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2 3 4 10. a, 2 13. u 418 16, v. 18. 1. . Para ler @ Fenomenolgia do Espirito Paulo Meneses, ‘A vereda trdgice do Grande Ser: Veredas Sonia M. V. Andrade Escritos de Filosofia 1 Henrique C. de Lima Vaz Marx e a natureza em O Capit Rodrigo A. de P. Duarte 5. Marzismo ¢ liberdade Luiz Bicca Filosofia e viléncis Marcelo Perine Cultura do simlacro Hygina B. de Melo 3. Escrilos de Filosofia It Henrique C. de Lima Vaz Files do mundo Filippo Selvagai (0 Canait de rligio em Hegel Marcelo F. de Aquino Filosofia ¢ método no sgundo Wittgenstein Wemer Spaniol Fasofis Police Eric Weil © camino potico de Parménides Marcelo P. Marques A flcfi na crise da modernidade Mantredo A. Oliveira Aniropoloia flosfice | Henrique C. de Lima Vaz Religigoehistria em Kant Francisco Javier Herrero Justia de quem? Qua racionalidade? ‘Alasdair Maclntyee (0 rau zero do conkecmento Iwan Maquiaoe republicano Newton Bignotto “Morale Wistriaem Joo Lacke ‘Edgard J. Jorge Filho IVAN DOMINGUES O grau zero do conhecimento O problema da fundamentagao das ciéncias humanas Filosofia Coleg dirgida pela Faculdade de Fosofia do CES-S} Diretor: Marcelo Perine,§} ‘Av. Castano Gulmaries, 2127 Planalto) ‘31710 — Belo Horizonte — MG ages Loyola as tae 37 — pag bait to Pao 2 Fare Tein, Cone Poul 1258 Para ledade, inka mie Oia Sho Palo SP en mena. Tels (HH) 9161922, ISBN: 85-15.005158, {© EDIGOES LOYOLA, Sto Paulo, Bras, 1991, Agradecimentos Gostaria de expressar todo meu reconhecimento a Hennio Morgan Birchal, pelo paciente trabalho de revisdo do vernéculo e das ctagSes em greg e em latim. A Francisco Javier Herrero Boti, ela leitura cuidadoss dos originais. A Hugo Pereira do Amaral ea M, Jacques Garell, 0s quals| ddevo o estimulo a inicativa de publicaro presente trabalho. A Lulz de Carvalho Bicalho, meu mestre, com quem aprendi o exercicio © 0 gosto da flosots. PREFACIO ‘A ida dest ivr, em sua origem uma tese de doutorado defendida junto Sorbonne, surgiu da leitura de um autor que, como poucos, soube seduzir os esprtos de uma época: Michel Foucault, e de uma obra que, ‘como nenhurna outra, soube despertar toda uma geragio de estudantes de Filosofia e de outras tantas disiplinas das céndas humanas: As Pala- ras e a Coie. Por certo, Foucault é mais um desses camaledes ilosficos com que os franceses de uns tempos para ch resolveram brindar-nos justficando a Inveetiva de Castoriadis que referindo-se a Lévi-Strauss, diz que, enquan- to 08 xamis matam por fumigacéo, antropélogos como ele malam por cestruturalizago. Algo semelhante se passa com Foucault que, a exemplo cde Baudrilard, mata por dissimulacio (cf. p. ex. A Arquelogia do Saber. Porém, mais do que uma dissimulagio estér, As Paleoras e as Coists, mesmo onde elas erram e nos confundem, trata de uma maneiraextre- mamente frtl os temas do homem e despertaram em nés um problema ‘que nos consumiu dez anos de trabalho: a questio da fundamentacio das ‘Géncias humanas. Foucault, no entanto, tergiversa ¢ dissimula a ‘epistemologia em arqueologiae a histéra em genealogia. A necestidade ‘de encontrar um antidoto nos levou a Cassrer e Gusdor: a Filasfia da Tusragdo e a Histvia das Citcias Humanas. A necessidade de encontrar ‘um remédio contra uma noglo de Episteme a um tempo rigida e abstata ‘os levou a trabalhar aaxiomdtica da economia, da lingistica, da politica eda hist6ria, no periodo que se estende do século XVII a0 XIX, da qual a arqueologiafoucauldiana, na pressa de generalizar, pasa 20 largo. Assim, o livro que nasceu com Foucault cedo se voltou contra ele. ‘Com Foucault trabalhamos o tema da fundamentagio das Géncias huma- as. Contra Foucault, que na sua arqueologia nos fala de uma dnica Episteme' —a Episteme modema — ignorando suas varianteseinflextes «epondo lado a lado um Descartes e um Newton, um Espinosa e um Smith (inathess universal), procuramos mostrar. 1) em realidade, a Episteme moderna nio é uma s6, mas vérias; 2) pelo menos tes estratégias . Testemunhos desta nova atitude do espirito, os grandes sistemas racionalistas do século XVII exprimem, segundo Cassirer, um sentimento de real ofimismo quanto 20s poderes e possibilidades da razio, ¢ 0 pr rmeiro esfrgo sistemtico, no plano das cindas da natureza ~~ através ‘das obras de Galileu, Descartes e Leniz —, no sentido de ultrapassar a ‘tise provocada pela descoberta do sistema heliocntrico: com sua nova fisica,Gallew insurge-se contra o logicsmo arsttéicoe faz da matemé- fica © novo modelo de racionalidade, modelo em que o homem atinge 0 pponto culminante de todo conhecimento possvel um conhecimento nfo Inferior ao intelecto divine; Descartes, o fazer das matemsticas a grams tica do mundo, a lingua falada pelas coisas e pelos homens, as estende a todos os campos do conhecimento — da fisica&astronomia, da fsiologia A metafisica; Leibniz, a0 descobrir 0 eSleulo infinitesimal, faz da charactristiea a chave da mbes e das matematicas 0 principio de inte= ligibiidade do universo fsico™ ‘Quem dé 0 Gltimo passo nesta teoria matemstica do mundo © do ‘spirito humano € Espinosa que, com sua Etia demonstrada a0 modo dos _geometrasestende a métiesis ao mundo dos homens, nos quadros de um “acionalismo absoluto que afata um a um os misttis eas restriges que desde os antigos impediam a constitu de uma Giénca rigorosa neste ‘dominio do saber. Livre das resrigéesplatOnicasarstotdicase cartesianas, a razio matemitica €o elo entre 0 homem ¢ 0 universo, a ponte que nos TR CASE a Phe p31 Fo permite pastar livremente de wm a outro, 2 luz natural que iumina tudo {Enos permite tudo conhecer, no havendo nada que se furte 30 ralo de ‘sua agio, Mercé deste otimismo algo dogmitico, 0 espiito centifico, no sentido modema do termo, entendido como matematismo e no simples- mente como logicsmo, péde entio dirigir seu olhar sobre 0 campo das hhumanidades e por a questio “que ¢ 0 homem” numa nova perspectiva, ‘cujos parimetros sio: 1) recorrese ao paradigma do novo modelo de ‘acionalidade triunfante nas Géncas naturas (Fisica): as matemsticas; 2) procura-eelaborar uma teoria geral da natureza humana fundada numa rede de esséncias matemdtico-mecinicas univers 3) primeiro ato deste ovo espiito clentifico:levantar todas as barreiras que até entdo tinham separado o homem da natureza, ais como a consiéncia e a Iiberdade; 4) © ultimo ato é a separacio da cénda da moral: 20 invés das antigas explicagBes finalistase valorativas,recomenda-se a mesma estratégia ado- tada com sucesso no dominio da natureza, em busca das mesmas leis tentendidas como mecanismos sem alma que agem malgrado nés,¢ sem ‘nenhum apelo aos designios de um agente externo —a providéncia divi- ina —,tdos estes como também insondavels no campo humano e socal Eels diante nds Hobbes e Espinosa, com sua Politica e Elica more geometric, nas quais encontramos 0 melhor exemplo desse novo modelo de racioraidade no campo das ciéncas humanas Embora Descartes nfo reserve um lugar para as énis humanas na sua drvore do eonhecimento, vito que as lnguas a geografia ea histria nos vem da meméra, jms da racio (Lebrun) ele quem faa primeira Tematva no sentido de enquadrar © homem neste novo modelo de Tacionalidade,Distingue a alma do corpo; conere primeira os atributos Gs indivisbilidade, da intimidade e da espontanciae, resevandothe tama metaisia (metafisiea da subjetividade;e, 20 segundo, os atributos dd extensfo, recervandosthe uma anropologia do corpo-méquina, na gual fsimilao corpo humano a um imenso mecaismo 2 imagem do relegio nos dé uma teora psicolglca das paxbes fundada na fisilogia dos hhumores, ds espiitor animals e da crclagso do sangue.E verdade que 2 antopologacrtsiana se revelou um facaso monumental glindula pineal por employ; nso obstante, a metafsica de Descartes hava aberto Sceaminho: a descoberta do eg,» cuidadosadistingo alma/compo ete ‘vio dar as déacias do homem o tereno onde eas vio erguer 0 edifcio. Talia €agora cept, eeprito gue volta az costs 39 mundo, dobr-se “Sc se encontra no interior des mesmo o abrgo seguro onde fina sua tmoradso Bu Mais tarde ela como que se data em Espinosa para barcar © deacjo e devém const Por in, as pales os instintose toda sorte de plsdes extrs-acionas 0 instinto de agrsszo em Hobbes, o instnto de CSTRER Bop tp 233 [poupanga e de abstinéncia em Smith, a vontade de potenca em Nietzsche fc). E desde entio uma tmjetéria a um tempo rica e algo sinuosa estava reservada 25 Géncis huimanas: 0 principio do conhecimento inka sido encontrado —a alma; a matéra do conheciment elas ¥So encontrar na histriae na sociedade dos homens. Nas sosiedades modemas,assistimos & constituigo de fendmenos abso- Tutamente novos, eujacompreensioexige uma profunda ruptura em relagio 20 modelo de racionalidade das socedadestradiconais; o desenvolvimento 4a divisio do trabalho com base na assodacso homem/méquin: a aparicio de uma sociedade de mercado separada de toda hierarquia soil gids; 0 processo vetiginoso de industrialzagio, que leva A cisio da natureza e da Socedade, fazendo do mundo das coisas um ser-outo, uma coisa, um ‘simples instrumento de acumulagéo de riqueza; 0 surgimento do Estado nacional centralizade a reforma proestane que cinde ao melo a unidade da fe rst a secuarizacio da cultura ea racionalizacio da eeica — tudo isto ‘exigia um novo olkar sobre homer, a sociedade ea hist. E, com efeto, ‘como fazer apo & antiga cosmologia se, depois de Copémico, que tinh Posto de ponta-abega 0 mundo antigo, com Descartes sobrevém a cisio do hhomem e da natureza e, mais tarde, com a expansio do capital, danatureza eda socedade? Come fazer apelo is antigas explicagoes de fundo religioso ‘numa Sociedade que desta jstamente esesfundamentos, que no aceite dla identicagSo da ordem feudal 3 ordem divina? Como fazer apeo aos antigos dogmas de fé, numa cristandade dividida e numa socie- ‘dade mareada pela crescenteproliferagio de intelectuais aens, de agnésticos ‘ede libertinos?E neste contexto que nasceram as ciénias humanas, que hum primeiro momento vio servirse das matemsticas, nico padro de ‘aconalidadeintocado pola crise de valores que Ihes€ contemporsinea € com ‘cu ajada elas procuram dar nos uma nova explicagio aos novos fendmenos| ‘que emergem nests tempos novos [ntretanto, se num primeiro tempo, no século XVII as cncias huma- nas se edificaram em torno das matemética,oferecendo-nos estas obras- -primas da axiomstica do pensamento puro que si0 0 Leviathan de Hobbes a Elia de Epinosa, no século XVIII elas vio edifiarse em toro das Cdéneias da natureza'e € a isica que se toma o paradigma. Uma fsica agora dissociada da metafisica e algo heterogénes as matemsticas, vale dizer, que & empicca antes de ser uma logica e uma axiomitica € que, portato, &diferenca de Descartes, prefere as notas da observacio e da fexperiénda as evidéncias do pensamento puro. Seu modelo € a fisica experimental de Newton, cujo triunfo na metade do século 6 total, abar- ‘ando em sua empresa inesistivel as énias humans. Hi quem acredite que Descartes foi mais feliz como gedmetra do que ‘como idsofo. J Newton, 20 que parece, fi menos feliz oma filésofo do ” que como fisico. Mas como sua obra fo fertile extravasou os quads ‘onde estava encerradat Antes de mais nads, ela inspirou as fsicas socials da época das luzes, nos quadros de um newtoniaaisme moral retificado ‘que vai redefinir profundamente o problema do homem ea reflexio an- tropolégica. Com efit a dvisa do newtonianismo na fisica er: € preciso encontrar sob a extensio cartesiana a forge, sob o corpo-miquina a vida, ‘Tambsém no campo das déncas humanas, em cuj esteia a ama inteectiva se toma sensitva, a razio devém endrgia, e 8 instintos, frase sistemas ‘de fores, Para o conhecimento destes novos objetos, bastam a abservagio| «© indugdo empirica, sem que sua esséncia possa ser apreendida, a exer plo das almas:vegetativa, sensiiva, apetitiva, nutritive, aumentative, ‘generativa e outras tantas dos escoldsticos ("Conhece-te ai mesmo € um excelente preceto, mas 6 a Deus cabe pé-lo em prética: quem além dEle, pours conhecer 3 Sua esséncia?”, pergunta Voltaire). Tal seré 0 esfrgo de um Locke, por exemplo, no plano da politica, para quem a sociedade nio deve ser mais compreendida como um todo racial que preexiste is suas partes, & imagem do cosmos, ou como uma, réplica da cidade de Deus, a exemplo de Santo Agostinho; mas como uma, ‘comunidade de individuos em estado de natureza que, potadores de um instinto social, decidem através de um pacto(contrato) viver em socieds- ‘de — a sociedade poltca — e cram o corpur de suas leis © instituighes, ‘A economia em Smith também serd pensada segundo 0s cinones deste ‘modelo, 4 maneira dos contratualistas em politica a partir de individuos dlotados de um intinto de poupanca e de abstinéncia e de uma propensio | troca que agem apesardelese tanto mals fortes que, sob o peso da mais violenta das necessidades — a sobrevivéncia —, os arrastam a0 mercado para comprar/vender os produtes de seu trabalho acumular mais © ‘mais riqueza, Somente mais tarde, com a sociologia, aparecer outras ‘unidades de andlise para além dos individuos, como os grupos eas clas 05 socials, sem nio obstantesacrfcar 0 paradigma nevtoniamo, No quadro dessa fsicas socials, procurava-se proceder & maneira do fsco: 08 fatos humanos e sociaiseram tidos como uma expécie de coist; para conhecé-la 0 melhor que podia fazer o sujeito do conhecimento era anularse diante dela para ela melhor nos mostrar seu emi, no, com, certeza, como esséncia, mas, sim, como puro fendmeno. A primera pro- videnela a ser tomada pelo esptito clentifico era fazer tabula rasa d8 a= ‘mada de juzos de valores que, como um véu, esconde a coisa }inspesio do nosso olhar,e ater-se as nolas da observacio e da experiencia, ¢ s0- mente a elas. Coube a Hume, um desses raros demolidores de que a histéria da flosofia ¢ ti pobre em exemplos, a honra de ter demolido 2 ponte que ligava os fatos as valores ("aio se podem deduirjuizos de fato de juzos de valor’, dia). A Gltima providendia foi eliminar a orcem 8 das esséncias, cara a metafisia,e, com elas, a8 qUldidades e substincas {de que nos falam 0s escolisticos, 0s aistotlios e as cartesianos. Obra de "Newton, mas também de Hume, Locke, Berkeley e por fim Kant, 08 quais, ‘numa eattica corrosiva da categoria de substAnca, nos mostram que ela ‘no € cause sui e muito menos ests dotada de um prindpio de inerénca € de subsiséncia, mas simplesmente uma categoria de pensamento ou ‘mesmo uma ilusio da linguagem. E desde entio, sem o véu dos valores a eccondé-lo ¢ sem a camada das esséncias onde se refugar, 0 ser se mostra no rosto do fendmmeno (ese est peri, dzia Berkeley), as Giéncas ‘so empirias e tém ante si a matéria com que operar sem o risco de ‘evadirem-se na metfisica ou de concorrerem com ela puro fenémneno em ‘sua empiicidade, tdo agora como 0 ser e no como a defiiénca do se. ‘A exemplo das ciéncias naturais, este procedimento mostra-se fétil ‘no campo das ciéncias humanas. Esvaziada das essncas, a natureza, hhumana também deve ser analisada a partir das nota da observagio ¢ da ‘experiénca, Porém, sem espontaneidade, sem intimidade esem nenhuma tanidade substancil, a alma nio se oferece & inspecéo interna, mas & percepgio externa, ¢ a morada do seu ser nio é o Eu, mas o mundo eo ‘speticulo de sua manifestagio: 0 fendmeno, Com isso, 0 que 0 espiito positive nos oferece sio sinteses de exteroridade: a0 lado do homem- “maquina de La Metre, hi o homo poltcus de Locke e Montesquieu eo homo ceconomicus de Smith, Fala-se da natureza humana, mas 0 homem em sua unidade (o homem total est irremediavelemente perdido, a exer- plo do seu principio unificador a alma. No entanto,o prego a pagar nio Thes pareceu muito cao: afinal no fl assim, ao desvenciThar-e da antiga ‘natura ou piss, pondo no seu lugar a positividade da foga (da gravitas ‘do magnetismo e outras), sem a menor mengSo as vires ocultase qualida- des secretas, que a fsica se consttuiu em ciéncia, explicando uma a uma ‘a massa dos fendmenos da natuteza? Mas cedo perceberam-se os limites desse paradigma. A antropologia {do homem-méquina, ao privilegiar os mecanismos invarivels que regu- Tamas cosas humanas as eis) — a exemplo do destino grego a0 nos falar do quinhio de cada um que ¢ fixado para todo 0 sempre —, era solidiria dde uma vissoestética demas do homem e da sociedade, e abandonava a0 ddevir um sem-nimero de fatos € acontecimentos,tdos como sem expli- cagio ou simplesmente atribuindo-a a0 acaso. Demals, marco vazio das coisas, o tempo era uma variével espacial antes de ser temporal, o lugar ‘onde elas duram e acontecem e nio o indice ou 0 modo de ser das coisas Era preciso pois incorpori-lo, e ainda universo do devir, sob pena de perder aquilo que dé a0 homer seu éthos e seu toe: a histria. A divisa ‘da antropotogia do homem-méquina ers: se nfo podemos stuar o homem ‘a natureza (final, ele era dotado de um principio interior de afirmagio » de seu ser: alm), facamos entéo 0 inverso — inchuamos a natureza no hhomem e procuremas no seu interior os mecanismos que regula seu ser (@ natureza humana). Agora a divisa da refledo antropoldgica passa & ser é preciso reverter o homem a histéria e buscar no tempo as leis do seu ser € 0 principio do seu devi. Este sentimento ganha densidade e & ta- ido & luz do dia no século XIX, época de que data a queda do ser no tempo e, com ela, a constituglo de uma nova antropologia, a antropolo- gia do homem histérico, na qual a idéia de uma natureza humana co- ‘atural ao homem (esséncia ot fenmeno),indiferente 3s suas determina- ‘es temporais, ndo tem mais razio de sere desaparece da constlacio do Saber Estes fats arqueol6gicos ocorrem na curva do século XVIIl, quando 4 historia €incorporada 3 Episteme. Duplamente incorporada, com efito: 1) num primeiro momento, a histéria & por assim trazida Episteme, como em Buffon e em Linew no campo da histria natural, © em Montesquieu no da hstéria Gvil, para os quais ela no ¢ o lugar do arbi- trSrio e do individual (fatos “sem raz0"), mas um todo cocrente € preciso ditnguir a palavas que sigan a substn- ‘Gan devgnades por nomessustanivs, das que significa os aidete, 6 designadas por nomes adjetivos — as primeirassubsistindo por si mes: ‘mas)as Gltimas tendo necessidade de outras como ponto de apoio ou suport Donde se segue que a linguagem em seu ser proprio nos reenvia a ‘uma rede de qualidades a habitara ordem das cosas (substindias,acden- tes etc), a qual ser objeto de um discurso fundamental — a metas. ca —, 0 Unico capaz de fundar 0 conhecimento, emontando-0 20 ponto| de intersegSo onde se entrecruzam o signo, a representagio € a coisa mes- ‘ma. A comandar este discurso primeira, que emerge Is onde o sr irrompe no limiar do pensamento e da linguagem, vamos encontrar os dois eixos da Episteme moderna em sua varante essencilista a ontologia dos prin- cipios ¢ 0 matematismo — uma metafisica do objeto e uma analitica do ppensamento puro, tendo por elemento prépri o signo-representacso de {que nos fala Foucault. Porém, este somente é bindio (signicante/signf- ado) e se esgota nas relagies do pensamento com a linguagem, porque Sse substantivae restitul in totum os direitos do referenteno elemento geral da representa, em sua absoluta transparéncia & linguagem, ao pensa mento e & coisa mesma (velculo das esséncas) ‘Assim, operando com um modelo substancalista do signo (velculo das essincias)e ndo simplesmente nominalista (convengSo arbiteiia), & ‘comandat a mathesis em sua variante essencalista, vamos encontrar 0 ‘chamado modelo ldgico-metafsico da linguagem, onde temos, sem div dda, a construgio mais ousada do espirito com vistas a0 programa de Fundagio do conhecimento, uma fundamentagio que se quer absoluta © ‘como fal posta a0 abrigo da davida etica e dos ataques da sofistica das mais diversas procedéncias, Muito embora sua origem seja muito antiga, Femontando a Arstételes, este modelo vai sofrer algumas modificgdes para atender aos designios e necessdades da Episteme modema, ainda ‘que a unidade elementar de sentido sobre a qual ele epousa sja'a mes- ma: a proposicio, e no a palavra, como quet Foucault, Segundo Ladrire, na sua dimensio seméntica, a relagio palavras/ coisas ¢ comandada por uma dualidade de fungbesinscita no interior da linguagem: de um lado, a fungio de referencia; de outro, a fungio de TE SPEER: fs ttn lds ui Pt 0 2.9.28 15. CE DESCARTES, Kop ct pid one se atima 1) Feo roe de Ma — no send de epee ago que ft no haga de sge)~etendee 9 ment rit ‘do pervmento “dl modo qu ads fons tin fo pwns ao compremde oe ‘igh sem qe at mes crn gut pean om mim son daca egies {por minas pirat} Pela sade Sie de una etd cae et 1 can repent pls gu i reader) Poe co ‘tanto contbmon como tanner sass dat ay tds jen ‘esenuge nar popes Ha 6 y redicago. Esta dualidade de fungbes articulada na unidade da proposi- ‘io comporta uma duslidade de esatutox: “Enquanto as entdades As 4uais se faz referencia subsistem de alguma forma por si mesmas, as propriedades articuladas na predicacio sio lutuantes, no tém exsténca sendo nas entidades que elas afetam, e apelam, por sua prépria natureza, | uma sintese atributiva que as restitui 3 sua ancoragem rel". E implica 4 distingfo entre suportee aributo: a nota que distingue o suport € sua autarcia — ele existe por si mesmo e no num oxtro —, enquanto @ atributo nio & 0 que € sendo gragas ao suport, nfo se tora real eno ‘gracas a sua inertncia a ele”. Em conseqUncla, para além da necessidade de reenviar 0 aributo 20 suporte — etal seréno fim de contas o sentido profundo da relagio de predicacio —, a fungio referencil da inguagem ‘os sugere uma ontologi, vale dizer a postulagio de um termo Gtimo de ancoragem do préprio referent temo que é precsamente 0 suporte da relagio ldgica de atrbuigio e que nio divide com nenhum outro esta propriedade: a incondicionalidade" ‘Assim, luz do modelo da estrutura proposicional, nada mais natural {que muitos tenham visto ou encontrado af toda a forga da vocagio l6gica € meafisica da linguagem — vocagéo logica da gramatica, que dispde as palavras segundo a forma logica do pensamente:suito-verbo-predicado (atrbutoy; Vocagio metafisica do verbo ser, que faz a sintese atributiva, ligando 0 atributo 20 suporte; vocagio metatisca da substandia, temo Aplicado ao ser, este modelo deu origem as mais diferentes metafisi- cas — da idéia em Plato, da substincla em Avstteles,ete.—, todas em busca de um principio primeio (arch) e de uma forma de predicagio universal absolutamente legitima, que nos ponka ao abrigo das uses da dézae das incertezas do conhecimento simplesmente empirico. Saber livre as ilusbes, saber certo de si mesmo, autofundado e por isso mesmo ca- paz de conferir os fundamentos das céncas e disciplines particulares, ra 8 pebprialinguagem que autorizava o projeto da metafisic, e era a pré- pia inguagem que se queria metafisia e Ihe assegurava tl priviegio na hierarquia do conhecimento (linguagem & linguagem do se, diz Aris- ‘6teles com Antstenes) [Aplicado 20 conhecimento, este modelo deu origem ao chamado mode- Jo lbgico-metaisico do conheciment. “Logico", porque pens o saber como tuma forma de prediagio que s6 é viida ou legima se atende a certas TE TADRTERE} “abn LADRIBRE, ea Sra, eee en de la ann, ds Foals Unicare Sinton 16 pO bison p. Fin « ‘normas ou padrdes de pensamento (as regras do slogismo, os prinipios 4a identidade, da contradiqio e do terceiro excluido etc) — correlato da funglo predicativa da linguagem. “Metalsico”, porque pensa o conhed- ‘mento como um discurso do ou sobre o ser, discurso que s6 se legitima fe cumpre seu fim se se revela capaz de nos ofeecer sua arch: a substin- ‘a, na sua qualidade de principio frontal do sere de sua intelgiblidade (principis de inerencia, de subssténca, de incondicionalidade) — corrlato da fungio referencia da linguagem. Dai a operagio de fndagto de conhemento, luz deste modo, para lem das relages de atrbuioInstalando numa pons da cadeia 0 Ffundante"(o suporte)e nous 0 fundado" (0 atibut), conistir em remonat, a nivel do referent, através de operales“Iopcas”apropria- Gs is omo ania» Gag ea dh, bce emo lime de Scorer que no pede ee mesmo ser fundado t ue, sendo 6 le 0 iindarke, nb divide com neahun ous esta condi nbs, al testi o pivilgio da sustanca + um tempo na ordem do condiment na orem do serach do sere do concer, 0 imo a adel ees Siva do ordem epeculaiv € 0 pimei na ordem da insta do Sr © por melo dels que o espinto dl hs lagSes do pensamento a neces ‘dade das conexies da cist Eis em poucas palavraso sentido do apelo & metaisica que vamos en- ‘contrat nos tferentes programas de fundagio do conhecimento, da antigu ‘dade clisica & modemidade tarda. Estes programas, além de um logicimo (cu matematismo, se se prefer) autorizam um ontologismo, uma ontologia dos princpios, armada em torno da idéia de hypokzimenon (no sentido de Suporte, aqulo que subjaz, etd scb e sustentaalguma cos}, na qual reside a chave da nogio de substincia e de atributo, to importantes na organiza ‘so da economia do pensamento por mais de 2000 anes. Ora, na sua qua- Tidade de relago de inerenda de si consigo mesma, no sentido prépri, como diz Lads, de interrogacio sobre o ser do ents, a substingia € pre- ‘Geamenteo ser que tem o ser em sie por si mesino —e no num outro — € por iso ancora de alguma forma o ente na soberania de seu se, e ainda ‘8 atibutos enquanto tals Por sua vez oatibuto sé ¢ tal na medida em que fle € uma modalidade da substinda Cafecrio"), endo existe endo graqas Sean inca.” ee cd tics vl contr etme ‘ariculéles. Quem faz a e6pula 60 “ser, verbo e substantive, 0 Seal quctns nla na rag ds tin ena anda dsinho de es ‘da, que qualifea a substan, e o acidente (atibuto). Distincio que, segun {do Ladrire, elem de indiar uma divisio iredutivei na ordem do ser, vai ‘comandar toda acategorzacio ulterior do persamento — 2 total autonomia dda primeira (substincs) corespondendo a total heteronomia do segundo (atabutoy”. 19 CADRTERE, opt p18 ‘© mesmo apelo a metafsia e 20 modelo légico-metafisico da lingua- ‘gem reaparece na moderidade: a busca da art procura de uma forma ‘de predicacio universal absolutament legiima, a sua organizagio segun- «doa forma logica sueto-verbo-atributo etc, esto I, atestemunhlo, em Descartes, Espinosa, Malebranche e Leibniz. pr6pria Grandtice de Port- Royal, mais do que uma logica aplicada, quer-se uma metaicca, uma ‘metafisica da linguagem. Mas nio nos debvemos enganar pelasiusSes da continuidade, pos no queremos sugerir com o estbelecimento das fon- tes ou das origens histricas da via essencalista, que a modemidade apenas se limitou a acolher 0 modelo Idgico-metaisica da linguagem, como se Descartes o tiveste extraido diretamente de Aristételes, de um 36 golpe, tal como Atena sau da cabeca de Zeus, oferecendo-nos uma espéce de aristotelismo renovado, porém segundo os cinones do método do léges. ‘Se éverdade que os MM de Port-Royal elimitaram a estender este modelo 2 Lnguagem, oferecendo-nos uma axiomatica de tipo aristotélico, 0 que define em contrapartda a modernidade 6 sua fusio com as matemdticas, ‘quando a linguagem materdtica se tora a gramatica do mundo, sem as restrgbes do esquema aristotélico-platonico (mundo supralunar/ mundo ssublunar, mundo sensfvel/mundo intelgivel etc). E desde entio, neste ‘nove modelo, matematismo esté para 0 logiismo, assim como as essén- as matemitico-mecinicas estio para a metafisica (ontologismo): 1) Matematismo: porque, como diz Descartes, as mateméticas nos ‘oferecem o modelo por excelénca de uma forma de predicagio legitima, {qualquer que sja 0 dominio do conhecimento a que se apique, desde que fundado nas exigéncias da razio (prova, laeza, distinglo): “Esas longs ‘adelas de razdes, todas simples e faces, de que os getmetras costumam serviese para chegat ds suas mais difces demonstragoes haviam-me dado 2 casio de imaginar que todas as coisas possives de cair sb o conhe- ‘mento dos homens seguem-se umas as outras da mesma manelra,¢ que, contanto que nos abstenhamos somente de acetar por verdadeira qual- (quer uma que nio o sea, € que guardemos sempre a ordem necessiia para deduzt-las umas das outras, nio pode haver qualsquer to afastadas a que nio se chegue a ela por fim, nem tio ocultas que nio se descu- bram"™, De modo que — sentencia Descartes no Entretien sec Burman — “quando tivermos habituado o esplrto 20s racocinios matemsticn, nés © tomaremos conforme busca de outras verdades,jé que néo hi em toda parte sendo uma 36 ¢ mesma forma de raciodnar”™ 2) Ontologismo: porque, a exemplo de Gallleu, que dzia esta olivro do mundo escrito em linguagem matemética (circus, triingulos etc), 7D DESCARTES, Dicwo do mia So Pas Ab Cala 17 p 3638, 2. ped CUSDORE, © Le vaatn plane @ segundo Descartes a propria natureza esté povoads de uma esséncia ‘matemética no mais recondito de seu ser —a extensio —e para seu conhecimento bastam as matematicase seus principios: “Que eu no acei- te princpios em sea que nfo sejam aceltos em matematica, a fim de que fu posta provar pela demonstragio tudo o que deles deduzire; e que testes principios sejam suficientes para tal, na medida em que todos os fendmenos da natureza possam ser explicados através deles. (..) Pois confesso francamente aqui que nio conheco outra matéria das coisas corpéreas senio aquela que pode ser dividda, igurada e movida de to- dasa formas, isto €, aquela que os geOmetras nomeiam quantidade © tomam por objeto de suas demonetracies(..). E porque desta forma se pode dar razdo a todos os fendmenos da natureza, como se podersjulgar pelo que se segue, nfo penso que se devam acetar outros principios em fisca, nem mesmo que se tenha razio de desejar outros, afora os que si0 aqui explicados"™ Tudo isso traz profundas conseqiéndas. A primeira delas 6a corre- lagéo funcional entre 0 espirto a ralidade, tendo por termo médio as, smatematicns, a lingua comum falada pelas coisas ¢ pelos homens: “A. natureza deve ser matematizavel —escreve Gusdorf — porque o espirito 6 matemitico e reciprocamente; a matematica deve fazer a unidade da ratureza assim como ela faz a unidade do espiito” ®. A segunda, fica ‘utorizado o projeto de uma mathess univeeais, tendo por eixo: no plano dda axiomtica, um logicismo pensado como matematismo; no plano da ‘metafisica, uma ontologla dos principios pensada como a matemitica € ‘consoante a seu modelo Coisa estranha. Ao contririo da lenda que diz poderem as matems- ticas, em Principio, aplicarse a toda espécie de objeto, porque elas concernem a forma e nso A matéria do saber, a razdo € mals profunda: ‘mais além do espirito, ele mesmo matemstico, €a propria realidade que comporta uma estrutura matemética, e desde logo autoriza 0 projeto de ‘uma mathesis universal, cujo modelo e instrumento slo as mateméticas. Modelo, pelo lado de sua construct teria, clara sem lacunas;instni- mento, pelo lado de seu método, intuigio e dedusio — as matemticas torman-se a gramitica do mundo, cabendo a elas, a0 cabo de sua fusio ‘como método metaisco, contri os tiulos de validade ao conhecimento. [No caso da fisica, os principios de fundagio — as esséncias — nfo sio ‘mais que a extensio, a figura eo movimento —afirma Descartes, De sorte ‘que, se a Episteme antiga € acompanhada de uma apofintica segundo 0 ‘modelo do slogismo — 0 logicismo —, no imiar da modernidade asss- 7B DESCARTES, R. Pini de plpie Pas: Clad 1953, p62 2 GUSDORE, Cop Pe timos ao nascimento de uma nova apotintica —0 matematismo. E desde enldo a matemtica, ao articular a unidade do signa, da representacio € dda coisa & maneira de uma fisica dos principios, se entrecruza com 2 rmetafisicae vé seu campo de acio ampliarse, agora abarcando e expri- ‘mindo as esséncias (mnatemsticas) das coisas mesmas, Tal 6, em poucas palavras, o sentido da intuigSo genial de Descartes. esta sorte, nfo € devido a0 acaso que naquela época, num século aque se inscreve sem resevas, salvo algumas excegSesisoladas, nos qua- ‘dros de uma ontologia dos principios e do mais etrito matematismo de Inspiraglo platonic, os esptitos procurem edificar a axiomatica do siste- ‘ma das ciéncias segundo seus cinones,e busquem na geometiaeudlidiana (© novo modelo de racionalidade, a qual vai ocupar o lugar da légice aristotlica na condigio de método por excelénca das cinciasdiscursivas. As razses do prestigio dos Elements de Euclides nos dispensam _maioresexpliagbes. For um lado, como diz Blanché, por conta dos ttules| ‘de sua demonstrabilidade — o que os fez passa por muito tempo como ‘0 modelo insuperivel, e mesmo inigualével, de teoria dedutiva. Nos Ele~ ‘ments — escreve — “os termos propries da teoria nunca séo introduzidos ‘dem ser definidos; as proposiqSes no sto jamais avancadas sem ser de- rmonstradas,dexcegio de um pequeno nimero dente elas, que sio enun- Gladas 20 comecn, a ttulo de princpios: a demonstragio nio pode com efeito remontar ao infnito e deve portanto repousar sobre algumas pro- posites primeiras, mas teve-se o cuidado de as escolher tas que nens- ‘ma dvida subsista a seu respeito num espirto sio". Por outro lado, porque a geometra evclidiana permite, como nenhum outro modelo xiomitico,reunir na unidade da proposiso as duos fungSes da lingua- ‘gem que evocamos acima, a saber, a funcio de referencia a fungio de Dredicagi, estabelecendo as conexses entre a verdade material das pro- ‘poses e a verdade formal de seu encadeamento logico, com a ajuda de ‘dois procedimentos met6dicos fundamentais: a definigio ea demonstra- ‘lo. Assim sendo, & luz do modelo da estrutura propesicional, toda a ‘Eciomatizagio vai consti, como 0 faz notar Blanché, racas a um certo ‘mero de principios de base previamente definidos — os postulados — ‘¢a outros tantos principio de derivagio — a dedugio —, “em constr 8 partir dat proposigdes novas, ustifieadas por melo de demonstrag®es € de termos novos fxados através de definigoes™ & a partir dessas coordenadas que se procurou construir na modemnidade a axiomtica do sistema de Giéncas nos quados da estraté- sia eszencilista, de Descartes a Espinosa, de Leibriz a Malebranche. Pensando o conhecimento & mancira de uma axiomitica do pensamento TRCN LeatiePcs PU 1985, p15. pro, fechado sobre si mesmo e tendo no interior de so index da verdade ‘ou sua medida, o eapirito de sistema € 0 tao que o define. A exemplo de Platéo, que dizia que o filésofo deve ser synoplités ecuidar da intuicio {do todo, estima-se que num conhecimento que procede segundo as ext _géncis da razio, cada teorema deve esta igado, através de uma relagio ‘de necessdade (necesidade l6gica), a um corpus de proposicées de base ‘do qual ele se deriva a titulo de conseqaénia, Deas, pretende-se que os lagos que os unem aio tio mais fortes ¢ to mais flrmes que se pode ‘onstrir a partir dele, passo a passo, um sistema fechado sobre si mes- ‘mo, no qual, deta ou indietamente, as verdades de cada proposigio se ‘comunicam umas as outras, dando lugar a um discurso de tal forma articulado que — sublinha Blanché — " no se poderia modificar uma Parte sem comprometer 0 todo"™. Por fim, acrdita-se que, am de art. ‘culado,o sistema & tanto mais completo que ele encontra em sio index de sua verdade e a garantia de sua eetteza ou validade, sem necessidade de fazer apelo a nenhuma instinda extema a idéa ou 0 conceite. (Obra do pensamento, qual controla passo a passo a sua construcio, 8 sua edificagio nio encerraria maiores mistérios. O nico culdado, na Impossibilidade de tudo definir e de tudo demonstra, & 0 pensamento excolher, entre as idéias por melo das quals ele conhece as coisa, aque- las que Sejam tio evidentes que nfo recala sobre elas nenhuma dvida,e assim posam servic de ponto de apoio A cadela de razSes: 0s axiomas, ‘les proprios indemonstrives, ainda que condicio da demonstragéo, Uma ‘vez obtidos estes princpios primeiros, a regra de construgio das propo- sighes, dos teoremas e do edificio inti, consist, segundo Pasch, em {quatro operacées fundamentais: “I) Que sejam enunciados explicitamente (08 termos primeiros a partir dos quais se deinam todos os outres 2) Que ‘sejam enunciadas explicitamente as proposes primeiras com cuj ajuda se procura demonstrar todas as outras; 3) Que as relagbes enunciadas ‘entre os termos primeiros eejam pura relagdes légias, ¢ permanesam independentes do sentido conereto que se possa dar aos termos; 4) Que apenas estas relagdesintervenham nas demonstragées,independentemen- te do sentido do termos (0 que nos interdita, em particular, de emprestar algum sentido a consideracio das figuras)". te método tinha sido aplicado com sucess &fisica por Arquimedes, ‘em plena antiguidade, no campo da estitica, como observou muito bem Lalande no se belo estudo tobre as Teoria da induc eda Experimentagio, ‘acentuando seu procedimento puramente abstratoe apriorsta na defini- ‘ho do fuido: “Hipétese: admite-se que a natureza de tum fluido € tal que Bao RANE of pa ” suas partes se encontram jgualmente dispostas e contiguas entre si; que Aquela que é menos prssionada ¢ deslocada por aquela que o é mais; que ‘ada parte do fluido € pressionada pelo fuido que esté em cima segundo § vertical Partindo da, Arquimedes demonstra que a superficie do fluido fem repouso deve tr esférica; ue um corpo que tenha a mesma densida- ‘de do fluido descerd até 0 ponto em que estja completamente submerso etc, etc. As demonstragies se sucedem como num tratado de geometria, lalgumas vezes até mesmo deduzidas pelo absurdo. Nio se faz nenhum ‘pelo 8 experiénda; e mesmo, no curso do Tralado, 6 se introduz uma ipstese” nova: supde-se que os corpos que, num fuido, io impulsiona- dos para 0 ato, 0 so segundo a vertical que passa pelo seu centro de fravidade. Que a lenda sea Verdadelra ou falsa, a experiéncia sugeriu estas construgSes, mas precisamente no sentido em que ela pode suger f0 gedmetra aconstrugio de circulose dlindros. Sem dvida Arquimedes, nna pritica fia algumas experiéncia, mas sem falar delas, a tulo de {ateamento ou de verifiagio. A cnda, para ele, exige o encadeamento a ror’ das ideas, definidas in abstract". Igualmente o faz a moderidade, que estende este procedimento em primeiro lugar a fisca celeste, com Copérnico e Kepler, e enfim a fsica ferrestre (dindmica), com Gaile e Descartes. Porém, uma condigio deve ser satisfelta para que este método possa ser estendido a0 mundo das Coisas, sob pena de operar no vazio das abstraoes: € preciso dar &silagSes Go pensamento a necessidade das conexdes da coisa, e para tal fim asso- ‘aro método matemitico com o método metafsico. Com isso 0 espirito ‘de sistema logo se idenificou com 0 esprito metafisico, a ponto de Des- ‘artes neles ver uma 36 e mesma cosa: aplicadas as existtncias reals, a5 Aefinigdes querem-se reais ¢essencais, endo simplesmenteideaise nomi- nais; os primeros prinipioss80 tidos rineipios da cosa e no tio-s6 do DPensamento % a intuigGo intelectual ea deducio sistemdtica sfo as vias [plas quais um espirito so procura dar as ilages do pensamento a neces- Sidade-das conexses da coisa — a dedugio oferecendo-nos os elos da ‘adeia de razées, a intuicio nos instalando na coisa mesma e nos forne- ‘cendo suas natirae simplices. ‘Tudo isso confere a0 método um cariter a um tempo formalista € apriorsta: “Formalista pelo lado do matematismo, pois seus princfpios ‘ho postulados in abstract, ¢ desde logo mais afetos 4 forma do que & ‘matéria do saber, “aprorista", pelo lado da ontologia dos principis, uma BE LALANDE, A. thie de indict te eprint. Pat Bovine Ce tea, 198. p BCL DERCARTES, trip de pipe p. GOD nde nono att coves sod, moar qu ta apa sr be de aa das rake, ba ‘Sv conan conpen fa n ‘ontologia que se quer «prin, pois seus principios 0 pensamento os tira de seu proprio fundo, antes de nos falar da colsa mesma. E este método ‘que organizou a mths em sua variate essencialista,tomando possivels ‘esas individualidades que sio Descartes, Espinosa e Leibniz. Se um nome lhe convém — ou ao menos ands que estamos acostumados a pensar que ‘as coisas existem quando thes damos umm nome —,€ chamé-lo de catego- rico-dedutivo, ¢ nio hipotéico-dedutivo, este bem mais tardio para que se Ihe poss aplicar: “categirico", pela natureza da inferéndia, assentada ‘em definigdesessencais e em hipteses que, 20 invés de nos levar 20 real {gracas a0 rodeio de uma conjetura do pensamento avancada subjudice (hipotese ‘sim como o sl ilumina todas as coisas, € uma mesma r474o que conhece todas as coisas; ora 20 se estender As exstencas reais, pretende-seigu mente que as ciéncias natuaise as cicias humanas se sirvam dos mes- ‘mos procedimentos metédicos e instaurem um mesmo sistema de sa- TG CRD, a tin paler v2 p18, ber —a mithess —, marcado pela necessdade de nos da a determinagio ‘completa da coisa e de conferirsuficiéncia "ldgica” a seu corpus de pro- ‘Posies (principio da fundamentacio suficiente do conhecimento) Entretanto o corpus das ciéncias discursivas moderas néo nasceu de ‘um 36 golpe, mas antes de um lento trabalho de desconstrucfo raconal, envolvendo os conceitos de homo e de nature, de que resulta uma nova {imagem do homem e do univers. Comecemos por este timo: © coneeito de natureza. Com efeito, 0 termo grego physis, bem como o latino natura, reenva, em sua eimologia, 8 ideia de vida, a um principio de vida e de movimento que em sua tuniversalidade ¢ necessidade se impse a todas as cosas e confere a cada ‘uma a natureza propria do seu ser. Mas como é diferente a natureza para © homem antigo, medieval e renascentstal Uma natureza onde reina a ‘ordem, a beleza das formas e a harmonia das proporgées, estima 0 ho- ‘mem antigo, um homem que habita um universo finito, compartithando ‘com cada coisa de uma mesma alma do mundo que os integra num todo vivo ednico ea qual seu destino esté tio indissoluvelmente colado como 10“ gulérien sam banc" (Gusdof). Uma natureza que no inicio era o paraiso «hoje no passa de um vale de lgrimas, pensa o homem medieval, como {que A espera de um milagre, de um tempo em que de novo pisars com alegria a terra prometidae de novo vivers em unio com Deus, merc® de sua graca. Uma natureza-mie que cuida com zelo de suas criaturas, acre- dita © homem renascentist, um homem que seimagina assstido de perto por uma vontade providencal atenta as suas afigese rca em prodigios © advertinciascfvadas (magia natural). (Ora, habitando um mundo aberto ¢ um wniverso infinite, o homem smodemo vé nesas figuras da natureza ena alma que a anima algo como 6 residuo do pensamento mégico, e procira um novo concelto mais con forme aos seus designios e a0 mundo novo que 0 abriga. Seu olhar nfo € mais 0 de um filo temeroso que a reverencia (natura mate); sequer © dde uma craturainfeliz ante um ente decaido; menos ainda 0 de um in- dividuo nelaintegrado e que nla tem o seu limite —mas ode um senor {que a submete a seus fins, pondovaa seu servigo, Filho daidade mecinica, © universo que © homem moderno habita nfo € um universo organico, ‘mas mecinico, ea imagem que se Ihe afigura nfo éa da mée zelosa, dos astrosdeuses ou do bom Deus, mas a da méquina, Um mecanicismo & ‘medida do prometetsmo, eis a natura do homem e dos tempos modernos. [Neste novo universo, se hé um lugar para a providéncia divina, ela ro € mais a do patiarca biblico ou do demiurgo criador, mas a do deus dos geémetras, que construiu uma épura tio perfeta que dispensa seus ‘servigos, ou a do deus dos relojoeiros, que se limita a reparilo de tempos n em tempos, Tendo ante si um mundo abandonado a seus mecanismos, © hhomem modero logo o esvaziou da alma, da velha alma do mundo que, {qual um sopro divino insuflado em cada ente, governava 0 seu ser € 0 Submetia 4 seus fins. No seu lugar, ficou urn mecanismo sem alma, 2 imagem do rel6gio. Ea alma, junto com Deus se rtira do mundo, aban- dona 0 corpo ese alojana esfera do espfrito ou do sujeito. ‘Mundo sem Deus e sem alma, a natureza como que se dessacraiza, ese abre ao cileulo e& andlise matematica. Pensada como combinagio de mmatériae de movimento, no € mais necesirio imaginéla dotada de uma ‘spontaneidade vital: bastam a matéria eas forgasexercendo-se sobre el. ‘Uma natureza mecinica auto-regulivel e matemstizivel, tal € a physis dos rmodernos: um agregado de dtomos justapostos, dirio uns; uma extensio (0 corpo geométrco, dirko outros. Esta “desencamagio" fol operada por Gastendi, Galleu, Mersenne € outros, provocande o “milagre” dos anos 20 de que nos fala Lenoble. Em todos os dominios, expurgam-se as quaidades ocultas e as afinidades secretas das coisas, junto com a alma do mundo, num process irresistivel {que termina jogando por terra o exquema do cosmos eo hilozoismo que ‘© acompanhava, Embora ndo sja obra de um s6, mas de todo um século, sem davida Descartes quem nos dé o melhor testemunho desta ‘desencamagio, quando, em diversas partes de sua obra, cusa de “mito lantropomérfico” a idéia de alma como principio de vida e de movimento ‘do corpo, atrbuindo sua origem a um misto de ignordncia e de supers- tigio, vendo em sua raiz uma idéia confusa que é preciso abandonar” De um lado, o fato de experienciarmos, desde nossa infincia, que vérios ‘movimentos obedecer & vontade, que € uma das poténcias da alma, nos predispée a acreditar que a alma € 0 principio de todos. De outro, a Fgnordncia da anatomia e da mecinica faz com que os homens, tendo em, conta apenas 0 que percebem do exterior dos corpos, se vejam impedios {de imaginar que, tendo tal constiuiglo e tas dsposiives interos, os ‘corpos poderiam mover-se por si mesmes, independentemente de todo clement volitivoe consciente. A estes soma-se um outro err, ainda mals {grave fato de constatarmos que 0s corpos mortes tm os mesmo 6r- {gies que os vivos,faltando-Ihes apenas a alma, e que néo hi neles, toda ‘ia, nenhum movimento, nos leva a acreditar que a auséncia da alma € ‘Que provoca a morte ea falta de todo movimento. Descartes vé em tudo isso um equivoce, Mais além dos movimentos voluntirios, hé os involuntérios, bstando para sia compreensio os espiritos animais e a disposigio das partes do préprio corpo™. Um bom exemplo disso nos do TW GURSDORE, ce topline 2 32 Biden p22, ™ rir a came no estOmago ¢ de mover o coragio © a5 areérias, as quais nao contém nenhum pensamento e dependem tdo-s6 do corpo proprio, mostrando-nos que € mais normal que um corpo seja ‘movide por um outro corpo do que por uma alma. Por fim, um corpo rndo morte porque a alma 0 abandona, mas a alma 9 abandona porque corpo morre — condi 0 autor das Paixies de Alma O resultado de tudo isso ¢ a desconstrugio do conceito de physis, suet aml atte pas nso Epa sal poss eno ele nae eer tape in Segoe a a ar oes Sep SNe de al ee «rr cs we ‘ia nat cpio stro esac on Sie Se gh ten pine worse es ‘ab "erconden eane eco wn nbs Fadel aut ce Sle cs pes nae wr i adn do eee ¢ deta nao Samed pork ps Pa csi et 3 U5 tv ae le enn srg nein Spates gsc eon ae at et ues podeda eg de ein fica) oS ances ge Sor ee Gite Aci Ptr us nr cnc Cee con pits "a tes Coupe fe eerie tls ane tu cepa Se Kies cilnechncn eg case tre pis seins eon bbe prot poo A de a srt Sent tote Bacon gusto s tng ss do Coser ar nance eum eo gms Stina noted poss neen fe ahase downstate quran gee oni BLT ad, Cel sede tps sigur cme nd Stee’ a ener iS tice lator pegs Teper iss co io pe ene ea chine an wm mands noes meno pr Ciesla een enc Doce pup ne - Manda e uma vontade que obedec,e sua ago € tanfo mas forte qu € ‘apaz de neutalizaros estos diaslventes dos insintos que governam os homens em estado de nature: 1) em primeio lugar, etal vai sera va de Hobbes, postulase que, em estado de naturesa, os individues so Soltrioseegistas,desttuidos de todo lgo soil (lomo homini lap) 2) fem seguid,estendemse a08indivdiosatbutos da naturezaexta-hu- mana que vamos encontrar ezpalhados no mundo natural, em com ‘com as betas ¢ oF animals — 08 instintor no estado de nature o maior thal €@ morte eo maior bem vida, e toda alividade dos seres que © Habitam, homens e animal € diigida a este fim — evir a morte € mantere em vida, ndo economizando meios par al (tito de SO- Brevivenia 3) enim, faze real sobre os efeitos dssolventes dos ins- Sntose das pabudes que governam os homens em estado de natureza ‘co repusdora da rez gue tendo tem o poser de eliindloy, € sf Glentemente fore para retiict-losesubordiaos a seus fins: abandons dos seus proprio insintos e as suas propriaspandes, os homens em tstado de ntuteza si levads ase codestruem (guerra de todos contra todos} por iso, os homens, que sio de toda forma razodvel sb a snea- &2 da destrulgo da propria espe fazem um pact eentram em soce- dade, eando o corpus de sus lls iratitulgbes" Muito emboracadas pelos homens, estas esti longe de estar evaxiadas, porque artical © Sua ago € tanto mais ec que, além de neutalzarem as impulses, goitas que acompannam es homens desde 0 nascimento até a more, tflam a socedade e foram o corpo dos cdadtos, gras a um forte apa. relhorepressvo (estado), a uma dura disipina dos confitosedierendos (Gireto) ea uma absoutasubmisto 2 let do deve (moral). Para vencer a divesidade do dthoshistrico ea reatividade dos va lores ds cultura, eas dar 8 necesidade a forma da lel (universaida- de), Espinasa pe na raz da aco 0 cons, tomando-o como 0 principio de afirmacio do ser na atualidade do agit (ens in act) e buscando na lingua dos panos e das figuras — 0 método geométio com seus axio- ras, seu apelo a evidénda, suas redug6es 00 absurdo e oindefetvel COD —a chave do mundo does edo agi humane, Um mundo e uma deo governados pel conaus (desc), em caja az vamos encontrar nS0 sma fata constitutive que opera o homem (alta dose, que a ago visa preencher ou suprise a lacuna), masa pulsio de afimagso do ser na Bualidade do agi vale dizer, na raz do eonatus no temo falta, mas ( exeso, sobre de ener, e desde logo conta como uma“ poatvidade”) “6. A rope ca sori do Leva eda cepa denature ham em Hobbs, er MACPHERSON, CB Toot’ In HOSES T Leste Landon: Penguin Book, an pa 8 Assim, o que reine os gramsticos ¢ 08 teéricos da politica 60 fato de ‘porem o mesmo problema: que € 9 homem? qual éaorigem da linguagem da soedade politic? E de resolvé-los pelos mesmos meios: natureza humana, estado de natureza e contrato soda. Para tanto, €necessério admit, em primeiro ugar, uma esséncia — a natureza humana —, uma rafureza humana definida como um ser de natureza e também um ser de artifico e de invengio, capaz nio somente de inventar a linguagem com feu corto de signos convencionai, mas igualmente de ciar este imenso ‘mecanismo artifical que é 0 Estado e a sociedade politica. Em seguida, € predso admitir ainda um estado origindro que seja a um tempo 0 grau ‘2ero da linguagem e o nada de sociedade: 0 estado de natureza no seio ddo qual os homens aparecem em estado nascente — escreve Althusser “Saindo da terra como absboras” (Hobbes), “aos gritos e nus” (Rous: eau) — numa transiglo que vai do grito& fla, do grunhido originsrio 3 forma verbal artculada, no plano da gramétia e da filologia ou, no da politica, do triunfo do forte sobre ofraco&instituigo do poder soberano ‘da paz socal (Hobbes), da soldio e da vida vrtuosa do bom selvagem | promisculdade e & corrupgio do homem civiizado (Rousseau). Enfim, ¢ preciso descobrir ot "mecanismos que fizeram com que os homens ‘einassem esse estado e criassem a inguagem articulada e a socedade politica organizada:o contrat, Contrato que nos mostra que a sociedade, bbem como a linguagem, sSo um artifice o frato de uma convengio,cujo artifice €0 proprio homem (ser de atfco ede invengio). Porém, nio um fer que se furta 35 leis ese poe A margem da natureza, mas um ser que 2 dé asi as suas les e encontra no interior de sia forga que confere 20 frtifico a forma da lei e a necessdade de wma natureza (segunda nati reza}: a forga dissalvente dos instintose a ago reticadora da razio — 0 ‘ontrato assegurando a passagem do grto primitivo a linguagem verbal articulada, do nada socal 20 pleno das socedades histricasconstituidas. Nés vamos encontrar o modelo teérico deste esquema, como diz ‘Althusser, no sistema cartesiano — o modelo da reducio 3s essén- das (nico capaz: 1) de compreender a infinita divesidade das ins- tituiges humanas de todos os tempos e de todos os lugares, remontando 8) 0 diverso das socedades histércas efetivamente existentes & unidade ‘de uma sociedade ideal definida in abstract «prior: estado de natureza, ‘ontrato, estado societirio etc. (Hobbes): b) da diversidade das linguas vivas na comunidade dos falantes & unidade de uma metaingua univer- ‘al definida plas esincias ideais do pensamento ou da razso (Port Royal), 6) da diversidade do éths histrico da comunidade dos homens & unida- ‘de do che substancial definido por uma esséncia 0 conatus (Espinosa); 2) CE ATTNURSER, L. Mating alin hii bon Eta Pres 17 pwede 2 de nos mostrar a origem propriamente humana, € mesmo artifical, das Instituigies humano-socals, devolvendo © homem 20 préprio homem « fazendo do homem um jogo de mecanismo e Hberdade. op htt ins au se seguem, junto com anlomitca da Blin de spinosa e da Gramdtia dos MM de Port-Royal, vamos procurar xat as figuras do omem que ar acmpanbans Ru dota Ge aurea ontologicamente determinado de que nos fala Espinosa (conats); a figura do ser de arificio e de invencio que nos leva a Amauld e a Lancelot (inguagem). O confito destas figuras que marcaram profundamente 0 Aestino da modernidade s6 sed reslvido no dia em que a Episteme, © entrar na Idade da hst6ria, abandone a antropologia do homem-méquina em favor de uma antropologia do homem histérco, fazendo do homem tum ser de artifico e de invengio a tecer nas tramas da histéria e da cultura solo eo fdas da eriagio continua de si mesmo —o seradvento fou o devir. 1 ESPINOSA, A ETICA E AS CIENCIAS HUMANAS Do Ethos a Etica HS uma substincia, dois atibutos e vitios modos... Tudo se passa como se a Etce de Espinosa fose mais uma dessas obras de metafisica fexcolistica que a Idade Média nos ofereceu durante séculos, com seus ‘aust Sui, summum bonum eens ae, residindo Sua especfcidade na heran- (da tradigho ardbicejudaica e na influéncia do cartsianismo. Tal € 3 ‘onvicgio de um Woltshon — escreve Caillois —, para quem “hi sob 0 Espinosa Benedictus, autor da Ethicn more geometrico demonstata, um Espinosa Baruch, autor de uma Ethica more scolastico-rabbinocoque demonstrat urn fsofo pleno da tradicho ardbicojudaica, bem como um leitor de Descartes ‘Alem deste Espinosa “metafisca’, que na Etceprocura ofereernos um. saber total da realidade total — a realidade total da substinciana sua exis. {tna finitae infinita —, podemos apontar com Cailois um Espinosa “te Togo”, que na mesma obra nos oferece uma sorte de tologia raciona” e nos fala de um en relsimues —o Deus das Sagradas Escrituras—, numa €poct fem que as fronteias entre a flosofia e a teologa eram ainda incerta, como (atestam a8 obras de Descartes, de Leibniz e de Malebranche. “Assim — tscreve —, podemos encontrar na Etir © plano tradicional do tratado de teologia, Veze nela sucessivamente uma teoria de Deus (primeira parte), ‘uma teoria da alma (I), uma teorla dos ‘fetos dos modos de conhecimento (LIV, Vatéa proposiio I), uma teria da salvagi pelo amor de Deus (V). Poder-sia seguir no detalhe das diferentes partes 0 plano escolistico to diferente da démarche souple das Meiitagies de Descartes. Nela encontraris- mas Santo Tomds, Leto Hebreu, Maimonides e om alguma freqénda, através dels e varios outros, Aistieles”, 7 CAILLOIS “Non ne SPINOZA, B Cle compl, ar Gallimard 54 p 2 en, p50. “ Poderfamos com Balibar assnalar ainda a exstenca de um Espinosa “politico. Um teérico da politia cujas bases antropologicas tse encon- tram na Bic, e euos lagos com os Tralados ele, Balbar, procurarestituis, rmostrando-nos que nao hi nenhuma contradigio entre ofato de ofl6sofo ter considerado a politica como materia da histria e da paixéo, e seu designio de analisar as agdes humanas & maneira dos geémetras, sem as, ridicularizar, as deplorare as maldizer, como se estivesse dante de cur- vas, de superfcies e de volumes’ Poderfamos, por fimy afirmar com Desanti a existéncia de varios spinoses, a tal ponto — eacreve — que se pode fazer dele em flosofia ‘um “idealista absoluto” (ver Hegel, que fala do seu “acosmismo"), um filésofo da pura “interioridade” (Brunschvicg), um mistico “bebado de ‘Deus”(Lagneau)e um “materalista ateu” (seus contemporineos, que nO se enganaram, e os encilopedistas). E pergunta Desanti, algo desolado, fem busca de “seu” Espinosa, dividido entre o materalsmo eo idealismo: “Podendo estas interprets apoar-se em textos dentre os quais cada ‘um, tomado isoladamente, aparecerd como ‘decisive’, qual €0 verdadeiro| Espinosa?” Ora, correndo o risco de multiplicar mais ainda os “Baruchs", 08 “Benedictus”e 0s “Benoits” de que nos flam Wolfshon, Cailloise Desanti, ‘autor que vamos procurartrazer 8 existéncia nas péginas que se seguer ‘um Expinosa “étco” ou “moralista". Para tanto, vamos aternos & Etica, ‘na sua dupla acepgio de céncia do éthos ede ciéncia do homem, cuja reconstitugio, e nos levou a antiguidade clssica, fol para fazer recalt © ‘acento sabre a anslise sistemstica,em detrimento da andlize histrica das Fontes e das fillaghes. A razdo desta Gitima restricio se deve a0 fto de ‘que, nestas matéias, como o observou com argécia Russell em algum Tugar, a andlise ndo teria fim, e toda a histvia da filosofia no fim das ‘contas ni seria mais do que uma nota de rodapé em tomo de Patio, Bis “nosso” Espinosa, Trata-te do autor que, Jogo no iniio do Tra- {ade da Reforma do Entendimento, a0 nos falar de seaitneréro na flosofa, ‘numa sorte de autobiografia intelectual algo sumdria, arma que a busca do “soberano bem” € 0 que defniu o eixo de sua vida de homem e 0 perourso de suas reflexdes de floséfo — um pouco como se pode dizer ‘que a procura e a metaisca do “bem” defini a vida ea obra de Plato: “Desde que a experiénca me ensinou ser vio e fil tudo o que costuma acontecer na vida cotdiana,e tendo eu visto que todas as coisas de que ‘me arreceava ou que temia nfo continham em si nada de bom nem de ~SRALIBAR E “Avant prope: — Spat pi Parc PUP, 98 p46, “UDISANTL lucie isos epepe a a ior ea Noee cage 986 998 5 mau senio enquanto oSnimo se deiava abslar or els resol enin, Indagare exist algo que foseo bem vedadere «cape de comunia See pelo qual unieamente,roitado tao oma 0 Simo fos afta; amas ands xin algo que achadoeadglid, me dese para sempre O gozo dena alga contin © prema"? isa “rosa” Eo. Tat-se da ora em que ele aim que o supremo tem €o conheciento ous amor intletual de Deus e que a verdadein vida ova vide virtuous nfo € outa coisa sno vive sab comando da Tardo, que quer o bem enos leva a Deus. Uma obra que fz do das 0 Tugar d ages morada do homer, eum autor que faz da Dice more [rontirco denonstat a ena do homem por exelénds, no rato de iim vast trig que, de Socrates a Pato, de Aistteles a Descartes, Concedeu 8 na do dike base do supremo bem a mais viva das ‘Menges eum gar privlegiado no sstema do saber. Evidenemente “nosso” Espinosa ¢ “nos” Hca exigem uma justi catvae podem mesmo choar os epstoscontemporinees com © no Sey testemonha de um silo que ets demasiadamente habituado a iden- {icra Chen com a moral ou com uma Blsoia dos valores, Sem nen ina relago com ts nia postive e a0 qual é mal al reconhecer ra Son feona das palates wna psicanlse sot le ltre 3 Feud e na Sua tora da vitede um perspecivismo moral Nieusche. Cet, por mais {pe also «rcytonos apn, da opens deena cs una fern dos devers€ vi. Marto nio autora nem uma pic nize nem una geneslogi, pela rza0 mito simples de que sua Pie € Sma veca do sere nto do "fazer, sua “erie dss paes" € menos cima pstologin da alma, do que uma anaca das condigessbjetvas do {ir humana; ¢ homer de gue ee nos fala & menos “auto de arn {lie de deseo de uma ee antopaiogia moderna do gue © “homem interior” de Sicates, dena pela plenitude de nun esenc:& alma hinds que sea “conemporinee”o autor que a atualidade da obra, © ‘remo de sua teoria do des e das paises, surpreenda os expos 0 Sue define projet espinonano no €com exteza uma ca do fazer € Io lost prin, mas wma etc do ser ema metas do bem, ‘onde éposivl reconhecer os tes grandes ebos que defiiran o pens trento Coco na antiguidade csi de que nos fala Rabin, a saber I) 4 iia dele ede bey 3 virtude ea eum 3) 0 aot da agfo moral 0 papel das condgbespicolgias ou sabjevas no ie humano. Antes de mais nada, algumas prliinares seméntcs com vistas precsnin o campo de nossa problematic, Par tanto vamos segue de eno or bios cpialos dedicals a ca dissin pr HC de Lima Vaz SSINOSA ih de eri eins, So Paula Al Carl 199, p45. ros seus Exrtes de Filsofia , Tudo bem estimado — escreve — nesta vasta tradigfo que nos leva de Herdcito a Aritétles, 0 dths € 20 lado «da phys uma das formas primeiras de manifestacio do ser (Athos éntropo ‘Aémon, dzia HerScito), Com efeito, “a primera acepgio de éths (com eta {nidal) designa a morada do homem (e do animal em gerl) O tins € 8 ‘asa do homem. O homem habita sobre a tera acolhendo-se a0 recess0 ‘seguro do dhoe, Este sentido de um lugar de estada permanente e habi- tual, de um abrigo protetor, constitui a raz semantica que dé origem & significacio do éthos como costume, esquema praniolégico dursve, estilo cde vida © agi. A metifora da morada e do abrigo india justamente que, ' partir do éths, 0 espago do mundo tornou-s habitivel para o homem. ‘O'dominio da physis ou 0 reino da necessidade € rompido pela abertura cdo espaco humano do éth, no qual irdo inscrever-se 0s costumes, 08 Ibitor, 8 normas eos interlios, os valores eas agSes. Por conseguinte, © espago do dtlee enquanto espago humano nio € dado ao homem, mas por ele construido ot incestantemente reconstruido, Nunca a casa do ‘thos ests pronta e acabada para o homem, e esse seu essencial inacabamento €0 signo de uma presenca a um tempo proxima e infinita- ‘mente distante, e que Plato designou como a presenga exigente do bem, ‘que ests além de todo ser (oie) ou para além do que se mostra acabado © completo™ Por sua ver, a segunda acepgio — acresenta —, com épion nical, “diz respeito a0 comportamento que resulta de um constante repetise ‘dos mesmos atos. E, portanto, 0 que ocorre frqitentemente ou quase ‘sempre (ald), mas ndo sempre (a), nem em virtude de uma necessi- ‘dade natural, Daqui a oposicio entre chee phys, 0 habitual eo natural (0 dhe neste caso denota uma constincia ho agit, que se contrapbe 20 Impulso do desc (ei). Esta cnstincia do éthos como disposigio per- rmanente é a manifestagio e como que 0 vinco profundo do éthos como ‘costume, seu fortalecimento e 0 relevo dado as suas pecullaridades. O ‘modo de agir (dps) do individuo, expresso da sua personalidade étca, ‘deverd traduzir, Finalmente, a articulagio entre o éthos como carter € thos como habito”. em torno dest nleosemsntio primiivo — othe como morada do ser (hmem) eo thas como dsposgio permanente para o agit — que Se desenha 0 projto de ma cénca @ um tempo dscusiva e normat- waa dca — que volta sobre o homem (ou, antes sobre oles como ‘page de realizaio do homem) oinstrumento do igs demonstrative, © fora, qual urna fine, de conformar a péxis dos Romens conscante pm VAI WC tt eff Haar Ps Bb Lt Pen.» ‘medida do bem e do melhor, elevando-os a um plano de existénda supe- ‘Hor 20 da pyss, ainda que envaizado nela, Um conhecimento, portanto, {que se quer pric, eriando uma disposigdo permanente para © agit, cujo Principio reside no interior do préprio homem, e pondo-o a0 abrigo do turbilhio das paixées de que ele € viima em seu estado natural. Tal parece-nos, 0 sentido proprio de temas tis como enki, aulércia eet, fenérgeia etc, que cedo se Incorporaram ao campo semintico do éihos — tuns, denotando o dominio de s (enkrdlei) e a agio posta sob o comando ido agente e que exprime o bem e o senhorio de si mesmo (auléceia} ‘outros, designando a capacidade (poténda) da afirmacio do ser na atua- lidade do agi enérgeia), ou a disposigdo permanente para o agir em con- formidade com a exigéncia do bem e do melhor (ret) E ainda a ida da constituigio (plitéia) do Estado, consoante leis justase universal, a qual, segundo Lima Vaz, fecha “o crculo semintico do éthes, 0 conferit & praxis sua mais alka qualifiacso, vem a ser, a da vrtude politica ou dis- Posicho permanente para 0 exercico da iberdade sob a soberania da lei jst Em consequénca, 0 ugar de realizagio do éthos ou € 0 individuo, ¢ 0 contesdo da agio ética €entio “virtude", ou € a pli, e 0 conteido da acho ética € enti “Il” (Lima Vaz), numa transigio que dé lugar estrita tolldariedade da ética e da politica, caja bela unidade s6 vai ser rompida ‘na modemidade, Solidariedade que pode revestir-s sja da forma de um ‘drculo (politica) incluido no outro (ca), a exemplo de Plato, sja de dois circulos conctntrios abarcando um espago comum, mas reservando ‘cada um seu espago proprio, como em Aristbteles: em ambos, 0 culo do dthes, afirmando-se como 6 lugar de realizagio do homem enquanto Individ, eo da pls, como 0 lugar de realizacio do cidadio e o espago privilepiado da inscrigho de sua pris ‘eomunidade de obras” ou “2sso- ‘dagio de homens para viver bem e felizes dzia Aristétees) — al € 0 ‘campo semintico da céncia do éthe na antiguidade cssia, ‘Duplamente centrada no homem — 0 éhee como a morada do ser (homer); a pis como o lugar do agir e da obra do homem — de qual homem” fala, com efeite, a éica? Do “individuo empirico", abandonado ‘20 arbitririo de um principio de indeterminagioinscrito no fundo de seu sere que, de uma forma ertia, se perde na absoluta contingéncia da Utlidade do interesse, como querem os sofstas? Ou, antes, do “homem natural’, movido pela necessidade exterior da physis, contra a qual se leva Herélto, submetendo as coisas 4 medida do homem? Nem de um rem de outro, mas do “homem interior” definido pela necessidade ima- nent de sua esséncia —a alma-psiqué — de que nos fala Sécrates,e como tal capar de iralem da esfera da utilidade ¢ do interesse imediato e de se clevar& gratuidade do bem e do agir virtuoso, e, asim, determinar-e en- {quanto sujito moral ou individuo ético — tal € 0 objeto © 0 campo de problemitica da itndia do thes pensada como ciénca do homer. Uma ver isolad 0 seu objeto, 0 homem interior, portador do igs, © proximo paseo fo estende he este mesmo ldgs, © nos ofrecer, ssi, lima cnc (thine) do mesmo: ftica Em sua qualidade de Gna dliscusiva (que dé rari) saber normatvo (au prescreve), a ética nas cente vai buscar seu modelo de racioalidade na sca e na medina, {rags a duas analoglas a pati das quais ela procur pensar as suas ‘ategorias e deiniroesatuto do saber que ela pretende instaurar a ana- logis plyeyths, de um lad; analogia ehostasne de outa. ‘Com a analog physséthostrnspéese para o mundo humano a contnuldade ea conatincia prpca dos objets naturals agora me como 4 roche etivel como 0 movimento dos astos, endo simplesment cam biante e voldvel como os capichos de uma malhr. Um bom exemplo dasa tansposiio sto as eategoras de virtue, que de forga fen das ‘ais vé seu campo semantic estendido & alma humana (frmezae fora da alma), e de engi, glosada em energia espiitual da alma etc. Ba forms de conhecimente que ela autoriza, exemplo da fica, €a de una ciénca discursiva vllada para a imutabiidade e univeralidade do que € (eershomem=peyed). Por seu tumo, em a analogiadhostechné transpbe-se para 9 mundo hhumano a idéin de perfecto ou de apertigoamento da alma, Az do ‘modelo da pss da perfegho da obra, plosada como perfeito do agen- te instaurando uma tenica ou arte de exstnca pensala como uma a0 coetiva ante a elema ameaga de rca no sensivel, 3 faléna do er {que acometeos homens de tempos em tempos a uma certa defidencla de Ser que atinge todos os homens de todas os tempos (la a ncesidade da fc, para “preencho) Mais lem da pls eda reas extrnseas da fre da fabricapi, nas qua ela val buscar a categoria de meté (xcelencia do agente em anaiogia com a pereiio da obra eo vrtusismo do arte So) éna medicinaenquanto neque aia em suas origens geass val ‘buscar as demats categorise e compreender 0 sentido do dscuno e da ‘pris qu ela visa instala. a5 eategorias de cuidado de sl (uidado do ‘Corpo-euidado da alma), de medicina do espinito (em analogia com 3 ‘medicina do compo), ede remédio para a alma (ara de seus excess), um ‘aber pritic volta paras agSo ea coningencia do gir Desta forma, omo diz Lima Vaz, é no ponto de interseqo destes dala pos de ‘acionalidade — uma, de ipe causal outa de po telelégicn— que val emergic a racionalidade propria do éthos — a analogia éthos-phyis Comespondendo a necestidade nomolgica do discuro. demonstrabvo » (necessidade do ser); 8 analoga éas-téchne (no caso, éticr-medicina), a rnecessdade pritica do diseurso normativo (necessidade do fazer ou do dever-ser Mas, bem entendido, estas analogias estio longe de nos sugerr que a déncia do chor nestas duas valencas — saber que demonstra e que di razko; saber que presceve um interdito e uma norma de acio — set estritamente homogénea & cncia da physi, € A piesis e suas téhnai. De um lado, seo das reintroduz a necessdade da physis fxando-a na cons- ‘tincia dos hibitos (és) e na disposigio permanente para o agi (carder fou firmeza da alma), é para reinscrevéla no espago da lberdade e da Indeterminagio do ser que acompanha sempre o agir humano — A neces- sidade exterior da physis correspondendo a necessidade interior do lier {que obriga in foro intern. De outro, seo éthos reintroduz afinalidade da Siss, fxando-a no ideal de perfeigio que conforma a prix ou o agit ‘moral, 6 para reinscrever um hiatus entre estes dois dominios da agio— | perfeigio da obra da pies correspondendo a perfeigio do agente ou da ‘agdo enquanto tal (nx). ‘Tendo ante si seu objeto proprio — o homem inteior — e dispondo de seu proprio modelo de radonalidade, o sentido e a necessidade da ‘ica se mostram agora & luz do dia: nascda da crise da razfo, é pela razio que ela procura vencé-a, e desde logo se propée como 1ég05 mara da eae (representa da ci de ou, ela mesma é una repre Seng © vale cfm mare do pensimento(representagio da representa G#0) fo que acanece com a palm “igual” por exempo: pode desgrar {iss petagos de made, mas no mite evoca ada” do igual em so Su um referete que no resi na coin, mas aurea iat ‘As consqitncias desta epee acta so profundas: 1) Mais preocs pao coma esistur da lingge Go que com soa orige, Pat inal Sm reco da palava ern rao esas vel dogo sua fang € ‘epresenar«evdnia dacs (di) estmsficicadepende do seu topo ima quest ali) «dos propo instrament: osignorepresen {ato Mas ct ec et tonge dens suger gue lingger mun tsirutura€ sbi de um ad, porque a representaionasua cond Gfo de clermento do pensamentoSepurs 0 nex ebjetvo ene ss pale Stns ca easy de cat, porque a nguagem € como ogo de are oT dsp les) pnd ee tem bec © as poem tgs ao hoviment das Fas (Aba {reer da'inguogem o veteulo do logo, Platao ests Tonge de ter tomegeniato, trmando an contre persameto ea gusgem. im da mesma fora que sagem epresnaro) no eo su reer nas sun mara ou copa" him Mao ene @ gna eat «ete {uplohto da represent ofr; 2 igo a represen: Gio que expla fallidade dn Iinguagem. a qual se iscreve febilode do eo, pensive na tse aural ¢convenonls Seo gprepeenaco« s atreca do ame qu ga «pave 3 coi, ver PLATAO. op. ici. Mr a8 Apter omen ques tio de wn noe ‘os eo et vr satrap de dan, Strats dng nat de hmen t ‘Sheds nar morrandoses qo eget prior proce 8 manta as pus “oem of ane dw al dr ao ur sinposmerec a age da tn (Ei coun por lo Ga feared sabe TCE PLATAO. op ot SM, p onde Sr dge «Cet, pert “Mo sen ep geo igs ere amen Sa oe ore a PLATAO. op ck. hp. 9, onde SSntes perpen, deindose a Cet: ora tu saber gue put egimi ema ce (oni, # mea “mo ein 8 ‘nko pana Agate p51) os dzemo ros dea) ewe de Eris Som saa im 3) Por isso, no residindo no elemento da verdade, a linguagem néo é ‘eata ou perfeitaem sua natureza e tampoucoesté destinada, nio se sabe [por que faalidade, a revelar a estrutura do ser. Mas enquanto instrumen- to ela pode reunir os meiose vi a ser exata: tudo depende da qualidade cde suas ferramentas, ¢ estas podem ser mais ou menos efcazes, mais ou ‘menos conformes seus fins ot 40 seu escopo. [Na rain. da falibilidade da Unguagem, ests a prépria condicSo huma- ra — diré Platio. Afnal, somos morais « miseriveis| 6 os deuses no necesitam do conhecimento e residem no elemento de uma verdade abso- Jutamente transparent asi mesma Somos como que prisioneros de nosso ‘corpo, as evisasSfo opacase 6 nos elevames &verdade a duras penas, para ‘9 que s6 contamos com as imagens das esséncias ou formas do ser as idias. aqui que irompe a inguagem com suas promessa e limites. Veiculo do ges, 0 discurso nasce da uniSo reciproce, da articulago das ids. Com cefeto, nem todas as idéias esto orginariamente unidas ou desunidas. necessirio, pois, ditingu-las etabelecer as relagSes de coordenagio e de subordinagio — e & 0 dscurso, cu instrumento é a inguagemy, que vai tratar de aticulélas isto 6, de reuntlas ou de separé-las, dando-thes nomes € estabelecendo toda sorte de conex6es edisungées. Ora, € aqui, a nivel das, das, que se definem os limites eas possibiidades da linguagem: enquanto| veiculo do dscurs, seu conteddo ver de fora, das dias (representagtes na sa qualidade de elemento do pensamento), dentre as quaisalgumas podem ser juntadas e outras no; enquanto instrumento de conhecimento, a poss bilidade de combinacio das idéias depende no da linguagem mesma, mas da unido/separacio das esséncas inserts na ordem do ser (Idéias) e que funcionam como arquétipo do discurso(representagtes na sua qualidade de “notas” do ser ‘Talo estatuto da linguagem em Plato. Vetculo do lige, € no mais «spelho do mundo, emborando sja homogines 3 coisa auto do Cro Confereihe o sla de instrumento do pensamento ©The concede uma ‘fica prépra na sua fangio de nota a das (epresentagbes) que lnterpsem entre nds outros eas coisas mesmas, com a Gncarestrigio — isto € tudo — de que seus resultados, por mais exclentes qu Sean, rnanca vio poder competi em poder e dignidade com as exceéndas ¢ pereiges das iar arqutipo a que ela, alinguagem, se refere,nomean- doas e ariculando-as ho pensamento discursive. Tado isto, sentencla Patio, por causa de eu estatto de simulaco, de representago darepre- senlago, de efpia da epi. Dat, solidi de seu status de intrumento € de copia, 0 campo de suar possibilidades e de seus limites: veculo do Pensalment,alinguagem € uma espéie de exrescnca do la 0 gos Tofime oo cabo funciona apesa de ou conta a inguagem com o objetivo de melhor subording-ls ou adequla a seus fins Bo que aconece com a8 133 matematias € a filosofia, onde as injungées do pensamento abstrato im- ‘pBem-nos uma dura ascece e uma atena vgilinla contra a eterna ameaga de suas recaldas no sensivel 2. O Modelo Légico-Metafisico da Linguagem Com Avistteles, por sua ver, temos um novo deslocamento na pro- blematica do signolinghstco: além de reduzir a gramitica logic, reenvia 2 linguagem a metafsica, apagando o duplo hiatus que em Plato separa- va as palavras das representagées ¢ das cosas mesmas. Para tanto, oEstagirtaafasta a torias naturlistae convencionalist, recusa a tese do signo arbitrério dos sofistas,e enim rejelta a tse plato- rca da instrumentalidade, Mas de Plato ele retoma aidéia da linguagem ‘como expressio da idéia — representacio— ea redefine 20 sabor de suas necessidades de logico ede metafisco, emprestando-Ihe um outro alcance ‘eum outro significado. Seno, vejamos: 1) A exemplo de Platio, Aristételes interpée entre as palavras e a coisas a representacio e faz da linguagem uma representagd, a represen tagho de uma representaclo. Mas, diferenca de Plato, a linguagem ests colada no pensamento e na coisa mesma: de um lado, a linguagem nio & ‘um instrumento heterogéneo A matériaa que se aplica — representagio — fem sua qualidade de expressio sensivel-extra-sensivel —signo —, mas o veiculo (forma) do pensamento ou o seu duplo homogtneo; de outro, a Tinguagem ¢ uma representaio, no uma representacio no sentido pla- ‘nico, com fundamento ante re (da), mas com fundamento in re ou na colsa mesma ("A linguagem é a linguagem do ser”, diz Arstételes com ‘Antistene). 2) fa representagio assim entendida que Ihe permite afastar as teses ‘da natualidade e da convencionalidade e, por fim, atese da arbitrareda- de dos signos dos sofistas: a) contra os naturalists, afirma que “nenhum ‘dos nomes 6 tal por natureza, mas somente quando se tornou um simbo- lo" (De Interp, 26:28); ) com os convencionaisas, firma que “o nome é uma vor semintica segundo convengio” (Da Interp, 2 16318) ¢) e inter- poe entre 0 signo-convencio e a cvisa a representagio, quando chega 3 Seguinte conclusio a respeito das relagbes entre as palavras, as represen tagoese at coisas" as coisas s4o as mesmas para todos, 2 as represen tages so as mesmas para todos; 3 as palavras, porquanto convencbes, ‘oso as mesmas para todos (Dz Interp, 1, 16a 3-8). Dato estatuto a um tempo natural e convencional do signo lingiistico: enquanto a relagSo palavracepretentagio € convencional, a telagdo representacio-coisa & natural, Dato duplo valor da representa: num pélo, ea funciona como mm natureza; noutro, como convengio (Abbagnano}. Resultado: a linguagem uma convencio, mas uma convengio com fundamento in ve (coisa), € 0 lao que vincula a palavra 3 coisa e confere convenséo objetividade © necessidade ¢ a representagio na sua qualidade de “nota” do ser ou da Entretanto, pode a representagSo funcionar ao mesmo tempo como natureza e como convengéo, sem que isto afete seu estauto? Longe de quebrar sua unidade, 0 que Anstteles nos mostra € que a relacio pala- vra-representacio, por ser arbitriia e convencional, pode modifica-se & vontade, sem que Isto afete a rlagio representagso-cbsa, que & natural € necesséria. Em conseqdénca, a estrutura da inguagem néo depende pro- pHiamente da convencionalidade dos sinais, mas do modo como eles se juntam e se separam, isto €, do modo como eles se aticulam, se coorde- ‘nam e se subordinam uns aos outros no seu esforgo de dat a forma ade- (quada as representacbes —0 que nos reenvia a ordem do set, a qual vai lhe emprestar seu objeto ou arquétipo: a coisa mesma. Dao privilégio da l6gica apofintica: 6 ela que permite determinar 0 valor-verdade das pro- posigbes conforme a unido /stparagio dos sinaisreproduza ou nio a uniso/ Separagio das coisas. Avistéeles também se ocupa da linguagem nio- -apofantica na reoricae na poétcs, mas ndo sio estas que definem o ser da linguagem. Em sua essénca, ela no € nada arbitra: suas etruturas sto andlogas as estruturas do pensamento, e estas, por sua vez, sSo and- Togas as estruturas do ser. Com isto, a linguagem como que € homogenea a0 pensamentoe & coisa oligos se logiciza ea apofintica se resolve numa metafsia Tudo isso traz profundas conseqiéncias. Antes de mais nada, fica autorizado algo como uma “gramatologia", uma gramstica que antes de ‘ser empirica © normativa € ligica e metaficica. Por fim, 0 modelo com a ajuda do qual se instala esta gramatologa ese pensam as conexses entre as palavras, as representagSes eas coisas, € 0 modelo logico-metafisico da Tinguagem, nascido dela e que volta sobre ela seu instrumento. © pressuposto fundamental de dito modelo é que a conexdo entre 0 ser eo conceto no sedi pelo lado do signo tomado isoladamente, na sua ‘ondigio de elemento de um sistema linghistico, mas pelo lado da estra- tura da linguagem, cuja unidade de sentido minima ou irredutvel & proposigio. & aqui que aparece toda a vocagio légica e metafisiea da ‘gramétia, que vai privilegiar as conexes siniticas das proposigbes, a8 {Goals nos reenviam as estrutuas formais do pensamento e 3 formas ot flextes do ser. Resultado: seo signolingtistico, tomado isladamente, & ‘onvencional e abitréri, como querem 0s sistas, suas conexdese arti ‘ulagSes nio s80 nada arbitdras, mas naturals e necesséias. Duplamente necesséras, com efeito: de um lado, porque repousam nos lagos de neces- 15 Sidade “Logica” que ligam as representagées entre si no interior do pen- samento discursivo; de outro, porque nos reenviam aos modos de aticu- lagio do ser a nivel das coiss mesmas. Em realidad, a teva da nguagem em Arseles nfo pod ser dierent. Toda aun armada conceal esta decide sre tive dis imperatvos de torn lacorente com saga sua meta, onde etegva de substinc oapava toda a ena, comandando todo 0 campo smnio do lige. Or, o mesmo se dave em lao Knguagem fnlendida come viel e forma dee fa inguagem das catego, ds substndas, dos acdente, ds gualldaes eda relages Par fort “in homogéneaetanoparente ao peramen eens no The esta outro camo Sendo, em princi lugar, fasta ancora numa represer- tach hemogtnes palavra east uma, or atueza Uta, por convencio, fm sguida, ers necessro remomae a fepresenag a0 substato comum 2 pala e cola subtinds © substinda por treeénla ¢a form. Enfim, da otto paso e identcarainguager, 6 pensament coisa mesa, Ora na cma as profunda dese ct, lnguager pensmentoe esa nS sto endo “formas” (bem enendio, “formas” dose) ttm a mesa eouurae encezam a mesma substinla Dato iomorsmo estruturals grmca€ solids da lige, asim como agin €solidaria da metfica. Flo qu fer Astle, dando ascimento 4 meas da substnc gle da dentidade e game thea do nome e do vero, Wo cars a0 pensament eldent portato coma ajuda deste modelo que Arts pena ing gem ¢ nos prope algo como uma gramateloga uma grandes co-sen- Siva gene metas, cues prdmetros podem sr esqueatzados Come se segue, par 0 que nor vomos apolar nas andes de M. Foucault Seopeto das conenes ene a grams ea gic na Grammaire de Port “Royal, mas etendendoas 9 metas Signo (¢) — Ida (2) — Coisa (0) onde 1) 0 signo envolve dois elementos: a) a coisa-signiicada; b) a i significant, 2) a relaclo da representagio 20 referente(¢-r e 1-0) & de substituigio, (© pressuposto de dito esquema é que todas as categorias da metafsica, da logic e da gramitica podem ser deduzidas, sem nenhuma fratura, de lum mesmo ndcleo comum: a representagto. Sendo assim, terlamos dois principios geras para especificar as diferentes clases de palavras: 1) um, afetosrelagdes do signo com a idéia; 2) outro, as relagdes da iia com 136 ‘Comecemos pela relagio signo-idéa, A maneira pela qual os homens significam seus pensamentos varia: © nome (noma) designa os objetos do ‘pensamento (coisas); © verbo (réma) € 0 que 0 pensamento diz ou afrma das coisas, atribuindosthes qualidades (verbos-meios) ou agées (verbos- -296es), Quanto i relagio idéa-cosa,temos duas possibildades as cosas podem consstr seja em substincias (que serio designadas por nomes substantivos),seia em acidentes ou afeeges do ser (nomes adjetivos). De. fato, no que conceme & relagio idéia-coisa, existem ainda outras maneiras de representar o objeto: por exemplo, uma idéia pode representar um 96 ‘objeto (nome prépric) ot virios objetos semelhantes (nome comtutn. Por ‘sua ver, no que diz respite & relago signo-idéa, hi ainda a forma pela ‘qual uma palavea representa uma idéia determinada ou indeterminada — dat os artigos definidose os indefinidos;eenfim as particulas,tais como {as preposigées e as conjungées. Vamos deixar de lado todas estas ‘especificagbes da linguagem para retermos somente o par nome-verbo, de um lado, e substantivoadjetivo, de outro, Suponhamos agora a proposicio “o homem & mortal”, bem como todas as proposigbes redutivels forma “S€P*. Aqui nés temas: a) a nivel da gramstica substantivo (homer), o verbo (8) © 0 adjetivo (morta) b) ro nivel da légica, 0 sujeto (homer), a eépula (6) ¢ 0 predicado ou atsibuto (metal): enfim, no nivel da metafisica, a substinca (homer), a cépula (é)€ 0 acidente (morta), a cépula designando uma relagio de ineréncia de uma qualidade que nio existe em si e por si (0 addente mortal"), mas num outro que The serve de suporte e que existe em sie por si (a substincia “homem’). Isto posto, podemos tracar um quadro onde se Idem as relagbes gra- maética-logie-metatisica segundo um eixo que val do signo a0 objeto, passando pela respectva idéla na ordem das categoi Gramstica Logica Metafisca (sign) (idea) (coisa) substantive sujito substindia ‘verbo épula c6pula adjetivo predicado acidente © que édigno de nota neste quadro & que a deducio categoria se faz toda ela a partir do funcionamento do signo-representacio no interior de ‘uma mesma proposigfo ("o homem € moral", numa linha sem fraturas {que vai do signo 8 coisa mesma: a relagéo gramatica substantivo-adjetivo repete analogicamente, a nivel da proposicio, a relagio sueltopredicado ‘nivel da logica e a relagio substinda-acidente a nivel da metafsia, Ressaltese ainda que as conexes entre a gramitica, a légica ea metafisica 17 ‘sio pensadas a partir das articulagbes entre 0 signo, a idéia ea cols, jo lame é 2 representagio — a metafisica nos oferecendo uma teoria| ‘ontolbgica da coisa (objet): lgica, a5 conexbes das idéias (pensamento), 2 gramitica a articulagdes dos sgnos inguagem). Por fim, comandando todo o campo semantic, vamos encontrar a categoria de substincia na sua dupla condigio de principio frontal do ser (coisa) e de sua intligibi- Tidade (ide) —correspondendo total heteronomia dos predicados, dos adjetivos e dos acidentes na ordem das eategorias a autonomia absoluta ‘dos substantves, dos suits e das substincias na ordem do ser. E este modelo ligico-metafisico da linguagem que vai armar a Episteme ‘na sua via essencialista por mais de dois mil anos, extrapolando de longe (0s quadros de uma simples gramdtica, e que autorza 0 projeto de uma gramatologia em Arstteles, em como destas graméticas geras e filos6- ficas dos séculos XVII e XVII, conforme teremos ocasiao de mostrar. gramatia que se quer metaisica, pois que armada em toro de uma ‘ontologa dos principios que procura dar is lagbes da gramética a neces- Sidade da conexio da coisa: princpios de subsisténca, de inenéncia etc ‘Uma gramtica que se quer logics, na medida em que as andlises dos fatos gramatiais nio sto feltas, como diz Kristeva, do ponto de vista das cocorréncias da linguagem, mas das nogbese das definigses lgicas: "S6 hi ‘ldidade das coi cujaenunciagio ¢ uma defnigio” arma Aristteles na ‘Melafson (Z, 3, 103007 ou alnda: “A definigio sendo uma enunciagio, € toda enuncagio tendo pares; por outro lado, a enunciagio estando para a ‘coisa na mesma relaglo em que a parte da enunciago esté para a parte da ‘coisa, a questio que se pe & 3 de saber entio se a enunciacio das partes ‘deve estar presente ou no na enundiagéo do todo” (Z, 10, 1034029}; e enfim: Uma enunciagto fala € aquela que, enquanto fals, expresa © que no (Z.2)1014025), De modo que, em Arstteles, mesmo as linguagens nio- “apointias como a poetica€ a retin esto marcadas por este logocetrsmo, pois tudo bem considerado — dia oEstagirta —"pertence ao pensamento| fado aquilo que deve ser estabelecido pela linguagem® As categorias igico-metafisicas a partir das quais Arsttelespensa as artculagdes entre as palavras, as representagSes ¢ as coisas e organiza sua {gramitica sfo dex: 1) substinca (0 homem ou 0 cavalo); 2) quantidade 2 ‘8a 3 metros); 3) qualidade (branco); 4) reacdo (duplo, metade, maior) 5) Tugar (no lice, na 4gra; 6) tempo (ontem); 7) situagio ou postura (sen- tado}; 8) posse ou condicéo (armado); 9) acho (cortr, falar); 10) paixio (Cortado) (cf. Categorias, IV, 1626 e 5). ‘Segundo Benveniste, a categoria lingUisticas correspondentes pode ram ser distribuidas em dois grandes grupos — as 6 primeira referindo- TE ARGSTOTELES.Apud KRISTEVA Jp. at pS, Pate Heh “ses formas nominais eas 4 ltimas as formas verbas, onde cada cate sora logic €sepuida de seu equivalent gramatical, como se segue: 1) Substanca: substantive; 2) quantidade 3) qualidade: adjeivosdervados de pronomes a exemplo dos latinos quaisequantus; 4) rlagho:adjtivos ‘omparativos, 5) lugar e 6) tempo: advérbios de lugar e de tempo; 7) situagd ou postura: verbos meio; #) posse ou condigS: verbs peretos 5) ach: vox atva; 10) pao: vor passive”. Com efit, sendo o que elas sfo: categorias de pensamento e de residade, nada mais natural que Aiteles as zest cextensivas 8 Io {cae as reenviase 8 metafisica, pois no final das contas umas e outras ‘tegoras designam formas e flexdes do ser, conforme no-lo sugere ‘Gompere: “Arstteles imagina um homem em pé dante dele, no Lice por exerplo, « passa em revista sucessivamente as quest a5 Tespostas {que poderiamos elaborar a seu respeit. Todos os predicados que the podem ser atibuidas enquadram-se numa ou noutra das dez chaves, Geade a questo suprema qual €0 objeto perebido aqui, até questoes Subaltemas relatvas 4 pura aparénda exterior, tals como: que porta ele om efito,calgados ou armas?.. A enumerag € concsbida de forma & omportar 0 maximo de predicdos que podem ser designados 3 uma Daf a importing da categoria substinciae de seu correlative grama- tical (eubstantiva): a0 fim € 20 cabo, ela nos reenvia a um solo textrgramatical e mesmo exrlégica, onde irompe 0 set no limiar do pensamento e da linguagem e onde encontramos a arcé da coisa — a ‘uaia — na sua qualidade de principio frontal do sere de sua intlgibi- Tidade. E dat também toda a vocagio metafisca do verbo ser, que Vat cfercernos a ligagio dos atibutos(acdentes) 20 ser (sbstinea), na ‘qual vamos encontat_um aspeco singular da lingua gregae de outs do grupo indo-curopeu, eno verdadeiramente uma marca ou condigio do pensament em sua universaidade. No hebaico, pr exemplo, 0 Ver ‘bo ser €reservado a Deus e nfo fo poucas as linguas em que ele est de todo ausente, sem que saibamos ao certo se suas fungSes fram reassumidas por outros verbor ou por outas eategorias gramaticals, a exemplo dos sruposlingitsicos falados no Togo (ew), de que nos fla Benveniste “0 grego —esereve — no somente poss um verbo ‘se’ (0 que no 6 de modo algum uma necessidade de toda lingua}, mas faz deste verbo ‘mpregos absolutamentesingulares. Ele o encaregou de uma fungSo Tbplea, a de cOpula (0 propio Arstteles js Haha ebvervado que nesta 15 CE BENVENISE, Prom de inguin gre Pa: Glia 1961p 1M. Aped BENVENISTE.E op. tp. 6. 19 angio 0 verbo néo significa propriamente nadia, pols ele opera simples- mente uma sinteze), por causa deste fato este verbo recebeu uma exten ‘So mais ampla que os demais. Alem diss, ‘ser pode converters, gragas {20 artigo, numa nocSo nominal, tratada como coisa; ele di lugar a outras ‘arlagbes, por exemplo seu partiipio presente, ele proprio substantivado ‘em varias espéces (to bn, hol onts, la ona); ele pode servir de predicado {151 mesmo como na locugio fo fen dna, designando a esstncia conceptual de uma coisa, para nio falar da espantosa diversidade dos predicados particuares com os quals ele pode construt-e por meio das formas cau- Sais e das preposigoes... Néo poderiamos terminar 0 Inventirio desta 1- {queza de empregos, mas tratase de dados de lingua, de sintaxe, de de- fivagdo. Sublinhemo-lo, pois € numa situagSo Linguistica assim caracteri- {ada que puderam nascer e Se desenvolver toda a metafisca grega do ‘ser, a5 magnifias imagens do poema de Parménides, bem como a dialticn do soft. A lingua evidentementenio orientou a defnigio metafisca do ‘ser, cada pensador grego tem a sua, mas ela permit fazer do ‘se’ uma nnogio objeivivel, que a reflexdo filos6fica podia manipular, analisar, si- tuar como no importa qual outro conceito”®. ‘Um tanto alheios a este modelo, os gramsticos da Biblioteca de ‘Alexandria preferiram oferecer-nos uma gramtica bem mais pragmiticn ‘nos Gusdorf. Em fins da idade médi, 0 proprio 'linguagem e afirma contra 0 Estagiita {que na frase "o homem corre”, quem corre ndo & a palavra nem a subs- {inca (Yo homem), mas a pessoa concreta individual. Todavia, Ariste les havia aberto o camino. E os espiitos, mais tarde, js “mordidos” pela metafsica e “possuldos” pelo mesmo déimon logocéntrco, de novo se puseram naesteira do modelo logico-metaisico da linguagem do Estagiita de novo nos propiem algo como wma gramatologa, para além de uma {gramitica simplesmente empirica e normativa: a Gramética Geral e Filo- ‘Sofie, Como os solitrios de Port-Royal, dois mil anos depois. ‘A Gramitica Geral de Port-Royal ‘Com efit, se se ttm em conta os “enjeux” da idade mecinica © as “contraintes" do modelo Wégio-metatisico da Hnguagem, sio duas as ‘condigées para se pensar a gramética no século XVI 1) ela deve atender fs exigneas do mecanicismo, nos falar de uma linguagem-méquina; 2) tla deve atender as exigincias do matematismo, e nos falar de uma lin- ‘guagem-matematica. 15 BENVENIST, Bop it p7 “0 Mas tio logo abramos as primelras piginas da Grammaire de Port- “Royal, veremos que ela no satistaz nem a primeira nem a segunda ex: ‘gincia. Por um lado, prefere as esséncias ideals do pensamento i dispo- ‘sigdes mecinicas da Iinguagemy e fica portanto aquém do mecanicismo, Por outro lado, pensa a gramética como uma extensio da légica, uma logiea aplicada, e desde entdo fica aquém do matematismo, Daf encontrarmos na Grammaire Générale et Raisonnée no uma axiomatica de tipo mateméticoplatOnio, mas de tipo logico-arstotélico, 8 qual, a despeito de ser menos moderna do que a de Condillac,estava destinada a ter um papel de maior relevo na moderidade, comandando as investigagbes sobre a inguagem por quase dois séculos. Portant, esta restrigio no significa propriamente uma “oensura", pois, para dizer a verdade, a fusio da Hingdfstica com as matemdticas ¢ bem mais tardia (obra de um Chomsky, por exemplo) ao longo da moderidade o que temos de fato sto diferentes sortes de “gramatologias” (mesmo Beauzée rio excapa a essa regra; em Condillac 0 uso das matemiticas ¢ pico € exterior), & excegso apenas da linglistica histrico-comparada, que vai buscar seus cinones na histéia, ‘Daf também a necesidade dese introduzi a idéla de variante de uma Episteme, para além da idéia de estratépia discursiva, pols se é verdade ‘que a via dos solitirios de Port-Royal € a via da redugio as esséncas, como a de Espinosa, no obstante a axiomatic nio @ a mesma: em Espinosa, uma axiomitica de tipo platénico, resultante da fusio da contologia dos principios com um matematismo de estrita observing; em ‘Amauld e Lancelot uma axiomiica de tipo aristotlico, também organi zada em tomo de uma ontologia dos principios, mas sem que 0 logicismo {enka dado lugar a um matematismo de estita observanca ‘Com efeito, que é a gramética e qual é 0 seu objeto? — perguntam ‘0s MM de Port-Royal. “A Gramstia € a arte de falar” — escrevem — € “falar € explicar seus pensamentos por meio de signos que os homens Inventaram com este intento". Seu extudo est fundado na consideracio de duas coisas intimamente associadas: “A primeira: 0 que eles sio por rnatureza, vale dizer, enquanto sons e caracteres" —que sero objeto da primeira parte; “a segunda: sua signiicaio, isto €, a maneia pela qual 0s homens se servem deles para significar seus pensamentos” —- objeto da segunda [No entanto, hé um desequilbrio na Gramatca Geral de Port-Royal no ‘ratamento destas duas matéias:longe de atbuir um peso igual as duas dimensées da linguagem — uma, que considera o som em sua pura Tra ARNAUD. A LANCELOT. © Cima gn ind ec eptitne ut mateadade, na sun posvidade de eubatinsa snor; our, git 0 {one sua pura espntuadade, na clade das ages Se sn Caco cetera sobre exis cupando tes ares des Shin uc no conta cm mate de ra cenena de pgnas desde eno Shecrogenedade de otagio sue ano suas ds pres sla 8 “ist per lo cone sno ua mitara de emperae ede bom ‘rs, um enn de observers intigete em su apt (ever ‘Salabeizr a pessoas nlo por eo Ge lesa plo son), mas Siperis quant sou suport analy so pao sue inverse toh os pins €veservade 9 spun, mas restngindo-os ig Casto das alas at deers expla pl esta mesma da tinguager. Como trot Focal es tr Ar Lae rts ae tna ington ve pe noma supeieconsida por dus om: {ns superstars cma nada main, consid pls Ses plates uso tudo alo oe conforma o corpo vise! da nga fee mais erat, acto ronda contigs pela ona dos pin Es que “doa” ao corpo vsvel¢expicam a divers formas de Snag das palavas Rests que nos env propria natures So fame, gue cae a una cera nopolgi elacga a primers coma {ebnnds 3 Yona opus «aint doe archos dena vatarera i tmana na sua condo de ser de ri e inven: segunda, ona Frac ctena deur ares humana na um qaidade dese e at rernede nia. Achave da lingua encontando-e onde se ene ta segunda cana, nada ma fatal que 2 Gratien Cer de Port "Royal tna plead» segunda ienso, Pra lvar bom tomo sow enpres eoaeveFoueait— la snplesmente “dea Se hoo ot ebay fucstesconernees 9 igen vara ou ara ds palavas, Ss asd etimoloinsealdade dos universe v8 estar se ate dh sua tara nedrnvesigar sant dos sos Para tanto peta je cnt ma inguns uns orem prof que podemosreconaaie {ohn toa nena, dade qu cosieremos ss rinpos gers indepe: tados fundamentals, notadamente o novo modo de ser que esta reconversio tpistemoldgiea permite inatalar. Como o primeleo aspecto — a associacio dda matematica }experiéndia — fol objeto de nossas andlises nos parsgra- fos precedentes, pouparemos o leitor da fadiga da repetici. Qual era com efsito 0 papel do fendmeno na economia do saber na antiguidade dléseica? Nenhum — escrevem Belaval e Lenoble:otermo Gién- a pst) era reservado a0 conhecimento do ser (dr), vale dizer, das ‘coisas etemas e incorruptivels, enquanto ofendmeno,recaida contingente do ‘Ser (aparncla) nose constitia em objeto da dna, mas to-s6 em maria dda opinito (das). Ext concepgio, laborada por Patio, fei mantida por ‘Arstteles, reaparece em Descartes e em Espinosa na moderidade. ‘Tal ‘ao € a0 que patece, o caso da linhagem galileunewtonlana:além de con- ‘eber oconfecimento dos fendmenos como matria da dénca — 6 aqui que reside a primeira diferenca —, postulase que o fendmeno & a propria rea- Uidade — eis a segunda —, e € nesta diferent specfce que repousa a pos- sibilidade da cénda modema como céncia positiva®. TGS REAVAL Ye LENOWLE, Kop tp 20, 188 Projeto ambicioso que confundi 0s espites do tempo, a fisca nova Implicou, a nivel epistemol6gico, uma completa e cabal subversio de todos fs termes chave de um sistema de saber instituldo segundo uma tradigso milena. ser, essénca, fendmeno le ec tém seu campo semantico inver- tido (ser/fendmeno € nso ser/esséncia) ou véem parte de suas significa. Bes simplesmente eliminadas (as virtudes secretas dos antigos; as cceidades dos escolistcos medievais) ou redefinidas em suas notas fun- ddamentais(ei/rlacio/fendmeno, no lex/causa/ escent) ‘Teatro de uma imensa revolusio do pensamento, a ciéncia moder- ‘na —a nivel ontol6gioo — nos leva a um ponto de nfo-retorno além do {qual &nos impossivel recuar primeir com Kepler, que se insurge contra (0s circulos perfetos dos fixes redondes e elemnos e os substitui peas ipsesimperfeitas das Forgas atratvas, motrizes e magnéticas; em segui- da, com Galileu, que descobre as manchas no sol eas montanhas na lua, Introduzindo o fendmeno nes fixes; enfim, com Newton, que reduz o ‘univers inteiro, do mundo supralunar ao mundo sublunar, a um sistema ide forges sem recorrer um 86 instante &s qlididades das coisas — € um novo sistema de objetos que se oferece 20 espiito © exige uma nova sgramética do saber A elucdagio dessas novas empiriidades exige uma nova economia dos principio. Com efeito, desde a antiguidade céssica,sej na tradiglo astotélica,sejana platOnica, a explicagio dos fendmenos implicava dis- {inguir no real empirico uma regito privilepiada que subsiste em se por simesma, das simples aparéncias que ndo existem em sie por si, mas ‘nam outro, e dele receber sua intligincia e razio de ser. Essa regido privilegiada era a zona metafisica das esstncias, 0 principio, a ercht, na ua qualidade de principio fontal do sere de sua inteligiblidade; a expli- ‘cagio, a redugio do fendmeno 2 sua essénca. Por fim, 0 acesso a essa reio privegiada do ser se dava, se ndo por inuigfo, 20 menos pelo progreaso da andise — tal 0 sentido da ascensdo dialétca em Plato — fu pela progressiva elaboragio racional do sensivel — tal foi a sada tencontrada por Aratteles a0 se insurgir contra o universo das esséncas separadas de Plato, (Ore, precisamente estas distingbes, esta forma de explicagio ¢ este _universo dos princpios arch), € que sio abandonados nos tempos mo- ddernos. Antes’ de mals nada, abandona-se 0 mundo das esséndias se atém simplesmente ao fendmeno, o qual deixa de ser uma aparénca, ‘dobra-se sobre si e adquire uma espessura ontolégica propria. Demals, sem uma regio privilegiada do se a remontar, expicar no consiste mais ‘em reduzir os fendmenos As esstncas, mas em descrevere correlacionar ‘0 fendmenos, dobrando-os sobre si mesmos. Por fim, se se recorre 208 prinepios, estes ndo designam mais a regio metafisca das esséncas, mas 189 um sistema de forts que ocopam a zona intermedia stuada entre Supcrice ia dos fendmencs, colada na peep, regio profunda

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