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METODOLOGIA CIENTIFICA EM CIENCIAS SOCIAIS © autor situa a pesquisa como a razio mesma de ser da atividade académica. ‘Sem desmerecer a docéncia e também a atividade de extensZo, acentua que estas duas dependem intrinsecamente da pesquisa. Sob este aspecto, é inci- sivo: "S6 tem algo a ensinar aquele que, por meio da pesquisa, construiu uma personalidade propria cientifica, aquele que tem uma contribuicéo original; caso contrério, nao vai além de narrar aos estudantes 0 que leu por ai. E se atribuimos & universidade um compromisso com a comunidade em que est inserida, para que ndo fique apenas na teoria, mas consiga descer & prética, isto se consegue da melhor maneira possivel se a intervengdo na realidade estiver baseada em pesquisa prévia, porque néo se pode influenciar o que no se conhece." Estruturada sobre esta colocagdo inicial, a primeira parte deste texto cuida do débito social da ciéncia. Nesta parte, o autor trata de questdes mais gerais, ‘onde sobressai a perspectiva da sociologia do conhecimento na demarcagéo cientifica, na vigéncia do argumento de autoridade, na busca da relativizagao da ciéncia, na idéia da antimetodologia como coftrabalanco & preocupacao exa- {gerada e moralista do metodélogo e na discusséo em toro da neutralidade. Na segunda parte do texto, o autor destaca algumas abordagens importantes da pesquisa atual nas Ciéncias Sociais, como 0 empirismo, 0 positivismo, a dialética, 0 funcionalismo, 0 sistemismo ¢ o estruturalismo. NOTA SOBRE 0 AUTOR PEDRO DEMO é Ph.D em Sociologia pela Alemanha Ocidental. Defesa de tese em 1971 @ publicada em alemao em 1973. Foi professor da PUC/RJ, da UFF, do IUPERY, entre 1972 e 1974. Desde 1976 é professor da UnB, onde +80 tornou professor titular a partir de 1981. E autor de introdugao 4 metodolo- gia da ciéncia © Sociologia, publicados pela Atlas. APLICAGAO Texto de referéncia para as disciplinas METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTI- FICA, SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO, INTRODUCAO A CIENCIA @ FILO- SOFIA DA CIENCIA, de cursos de graduagéo e pés-graduacao na érea de Ciéncias Socials, como Filosofia, Histéria, Ciéncia Poltica, Sociologia, Antropolo- gia e Educacéo, J Copyright © 1980 by Editora Atlas S.A. 1L.ed. 1980; 2. ed. 1989; 3. ed. 1995; 11. reimpressio 2007 Capa: Paulo Ferreira Leite Dados Internacionais dle Cataloga¢o na Publicacio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Demo, Pedro, 1941 — Metodologia cientifica em ciéneias sociais / Pedro Demo. ~ 3. ed. rev. e ampl. ~ 11, reimprt. ~ Sao Paulo : Atlas, 2007. Bibliografia, ISBN 978-85-224.1241.9 1. Giéncias sociais ~ Metodologia 2. Ciéncias sociais ~ Pesquisa I. Titulo, 95-0639 DD-300.18 {indice para catélogo sistema 1, Metodologia : Ciéncias sociais 300.18 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - F proibida a reprodugio total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violacdo dos direitos de autor (Lei n° 9610/98) E crime estabelecido pelo artigo 184 do Cédigo Penal. Depésito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n* 1.825, de 20 de dezembro de 1907. Impresso no Brasil/Printed in Brazil Ea Riso seats Om Para MINHA MAE, incentivadora dos meus estudos. Introdugao Tratamos aqui de Metodologia, que significa, na origem do termo, estudo dos caminhos, dos instrumentos usados para se fazer ciéncia uma disciplina instrumental a servigo da pesquisa. Ao mesmo tempo que visa conhecer caminhos do processo cientifico, também problematiza criticamente, no sentido de indagar os. limites da ciéncia, seja com referéncia a capacidade de conhecer, seja com referéncia a capacidade de intervir na realidade. , Reconhecendo o caréter problematizante da metodologia, degorre ser mister aceitar que tudo em ciéncia é discutivel, sobretudo nas cléncias sociais. Nao hd teoria final, prova cabal, pratica intocavel, dado evidente. Isto é uma caracteristica, nao uma fraqueza, 0 que funda, ademais, @ necessidade inacabavel da pesquisa, seja porque nunca esgotamos a realidade, seja porque as maneiras como a tratamos podem sempre ser questionadas. Alguns entendem por pesquisa o trabalho de coletar dados, sistematizé-los e, a partir dai, fazer uma descrigéo da _realidade. Outros fixam-se no patamar ‘teédrico e entendem por pesquisa o estudo e a producdo de quadros te6ricos de referéncia, que estariam na origom da explicagdo da realidade. Desorever restringe-se a constatar 0 que existe. Explicar corresponde a desvendar por que existe. Outros mais acreditam que pesquisar inclui teoria © pratica, porque compreender a realidade e nela intervir formam um todo s6, tornando-se vicio oportunista ficar apenas na constatagdo descritiva, ou apenas na especulagao tedrica. De todos os modes, a atividade da pesquisa é reconhecida como a razdo fundante da vida académica, de tal sorte que a funcao docente dela decorreria, @ mesmo a influéncia sobre a realidade circundante ‘a suporia. Como a realidade social nao é evidente, nem se da a luz com facilidade, sendo muito diferente 0 que aparece & primeira vista 14 2 © 0 que encontramos na profundidade, pesquisar carece de método. Embora apenas instrumental, é indispensdvel sob varios motivos: de um lado, para transmitir a atividade marcas de racionalidade, ordenacao, otimizando 0 esforgo; de outro, para garantir espirito critico, contra credulidades, generalizacdes apressadas, exigindo para tudo que se diga os respectivos argumentos; ainda, para permitir criatividade, ajudando a devassar novos horizontes.” Metodologia distingue-se em nosso meio de Métodos e Técnicas, Por estar em Jogo no segundo caso o trato da realidade empirica, enquanto no primeiro existe a intengao da discussao problematizante, a comecar pela repulsa em aceitar que a realidade social se reduza a face empirica, Nao se trata de rebaixar Métodos e Técnicas a atividade secundaria. Para o trato da face empirica sao essenciais. Metodologia adquire 0 nivel de tipica discussao tedrica, inquirindo criticamente sobre as maneiras de se fazer ciéncia. Sendo algo instrumental, dos metos, no tem propriamente utilidade prética direta, mas 6 fundamental para a “utilidade” da produgdo cientifica. A falta de preocupacéo metodolégica leva & mediocridade fatal Na produgdo.cientifica nem tudo o que se afirma ou se faz tem a mesma solidez. Nas teorias, por exemplo, podemos perceber que alguns enunciados possuem a tessitura de uma tese, significando posturas mais ou menos aceitas. Outros sao apenas hipéteses, ou suposicdes aceitaveis, no sentido de poderem ser argumentadas. Mas ha também pontos de partida sem maiores rigores comprobatérios, e mesmo gratuitos, j4 que ndo poderiamos arcar com 0 compromisso de elucidar definitivamente toda e qualquer afirmacao, TRU Msn, nite ml» mate it ty a, ate vera peaaias clomiten io Paste Dish ise TMPOOK Toll” Andie de pesguss cies ak lt le Se ares ass aera, Nes re Doctiva, 1971. CERVO, A. L. & BERVIAN, P. A.” Metodologla elentifies. Sio Paulo, McGraw- eset oe, it da a wt Ce Pine, Ae ti Re ES Gee Wd eae ee tienes Sere Sec WA Len, adeno ae Mas mains a 8, oie", Daratva''e inferdscptinar Rio’ de Janel, FV, 1876. KAUFMANN," Metodologla das See Lar af dered log Re tae ae Hae JES ee shar SS oem Be Be eisetel ind hating Sa ae Seine ants tad ee ee Se MEL, "4)"F Intreduedo. aos ‘procedimentos de. pesquisa em edvcseao, Porto Globo, Be icepltrr tr nr we hoe igs ie Ae Geatee & amr eeramee Se fel Ret Se Sere ae a eS ‘clentifiea, “Sto Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1982. vee " Aqui nos restringimos ao campo das ciéncias sociais e aplicamos um tipo de percep¢do metodolégica calcada na sociologia do conhecimento, que 0 toma, a par de suas marcas epistemolégicas, como produto social.? Acentuamos particularmente 0 débito social das ciéncias sociais, 0 que impede, ademais, de as reduzir as ciéncias naturais. Seu método, assim, em parte seré igual ao das ciéncias naturals, em parte diverso, naquela face diversa da realidade social onde aparece 0 homem como ator. Por esta razio nao podemos deixar de reconhecer pelo menos quatro géneros mais delinedveis de pesquisa, intercomunicados: a) ha pesquisa te6rica, dedicada a formular quadros de referéncia, a estudar teorias, a burilar conceitos; b) hé pesquisa metodolégica, dedicada a indagar por instrumentos, por caminhos, por modos de se fazer ciéncia, ou a produzir técnicas de tratamento da reali- dade, ou a discutir abordagens tedrico-praticas; ©) hd pesquisa empirica, dedicada a codificar a face mensu- rével da realidade social; 4) hé pesquisa prética, voltada para intervir na realidade social, chamada pesquisa participante, avaliagao qualita: tiva, pesquisa-acao etc? j Nenhum género 6 estanque. Por exemplo, seria ativismo barato fazer pesquisa pratica sem teoria. Por outra, esta visdo leva a aceitar que 0 critério da prética 6 fundamental, mas nao fatal, porque é tao importante quanto o da teoria, Toda discusséo metodolégica guarda em si uma proposta, até Porque é impossivel ndo ter posicao. Se insistissemos em no ter Posicionamento, isso seria 0 pior deles. Também por razées de formagéo académica — ligada ao movimento da Escola de Frankfurt — nossa maneira de ver se inclui na dialética histérico-estrutural, que seré embasada adiante, além de orientada pela busca atual de ‘metodologias alternativas, que saibam unir teoria e prética, quanti- dade e qualidade. Mesmo assim, este trabalho deve ser entendido Como convite & discusséo, dentro do reconhecimento de que s6 pode Lhtohand, e70, GURVITCH, 4. A Ig NEON a, oath f288. Ch_ ntact. 3. beuo, P. pone 8G ‘ease Inwodugto 8 Ietodolgle da cléncla. So, Paul, investigation papers ito ct isa: “avons A 8 14 ser respeitado como cientifico aquilo que se mantiver discutivel, Nada de dogmas. Nada de posigées rigidas. Nada de proselitismo* Dividimos 0 trabalho em duas partes. Na primeira, tratamos de questdes mais gerais, em que sobressai a perspectiva da sociologia do conhecimento na demarcacao cientifica, na critica ao processo cientifico, no desvendamento de compromissos escusos a titulo de neutralidade, na necessidade de buscar posturas alternativas, Na segunda, destacamos algumas abordagens metodoldgicas mais marcantes, nomeadamente: empirismo/positivismo, dialética, estru- turalismo, sistemismo/funcionalismo, além da incurséo em metodolo- gias alternativas. Nao pode existir aqui pretenséo de esgotar tamanha tarefa. Vamos apenas apresentar uma discussdo que deveria interessar a todos os que se colocam no horizonte da qualidade cientifica, seja como competéncia académica técnica, seja como potencialidade poli- tica, no sentido de mudar a sociedade em diregdes mais desejaveis. Construir ciéncias sociais nao pretender produtos acabados, ver- dades definitivas, mas cultivar um processo de criatividade marcado pelo didlogo consciente com a realidade social que a quer compreen- der, também para a transformar. «© apais tee de oem ni, Fn ae 3 seria meee te gi aN? Fee bi SANS § feo 2am Be HE Be cts OFS ain ace tnt aaa iene, dp home. Belo Hozorte, Ine ta nocloide, "Paulo nat, an Parte | Débito Social da Ciéncia 16 1 Demarcagao Cientifica Problema central da metodologia ¢ a demarcacao cientifica entre © que seria © 0 que néo seria ciéncia. Caracteristicamente nao ha nada mais controverso em ciéncia do que sua definicéo, a menos que a consideremos produto de supermercado, que se compra pronto € se guarda na geladeira. A percepgdo comum de ciéncia esté repleta de expectativas simplistas, sobretudo no sentido de que os cientistas seriam gente acima de qualquer suspeita, produzindo “oréculos” definitivos, detendo em suas méos conhecimentos perfeitos. Ao contrério disso, é mister partir de que a demarcacao cientifica coloca no fundo discusséo inacabével, desde que nao se aceite o dogma como algo cientifico. A metodologia néo aparece como solucéo propriamente, mas como expediente de questionamento cristivo, Para permitir opgdes tanto mais seguras quanto mais consciéncia tiverem de sua marca aproximativa © maior problema da ciéncia nao é 0 método, mas a realidade. Como esta nao é evidente, nem coincidem completamente a idéia que temos da realidade ea prépria realidade, 6 preciso primeiro colocar esta questéo: 0 que consideramos real? Alguns julgam que realidade social é algo ja feito, totalmente externo e estruturado. Outros concebem-na como algo a se fazer, pois seria criativamente histérica. Outros mais tentam misturar as'duas posturas: em parte a realidade social esta feita, em parte pode ser feita." _ Dependendo da concepcéo de realidade social, vai variar 0 método de captagao, que é logicamente posterior. Por exemplo, para 1. GE, ctl, poster, snd sero state virien stooges, paula, das ‘sr Gomo metadotopiae” ators etodslogD possi sua concepgaa| props. a cao, ‘ie pode’ sor surroonlda a “anos nto " uma concepeio dialética de realidade social cabe o método dialético, como cabe 0 método sistémico para uma realidade concebida como sistema. Tomamos aqui a realidade social como processo histérico em seu pleno sentido, significando que: a) estd sempre gravida, em gestacéo, o que torna a mudanca algo natural, de sua propria tessitura interna; b) existem estruturas na realidade social que séo_como formas ("formas"), 0 que permite tomé-la como fendmeno regular, até certo ponto previsivel e planejavel; sao estruturas, por exemplo, 0 complexo de necessidades materiais (a infra-estrutura), 0 conflito social, formas de comunicacao e expressio simbdlica ete. ©) dividimos 0 proceso histérico em condi¢ées objetivas © subjetivas, significando as primeiras as estruturas externas a0 homem, que as encontra dadas, ¢ as segun- das a capacidade politica do homem de conquistar seu lugar; 4) transformagses socials se dio nos contetidos, em’ que a hist6ria pode ser radicalmente criativa, produtiva, depen- dendo, para tanto, de condigées objetivas ¢ subjetivas, cada qual detendo a mesma ordem de importdncia; e) 0 mével proprio de mudanga, nas condigdes subjetivas, € 0 conflito social, que significa a reagao dos “desiguais” contra a opressao dos privilegiados; nas condicdes obje- tivas significa a dinamica interna processual, que, embora estrutural, traduz estruturas da mudanga, néo do esfria- mento da’ historia; isso leva a conceber a histéria como sucessio de fases, fem que cada fase gera em si mesma a proxima fase por meio dos conflitos objetivos e subjetivos que tem de enfrentar; 9) expresso talvez mais adequada para esta concepcao de realidade social 6 “unidade de contrdrios”: 0 dina- mismo provém da convivéncia de forcas contrérias, que, ‘a0 mesmo tempo, se repelem e se necessitam. Esta postura preliminar seré desdobrada passo a passo, prin- Cipalmente no capitulo sobre dialética, servindo no momento apenas como entrada sugestiva para podermos realizar uma discusséo mais uaste ae Sto Paulo, Cores. ier. Ct. Gap. 3 sn pratiente, 10k“ PERINA, © ‘Seen oto’ "ans CHAU, MO une ideolgia "Sto Pavo, Srasiense 188s 7 18 bem contextuada sobre a demarcacéo cientifica e também para evitar vender tal concepcaio como unica possivel. 1.1 CRITERIOS DE CIENTIFICIDADE £ sempre mais fécil dizer o que ndo seria ciéncia. Simplificada- mente, nao so ciéncia a ideologia © o senso comum. Mas néo hé limites rigidos entre tais conceitos, pelo que aparecem sempre mais ‘ou menos misturados. A ciéncia esté cercada de ideologia e senso ‘comum, no apenas como circunsténcias externas, mas como algo que esté j4 dentro do préprio processo cientifico, que incapaz de produzir conhecimento puro, historicamente néo contextuado. Na imagem de um continuo interpenetrado, poderiamos visualizar assim: 1 senso-comum ++ CIENCIA +1. —Ideologia : i © critério de distingdio do senso comum 6 0 conhecimento act tico, imediatista, crédulo. O homem simples da rua também “sabe” de inflacdo, mas seu conhecimento ¢ diferente do daquele do economista, que é capaz de elaborar uma teoria da inflacdo, discutir causas @ efeitos. Pode-se colocar no senso comum modos ultrapas- sados de conhecer fendmenos ou também crendices sem base dita cientifica, O agricultor pode ter seu método de previséo de chuva, ligado @ insinuagdes que considera indicativas, como certo compor- tamento de um péssaro; 0 agrénomo orienta-se por indicadores bem diferentes. O senso comum ¢, assim, marcado pela falta de profun- didade, de rigor légico, de espirito critico, mas nao possui apenas 0 lado’ negativo’ a comecar por ser o saber comum que organiza © cotidiano da maioria. 0 lado mais positivo do senso comum é 0 bom-senso, entendido como saber ao mesmo tempo simples e inteligente, sensivel 20 Obvio, circunspecto. Entretanto, diante da ciéncia & considerado como postura deficiente e, no extremo, a propria negacéo dela. © critério da ideologia é seu caréter justificador de posicdes sociais vantajosas. Enquanto 0 senso comum esté despreparado diante de uma realidade mais complexa do que imagina sua viséo 9. FERRAROTT, F.Uma socalooiaslterati:, da sxcolegla camo, tenia do ectesimento, b ESSCRia ein "Ber alontaete aie NasGRONe. 2° saan, comm cbc. ii rin Tl it GAWHAVER, D, We emo wna" Gowdia te lis he ingénua, a ideologia 6 intrinsecamente tendenciosa, no sentido de ndo encarar a realidade assim como ela é, mas como gostaria que fosse, dentro de interesses determinados. Para deturpar a realidade de acordo com seus interesses, a ideologia usa de instrumentos clentificos, no que pode adquirir extrema sofisticacdo. Pode chegar ‘& mentira, quando néo s6 deturpa, mas inverte os fatos, fazendo de versées, fatos. Sem entrar agora em detalhes maiores, ideologia € compreendida ‘como sombra inevitével do fendmeno do poder, que dela langa mao para se justificar. Poder sagaz nao diz que € poder, que deseja dominar, que busca vassalos, que detesta contestacéo. Diz que é participacao, designio de Deus, mérito histérico, boa intencéo em favor dos fracos. Ideologia ndo 6 apenas sistema de crencas, mundi- viséo, maneira particular de ver as coisas, mas especifica justificacao de servico ao poder. A religiao é ideologia, a medida que serve a posturas dominantes. Para além disso, pode ser nada mais que a satisfagdo de uma necessidade basica humana. Ideologia mais inteligente 6 a que se traveste de ciéncia. Por isso, seu arquiteto tipico é 0 intelectual, figura importante na justi- ficagao do poder, como também no outro lado: na elaboracéo da contra-ideologia, com vistas a mudar a histéria dominante. Entre os intelectuais sobressaem os que tém origem nas ciéncias sociais similares, porque estéo mais afeitos as condicdes sociais da ¢stru- turaodo do poder e das vantagens. Neste contexto transparece’ ja a tendéncia histérica das ciéncias sociais de estarem mais a servico do poder.’ organizando técnicas de controle social, do que a servico da emancipacao dos desiguais. Nas ciéncias sociais, o fenémeno ideolégico é intrinseco, pois esté no sujeito e no objeto. A propria realidade social é ideolégica, Porque € produto histérico no contexto da unidade de contrérios, em Parte feita por atores politicos, que no poderiam — mesmo que o Quisessem — ser neutros. N&o existe histdria neutra como néo existe ator social neutro. E possivel controlar a ideologia, mas néo supri milas FR, tte, rig tne, A ot A 9. ton Pia tare te is UNE Hct Wh. Ertan Seago es” ososechn, "Bertn, tanommer, ‘et nbeN eH Be Te te ie alt AP dilute tne 5. GRAMBCI, A A fomecto ss mtlecunle. Vande, Nava Arados. Retour 172 eed re ee Faclon Buongs Aires, ‘Siglo 21, ists. "Citas ibertrio. flo. do lei, Pax Trea "t7a” PEVENASEND. P.‘Eikenine far Frte Monsen. Fra, Suva 109. © Gh EM0,F Girla saci wualddn Sto Peo, AIMED. TO) um dw erin, on {deolopia’itrnece no cletista & a fealidade social. mae te 19 Assim colocadas as coisas, a ciéncia esté pervadida de senso comum e de ideologia. De senso comum, porque jamais conseguiria- mos dominar de todo a realidade, ou discursar sobre ela com conhe- cimento especializado de todas as suas facetas. De ideologia, porque conhecimento é influenciado por interesses, além de estar ‘sempre em contexto de pratica histérica contraditoria. A presenca da ideo- logia decorre do débito social, como transudacéo normal de um fendmeno politico. Se ciéncia nao é senso comum, nem ideologia, embora com eles conviva intrinsecamente, 0 que é, entao? Respeitando vezos académicos comuns, podemos iniciar a dis- cusséo colocando critérios internos e externos. Os internos fazem Parte da propria tessitura da ciéncia, séo imanentes. Os externos 80 atribuidos de fora Alguns cri ios internos so: a) Coeréncia: significa sua propriedade légica, ou soja: falta de contradicéo; argumentacao bem estruturada: corpo sistematico e bem deduzido de enunciados; des- dobramento do tema de modo progressivo e disciplinado, com comego, meio e fim; deducdo légica de conclusdes. Coerente € 0 discurso que, estabelecido seu ponto de partida, evolui sem entrar em contradigao, tanto no sentido de nao partir de premissas conflitantes como no de ter um corpo intermédio concatenado, e também no de chegar a conclusées congruentes entre si e com as premissas iniciais. b) Consisténcia: significa a capacidade de resistir @ argu: mentagées contrérias; difere da coeréncia porque esta ¢ estritamente ldgica, enquanto a consisténcia se liga também a atualidade da argumentagao. Dos livros produ zidos num ano, apenas alguns sobrevivem, bem como dos autores apenas alguns se tornam classicos, porque produzem estilos resistentes de argumentacao, tanto em sentido légico, quanto em sentido de atualidade, ©) Originalidade: significa producao nao tautolégica, ou seja, inventiva, baseada na pesquisa criativa, e ndo apenas repetitiva. d) Objetivacao: significa a tentativa — nunca completa — de descobrir a realidade social assim como ela 6, mais do que como gostariamos que fosse. Como nao ha conhecimento objetivo, nao existe o critério de objetivi dade, que é substituido pelo de objetivacdo. Ainda que. ideologia seja intrinseca, é fundamental buscar controlé- -la, pois a meta da ciéncia é a realidade, nao sua detur- pagao. Estes quatro critérios tentam cercar a complexidade do fenémeno ciontifico, sem poder esgoté-lo, até por uma razdo légica inerente. A selecao de critérios conduz a um regresso ao infinito, porque néo ha definicao cabal de nenhum termo. Se definimos 0 cientifico como © coerente, é mister definir 0 coerente. Se definimos o coerente como 0 néo-contraditorio, € mister definir 0 ndo-contraditorio, assim indefinidamente. Quer dizer, 0 numero quatro nao é sagrado, ou seja, no fazemos “a” demarcacdo cientifica, mas uma versio possivel dela. Os quatro critérios sao heterogéneos em certa extensdo, embora se interpenetrem. So tendencialmente formais, destacando-se a coeréncia como apenas formal. Nada diz sobre conteuidos. Por isso, uma Ideologia pode ser coerente, na forma de se desdobrar. Nao se trata de defeito, mas de caracteristica, e como tal é critério fun- damental, por mais que possa decair em ritos vazios, ou seja, usar logica impecével para um conteddo irrelevante ou’ politicamente nefasto. A consisténcia | admite conotagio histérica, que vai crescendo hos critérios seguintes. Nao se trata de estabelecer dicotomia entre critérios mais formais e mais histdricos, porque o fendmeno 'cien- tifico ¢ marcado pelos dois. Em outra linguagem, podemos falar de qualidade formal e de qualidade politica. Por qualidade formal en- tende-se a propriedade légica, tecnicamente instrumentada, dentro dos ritos académicos usuais: dominio de técnicas de coleta, ma- nuseio e uso de dados; capacidade de manipular bibliografia; versati- lidade na discussao tedrica; conhecimento de teorias, de autores: feitura de pas30s consagrados, como percurso da graduagao, disser- tagao de mestrado, tese de doutorado etc. Embora tudo isso possa resultar no “idiota especializado", séo marcas fundamentais do pro- cesso cientifico. eritério externo propriamente dito é a intersubjetividade, Significando a opinio dominante da comunidade cientifica em eterminada época e lugar. E externo porque a opiniéo ¢ algo at fo de fora, por mais que provenha de um especialista. Aq favepatone a marca social do conhecimento. Em si, 0 cientifico deveria ligarse apenas a critérios de propriedade’ interna. Um enunciado dito por Marx, pelo Presidente da Republica, ou pelo homem simples da rua teria a mesma validade. Todavia, como nao existe nada “em si’, mas tudo contextuado na histéria conflituosa © desigual, o “argumento de autoridade” — que jamais seria argu- Mento pela autoridade — acaba prevalecendo. 24 Dai decorrem outros critérios externos, como a comparacao critica, a divulgagéo, 0 reconhecimento generalizado etc. De um lado, salta aos olhos 'a fragilidade, porque € possivel descartar uma obra de grande qualidade cientifica s6 porque contraria expectativas dominantes (exemplo de Galileu, que foi mesmo condenado a época), ou salvar obras mediocres, 86 porque se encaixam nas estratégias vigentes de prestigio, comercializacéo e mesmo subserviéncia. De outro, aportam um aspecto fundamental da discussdo, no sentido de ser a barteira tipica contra 0 relativismo cientifico, Se nada 6 evidente e conclusivo, poderiamos imaginar que “vale tudo". Cada qual define ciéncia como quer, aceita e rejeita o que quer. Primeiro, a postura relativista 6 logicamente incoerente, porque ‘0 enunciado “tudo é relative" nao é relativo, mas um discurso con- traditoriamente absoluto. Segundo, é historicamente invidvel, porque a sociedade produz cristalizagées dominantes, que coibem cada indi- viduo de ter um mundo totalmente prdprio ‘de idéias e posturas. Assim, ndo existe relativismo, mas relatividade histérica, o que é um fendmeno que pervade também as ciéncias socials, enquanto sdo fenémeno social como qualquer outro. Assim, nao admira que te- nham suas “vacas sagradas”, seus pontifices, seus asseclas, seus corporativismos, e assim por diante. Nesse sentido, é preciso fazer um reparo importante sobre a distinoao entre critérios internos e externos de cientificidade. As atribuigdes ditas externas 0 so na origem, mas fazem parte inte- grante do jogo, desde que consideremos 0 débito social como compo- nente da propria tessitura cientifica. Seria o mesmo erro de situar a ideologia como algo externo, estranho, como invasio indevida. Na verdade, ideologia € inerente, sempre esté presente, embora possa vir de dentro (do sujeito) ou’ de fora (do objeto). Torna-se invaséo indevida quando passa a predominar sobre a ciéncia, colocando o proceso cientifico a servico de pretensdes ideoldgicas. Para uma postura formalizante de ciéncia, que acredita em neutralidade, a distingao faz muito sentido, porque considera critérios externos, no fundo, espirios e entende’ intersubjetividade menos como acerto social histérico do que como expressio objetiva de formalizages comumente reconhecidas. Tende-se a entender a pro- ducao clentifica como luta metodolégica contra inimigos externos, que degradam a pureza formal de sua criacdo. Metodologia é treino para a neutralidade, tendo em vista a objetividade da realidade. Nao partilhamos desta visdo. Acreditamos na mesma importén- cia da qualidade formal e da qualidade politica.” 7 RAGES, J Gott «wens Ro de Js, Zab, 8, EMO, Para 4,2 QUALIDADE FORMAL E POLITICA Um dos problemas centrais para a demarcacdo cientifica esta na op¢do inicial entre ciéncias sociais imitativas das ciéncias naturais e ciéncias sociais com horizénte préprio. Nao cremos que exista dicotomia entre as duas opgdes, porque, em parte, a realidade social € natural, ou seja, objetivamente dada e, em parte, 6 fenomeno préprio, ou seja, subjetivamente construido pelo ator poiltico humano. Predomina a postura formalizante classica, que prefere tratar na realidade social apenas as faces subsumiveis pelos métodos de captacéo consagrados nas ciéncias naturais. Podemos simplificar estas faces sob a designacao de quantidade, o que demarcaria pos- tura empirista e positivist, quando exclusiva. Trata-se somente aquilo que é empirico, mensurdvel, testavel, operacionalizavel, che- gando-se a0 extremo de considerar real apenas 0 que é empirico. Reduz-se a realidade social total a sua expressao empirica, sobre- tudo por razéo do método. Além de uma “ditadura do método" que se sobrepée a realidade, pasando de meio a fim, existe a pretensa “despolitizacdio” de um fendmeno intrinsecamente politico, ao se pretender descartar o papel das condicdes subjetivas. Sujeito e objeto se distinguem claramente, bem como teoria e pratica® Nesta concepeao, a ciéncia caracteriza-se por ser instrumen: tagdo técnica, de teor formal, com vistas a dominar a realidade, sem, porém, discuti-la. O papel do cientista 6 estudar, pesquisar, ‘siste- matizar, teorizar, néo intervir, influenciar, tomar posicao. Retrat: descreve, dimensiona, mas nao propde, nem contrapde, porque seri coisa de politico. A qualidade do cientista esté em ser competente formalmente: dominio dos instrumentos metodoldgicos: capacidade no trato dos dados, bem como em sua coleta; versatilidade tedrica, comprovada no conhecimento que tem da matéria, das discussdes em voga na praca, dos classicos; raciocinio légico, matematico; rigor disciplina diante do objeto, que deve dissecar, analisar, decompor; superacdo formal das fases na formacao, segundo os ritos usuais da academia; e assim por diante. © cientista distancia-se dos conteidos porque entende sua tarefa separada em si, como se fosse um reino Iégico e matematico, asséptico e frio. Deve ser neutro, pois a realidade 6 objetiva. Estudar ™etodologia é precisamente treinar-se nesta postura até o extremo de definir ciéncia unicamente pelo seu aspecto formalizante: cienti- fico € aquilo que é feito com método, néo importando 0 que se faz. 2. DEMO, P. Clincias sain « sualidads. Op. ct. OUT ations dealtave, “Op. et lnvactigcign participants Op. ot otros police. Ss0"Paulor Cores, 23 24 No caso da realidade social é claro que sua face quantitativa se adapta melhor a tal expectativa, porque é mais facilmente tratavel como mero objeto. Assim, estudar a realidade social significa, logo de partida, buscar suas quantificagdes possiveis, para que estas possam ser tratadas de modo metodolégico formal. Tal procedimento 6 fortemente questionado hoje, porque ciéncia puramente instrumen- tal coloca precisamente uma questo politica da maior relevancia: a quem servem as ciéncias sociais. Quando se verifica, com extrema facilidade, que 0 produto tendencial das ciéncias sociais ndo € 0 enfrentamento dos problemas sociais na teoria e na prética, em favor dos desiguais, mas a fabricaco competente de técnicas de controle social a servigo do grupo dominante, percebe-se que a neutralidade 6 sobretudo util. Util ao cientista, porque Ihe 6 cémodo desconhecer a imbricagao com os fins enquanto pode viver a sombra e com a sobra do poder vigente. Sobretudo stil ao poder vigente, que apro- veita das ciéncias sociais seu potencial ideolégico.” signo formalizante da ciéncia se depreende sobretudo na pro- ducao tecnolégica, considerada certamente seu filho predileto. A tecnologia — por 'vezes a demonstracdo de extrema inventividade humana — se descola dos contetidos histéricos, 0 que tem levado a Progressos inauditos em fins perversos, como a guerra, a destruicao ecolégica, a comunicacéo manipuladora, e assim por diante. Seria neutra a tecnologia? Em si, 6 neutra, assim como um artefato até- mico poderia ser definido como instrumento para destruir, compe- tentemente perfeito com 0 meio.” Entretanto, ndo existe na sociedade esta separacéo na pratica, embora tenha sentido légico. O meio que ‘téo persistentemente se faz a servico de determinado fim acaba tomando a cor do fim na prética. Nem por isso a distingao ldgica perde o sentido, até porque & na base dela que se aceita os fins nao justificarem os meios. Ainda, a qualidade formal, por isso, nao se secundariza ou degenera, porque ha o lado positivo dela, certamente Nao é defeito o cientista ser competente na forma, De todos os modos, tomando-se a sério 0 débito social das ciéncias sociais, é mister reconhecer que critérios de qualidade formal nao bastam. Uma tese de doutorado pode ser formalmente aceita como perfeita, porque corresponde a todos os ritos académicos e sobretudo 6 uma demonstragao perfeita de dominio instrumental metodolégico e tedrico, mas ‘pode igualmente ser irrelevante, no sentido de que no coloca problema de importancia para a sociedade. © PIXON, 8. Para que sowe cline? SSo Paulo. Nacional, 1976, LOPES, J. Clénsin @ Moree fotos Pae‘e Tors, 18." HESCOAVION I, © papa do sintin sac ae peel: "a Sea dale. Fi ceca, Fo BO ,BaI0. 02" Pucpede 6 comune ao stint paris" Fale. 9% Gf. dicistio on, tomo da “neutalidade” do tecnologia, om DEMO, P. Ciéciae sociale « ‘aide. "Op. “Sk Treina-se um doutor, que nao passa de um “idiota especializado”: bom na competéncia formal, ignorante, ingénuo ou malandro no plano dos contetidos. Qualidade politica coloca a questo dos fins, dos contetidos, da prética histérica. Aponta para a dimensao do cientista social como cidadao, como ator politico, que inevitavelmente influencia e ¢ in- fluenciado. Preocups-se, por exemplo, com a persisténcia com que as ciéncias sociais servem de instrumentagdo para o controle social @ pergunta-se por que sabem muito mais como no mudar, como desmobilizar movimentos sociais, como justificar ricos e poderosos, do que comparecer como instrumentacéo e atuacéo em prol de transformacGes historicas consideradas estratégicas pelos desiguais.” Discute sobre a possibilidade de as ciéncias socials serem movel competente no estabelecimento de politicas sociais mais efetivas, na implantacéo de um estado de direito, na solidificacao de uma sociedade mais democrética. Questiona se os estudantes na univer- sidade so apenas objeto de treinamento técnico, ou se deveria haver processo definido de formacéo, no sentido educativo da ges- taco de atores politicos comprometidos com histérias menos desiguais. Qualidade politica ndo substitu nem 6 maior que a qualidade formal. Tem apenas seu lugar, pois, havendo ideologia intrinseca nas ciéncias sociais, é de igual maneira essencial demarcar qual sua ideologia predominante, a quem servem, que tipo de sociedade’favo- recem e coibem. O homem é ser politico, quer queira, quer néo queira. Nao pode ser neutro. Pode no maximo ser "neutralizado", Seja no sentido de sua emasculagdo politica, para servir sem re- clamar, seja no sentido de uma estratégia de ‘distanciamento, como forma de controle da ideologia, E extremamente mais dificil tratar de qualidade politica, porque ngo temos sequer linguagem adequada, marcada esta pela formali- zagao obsessiva. Entretanto, é dimensao substancial da realidade, visualizada aqui através do termo “qualidade”, que jamais ser dico- témico a quantidade. Engloba todas as dimensdes humanas que nao Se reduzem a expresses materiais, como cultura, educagao, mundo simbélico, arte, ideologia, mas tem como contetido mais especifico © fendmeno participativo, porquanto a sociedade participativa ¢ a qualidade politica mais qualitativa que a histéria poderia engendrar. GEOL es Shee, fcromanalogie © staise marist ia a “Steodsse: ‘hio'dowancro, Zale: B. 25 No deixa de ser estranho, para néo dizer irénico, que as ciéncias sociais se restrinjam a horizontes limitados da vida social, abando- nando necessidades humanas téo profundas como: felicidade, demo- cracia, identidade cultural, pratica cotidiana, cidadania... Tomam necessidades materiais, por serem geralmente mais imediatas, como mais importantes. A rigor, nenhuma necessidade humana pode ser taxada de mais ou de menos importante, se aceitarmos o homem como totalidade, e néo como arranjo de pedagos.” No fundo, esté a rejeicéo pretensamente neutra da dimensdo das condigdes subjetivas na historia, supondo uma historia objetiva, necesséria, determinada. O homem a sofre, € objeto dela. Ou, no maximo, tomam-se tals condigdes a contragosto, como intervencoes aleatérias, ou tipicamente secundérias, porque determinadas em Ultima instancia pelas questées materiais da produgéo econdmica Nao se trata, também, de passar ao extremo oposto, como se o homem fosse decisor solene e livre da histéria. Mas de equilibrar ‘08 dois lados, que, no fundo, so 0 mesmo todo. Diante dessa discussao, a demarcagdo cientifica ganha outros contornos. Primeiro, continua firme a importancia de critérios formais, da competéncia instrumental no método e na_teoria Segundo, aparece a dimensdo do cientista como ator politico, a0 lado de ‘ser pesquisador disciplinado. Isto complica extremamente a questo, mas a enriquece sobremaneira, ao compreender as cié cias sociais, no apenas como forma de abordagem, mas também como espaco de atuagio social. Aparece a pratica como componente do proceso cientifico, nem superior, nem inferior a teoria. Aparece a imbricagéo ideolégica intrinseca, marca de qualquer ator politico no espaco do poder. Aparece a indistingdo entre sujeito e objeto, dentro de uma histéria feita objetiva e subjetivamente. Aparece dimensao da qualidade como desafio imponente, diante de uma atus- 0 pequena e quase sempre apequenante das ciéncias sociais.” 0 critério de cientificidade — em meio a esta polémica intermi- navel — que nos parece mais aceitével ¢ 0 da discutibilidade,” entendido como caracteristica formal e politica, a0 mesmo tempo. Somente pode ser cientifico, o que for discutivel. Significa, no lado formal, que 0: discurso: 12 GERAUR/Furd. ag Hammarsjod, Desarrollo = eacala, humans Sanisga, CEPAUR, 1086 GOLDMABI, Dineen eclncine tumanae, “Lishoo, Present 10 ene era tw FENGERG! 3," Flwaie“aosal "Ble. do ene Fiubhen “a's” ost flanaa ci, "Ho de fre, Suh 088 Inoue {loti 35 lacie: Sic Pate’, "378, NORGENBESEER. "Sve inele ‘Ww lca 12, eu" >” Inaisnion, prcnant. 0 Inthe empowerment of pooh" ay, ROR, Fen © deve ser formalmente inteligivel, légico, bem sistemati- zado, competente em termos instrumentals; @ nao deve levar a confusio, a indeterminacao, mas & expli- aco, que permita aumentar o nivel de compreensao da realidade: © dove ser criativo e disciplinadamente voltado para a rea- lidade. Significa, no lado politico, que: © nao se colhem resultados definitivos, a néo ser nas ilusdes totalitérias; no cabe 0 dogma; @ nao param as ciéncias sociais no discurso, mas devem assomar como didlogo, ou seja, comunicagéo de con- teuidos; © nao hé como separar teoria e prética, a nao ser para esca- motear préticas escusas ou esconder interesses; © 0 estudo dos problemas tem a ver com suas solugdes; caso contrario, tornam-se ciénoias anti-sociais. A discutibilidade marca a substancia processual dialética das ciéncias sociais, além de permitir um tipo mais realista de controle da ideologia quando mantida discutivel. Ideologia discutivel! nao precisa deturpar em excesso, nem tornar a ciéncia subserviente. Pode-se defender uma ideologia cientificamente, desde que digcuti- vel, quer dizer, desde que recorra a argumentos, seja competente em termos formais, a par de disputar posigdes de poder. 1.3 OBJETO CONSTRUIDO Um dos problemas mais cruciais da ciénoia é sua coincidéncia com a realidade pesquisada. Seré que a teoria da pobreza coincide de fato com a realidade da pobreza? A idéia que faco do Brasil é 0 Brasil real? Entre 0 pensamento e 0 pensado hd correspondéncia exata, ou no? Diz Habermas, expressando a posicéo da Escola de Frankfurt: “Nao sabemos fundamentalmente nada a respeito de uma correspon- déncia ontolégica entre as categorias cientificas e as estruturas da realidade.”* Nao se pode confundir 0 plano da légica (o pensar) ‘com 0 da ontologia (realidade pensada). Contradizendo o empirismo, 15 HABERMAS, J. Anaytisce Wiasenschfsthaorie und Disletic, Inv TOPITSCH, E, ora.Logle ‘er Sodawicsenechaten, Wolnorin, Klopeovot "& Witseh, 1055. a2 2

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