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TOBIAS BARRETTO OBRAS COMPLETAS iv DISCURSOS 1928 @@o ELIA vO ESTADO DE SERGIPE RAZOES DESTA EDICAO I — Decreto n.* 803, de 20 de Abril de 1923, do Governo do Estado de Sergipe. IL — Trecho da mensagem do Dr. Graccho Cardoso, Presidente do Estado, 4 Assembléa Legislativa de Sergipe, em 7 de Setembro de 1923. a i DECRETO N-* 803 De 20 pe Anam. pe 1923 Monda fazer a edigéo completa dis obras de Tobias Barretto O Presidente do Estado, considerands a avgio pre- ponderante que coube a Tobias Barretto m renovagéo do pensamento: brasileiro, no wltimo quartel do seculo pas- sado ; Considerando assim o valor inestimavel da sua obra, quer seja encarada do ponto de vista philosophico e ju- Tidico, quer vislumbrada unicamente pelo aspecto littera- rio, critico, poetico, oratorio e polemistica; Consideramdo que se acham completamente exgotta- dos os trabathos do grande sergipano, e outros existem inéditos, os quaes, pelo sen alto aprego, merecem divul- gados; ‘Considerando que a publicagéo systematizada de todos clles contribuird para um conhecimento mais exacto da personailidade do eminente patricio e par 0 aferimento preciso da transformagio que a sua influercia irradiadora ‘operou no direito e nas lettras nacionaes; ‘Considerando que & dever dos povos zelar pela me- moria dos que glorificaram a Patria, e que aos Gover- ‘mos cumpre, nesse presupposto, contribuir para 0 esti- mule moral das geragées futuras Considerando que nio pide haver melhor ¢ maior ‘monumento para uma agigantada figura intellectual do que a divulgacio das suas idéas generosas, altas con- ‘cepgoes do espirito © arrojadas creagées do genio, DECRETA: ‘Art. 1° — O Governo fard, por conta do Estado, ceditar as obras completas de Tobias Barretto, commissio- nando, para o trabalho de colligir inéditos © preparar 0 material a imprimir, pessoa de reconhecida capacidade. ‘Art. 2° — De accdrdo com o art. 3? das disposi- oes geraes da Iei n.* 836, de 14 de Novembro de 1922, © Governo abrird opportunamente os creditos necessa- ios. Palacio do Governo do Estado de Sergipe, Aracaja, 20 de Abril de 1923, 352 da Republica. ‘Maurrcro Graccuo CaRposo. ‘Hynald Sontaflor Cardoso. Do “Diario Official” do Estado de Sergipe, de 21 de Abril de 1923. Ary W Edicg&éo das obras de Tobias Barretto “A administragio nfo pile ser indifferente, 4 memo- ria dos que glorificaram a Patria. Zelar-thes pela per~ manente ¢ viva lembrangs das ideias grandioss ou dos feitos varonis ¢ dever mesmo precipuo dos governos, como tum estimulo moral 4s geragdes ftoras. Com esse alevantado intuito foi que ordenei a edigéo completa, por conta do Estado, dos trabalhos de Tobias Barretto. Eston que essa resolugio mereceré 0 vosso applauso. ‘Ninguem pelo talento, pela cultura, pela combatividade, fora de Sergipe, levou ans pinearos mais altos do pensa- mento, a tradigio intellectual do Estado. 'A sua formidavel produccio poetica, critica, oratoria fe polemistica — apesar do. papel renovador que exercea mas lettras nacionaes na ultimo quartel do seculo XIX — permanecia j& hoje, entretanto, de poucos conhecida, por se ackarem completamente esgotadas algumas das suas melhores obras, e outras se conservarem até agora ing ditas. ‘No\presupposto de contribuir assim pata um conhe- cimento (mais exacto da personalidade do emiinente patri- sio e pata o aferimento de sua influencia irradiadora no direito, ng philosophia ¢ ma litteretura brasileira, foi que commissionei o dr. Manoel dos Passos Oliveira Telles, Jpulo e\amigo que foi do grande mestre para colligit tose \preparar o material a imprimir da furura eticio.” Da menseggm de Presidente Groccho Cardoso, om 1923. ‘TOBIAS BARRETTO COMO PROLOGO (1) 1S dlseursos que 0 leltor val encontrar agai so do Dr. To: blag Barretto de Monesos, Imports dizer que vai ler, no es valgaridades com tamelras, mas verdadelros discurses chelos de clocuglo © a grandeza phencmenal do taleato que cs produsiu. Poeta e critico, philosopho ¢ jurists, tal como se tem mastrado desde os seus primeiros ensafoa atf a hora actual, @ espirite fecundo que 0 paiz conhooe bem, © 08 estrangelros, Drincipalmente os allemies, admiram e applaudem, tem sinda ‘uma fice no menos pujante © ra: — 6a de orador. ‘A critica por seus orgios competentes, a critica, digas deste nome, ni o encarou ainda sob um tal aspecto; mas ‘tambem nilo se furd esperar. 7 Quem € que o tem ouvido sem grande attenglo, sem maximo interesse, nas Boras ¢m que sa polavra exsina, ‘vila, fere, convence ¢ encanta? © oradcr que proferfa estes discursce realisou om si 0 pensamento de Catho; 6 um “vir probua dicend! peritus”: Doraue. na realidade planetas esté na razo directa da maior ou menor prscuRsos ase approximacio do centro imperial: Pedro Americo é.0 mais aulico; no sera justamente por isso que elle € tambem 0 smiis falado? E! sabido que Carlos V, tendo tima vez apanhadlo 0 pincel cahido das méas de Ticiano, aos corterios. expan tados daquella especie de humilhacéo do monarcha diante ‘de um simples pintor, respondeu altivo: — “Néo ha de que vos admires; marquezes © duques, como rds outros, posso ew crear 4 vontade; mas Deus sémente pide fazer ‘um Ticano.” Tenbo meus“feceins de que o Sr. D. Pe- ‘Feo Il queira scr mais alto que Carlos V, ¢ como tal mio se limite & fazer duques © marquezes, mas tambem pretenda crear, ou pelo menos ajudar a Deus na creacéo dos Ticianos. Como quer que seja, uma cousa € incontestavel: as télas de Pedro Americo ¢ as partituras de Carlos Gomes do nes pagam dos desmandos, dos caprichos, da ridicula pantosophia do. sen illustre protector. Péde ser exacto 0 Ge diz Treitschke — e eu nao Sinto se me erigarem 05 cabellos em repetil-o, — que na antiga Grecia, onde ,os cuidados communs da vida repousavam sobre os hombros do excravo, © havia por isso tempo e descanco para a alta ‘eultura do espitito, as tragedias de Sophocles © 0 Zeus de Phi escravidad, Mas certemente a batalha do leaky, a Fosco, ov 0 Salvotor Rose, ¢ quantes outros productos possam ‘sahir das mos daguelle Par nobile fratrim, nfo valem, ‘iio compensam a miseria politica, o abatimento moral, em que nos achamnos, em virtude © d meseé da vontade abso- ta Uo Sr. D. Pedro 11. suaceaoe — 11 nao foram comprados mi caro, prego da * Manifestagio ao Dr, J. Mariano (3) US Sennones, — Nao sti se bem comprehendo 0 intuit da vossa festa; nio-sei se descubro ao Fonge 0 alvo que tendes em mint. Como quer, porém, que seja, desde que se trata de uma festa popular, que importa 8 consagragio de mm justo renome, pelo cult devotado a um homem de grande merifo, apresentando-me entre ‘vs eu no fago mais do que ceder a0 pendor natural que me faz abragar todas as causas, onde sinto palpitar © coragéo do pove. E sabendo como sei que a causa pre- cipua & nobre, eu que ha muito jé troquel a bhuza do poeta pelo easacio do philosopha, € como tal, nio crendo as finalidades da natureza, descreio tambem do valor seu illustre tundador, reeditar em suas columnas este diseurso do Dr. Tobias. Barretto, por oceasito do anni versario natalleio do tribune politico pernambucano (ni fotlor — 1884-1895). No artigo que precede © recommenda © Giseureo, feteriodo-se a ‘Tobias Ratretio, Giro sopuinte: = "Os que conheceram 0 erudite sergipane Dr. Tobias Bar- retto de Menezes. saber quanto elle era avesso aos brindes de encommenda, avaro de elogios, sobresahindo na quasi total ade dos sens escriptos a nota discordante do concerto unieond, |)a phrase rebelde contra o ceremonial das seitas, a apostrophe ‘omtra os Idolos ialson, 152 TOstAs BARRETTO ‘das. finalidades sociaes, no me dei ao trabalho de reflectir previamente que efeitos de ordem moral ou de ‘ordem politica pécdem resultar deste ruido de enthusiasmo, deste tater de azas invisiveis, com o qual vem misty: Tar-se, como uma nota dissona, minha palavra selvagem. Nao me dei ao trabalho de ponderar, por um lado, 33 sasceptibilidades feridas, as desgostas acordados, os des- peitos enfurecidos, ¢, por outro lado, a sorte que me possa aguardar, pela ousada extravagancia de acoder tio de bom grado ao vosso. convite, maximé por ser eu um ‘representante a provincia e no dever dest/arte violar tuma das regras sacrosantas da pragmatica dos partidos, que & 0 deputado divorciar-se intciramente do pove e dar coma pé na escada por onde subi. ‘Nao reflecti, no ponderei natla isto. Bem sei, meus senhores, que o liberalismo. entre mds, 0 liberalismo de salle, que tem suas cerimonias © etiquetas de baile, no tolera de béa vontade estas meanifestacdes da praca publica, Nio_se_distinguindo em cowsa alguna pela divisa da sexuloy que € 0 lento de ousar, o Bberalismo cor- rente do nosso tempo, ¢ um trabalho que canca, é um mister que fatiga, sobretudo se se attende que elle se move dentro de formulas economico-mereantis ¢ escreve a sua vida por partidas dobradas. Pols bem! Aquelle notavel espirite rebelde 4s convengtes Vortidarias, 4 disctpline dos grupos, toa vex que teve de ‘Feferirse ao caracter ¢ 4 vida politica de José Mariano feo. ‘not termos mais {rancos «calor eo, Come oxemplo damos um diseurso por elle pronuneiaio no edificio da Ascociacio Commercial. por occastho da festa promavida em homenagem a José Marlano, a 30 do Janeiro: e 1873, discurso quasi desconiiecido dos cogumellos da Kapu- bilea © que incontestavelmente € 9 mals digno preseate de nce gee falemoe enviar no din de hoje ao aosea laareado DiscuRsos 158 Mas ei ainda nio cancel de ser liberal, o que vale dizer que ainda nio cancel de crér na realidade de uma forca superior que nos descobre um mundo melhor, que ‘hos impelle para elle; ainda me no senti obrigado a ajoelhar-me diante dos idolos © pedir perdéo da. minha. virtude, a unica, talvez, de que me posso lisongear, 2 virtude de poder pentar no povo sem pensar no rel, Stes dois conceitos que para mim sero sempre os dus, termos de uma antinomia do_sentimento, mil vezes mais inconcifiavel que es antinomias da azo. Qualquer que s@ja 0 tedio que me inspira o espectaculo das cousas, nao scheguei ainda quelle estado, que produ o desgosto da vida, 0 estadlo de incapacidade para crear um ideal. D: 2 espomtaneidade, com que me associo a todas as emo- des populares; dahi o impeto irresistivel que me faz sorvet ma taga da liberdade, essa feiticeira de todos ‘os tempos, 0 esquecimento de mim mesmo, 0 desprezo do perigo, a paixzo do desconhecide, o enthissiasmo do heroismo e talver tambem um pooco de ingenuidade por chegar a capacitar-me que estas acgées do povo tem sempre alguna influeriia no animo das poderosos... A realidade € que a marcha sinistra e tortuosa, que ha levado até hoje ‘© governo do paiz, apenas nos tem deixado como unica Mberdade consoladora, como unico favor 'da sua longani- midade_o direito infecundo de. falar, de esvair-nos em Palavras, 0 que € t3o pouco efficaz para combater os nossos males, quao pouco efficaz seria, para causar dor no coragio de um despota, morder raivosa € Toucamiente no bronze de sua estatua.... Qualquer que seja o sentido que se ligue a esta manifestagio, qualquer que seja o valor e alcance politico que se The dé, a physionomia moral que se the imprima; ou se tenha como um facto, ainda que nfo commam, todavia natural e logics, nfo da logica vulgar, 18 TOHIAS BARRETTO mas da logica do coragie, por ser a expresso adequada de um sentimento alto © nobilitante; on a0 contrario, © de accérdo com os principios da velha seiencia da vide, que ensina a fazer da submissio ¢ da baixeza uma especie de ingrediente para a felicidade, se comsidere tudo isto como extemporaneo, inconveniente ¢ prejudicial; em uma palavra, senhores: ou 0 murmurio da vossa festa vA ‘soar aos ouvides do poder, como um grito de enthnsiasmo imnocente, ou como um grita de rebeldia, como um rugido de prazer ou como um rugido de colera; eu vos declaro: fio tenho tempo de pensar no perigo, s6 tenho tempo de pensar na gloria; commungo ma vossa mesa, associo-me a vés, estou comyosco!... Felizmente no se trata, ¢ bom dizel-o em honra vossa, de render um preito ceremonial, e apenas re- ‘commendade pelo ritual do partido, a um desses cam- pedes da bia dita, howny soit gui mal y pense, cavalheiros do successo que pelos feiticos da fada, isto é, pelas artes da politica, acordaram uma _manhan_e encontraram-se celebres. Sim, nao se trata de juncar de flores 0 caminho, ‘Bor onde tem de passar um favorito de Cesar. Mas isto nao é tudo, nem isto s6 seria capaz de dar a0 vosso festim a cér historica de um acontecimente, a cér poetica de uma grande obra. O que aqui mais importa observar e fazer subir 4 tona da comsciencia, € que wés no vos propondes mesmo pagar tributos de admiracao vulgar a um deputado pernambucano, simplesmente come tal, a um membro da chamada representagao nacional, a um daquelles muitos sicerdotes”datheologia constitucional, da_metapliysica parlameniar, por cujo encanto, ao proferir palavras santas | de miscra condescendencia, 0 cinko transforma-sc em sangue, isto é,.0s ministros da coréa se convertem dé re~ pente em ministros do nacéo. Nao, meus senhores, vosso_ \ Gntuito & mais elevade. Como todas as grandes. revelagées prscuRsos 185 do espirito popular, tambem esta encerra a sua particula divina, a sua porcdo de idél, que eu me permitto ex- trahir e resumir assim: Estais sem duvida pagando uma divida de justo reconhecimento para com 0 moso impavido, uma das mais bellas encarnacées do justum et tenacem Propositi virwm — sonhado pelo poeta; rendendo um preita de gratidéo ao vosso representante, sim, mas a um que 4 0 era de direito, antes de sel-o de facto, pois ha ‘realmente: époras cheins de Iutas a sustentar e de questies a resolver, que nomeiam por si mesmas os seus dignos combatentes: a ¢peca actual em Pernambuco é uma dellas, ¢ José Mariano € 0 seu legitimo interprete. O sen- tido desta solemmidade nio € , pois, queimar algumas ‘bagas de barato incenso diante do idolo de um (Povo, ou de uma classe delle; no é homologar, par meio do en- Hhusigsmo sincero de uma populagéo avida © sedenta de aegis hercicas, os juiizos encomiasticos da eérte, esse tumulo da ago, da corte sempre suspeita de miseria, vilania © corrupcio cm qualquer grio. O sentido de tudo ‘isto € altamente moral: € a celebfagio do renascimento de uma raca de gigantes, que parecia extincta; o sentido de tudo isto € a glorificagéo de um caracter. ‘Mens senhores! Assim como em philosophia natural, © que se chama um fypo, marca 0 ponto culminante do desenvolvimento morphologico da especie, da mesma Sécma em philosophia social, o que: se chama um ceracter, marca 9 ponto culminante do desenvolvimento historico de um poya,.. Mas que € ser um caracter? Digamol-o em poucas palavras. Que wm mesmo homem, nos diversos dominios de ‘sua actividade, produra muita cousa significativa, nio é um phenomeno sorprehendente, pelo contrario, & vista da Tiqueza da natureza humana, € um facto comprehensivel © facilmente explicavel, pela variedade dos dotes natu- 156 TORIAS BAREETTO ‘raes, Numa s6 pessoa assentam, como se ella para isso wnascesse, diversas formas da vida, do mesmo modo que ‘no actor uma multidéo de papeis. Todo homem possue cm sta phantasia um Proten interior, que se transforma a cada passo, que a cada passo toma feigdes diferentes. Esta € a lei commum. Mas tambem contra esta lei de mutabilidade indefinita, contra esta capacidade de trans- formago, este talento diplomatico da natureza humana, ‘ha espiritos que reagem, nfo sei se por om privilegio especial, ow por esforco proprio, ¢ tomande nas miios, per assim dizer, todos os raios esparsos da actividade sem destino, os concentram em um sb ponto, ¢ os dirigen\ a uum sé fim. Sao espiritos que se restringem, naturezas que se simplificam, © de uma simplicidade, que até as vezes nos parece wniformidade monotona. Mas uma tal uuniformidade € potente e grandiosa; em similhantes - turezas toda a riqueza espiritual se converte na firmeza © energia de wma conviccda, So espiritos, em summa, para_quem toda a philosophia humana é philosophia da ‘vontade; para elles a vida da alma nio comesa por um acto de pensar, mas por umt acto de querer, e em cada tim de seas actos clles paresem dizer: 0 que eu nfo sou por mim mesmo, eu nio o sou; ea sou ham do. sea passado, para se deixarem arrastar pelo caminho das conveniencias, E nada existe com effeito, de mais contristador: 0 partido liberal, que se adorna de grandes promessas, que se alimenta de esperanss, que vive sempre com os seus navios de velas desfraldadss 4 espera de vento, que nos condusa a0 pois da felicidad, quando as occasiées levantam-se bellas © opportunzs, qvando os ventcs sopram favoraveis, tem medo de s fazer ao mar, e reciia espavorido diante dos seus proprios designios |... Nada existe realmente de mais ridicilo ¢ umithante do que vel-os, com todos os seus gestos te grandera ¢ phrases de altiver, curvarem-se resignades 40 mando de quem mais péde, elles, pobres liberaes, repro- ‘ducgées photographicas do retrato de Polonio, o fil companheiro de Hamlet, no celebre drama de Shakespeare. Bis 0 casa: esti o rei como seu inseparavel, trava-e ‘entre ambos 0 seguinte colloquio: Hamlet: — Vés 14 em cima aquella mrrem que ten quasi a férma de um camello? Polonio: — Pelo oéo, magestade! assimilha-se de certo a um cametlo. + Hamlet: — Mas quer me parecer que € similliante a uma douinba, — Realmente, tem as costas de uma do- — Nao: ella parece-me mais uma baléa. 160 Toss BARRETTO Polo uma baléa Abi tendes 2 imagem do que se dé com os nossos homens, quero diver, com os liberaes da dia. E! isto mesmo: a nuvem seré doninha, ou baléa, conforme mais agradat a0 capricho imperial. E assim que, por exem- plo, 0 rei dira: a agricaltura esti morta, & preciso ala, ¢ elles acudirio: € verdade, a agricultura esti morta, carece de mito auxilio. Mas logo depois, 0 rei observaré que nip € tanta assim, que ha cousas ‘mais importantes a auxiliar do que 2 agricultura; e todos dirio: € exacto; para que auxilio 4 agricultura? Como -védes, pela bocca de Polonio. exprimiu-se antecipadamente (© liberalismo da nossa épaca. A figura comica do régio aadulador a sua mais perfeita encarnacéo, Voltando ao centro do assumpto: fizestes bem, meus senhores! Tllustres cavalheiros do Monte. Pia-das hono- rarios © da Associasio Commercial, fizestes muito bem iW dar aSsii um testemunia de réconhecimento ¢ admi- ragio pela imponente attitude do vosso nobre compro- ‘vineiano. Esta festa € um symptoma da abundancia de sentimentos ¢ affectos elevados, que ainda vigoram no seio deste povo, A acco, que assim praticais, no seré destituida de proficuos resultados, ella é 2 faisca, de que talver gerar-se-ha 0 grande incendio; ndo o incendio Fevolucionario € destruidor; eu mo sou, ndo quero ser pregador de revolugao; mas © incendio das grandes pai- 2xGes sociaes, que é preciso que se inflammem por meio de taes espectaculos, e, ainda mais, por um exame de consciencia politica, pela confissio dos nossos erros, ela critica de nds mesmos. A indolencia, o abatimento de Pemambuco, é um phenomeno anomalo, que dé que fazer a0 observador philosopho, como péde dar que pensar ao naturalista © apagamento de um vuledo, Im- — Com effeito, magestade! E* toda como piscunsos ist ‘porta, pois, que vos reergais ¢ reconquisteis os postos ‘perdidas. ‘Agora a vés, geralmente 2 wis, brilhante porcéo do povo pernambucano, permitti que eu onse impor uma obrigacéo, A esta hora, em que exultais © ardcis de enthusiasmo, talver o nome de José Mariano ja esteja registrado no lore da condemnoyde. E’ mister, portanto, que contraiais aqui, neste momento solemne, um com- promisso de homens de bem: que ntinca, munca dei- xal-o-heis ficar 6. FE contando como wosso- apoio, com © apoio dos vossos brios, 0 seu triumpho ser. sempre inevitavel, Se, porém esti escripto, quod Deus overtat, se esti escripto. no livro das nossas miserias, que tudo sera inutil, e que a vor altiva do moso tera de per- der-se na algazarra dos festins da immoralidade vence- dora, como @ vor angustiosa do naufrago no ruido do cceano, eu posso affirmal-o, ¢ acteditai-me, senhores, José Mariano nfo curvard a fronte. Quando tudo The falte, quando tudo o abandone, restar-the-ha sempre © sempre o instincto indomito de uma alma, para quem a macula moral do servitismo € 9 mal absoluto © irre- mediavel. Que a sociedade se estrague e role de quéda fem quéta no abysmo da degradagio, «que os caracteres ‘se apaguem, que a prostituicéo tome as vestes da digni- dade, como Messilina a purpura de rainba;, ainda uma yee vos affirmo: elle néo aceita a derrota, Sentiré no seu coragio © desprezo da ignominia, « este sentimento far- Ihe-ha gs vezes de victoria; contimiara. a fortificar-se no exemplo dos herées e abracando a estatua dos deuses immortaes, o dever, © pudor, a justiga, adjural-os-ha para que vinguem o seu poder desconhecida!... (4). _ (4) Este Giseurso fol, em 1879, promunclado 'uma man!- fesigdo popular ao Dr. Jove Mariapo, deputato por Pernam- bbuea, de volt @ sua provincia. (Nota de Syivio Romero, na edigio anterior dos Discursos, de 1980). = x ‘A Carlos Gomes (5) [EUS sexsorss! — Ja houve quem dissesse que as smusas no eram simente as nove conkecidas, porém havia uma outra, ea mais importante de todas, que era. a seude. Esta deciwa, esta otra rmusa nio me inspira na hora presente. E’ meu dever declaral-o; e sirva iste, a0 mesmo tempo, de preliminar e de desculpa. Confesso achar-me collocado em um tal ou qual embarago. ‘Ainda uma festa, depois de tantas outras, como tributo de admirago a0 componista brasileira! © vocabulatio dos predicados pamposas, 0 thezouro. dos epithetos ornantes esti exgotado; — 0 que posso mais dizer? Creio que nada. E todavia sinto-me obrigato a satisfazer 0 encargo, que me foi commettide, ¢ que ex aceite’, de tambem aqui apparceer ¢ fallar. Mas fallar © que? Et a grande questio; pois nfo se trata mais de entoar um hymno a0 merito do -meesiro, € tio pouco de (G) Palavras proteridas na manifestaglo felta ao maestro Carlos Gomes, ta qual foram dadas aa cartes de liberdade a. Gols escraves. Recife, 10 de Julho de 1882, 14 Prometter-Ihe, em nome do futuro, que muitas veres nio passa de um tempo de verbo ma grammatica, on de uma simples asperonca messinica na eachatologia dos pévos modernos, um sem numero’ de momumentos mais durs- ddouros do que o bronze. Nao se trata de repetir, pela millesima vez, que Carlos Gomes & um genio e suas obras ‘outras tantas revelagies do espirito macional. Tudo isto esti dito, Insistir sobre este assumpto, variar sobre este thema, que jé tornou-se vulgar, com 0 concurso mesmo de novas flores e novas palmas, & uma esperie de pleo- ‘masmo esthetico. Entretanto, apresso-me em pedir que niio se me traduza a0 pé da letra. Ainda que eu tivesse as melhores idéas a oppor 20 phrenesi provocado pela presenga do maestro, seria 20 certo. fazer acto de desazo, quando nia de criminosa incivilidade, querer temperar 0 vinho que transborda da faga dos outros com a agua da minha tara. Mais do que seja daquelles que, em collisio de tilices, antes querem pratieal-as do que disel-as, nfo cahiria na fraqueca de ‘Bem péde parecer, pela maneira de exprimir-me, que me acho num estalo de anesthesia intellectual em relacio ‘203 motivos que determinam presertemente 0 arroubo po- pular. Nada, porém, de mais erronen. Ninguem compre- hhende melhor do que ett a significagéo e importancia dos pplausos derramados sobre a cabeca do illustre campo- niista, como tambem, mais do que eu, ndo ha quem sinta ‘a necessidade de ver a nacio inteira, — esta grande agu que vive aliés em perpetuo chico, — reunir-se no pen- samento de uma gloria commum, qual € a posse de uma notabilidade artistica, € deste todo manifestarse 20 mundo debaixo de outra férma, que nio a de um simples piscrRsos 165 tonceito geographico, « por alguma cousa de mais do que gestos € attitades de uma superioridade, que ella de facto néo tem. Eu sei que difficilmente péde agradar aos patriotas de bon aloi, quem nfo esta pelos seus adjectivos ¢ pelas stas interjeigSes. Mas mem por isso juilgo-me com ditcito. ao monsirari digiti come um pyrrhonico e um essimista intolerante. Contenho-me dentro dos justos Timites, A moderagio tambem entra no reine do en- thasiasmo. ‘Neste sentido, subscrevo de bom grado as palavras do notavel italiano Francesco de Sanctis: — Non conosco arma pid violenta che la moderazione del linguaggio accompagnata con fa buona fede: ne nasce una persuazione irresistible. — Uma verdade pois, fallada ou escripta, uma 6_verdadé, moderadamenteexpressa, € muito mais hhonrosa para o nosso componista do que cincoenta men- ‘iras dithyrambicamente cantadas. ‘Meus senhores! — Lembrome de ter lido na Emilia Golotti, de Lessing, as seguintes profundas palavras, que ‘0 poeta collgcon na bocca do principe conversando com © pintor: — “Vés bem sabeis, Conti, que 0 maior loavor ‘que podemos tecer 4 um artista € esquecermo.nos delle, absorvidos pela contemplago da sua obra”. ‘Quero crér que estas palavras encerram um principio verdadeira, porém, 20 certo, de difficil applicagio. Quem seria capaz de deixar-se sempre medir por semelhante bi- 16la? Se o maior elogio que se fizesse a0 artista consistisse Jjustamente em nio pensar na sua pessoa, por amor da sua ‘obra, podia-se entdo assegurar que 0 meestro brasileiro ndo fot até aqui sufficientemente elogiado, pois ninguem ‘ainda esqueceu-se delle para sh recordar-se dos seus trabathos. Mas eu acceito a rigorosa verdade expressa pelo celebre progono da litteratura allem. E’ uma medida ruccssos — 12 188, TOBIAS BARRETTO tathada para tomar-se o tamanho de gigantes. Tanto me- Thor. Quero applical-a ao nosso componista. ‘Depois de mil preitos rendidos & sua pessoa, chegou tambent 0 momento de esquecermo-nos della, para sdmente ‘prestarmos homenagem 2 tma das suas grandes obras, Mas véde bem: essa obra no é nenhuma das suas bri- Thantes composigies musicaes; € um producto muito mais ‘brilhante, porque € um acto humanitario, porque € 2 Fiberdade, em seu nome © por sua eausa, restituida a dois infelizes, Aqui ¢ agora € que comprehendo a exactidao, com ‘que tum escriptor dos nossos dias Karl Fuchs, em seu interessante optsculo— Virtuos und Dilettant, poude dizer que fa na.musica alguna cousa gue nfo se one. Perfei- tamente, Essa alguma cousa, que Bio se onve, acabo de comprehendel-o, ¢ 0 bem que a musica nos faz; mais ainda do que isso, € 0 bem que ella nos obriga 2 fazer 20s ‘outros. Eis 0 aso; € 0 caso € comwasco, maesire, Tendes tido toda a sorte de triumphos. Se tudo que Pernambuco ji havia até hoje feito para glorifcar-vos, nfo correspondia. cxaclamiente ao merecimento do artista, ao menos é inne- avel que Ghegava para

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