Nao se subordina as normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia, E. 0 paragrafo tinico complementa: “Nao se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneracdo, 0 transportador auferir vantagens indiretas” (art. 736). Muito se tem discutido sobre se a responsabilidade do transportador, na hipétese de vitima transportada gratuitamente, ¢ contratual ou extracontratual. Segundo proclama a Stimula 145 do Superior Tribunal de Justiga, “no transporte desinteressado, de simples cortesia, 0 transportador sé sera civilmente responsavel por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”. Nao se adotou a tese contratualista pura, pela qual o transportador assumiria obrigagdo de resultado e responderia pelo dano ao passageiro em qualquer circunstancia, em razio da clausula tacita de incolumidade, mas a tese contratualista moderada, com base no art. 1.057 do Cédigo de 1916 (correspondente ao art. 392 do diploma de 2002), pela qual 0 dono do veiculo, por ser a parte a quem o contrato nao favorece, s6 responde pelos danos causados ao carona em caso de culpa grave e dolo, ¢ nao na hipdtese de culpa leve ou levissima. Entendemos, todavia, que a tese da responsabilidade aquiliana é a que melhor se ajusta ao chamado transporte benévolo ou de cortesia. Como ja afirmou Cunha Gonealvesssi, a relagdo de cortesia é voluntéria. © homem cortés nao estd isento de causar danos, até no exercicio de sua amabilidade, porque a cortesia ndo é incompativel com a negligéneia e a imprudéncia. Pontes de Mirandass2 preleciona que nfo h4 razio para serem necessariamente tratadas diferentemente a responsabilidade do transportador que recebe retribuigdo e a do transportador que ofereceu ou aceitou 0 contrato de transporte benévolo. Mario Moacyr Portosss, por sua vez, entende artificioso e forgado pretender-se que os gestos de pura cortesia possam ser considerados auténticos contratos. Como exemplificam os doutrinadores franceses, afirma, se, por exemplo, alguém convida um amigo para jantar ¢ 0 convite € aceito, sem davida que houve um acordo de vontades para um fim determinado, mas nunca um contrato para jantar. A tese contratualista com responsabilidade atenuada € prejudicial & vitima, pois a obriga a provar culpa grave ou dolo do transportador endo Ihe confere direito 4 indenizagao em caso de culpa leve ou levissima. O art. 736 do atual Codigo, ao dizer que “ndo se subordina as normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”, adota claramente a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, que defendemos, no transporte puramente gratuito ou benévolo, e a contratual, com a clausula de garantia, no transporte oneroso e no aparentemente gratuito. Quem transporta em seu veiculo alguém, fazendo-lhe um favor, tem o dever de executar essa gentileza sem colocar em risco, voluntariamente, a seguranga e a vida do passageiro. No transporte nao oneroso ha, realmente, o transporte inteiramente gratuito (transporte gratuito tipico) e o transporte aparentemente e pseudamente gratuito. Naquele, o transportador atua por pura complacéncia, sem interesse no transporte. Neste, ha uma utilidade das partes, porque o transportador pode ter algum interesse em conduzir 0 convidado, como por exemplo, na hipétese do vendedor de automéveis, que conduz o comprador para Ihe mostrar as qualidades do veiculo, ou do corretor de iméveis, que leva o interessado a visitar diversas se terrenos a venda. T: casos nao constituem hipoteses de contratos verdadeiramente gratuitos, devendo ser regidos, pois, pelas disposigdes do atual Cédigo que estabelecem a culpa presumida do transportador, sé elidivel em caso de culpa exclusiva da vitima, forga maior ou fato exclusivo de terceiross4, Nas hipoteses mencionadas, embora aparentemente 0 transporte seja gratuito, na verdade ha uma compensago para o transportador, que, agindo na defesa de seu interesse, tira do ato o cardter de pura liberalidade. A relagdo juridica determinada pelo transporte é, entdo, contratual, equiparada ao contrato oneroso de transporte.

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