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ONACIONAL EO POPULAR NACULTURA BRASILEIRA eee José Arrabal Mariangela Alves de Lima ae editora brasiliense importante na linguagem do espetéculo, a forg telagilo palco e platéia. E nessa relagio transformar-se para poder completar um: 10 lugar ou no ponto ele altera a natureza do teatro. E muitas vézes inverte 0 sentido de um discurso, provando a incomu- nicabilidade ou a traducao imperfeita disto ou daquilo. A importincia dessa reivindicagao por um teatro nacional e Popular parece-nos dbvia pela repeti¢ao e também pela constincia om que essa poética permanece, na pritica teatral, a margem dos seus “objetivos iniciais. Dai a necessidade de, configurando esse ponto de partida, desen- eadear um tipo de reflexiio e proposta que seja realmente capaz de ‘encaminhar a prética teatral e consideri-la, enquanto reflete na sua natureza fundamental de empatia ou con! 8 espectadores. Aqui lancamos ainda um diagnéstico ligeiro, evidentemente, confirmado pelos iniimeros e angustiados depoimentos de produtores teatrais que neste momento, em entrevistas e programas de espeti eafirmam o dever de manter um oficio sem saber que nome dar a ‘impulso que os empurra para a cena. Cada vez mais timidos em rej ‘ascertezasaprendidas hé uma década e comprovadamente incertas, 4tinda assim repetindo-as fracamente, papagaiando alguma coisa a espe- rade uma iluminagdo que institua outras banderas ou, mais uma vez, remende a velha bandeira (verde-amarela, cor-de-rosa, vermelha ou...). jonamos aqui o que deixamos de teatro feito em outros circ » de populares, do povdo ou de qualquer outro home que a nomenclatura do assunto reserva para os que no ocupam ‘© protagonismo dos espacos piblicos de comunicacao soci ‘Quando muito 0 indicamos como uma presenga-ausente, uma Yer que € a personagem principal dos discursos de quase todas as Doéticas que mencionamos anteriormente. Por prudéncia, em primeis ‘acontecimentos de outro tempo e ‘iva, © todas as outras manifestagdes sinunidade, Esses nao fazem discursos que nos permi ye, discursar, ‘Wo Paulo, marco 1981 VOCE E INDIO ‘Marifingela Alves de Lima lgreja; pertence ao Estado também fez uma opco por de justiga, de liberdade, de paz, ter 0 mesmo Paulo Evaristo Arns)' primeiro teatro que aqui se faz, empenhado em garantir nao a posse de um territério, mas de um povo. Par © teatro se infiltra no territério de homens que ainda nao constituem o rol dos filhos da Santa Madre. Consigo o jesufta traz a vert h4 um céu, que é sobre, hit yermanentemente solapada pel locam entre parénteses 0 presente das arvores, d: \do-o de ponta a ponta pelo passado e pelo do acontecimento teatral ha agora um homem consciéncia: seré tentado, pecaré, expiaré a culpa e ser4, finalmente, nchieta, nosso primeiro tivo para constatar a Hii, assim, duas operagdes no teatro teatro, que o tornam particularmente signi persisténcia da catequese na hist6ria do A primeira operagio consiste em eliminar toda a conceituagio de sensivel. A mensagem do tempo e espago vinculada a experiénci (1) Arms, D. Paulo Evaristo, “A eteridade comega hoje", in Extra, n? 1, Setembro de 1975, » ‘O NACIONAL E 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA Jesuita é universal e eterna. Por isso esse homem, diferente na pele, nos estos, na fala, deverd fazer-se cristo. Aquilo que diferencia 0 indio do europeu é uma circunsténci contorno das ceriménias coletivas, registra e reproduz em cena portamentos do cotidiano. Sobrepde a essas obsevagdes 0 seu er ‘mento de teatro. Mas, sem divida, permite que elas integrem o espeté- ‘culo como dados secundarios, convergindo para a exegese da doutrina cristal, | Esse trabalho nfo prevé a crise de quem o realiza. Por isso € missio. Note-se que o jest ‘questionar é a eficécia dos seus instrumentos, mas nunca a l dade dos seus fins. E Anchieta realmente realiza esse questionamento ‘em sucessivas obras, procurando um aperfeigoamento que integre cada vyez mais meio e fim. © primeiro olhar do religioso sobre o indio, que 0 teatro ¢ as saris registra, 6 ainda um olhar de expanto, be podem ser entendidas pelo jesuita como perturbagi intencionado. As plumas, os chocalhos, os membros ‘em cena primeiramente como se fossem caracterizagao, desaparecer para renascer com outra ide! “ALMA — Eles mentem, os malditos: ‘padre me batizou. Depus 0s vicios proscritos, ‘seguindo os sagrados ritos: “ay ‘istdo sou! Mas apés, ‘obispo também me imps ‘edo antigo senhorzinho, ‘Vasco Fernandes Coutinho ‘este nome que me pos, ‘morri com ele sozinho.”"? “Anchieta 8. P., Joseph de, Teatro de Anchieta, Edigdes Loyols, Sto Paulo, ‘TEATRO a Antes do renascimento hé naturalmente a morte necessiria, Pou: 0 se perde. Aos olhos do jesuita a cultura desse estranho nilo pode ter ‘mesma e, portanto, nio se repre- fem apenas hdbitos e costumes ago que Ihes daria sentido, ‘Ao fim de cada encontro teatral é 0 sentido que é revelado, ‘unificando o estranho e 0 europeu. A revelagdo que o teatro possibilita ada redengao, comum a todos os homens catectimeno. ‘a qual o jesui foi agraciado. O teatro nfo propde, ndo sugere. sobre o proprio espectador que ele ainda ignora, mas que diz respeito ao seu destino. Inteiramente comprometido com a mudanga, esse teatro no coloca em pauta a percepgio do seu espectador. Interessa-lhe sobre- tudo a soma final, que é a mudanga de “habitos e costumes”.” Seu { resultado 6timo é a elevacdo do gentio a categoria de parceiro. ‘A marca dessa forma teatral é a divisio: 0 mundo hierarquizado, Qualquer que seja o peso cénico dado & virtude ou ao vicio, ha uma (nica senda para a redengio, desembocando inevitavelmente na decisdo individual. No momento em que pesa a sua existéncia 0 espec- Ha uma instrugdo nitida e segura para, através desse teatro pedagégico, separar o bem ¢ o mal. Entretanto a decisio de redimir-se € nao voltar a pecar separa o individuo da sua comunidade. E 0 (2) Duvignaud, Jean, Espetéculo y sociedad. Editorial Tempo Nuevo $/A., Ca racas, 1970. _ 2 ‘ONACIONALE 0 POPULARINA CULTURA BRASILEIRA momento em que o espectador deve aprender a interiorizar o tribunal ___eristto e dar a si mesmo um veredicto. Para isso a encenagio reserva um espago privilegiado para o Individuo, abrindo uma clareira que interrompe o aspecto coletivo da ceriménia, Hé uma persoragem muito semelhante & dos autos para dramatizar a confissio. Mas neste caso substitui-se a forma alegérica or uma individualizagao da personagem: “Eu mesmo, por meu querer, ‘Ao pecado me entreguei; com ele minha alma atei, sem nunca amare temer a Deus contra quem pequei. Virgem Mae do eterno Rei, acalmai Antao Vilhena! Pois estou cheio de pena ‘que eu, vildo, me procurei com culpa que me condena.”* percurso da alma, tanto quanto nos autos de Gil Vicente, é lum percurso solitério. No hé nenhuma forma de participagto da ‘comunidade na trajet6ria para ‘Como absoluta novidade o jesuita introduz no mundo do indio 0 Aribunal da consciéncia onde as agdes do individuo so avaliadas fora (© que até entéo é socialmente 9, € vice-versa. Nao hé salvagio cole- tiva. Por isso 0 encontro-teatr: lo pode pelo fim a que se propde, Bean eee coe consciéncia erigida em drbitro da conduta. Ainda quando essa operaco pretende uma unidade final, ‘0 seu proceso é a separagio. B uma forma teatral onde os fatos do cotidiano sé podem pene- tar de uma forma genérica, quase irreconheciveis, depois de terem ‘atravessado a clivagem do bem e do mal. Aqui a finalidade do teatro se yp0e & particularidade que ¢ 0 cotidiano. Ou, enfim, 0 conjunto de ‘com que a comunidade marca o corpo do homem e 0 corpo da ‘Para renascer com o nome cristdo € preciso deixar atrés de si nto © nome da tribo, mas a propria tribo. O povo cristo sera (4) Anchieta, 5, P., Joseph, obra citada. ‘TEATRO Bb “Em banquetes dangaram os. sorvendo a divina voz, abjuro a lei de meus Da conversio resulta um homem que é 0 centro do universo e, a0 mesmo tempo, centrado em si mesmo. O canto coletivo que encerra cada um dos autos de Anchieta nao é 0 canto de integragio numa totalidade qualquer, mas um canto de comunhdo, o unfssono de vozes novamente harmonizadas pela redengio. Deve representar um con- junto em que muitas vozes falam a mesma coisa, e entretanto nenhuma dessas vozes tem o poder de falar por todos. Antes de reunir, 0 espeticulo se encarrega de separar: No teatro as duas operag®es da catequese se tornam facilmente complementares. Reduzindo a cultura desse estranho a mers individuo da comunidade, através da intervengao de um tribunal da cconsciéncia, o espeticulo constitui-se em exemplaridade. ssa personagem durante o espeticulo é refletido de tal forma ‘que a imagem se completa no piiblico, funcionando como um vértice para onde convergem as ages reais, fora do tempo de duragio do \s operagbes, que certamente nao resumem a fungio da alguém que considera um estranho por este ou aquele motivo: ou | porque o espectador pertence a outra cultura, ou a outro espago, ou a (8) Idem. q “ ‘O NACIONAL E 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA ‘outro segmento social. © teatro deve separar esse espectador estranho do que o torna diferente, para poder ensinar que a diferenga é apenas 0 cireunstancial ponto de passagem para uma igualdade que 0 palco vai iustrar, No paleo esti a voz do pastor mostrando o exemplo digno de ser seguido. O sonho ambicioso do pastor, entretanto, é a celebragio. E 0 teatro, mais do que qualquer outra forma de comunicagio, parece adequado para propiciar a celebragao. Quando tanto os atores como os espectadores convencionam um ‘espago sagrado (o da representa) e um profano (0 do pablico) hé, invariavelmente, a expectativa subjacente de que desse encontro nasca luma revelaglo, Todo teatro, que se dé a ver,* constréi um hiato para ser preenchido pela relagao viva entre piblico e atores. Mas 0 teatro da catequese pretende ainda outra coisa. Supbe que fesse espago de cemunicacdo é preenchido pela integraco do espec- tador com a verdade que o pastor conhece e que est disposto a Partilhar com suas ovelhas. De tal forma que, ao final do encontro, seja Possivel comemorar a posse de uma verdade comum que aplaina todas as diferengas. Saber e sentir em unissono. \ “O espirito de celebragio & um espirito religioso, um espi- | tito de comunhao. Os homens, reunidos em um determi- “nado Tugar propicio ao culto que querem celebrar, numa determinada data que esperaram e para a qual se prepa- Faram, pensam em uma mesma coisa, créem nessa coisa ue é melhor do que eles e & qual se oferecem, procurando algar-se até ela. Nessa crenga reencontram uns aos outros. E sua recompensa esta nesse apaziguamento, nessa sereni- dade onde, durante o tempo da celebracio, sentem esmae- ‘cer as pequenas diferencas que os separam, as pequenas hostilidades que os dividem ¢ que ndo so, diante de uma idéia eterna, mais do que mesquinharias do amor préprio ou simples besteiras.”” Aomesmo tempo, o desejo de celebragio ¢ a contradicao com que ‘pastor terd de defrontar-se. O teatro de catequese nasce da diferenca, ois fala a um estranho que é preciso conscientizar. (6) Duvignaud, Jean, obra ctada (7) Hamelin, Jeanne, Le Thédtre chrétien. Ctagdo de Jacques Copeau, Encyclo- Catholique du XXéme siécle, Librairie Arthéme, Pais, 1957. cena, que aparegam, com a mest ‘Uma vez que é 0 homem de teatro que detém o conhecimento que | que pertencem ao mundo desse espectador que ser conver Alguma coisa da idéia missiondria deve ganhar corpo € retirando o espectador do: © pastor e 0 rebanho) e inventa uma Depois de ter provocado essa particio 0 espeticulo deve confi- ‘gurar-se em celebracdo. Deve unir novamente, por um poder que réprio da cena, o espago sagrado e o espaco profano, constituindo um todo irmanado por um sentido. comum. ato teatral que aspira a celebracao, aspira a0 esquecimento de si. A contradigto é portanto evidenciar 0 modelo que deve servir para pautar a vida fora do teatro enquanto o espeticulo desencadeia a ‘momentanea suspensdo do juizo e instaura uma irmandade ficcional. Esse ponto de crise no teatro de catequese, nitido na evolugaio da dramaturgia de Anchieta, permanece uma situaglo recorrente na hist6ria do teatro. De alguma forma o oficio de pastorear através do palco retoma essa contradicdo: ha sempre o mesmo desejo de converter pela razio ¢ simultancamente celebrar uma unio que é propria da > ' natureza das relagdes entre 0 palco ¢ a platéia. Na verdade o encontro teatral gera uma substncia propria, dificilmente redutivel A peda- _ gogia. Esse teatro é quase sempre dilacerado pelo esforco de encontrar © equilibrio entre contritrios. eee Mas também nao é por acaso que a critica ao teatro jesuttico se | confunde com o anticlericalismo, perdendo a oportunidade de analisar esse teatro nas suas contradigdes proprias, enquanto teatro. A critica que se faz ao teatro de Anchieta, como a que depois se faré com freqiéncia a outras formas de catequese, 6 uma critica ideol6gica, que cespécie de verdade gerada em outro tempo hist6rico. Nao é por acaso, Portanto, que até a historiografia “‘sociolégica”” do século XX repro- duz, com outras palayras, 0 antijesuitismo dos positivistas. Para cri- ticar 0 auto jesuitico enquanto teatro, ou enquanto proposta de comu- \| © NACIONAL E 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA Inleagilo, seria preciso renunciar, pelo menos como suspensiio de juizo, idéia de que o teatro € ainida um meio de converter o indio e propor a homogeneidade da crenga fora do espaco da representagio. Este exemplo eritico do infcio do século XX resume outras ati- tudes sobrevenientes de contrapor ao teatro missionério uma critica & natureza da missio: “Os trabalhos da catechese, foram iniciados, e, parallela- mente, 0s da divulgagdo das nossas riquezas das minas auri- feras, das pedras preciosas espalhadas pelo nosso opulento solo, © que foi tudo minudenciosamente esmerilhado pelos padres da Companhia, para informar de tudo ao seu Geral ‘em Roma. Nos trabalhos da catechese, que custaram muito menos do que andam elles a apregoar para encarecer o seu julgaram os jesuitas accertado empregar a forma fantil dos selvagens e disciplinarem a desordem moral dos « povoadores, entre os quaes se encontrava gente da peior espécie e catadura. S6 com Tomé de Souza tinham vindo mais de 400 degredados. elles tem a audécia de ‘nao possuindo o genio tivos dos primeiros pe- riodos da vida da humanidade e das ragas mais fecundas, atrevem-se a server-se do symbolismo mas cahem na mais chata e amaneirada allegoria. zagio, em um paiz que ia comecar a seculares. © que aconteceu? Ficou sem cunho de nacionalidade; andou ipre mendigando formas arcadicas jé obsoletas, sem conhecer as ricas tradi- (g8es que tinha em casa.""* (8) Paixto, Micio da, 0 Theatro no Brasil. Data do autor: Rio de Janeiro, sem data TEATRO n A letra varia, mas o mesmo espirito anima muitas eriticas ao léncia da imposiglo de uma determinada idéia tanos. Enfim, indignagdo que o faz passar ao largo de um outro niicleo da interpretacio critica, que seria o p Da mesma forma os dulicas A arte e a missio formam um compreensio de mi is ou menos tagdes teatrais posteriores é que essas ani nais, rodeiam o préprio acontecimento e dos mesmos tragos no teatro que se segue. Com diferentes matizes, de época para época, 0 teatro repete o movimento de chegada do jesufta, que é 0 movimento de querer, através do teatro, instaurar uma nova civilizagio. Nao s6 ao teat espectador, até entto considerado na categoria dos nao-iniciados, ‘mana-se ao homem de teatro, partilhando um saber que transforma 0 | entendimento de si mesmo. Ais ee, et toeres pe nee ibuna. O cardter de invencao, e portanto de ica transfere-se para 0 lugar onde essa arte se cexerce, Nesse sentido € também um sonho de poder, nao importa a forma autocratica ou andrquica da tese proposta. O que identifica esse ) autoritarismo € 0 fato de que 0 teatro se imagina como uma forga de | interferéncia capaz de abalar 0 cotidiano ao ponto de transformé-l Nao apenas transformar ou agir sobre idéias, mas inventar um novo cotidiano. A salvagio da alma depende estritamente da mudanga de hdbitos € costumes. Essa mudanca, por sua vez, supde outras representagdes, outro universo simbélico para expressar novas formas de cotidiano. A ” (© NACIONAL EO POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA ome sucesso (uma vez que ndo se trata de uma ceriménia) e 0 “estrangeiro” inverte sua posigao: & ele que tem a miss&o de absorver a comunidade no seu discurso, que € sempre o iiltimo do espeticulo, Ao final da tiltima cena, a danga e o canto em que se unem atores, © espectadores, é 0 apaziguamento teatral, embora no o seja da vida social. Os atores sao amigos e conhecidos que “emprestam’” 0 corpo e a ‘you a mascara da personagem. Neste caso, a familiaridade reforga a verdade da cena, porque cria a ilusio de que o espetéculo é o primeiro produto comum, reali- zando a fusio dog homens que chegam do mar com os homens da terra. Nao se distingue com clareza, através dessa reprodug%o de formas emprestadas ao indio, quem se dirige a quem. Num olhar desavisado nao se sabe qual dos dois interlocutores em cena tem a iniciativa de propor outra civilizacao. Colocar o indio em cena, fazer dele 0 ator do teatro ¢ o autor aparente da narrativa ¢ certamente mais eficaz do que evidenciar a sua situaco de paciente de uma operagio pedagogica. © teatro é também necessério porque, onde as palavras nto bastam, ¢ possivel encontrar correspondéncias visuais. O empenho em aprender a lingua geral nao evita completamente a dificuldade em criar uma lingua nova os artificios que a retérica da conversio exige. Para atingir a conscié cateciimeno é indispensavel ser a0 saber envolver ¢ expor com clareza 6 vetores da moralidade jugio dos sentidos, justamente equilibrada, no excederi jamais a persuaso como boa forma de ‘compreender 0s principios teolégicos. A forma do auto pode perfeitamente abrigar esse equilibrio, interealando o fascinio da narrativa arualizada com as falas que escla. tecem a doutrina para o espectador. Sem diivida a combinacio desses dois efeitos, incorporando imagens proprias da cultura do espectador, ode atuar com seguranga muito maior do que um pregador em seu piilpito. Dentro dos objetivos da catequese 0 teatro nfo é apenas um meio adequado, mas é 0 melhor instrumento disponivel para a tarefa ‘no momento, E s6 nesse sentido é uma escolha. ito se pode atribuir nem a Anchieta nem a seu péblico uma hecessidade de teatro, pelo menos da forma teatral representada pelos autos, Nao se promovem espetéculos porque uma comunidade, em um determinado momento, delimitou um espago para representar seu imagindrio, mas sim porque ha, atrés da representagdo, uma insti- Aulgllo © missiondrios com 0 objetivo de atuar culturalmente. © que TEATRO a tempo que Anchieta chega ao Brasil, em iia no paco uma tentativa de retomar ao munc da produgiio teatral e oferecer, em prag: cia do-convencimento com 0 trio da cerim@nia. No teatro encantamento € a | da experiéncia mistica da ceriménia crista. ite a Anchieta, como autor e encenador, trafegar F experincias puramente estéticas, exereendo no uma estratégia de substituigdes. ir sem comprometer a fungio i stequese deixa-se também enfeitar )bre essa comunidade com forca paralela a das ceriménias que precedem 0 acontecimento teatral promovido pelos missiondrios. “Bu, do rio Paraty, venhho ver a Mae de Deus, pintados os membros meus em alegre frenesi.. ‘Meu coragio exultou na gloria da Mae do céu: ‘tio exultante como eu meu Pai Deus se ornamentou, ONACIONAL E 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA We A catequese esté incorp A linguagem do espeticulo, integrando. as a \do-o sem nomear-se, E € por af que o teatro extrapola a missl0 que the foi atributda. Instrui, mas faz também um: las as forgas presentes. no momento da sua © teatro nao se Tesume a funcao de instrumento e rs ae coletivo, em ‘Manifestagio / si ema e diferengas mais irreconciliéveis do um trabalho sobre a consciéncia do a ; espectador, in pal esta inrdurd elas peas ceria, pour ends ntados, rsonagens fantistic is, seria impossvel aconsttuigo de uma inguagentennans et eee viment teatraisimbuids de um carder misioning, SP & Movimentos Outras priticas tea : ue nos teatros “para o povo” o véq (muitas Mss raso) sobre a cultura popular traz para o paleo imagens que sto 12) Ams, D. Paulo Evarist, obra citada. i 1a outra coisa que é a dramatizacio ceni. * ‘TEATRO = wudas como sinais descontinuos, pretextos para iniciar um dilogo. Yetanto sAo sinais que adquirem um estatuto proprio, que lembram. Wexisténcia de uma outra ordem moral material, de uma temporali- adle que no esta cercada de ponta a ponta pelo passado e pelo futuro. Blo clementos que na sua aparente descontinuidade, na sua ambighi- ade, na sua recusa de explicar a origem, acabam irredutiveis a expli- ‘Ago que © missionério previu para a totalidade do acontecimento eatral, O carster indomavel das contribuigbes extraidas da cultura do ‘espectador estranho é uma fonte de angistia e seduco para o missio- indo. S6 depois da intromissio do teatro esses elementos podem ser ppercebidos como um perigoe uma riqueza. A historiografia oferece um sem nimero de hipéteses, mais ou para justificar a ménias religiosas, Anchieta chegou a congregar trés mil indios de diferentes nagdes. Muitos atraidos pelo fascinio desses novos espeté- ‘culos, outros arrastados por expedigBes missiondrias. Trés mil pessoas arrancadas do seu equilibrio natural de peque- nas comunidades, dizimadas aos poucos pelo apresamento dos colonos, pelas epidemias que grassavam ao primeiro contato com os europeus, pela fome provocada pela desorganizacdo de meios tradicionais de subsisténcia. Trés mil atores e espectadores encenando imensas pro- cissdes terminais, do porto ao adro, do adro ao templo. Sem diivida uma das mais custosas produgdes teatrais de que se tem noticia. Lado a lado hé o espeticulo (que deslumbra Ferndo Cardim) ‘orquestrado por um homem que, além de uma inequivoca paixio reli- i 5 primeiros cantos do “pelote domingueiro” no _ Auto da Pregacao Universal e 0 ltimo auto (Na Visitagao de Santa Isabel) sto pegas de recursos que por dois séculos nada se is alturas € delicadezas. E exatamente 0 pegas que thes permite serem mais sutis cariter “interessado” mais sinceras do que empresas literfrias destinadas meramente a0 / cultivo de um chamalote social. Noentanto a metifora de Anchieta é a do malogro. Quis alguma coisa com paixdo, boa fé ¢ naturalmente uma obliteraco da critica. w ONACIONAL EO POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA tar (por que nio?) a tragédia do iolégica das forcas em jogo nio 10 € que o missionério, a sua u destino hist6rico é ser ponta ¢mento. pe Adespeito desse melan veridico, 0 teatro de Anchieta (0) no € igual aos resultados da su: 10 apostélica. Ele € também a VW metifora de uma interagdo possivel no plano do desejo, ainda que 7 impossivel no plano da hist6ria, E como transfigura irmandade, de totalidade, ele nos interessa ainda ‘como nos interessa pelo seu componente de qui Quando acontecimento teatral & penetrado pelo seu destina- 1X tario ele atua também sobre 0 mi io, completando um ciclo de sedugdo. Nao é uma reta enderegada , mas um circulg. E 0 tipo «AF documento remanescente, ou o angulo de quem narra esce tipo de teatro, que torna impossivel divisar a pororoca cultural que ele eneerra, Hé um erro de enfoque que s6 permite enxergar esse teatro como algo ue € dado a ver, apenas pelo angulo do espetéculo. Na verdade {ata-se de um acontecimento gestado com relativa lentidao (através de | | vétias encenagGes) por uma eivilizagdo que herdamos e por outra que ‘colocamos com lépis e palavras a margem da hist6ria. No exato momento em que o teatro é percebido como perigo e Tiqueza, ele sai da narrativa hist6rica. Daf para a frente s6 é possfvel acompanhar 0 contorno do teatro tico estritamente enquanto ligado ao projeto colonial. A avaliacdo desse teatro & sempre determinada ideologicamente pela critica ao projeto de dominagao da catequese. Somente o texto dramitico e a narrativa do especta através da simpatia pelos fins) per teatro do que a da fala do Tgualmente o entendimento de uma determinada espécie de tea- ‘ro s6 constitui legado transmissivel para as ‘extensio de um projeto politico e social do qual o teatro é um meio. O Aue significa esse projeto e principalmente a realidade que adquire uando, a despeito dos seus organizadores, se torna uma presenga mais ‘TEATRO x mite do que um instrumento, Sob esse aspecto o teatro é omitido ee eee isslondirio que o inventa. Mas, no caso do teatro jesuitico, a impres- sto espectadores ¢ os textos draméticos de Anchieta dese- que imperfeitamente, uma forma ficcional to sugestiva into instrutiva, to atraente para os sentidos quanto para a razio. Sempre como metéfora Anchieta acoberta outras “viradas” his- AGricas do nosso teatro. Nos momentos em que o teatro se viu sec = fro rs ol miso i ovo poral Sead s-Se a outras funcdes posstveis. a) EE a cc gosceas touts 69 howe de wa que dirige 0 olhar para um estranho, alguém fora da sua esfera de convivéncia, um espectador que é supostamente o protagonista oculto de todas as narra- tivas. Para este espectador serd preciso ainda estender a palavra reden- tora da cena e revelar o seu protagonismo historico e ficcional. Empres- tando ao teatro, naturalmente, oestatuto de portavoz. ivo e provavelmente tedioso alinhavar aqui todas as inda um Sindios. ral, a0s proletérios, aos camponeses e ainda uma vez aos Gono se falasers de apruparentos humatesinconsentes du sua especificidade étnica ou social, selvagens a quem Deus concedeu uma seguir o mesmo raciocinio através da Indepen- déncia, da Repiiblica, do Estado Novo € etc., até os encontros entre artistas de teatro nos seus Sindicatos, em 1981. if ‘ ‘Aesse bom selvagem o teatro se dirige para redimi-lo da igno- i atendé-lo no que precisa e nio sabe que precisa, no que ndo pode fazer porque ninguém descortinou suas josamente para si mesmo, considerando que esse | selvagem ndo poderia ver-se sem o espelho do missionério. "Aldea da rotedizaete & Sdsnleta Ge aceon ae atividade catequética esta suficientemente clara em textos que enun- ciam para teatro uma fungao primordial, no entender desses grupos ou artistas. : Nao interessa aqui distinguir as sutilezas entre os diferentes projetos, mas assinalar a pertindcia de dois movimentos comuns + 8 (ONACIONALE 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA, /todos esses grupos: (falar & consciéneia e generalizar “‘a priori” a experiéncia do espectador estranho). Dessa insisténcia nas declarag®es , ntes perfodos, resulta, entretanto, um siléncio igual- fe Sobre 0 retorno que 0 contato com o espectador tem sobre a elaboragio de propostas tedricas. Aparentemente 0 compro- misso com a retérica jé esgota uma aspiracdo de teatralidade. Na Pratica do teatro outras formas retoricas devem repercutir. ico ao judicioso pensamento de Agamenon talizado nesta frase: O teatro é uma escola um cultura média ainda nao atingiu 0 seio das massas proletérias, as mais densas, e, portanto, as mais represen- tativas das nacionalidades.""" ‘Muito bem. Uma vez constatada a inffincia da nag e a infancia do cidado ou da massa inculta, o teatro se afigura um meio, tribuna, escola. Evidentemente alguém pontificaré dessa cétedra: i ias ¢ técnico-profissionais; 0 ar- ticular, severamente fiscalizado, coopera enormemente na difusdio etucativa. E preciso que cada escola abrigue em seu (13) Ribeiro, Maria Rosa Moreira, “O teatro como fator educativo". Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Teatro, Rio de Janeiro, 9 4.13 de julho de 1951 ‘TEATRO » selo um embritio de Teatro. Precisamos de Teatro a mios ‘em algumas falas desse Congresso. Vejamos esta tese de Feijé Bitten- court, colocando a autoridade do saber sobre a autoridade do Estado: “O teatro do estudante (eis no que & preciso insistir) deve ser proprio para o fim a que se prope, havendo pois uma diferenca grande entre ele e 0 teatro profissional. O teatro reorréncia que agrada ver uma ou duas >. Seré teatro de exibicdo em piblico, mas teatro porque assim & que ele educa pondo o seu ator em ‘com 0 piiblico, familiarizando-se com ele, apron- tando, para quem representa, grande lance, e levando a0 espectador o que interessa ouvir. um teatro, por exemplo, para exibigdes em barros ope- rhrios, uma vez. que haja edificios de espetéculo com que (14) ddem, “ ‘© NACIONALE © POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA divertit 0 povo, e uma vez que os governos compreendam ‘que por todos os meios devem educar 0 povo, posto que nao basta a escola primaria. Nada é mais conveniente que utilizar o estudante nessa €dueagio, pondo-o em contacto com aquele em quem deve influir com a cultura superior que recebe. Haja concertos sinfénicos de acesso livre ao povo, ¢ também lum teatro que ao povo leve, da maneira impressionante que €oespeticulo, algumas idgias proprias para chegarem até 0 ‘operirio, ao em vez do governo sempre fazer crer que ele penssa como pensa o operitio, e isto por conveniéncia polt- fica," Finalmente hé aqui uma fala do senhor Roberval Pompilio No- gueira, esta do Segundo Congresso Brasileiro de Teatro, em 1953. Trata-se de um representante autorizado do Ministério da Agricultura, ‘com a qualificagao de técnico em educagao rural. Temos aqui portanto ‘um auténtico representante do Estado opinando diretamente sobre a natureza € a funcio do teatro. As opiniées emitidas resumem com Suficiéncia as razdes por que 0 teatro é mel i i tarefa de conduzir as massas populares da nagio. Um legitimo discurso de pastor: “O Ministério da Agricultura, reconhecendo que o problema de recuperacio e fixagao das massas rurais ndo é apenas problema de técnica de produgio, mi mento do homem ao seu meio, dando-the consci mesmo e do grupo social a que pertence, eriou p: uma série de encargos que visam a educaciio dessas lagdes. Dentre as tarefas educacionais rurais surge como elemento de vulto o cultivo das artes, revivendo, revigo. tando ¢ aperfeigoando aquelas que sio caracteristicas de cada regio campesina, i i dalidades de delici ulagao rural brasileira di elétrica, esta por isso mesmo privada is agentes edu- cativos recreativos — 0 cinema eo radio — enquanto o (18) Bittencourt, Fei, “Teatro do Estudante”, Anais do Primeiro Congresso ‘Brasileiro de Teatro, Rio deanciro,9 13 dejulho de 195i = ‘TEATRO a teatro, podendo dispensar 0 auxilio da eletricidade, permite ado com a freqiiéncia que 0 apuramento do grupo jr e mesmo por nao ficar dependendo de filmes mecanicos de teatro, etc., oferecendo outrossi boa linguagem, sugestdes para melhor arrumagio de am- bientes domésticos quando das cenas de interiores, estimula- ‘gio ao aprimoramento das artes domésticas com a apresen- tagdo no palco de méveis, trabalhos de pano ¢ agulha, pinturas e outros objetos de arte pertencentes @ elemen- tos da comunidade e possibilidades de encenar as lendas, nio € praticamente possivel se obter com o cinema.” istas citados Outro ponto comum na fala desses graves conferencistas cit € 0 seu interlocutor. Sao pessoas que se dirigem ao Estado (quando nio falam pelo Estado), respons. 1do-0 pela criagHo de escolas de teatro na zona rural, edificios teatrais nos subiirbios mais pobres, taculos no interior das favelas... a OPTS comum a efirmagio da necessidade dé “elevagio" do ruricola, do operirio ou do indio, compensando, através da eficiéncia da peda- ‘gogia, a distancia que os separa da modernidade. azer ou devolver alguma coisa aos que nao chegaram ao pais das letras, da casa bem arrumada, dos campos produtivos. E 0 teatro vai a algum lugar por forca de uma intengdo: ao campo, aos Sainoe opriris. Neste caso, com a nfda marea da, scomodscte Manter o homem do campo no campo, evitando que 0 subsirbio se enderece ao centro. Imaginando-se em qualquer caso como porta-voz de um direitoalienado ao seu espectador. Ou entto definindo-se como _/ tal. Essa fala de remissio, pontualmente distribuida por quatro séculos, tem muitos pontos comuns com poéticas que nascem de pro- rds, Roberal Fomplio Nopurn, “O Minto da Agar « 0 teat at do Sepunde Congres Bales de Tote Sto Pao 199" 2 ONACIONALE 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA. jetos esiéticos, sociais, politicos e religiosos diametralmente opostos (clucidados neste trabatho pelos textos de José Arrabal). E € por isso que € preciso considerar uma vez ainda o teatro que resulta dessa edagogia, nao através do discurso proponente (que se repete), mas através da forma como se faz uma pritica que 0 discurso nfo pode comportar. O teatro de catequese, que Anchieta fez e que outros fizeram nos séculos seguintes, constituiu, historicamente, o veio por onde a cena se atualiza e incorpora a modernidade. Seguindo essa trilha ha uma infinidade de grupos teatrais que se deslocam do seu centro de for- ‘magao cultural para dirigir-se a camponeses, proletirios, escolares, fndios, ou qualquer faixa da populagio excéntrica em relagdo a esse ponto de origem. __Nao hf divida de que a obsessio de violar as fronteiras econd- micas, geogrificas ¢ sociais de sua classe é, para um artista, uma obsessio da sintese. Mas é igualmente nftido que nese movimento de Procurar um estranho, o grupo de teatro leva alguma coisa que deve tomar possivel a identidade entre sua verdade e a necessidade atribuida ‘esse piiblico. No mais das vezes 0 desejo de sintese é representado por uma Ett. ie acena com uma igualdade furs enteo artists /eseu, 9. Um futuro em que, como recompensa, o piiblico atingi / aclarividéncia do artista. eae eet Todas as vezes que 0 teatro apresenta corretamente a sua ligo, 0 estandarte que carrega permanece como tal, intocado pelo contato com” estranhos que partilham desse acontecimento sem poder tomat da bandeira. Um projeto pedaggico nlo pode admiir que duas ver. dades ocupem 0 mesmo lugar no espago. ___ Em face da extrema singularidade do acontecimento teatral, 0 iscurso que € uma forma completa, exato invélucro de um projeto Sociale politico, é um discurso que nio prevé a sua subversio. Que niio ‘comporta, especialmente, a ambigiidade, a complexidade, as milti- plas incertezas e verdades do seu piiblico, Na verdade o teatro da catequese pode dar certo para si mesmo, ode enriquecer-se com o que vée experimenta, pode, enfim, provocar Juma renovagio da cena de tal forma que alimente a reflexto © a Produgdo cultural no mesmo ponto em que esse teatro foi concebido. sean Se Fe ccatequese com as suas verdades no deve ser ; ‘avesso, apropriado - lidade do cateciimeno. “nasa ~ gee A intengdo de converter é um suporte demasiadamente rigido ara desfazer-se no encontro teatral. Por onde as transformagles se ‘TEATRO a Jem powcr a pouco é ao nivel do aperfeigoamento desse instru- wento bisico, da incorporagao gradual dos gestos, das imagens, da forma que esse espectador estranho d& ao seu coti Imente fiotietra a linguagem da catequese e renova-a na sua origem. Mas é [preciso considerar também que essa renovacio é acobertada por uma lividade reflexiva que reduz imagens a conceitos, que aproveita essas contribuigdes como figuras ilustrativas de uma mensagem. Ha tantos momentos e tantos exemplos claros desse processo que ‘basta citar alguns para compreender 0 que seria essa renovacdo que illo subverte: a dramaturgia abolicionista dos romanticos, os textos dramiticos produzidos durante os anos de vigéncia do teatro de Arena, ‘05 operirios e nordestinos que povoaram o palco por mais de vinte | ‘anos... Novas figuras entrando em cena para narrar a outros operarios f nordestinos quem sio e como vivem. E, sobretudo, como deverdio vviver para conseguir a harmonia entre essas criaturas de fiego ¢ seu autor. ‘Ainda exemplarmente, porque hé outros movimentos em curso, ‘Anchieta pode ser invocado para referir-se as Comunidades Eclesiais de Base. Instaladas, provavelmente, no espago cultural mais promissor, onde esto em gestaglo intimeras formas de producio artistica ainda desvinculadas de um padrio imediato de consumo. E ai que a presenga da catequese, renovada.em seus conceitos, continua forte. Uma cate- ‘quese que, com a sua versio renovada da conversio, provoca expansbes tio ricas quanto perigosas. Coisas de forma estranha, aparentemente descontinuas, que falam de outro tempo e de outras aspiragées. ‘Ao lado das CEBs, em salas pequenas © remotas, comega a aparecer um teatro que pauta sua construgio por outros meios de ‘comunicacdo, como a televisio eo cinema e que freqientemente repre- senta a dicotomia circulante entre patrdes e empregados, opressores € Hi certamente outras coisas nesse teatro além dessas grosseira- mente visfveis a olho nu. Aparentemente ele é mais primitivo do que a ‘misica, a literatura e 0 artesanato dessas mesmas comunidades. Pro- ‘vavelmente 6 0 inicio de uma atividade alimentada pelos grupos teatrais que circulam entre o centro e a periferia das grandes cidades. Cereado pelas CEBs, pelo teatro “para 0 povo” e pela televisfo, o teatro dessas salas tem tragos de todos esses interesses e, ainda assim, um desejo de nilo deixar de ser teatro para consumir-se nos objetivos dos seus instru- “ ONACIONALE 0 POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA tores. Ou seja, esses elencos querem mesmo fazer teatro, € ndo apenas utilizar o teatro para reviver a televisio, concretizar o paraiso socialista ou harmonizar as diferengas sociais. E um teatro que se processa A sombra de varios movimentos de eatequese, nucleado principalmente pela forea centrifuga da Igreja. De uma certa forma ¢ subsidiério das verdades das CEBs, mas nao & entretanto um agente da catequese. Seus atores e dramaturgos ainda podem ser considerados na categoria de cateciimenos. Quem esta no palco tateia por vontade prépria os instrumentos itade de representagdo do que pelo desejo ‘um fim determinado. da cena, movido mais pela de dirigir 0 didlogo teat de catequese, poder cons! ‘momento especialmente precioso para que se deixe de pensar nele. Se esperar desse teatro nada mais do que a Sindicatos. No méximo 0 teatro assimilado ser um teatro de reforgo, que entusiasmard seu piblico nas datas certas da movimentagdo social. Mas nao poderd intuir, nao criard por si mesmo solugdes originais e, principalmente, fard a assepsia do que nao for pertinente aos seus fins imediatos. Visibilidade da cena é 0 contraponto dos meios de comunicagio de massa. - “Aqui estou eu proclamando que a nossa época, por causa da alienagio dos grandes meios, devia criar toda forma Possivel de comunicag’o pequena, de grupos. Toda forma Possivel dentro da cidade. Nés incentivamos nossas comu- Pedagogia seca e autoritiria que ja viceja no Departamento Cutural dos ‘TEATRO “ |dades, por menores que sejam, a terem seus boletins, #08 - \Pos “de comunicagio, estes esto nascendo, estho pulls ai, est&o nascendo da terra. Eu acho que devia fazer essa propagar Que todo mundo tivesse pe quenos meios de comunicagéo. O ar é um pouco denne demais para se comunicar, ¢ esses canais passam pelo af, é ee Nessas pequenas sas, onde mal cabem duet aa “galpdes, dentro das igrejas, nas pequenas clareiras dos gran rbanos onde a ocupacio do terreno é feita de forma a nao propiciar 0 | ‘encontro, o teatro valoriza exatamente a possibilidade do encontro, do ‘contato interpessoal. Existe para retomar 0 fundamento da proximi- / dade entre o espago sagrado (o da representagdo) e 0 profano (0 do| ‘s Gemmparada ao que domina fora da sla, a comunicagdo possvel €o cicio, o murmirio, a intimidade de um acontecimento inter pares. ‘Nada a ver com as pri A estidios em dias de futebol ou de moviment Por isso mesmo, pela sua escala diminut: 2 ‘observar com cuidado ¢ a respeitar a potenci dessa miniatura no ‘momento em que os discursos paralelos representam uma sociedade de massas com problemas e solugdes mapeados em escala gigantesca, ‘quem e quando, é um teatro que tem todo direito a desenvolver-se com s. Se for a mesma coisa ainda assim vale perguntar: & “Em principio 6 povo nto pode ser atingido de mand rstt por massa, ne? E pela mie, € pelo pai, € por Ut amigo, é por uma professora, no &? Pode ser até que seja (17) Ams, D. Paulo Evaristo, obra citada, (18) Duvignaud, Jean, obracitada. “6 ONACIONAL EO POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA atingido por um padre, mas é em geral por aqueles que esto proximos: 0 jovem atinge o jovem, o profissional ‘tinge outro profissional porque troca idéias."" eee Esse teatro que reproduz.com timidez 0 boca-a-boca das peque- ‘has comunidades em imensos bairros urbanos no pode participar de Projetos ambiciosos. Por enquanto nfo pretende muito mais do que expressar-se dentro da comunidade, aproveitando 0 circulo comuni, ‘ério que a Igreja ajuda a formar dentro desses bairros. Seria preciso olhar com olhos estranhos para extrair dessa mani- festacdo cultural alguma coisa mais do que a expressto. Eo olhar Shranho, neste caso, nto pode inventar para o teatro alguma coisa que cle no se propée. As interpretagdes fantasiosas em geral levam ‘ao Primeiro gesto de apropriagio ¢ & primeira tentativa de aplainar a diferenga. Emprestar a esse teatro intengdes ou instrumentos que ele nko fem seré uma maneira de desfigurar-lhe a face (a diferenga que ele expressa € realmente temivel). Outro risco € 0 idade: a ilusio de “transferir a0 povo os meios de produgio do teatro". Os meios de Producto deste teatro que herdamos dos gregos sio meios de produgo deste teatro. Servem, aliés mal, ao que queremos fazer. eee Da perspectiva de quem olha estas salas precérias e remotas com lum olhar de esperanca (e 0 observador aqui esti situado no marco zero), € evidente que existe um fluxo de ir vir entre o marco zero ¢ a fimbria da cidade. Para os herdeiros do teatro que a historiografia registra ndo hi outro olhar possivel a nao ser olhar de fora. Por isso mesmo, pela inevitabilidade dessa exclusto e desse inte- esse (porque é sempre 14 que 0 teatro se renova) é preciso pensar qualquer movimento de aproximacio como um difllogo interior do {eatro, como um movimento cultural. Sem a pretensio de transformar ¢ ‘ue ld esta, embora conservando a pretensdo de restaurar as forgas, O fato & que esse teatro estranho, feito por outra classe social ¢ em outro espago da geografia urbana, requisita o que é indispensdvel (19) Ams, D. Paulo Evaristo, obra citada. ‘TEATRO ” prio desenvolvimento. Assim como empresta da televisho ou lietgens ¢ frases que considera pertinentes ou simplesmente Da mesma forma esse teatro se apropria das especificidades da ym teatral, extraindo dela o que pode encontrar e utilizar ‘Iiediatamente. Se for possivel aos missionérios da Igreja e dos partidos politicos se colocarem na posigao de simples espectadores desse teatro & i i a ric de outra forma fg sian agraciads cor operig a suena de otra form ae Mitretsci, resistir a0 autoritarismo no tem sido tradicio- ‘Halmente uma virtude desses dois tipos de missionério. i saber se esse teatro é melhor ou pior do que Bs ta print sist los part donc quale melhor linguagem para comunicar-se com esses atores e esse piblico. ‘Trata-se de permitir a emergéncia de outros sinais que falam de outra Sage etice «ovis seircade. A erprisio) desta Goes euito fntimo da comunidade, é simultaneamente uma constituigio. eee i interpretar 0 aconteci- Qualquer esforgo de traduzir, cerear ¢ interpreta ‘mento teatral como mero sintoma de alguma coisa mais importante do iferis mamulengo tador. O teatro de periferia, ‘como 0 teatro de er ScScdtiee vo cores ort, excéntricas, tem, antes de mais nada, a aspiragio de preencher uma vontade de fazer e contem- plar teatro. Outras coisas pouco a pouco a isso se acrescentam. Sobre esse teatro 0 observador postado no marco zero poder fazer discursos mais ou menos interessantes. Discursos que muitas vezes contornam o tédio e a dificuldade e.n perceber todas as caracte- risticas de um determinado acontecimento teatral. De qualquer forma esse discurso deve servir para si e para os seus. Nao pode ter a pretensio de dar ao teatro de um estranho a linguagem e o objetivo da sua esfera de desejo e conhecimento. “ ‘ONACIONALE O POPULAR NA CULTURA BRASILEIRA destino, o objetivo, a fisionomia de um | » , ia teatro que eventual- mente nasce em outro espaco social é o mesmo do seu destinatari | espectador que os homens que fazem eee “Quem vos mandou inventar indios... Morus, ilhas eseritas, Morus, utopias, Morus, revolugdes, Morus, 6 Morus? se esconderam no homem branco, os seus assombros, ele se invadindo ‘de ocasionados indios, de outros indios."® (20) Lima, Jorge de, Invenedes de Orfew. ECCE INDIO Mariangela Alves de Lima “Voltaire era de parecer que para se representar a tragédia © diabo no corpo, e que, para fazer-se impres- so em cena era preciso caminhar dois dedos além do excedesse uma s6 linha desta lioso e desagradavel. queo ator se acha quando representa, podendo desagradar, J por demasiada, jé por pouca ex amente seguidos, produzam a extrema realidade, acompanhada da forca ne- cessiiria. Observemos, pois, o mundo, estudemos os home is 08 pequenos do que os grandes senhor elo uso e pela politica a nao se primeiro movimento em presenga de recer-1los poucos exemplos de expresso jomens de uma classe menos elevada se fe as impressdes que recebem, € 0 povo, moderar os seus sentimentos, so os verda-

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