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he Sui go NTR site nnhas, formando uma guirlanda ao redor do leito. E Dolores ria seu sortiso de solidao, com a boca limpa e cheirosa mas destilando um fio = formi- guinhas descendo num filete — que passava pelas cobertas, percorria 0 chao, saindo pela janela. -Aquele flozinho de formigas risonhas, pequenas, a5 menores de todas. 18 ae A GAIOLA NG iit, ecard gia Cite rise ARE ane as aHCORTA 2A Puc min spies crarem ac © lustrosas, a pele de meu rosto sabia a fruta velu- ddosa, fresca e furta-cor, deite-me naquele dia sob atelha de vidro da gaiola, na longa rede cheirosa de sabao preto feito em casa mesmo, Foi ¢sse © inicio de um destino esquerdo, que me marcot a testa a fogo e me fez arrastar uma banda do coragio como um toco de came empedrado pela vida afora. Dai mais um pouco fui embranque- cendo 0s fios do cabelo da fronte, ¢ meus olhos acharam por bem esburacarem-se parecendo pot fim a dois lagos meio verdes meio azuis, esfu- magados pela neblina que safa da chaminé daquela casa onde, 4 beira do fogio, encostei ‘meu umbigo temperando as sopas dos meninos ¢ pondo o leite pra ferver, porque desde cedo me ‘secaram as tetas € 0 jeito era recorrer 20 lelte das cabras do quintalao de pedras e, também, porque ‘minha bisavé, que ainda falava e orava com um fio de voz € se cobria num canto do quarto an ‘escuro, como uma mancha no ermo, dizia e re- ppetia que criangas dle dentes fortes e olhos vivos devem beber leite de cabra ji que as mies se secam muito cedo, por dentro € por fora de tanto amancarem pedacinhos de carne ¢ sustanga do suco de ossos ¢ sangue para sovar o dia do mari- ‘do que e-vem chegando, levantando a voz como se nascesse rei e 6 bando de filhos seus primeizos siditos. E alisava 0 bigode e a trascira das ajudantes da mae de olhos afundados e sempre prenhe € murchada no siléncio, e mesmo que se desse corda nos rel6gios, eles pouco diziam. Naquele atropelo, nem sabia mais se seria eu aquela de trangas macias, com enormes riscos le fio de ouro ou se era aquela da parede suspensa ‘na fotografia oval de minha tia, jf entrada em anos, tendo um xale preto nos ombros ¢ um véu cheio de buraquinhos e muito escuro Ihe tapando ‘ olhar € de fora os beigos que mais se afinaram, ‘porque pararam de rir antes da hora, E 0 homem de botas chegava pronto para © almogo ¢ queria as travessas areadas na mesa de forro branco, ¢ que nao demorasse o vinho e que nao fizessem barulho para nao o atrapalhar a ‘ouvir © proprio mastigar e que nao interrompes- sem seus pensamentos sérios, porque 56 ele ‘quem pensava na casa ¢ 0 resto era gente feita de bbarro duro e mole, mas que de alguma forma 22 réncia naquelas casas onde as mogas nem eram tristes nem eram alegres, mas deitavam tendo ‘sempre um perfume adocicado nos dedos cheios de anéis de pedras de cores meio foscas, pois ‘muitas vezes quando lavavam roupa dos filhos se esqueciam de tiri-los ¢ deixi-los sobre a mesi- rnha-dle-cabeceira junto 20 ché de erva-cidreira, que € minguador do nervoso de cada dia E foi entrando o tempo pra li pra ci, tecendo lum rendado feito as cortinas costuradas nas janelas da sala de visitas. E minha voz, que jé ‘pouco falava, foi emuclecendo de fora para dentro ‘eno que mais emudeci, perdi o jogo da cintura € ‘6 gosto da lingua. Comecei a repousar trés vezes ao dia, sempre de lado, porque abriu uma rosa ‘muito macia e dolorida do lado esquerdo; todo ‘cuidado & pouco, porque, se ferisse a flor, a carne de meu proprio corpo tremia tanto, que poderia cair no assoalho mais parecido a um espelho de tanta cera, Pouco é a minha valiae serventia agora €¢, por isto, passei a ficur no escuro, embora no ~ chegasse nem a metade da idade de minha bisavo, ‘que ainda vivia e num fio de voz orava e danava ‘com as coisas das quais no apetecia, ‘Minha mae, por ser morena como uma india, ‘nunca dormia € feita de sereno no cansava de 23 ‘rabalhar nas tarefas de agulhas, fazendo uns ‘panos compridos, outros coloridos ¢ enfeitando a ‘casa da Familia inteira, Ela at@ se misturava com 0 sol, que nascia e que entriva, no parando a sua labuta, a no ser por poucas horus, quando 0 silencio € os cachorras no escuro sentiam que a noite era pesada demais. Por causa dos quefazeres todos € do aloite ‘com a vida, minhas veias murcharam nos bragos as coisas me caiam das mios dado a fraqueza que rodeava meus pulsos. De vez em quando, alguém entrava no quar- toe bem eu ouvia “precisa de alguma coisa”, mas. (© que eu precisava ninguém me dera nunca, desde que vagi primeiro, Também a minha voz ouco queria sair € quem perguntava nem sabia | se haveria resposta ou estava com pressa, ji fechava a porta atris de si, e nem que eu gritasse ro ouviria mesmo. Mas eu nao gritava nunca, lids, pouco gritei enquanto mais forte. Foi por isso que no espelho do quarto me vi pela Giltima vez, com jeito de quem veio errado viajar no mundo, espelho ainda esté If pendurado, mas as janelas abriram © as mogas, filhas das filhas que ‘carreguei no ventre, se olham nele mas no abaixam as pestanas, nem calam a boca. Pelo Ccontririo, falam muito umas com as outras e com ‘0s homens li delas. Até que no me preocupo 2 todas vio se deitando sob a telha de vidro en- Tuarado nem ficam encantadas feito bonecas de ouga quando Ihes alisam os cabelos ¢ os pélos. Blas abriram todas as anelas e vejo que o sol entra ‘com vontade, deixando um rendado nas tébuas, ‘de modo que os piados delas slo fortes o bastante para que no as fechem na gaiola nem a depen- ‘durem no caibro mais alto da varanda, igual foi ‘acontecido comigo € muitas mulheres de minha geragio e de muitas outras geragdes antes de eu rascet.

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