You are on page 1of 7
PANES Ans Achille Mbembe CRITICA DA RAZAO NEGRA Introdugao O devir-negro do mundo Vertigineso conjunto Aragi no futuro Capitulo x Osujeito racial Fabulagio e clausura do espirito Recalibrager O substantive “negro” Aparéncias, verdade e simulacros Alégiea do corral Capitulo 2 © poco dos fantasmas ‘Uma humanidade sustada Atribuiglo,interforizacio e inverst0 negro de braaco e a branco de negro Paradaxos do nome koleads do minds Partilha do mundo Onactonal-colomialismo rivolidade e exotismo Autocegamenco Lites da amnizade Capfeuto 3 Diferenga e autodeterminagao Liberalismo e pessimismo racial Unt homem como os outros? O universal eo particu Tradigéo, memoria c riag Acirculagio dos mundos Capitulo 4 O pequeno segredo istérias do potentado © espelho enigmitico Erotica da mercadoria ‘Otempo negro Corpos, estétuas eefigies Capitulo s Réquiem para o escravo Multiplcidade e exeedente 0 farrapo humano Do escravo e do espeetro Davida o do trabalho Clinica do sujeito Osenhor eo seu negro uta de ragas e autodeterminagao Aclevagio em humanidade ‘Ogrande estronda Avioléneia emancipadora do colonizada Anuvem de gloria Democracia e poética da raga Epilogo Existe um sé mundo rota, de punho cerrado, pronto a sbragar de nove 0 a fare sopra a tmpestade. Despojado de quase tudo, lteu arduamente para eles © eso de hamacldde que se carerecs al f qualquer prego he arrancareexiir como dreadcira fe maul ae co aise my dessa de tudo, aprenden a poupar tude, nas também a cultivar profindo desprendimente em rela as coisas da vida fana, Ao ponto de, mesmo sendo prisoner eextando 0 nado entre ds predese mela, no se deixar converte servo deninguém. Negro de comme &osse, Mandela viva beira do desnstre. Penetrou.a noite ds vida, até o nian trevas, em busca de ma idla anal muito simples: wiver livre da raga e da dominagdo que carrega © mes tome. Sts ele oer ein do espa He Ginou © mundo, porque regresson vivo do pais da sorb, orga que irrompe na noite de um séeul noite de um século decadente cj ccapacidade para sonar “ Mal como os movimentoeoperris d se Jus dus mere 90am moderna acer pelo dew de alii, outror sustentado pelos eer ‘aesse soho que dardio continuidade, no inicio do século XX) as grandes leas pela dscolonizasto, que assurirar, desde os origens, uma dimensio global. Seu significado nunca, fran Sere nvr Meno nd zavam atores las, um pals on num erie rahe nallbem crcunsrt, partiam sempre de vlidariedades fo Ils maa pli rn Frm Teac ae Aegis gat cul seranrecen coe al nagio de uma raga. nano Democracia poétiea da raga Estamos, portanto, Tonge de viver numa era pos-racis, em {jue as quests de memes, justguereconeliagio ests em desprovidas de objeto. Seria possivel, no entanto, (lar deama era pbs-Césaire? Sim, scb a condigao de envolver num Sbengo inten o sigficante “negro”, nfo com aimtengio d= sommcle oe deleitar, mas sim de melhor confundi-1o ¢,cOm Feeo, melhor se afastar dele, melhor conjuréle ¢ melhor 25 firar a dignidade inata de todo ser hamano, a propria dela ffeuma comunidade humana dura mesma humianidede, de see cemethanga ede uma proximidade humana essencil. As antes profundas desc trabalho de ascese se encontrar nO mathor das eradigbes politica, religiosas e culruras afto-s sre rieanag erul-aicanas,£ 0 caso, por exemplo, da religio proféen dos descendents de esravos ou da forgo wOPie8 erase eritien do tabalbo de ciacio asics. Pots Para va car dades oe itera por muito tempo fi sbretido aa gatagaoe de ualhalo a cragtorelgiosearistica seer representa a lita inhn de defesn contre a fr ar esumrizagao eda morc Essa dupa cagho aM i unarene a prs ple, No fond, sempre ft 0 rere etait eesti, visto que uma ds fungoes da ime ae igi éjustamente preseren a exprangs de st ar eae a como foetal como &, de rerascer pa da f de renovara fst. A cere venado, aba de are nunca reve por fungao pene! al cplesmente repesena, star ou arar eldade eee fl da sua nature cabaralba © mimetizar de uma ser formas as apareacia onignals. verdad oe, ao we no forma figurative, cla antioha rages de See Thong come original Max 20 meso tempo eh redobra ap eee constantemente esse mesmo original, cla o deformava, dele seafastavae, acima de tudo, clao eenjurava. De fata, na mar parte das tradighes estéticas negras, s6 havia obras de arte conde, uma vee realizado esse trabalho de conjuragio, a fue ‘glo dtica, a fungho ttl e o mundo das sensagbes se encom Trassem reunidos num mesmo movimento visando revelar @ dduplo do mundo, Assim, ne tempo de uma obra, era a vida cotidiana que era colocada em cena, llore das regras convene cionais, sem entraves nem culpa. Se existe, portanto, um traco caracterisico da criaglo) artistica € que, na origem do ato de criagdo, esto sempre una violeneia representads, um sacrlégio e uma transgres ‘si0 mimetizada, dos quais se espera que fagam com que individwo e a sus comunidad saiam do mundo tal emo foie tal como é. Essa esperanca de liberagio das energias escondie das ou esquecidas, a esperanca de uma eventual inversio da poténeias visiveis cinvisives, esse sonha scereto de ressut= reiglo dos seres ¢ das coisas, s40 justamente o fundamento antropol6gico politico da arte negra cléssica, Bim seu cers tro se encontra o corpo, pega essencial do movimento dos. poderes, lgar privilegiado do desvelamento desses poderes eesimbolo por exeeléneia da dfvida constiutiva de coda comt nidade humana, divids esta gue herdamos involuntariamente fe que munea podemos saldar totalmente. ‘A.questio da divida ¢ outro nome para. a vida, Isso ovate porque o objero central da eriagio artistica, ou mals exata- mente o espiriva de sua matéra, sempre fol 3 ‘ea mediagio das fungOes que resistem & morte, Cabe ainda precisar que nunea se tratou de uma eritiea da vida no abs- ‘rato, mas sempre de uma meditacto sobre as condicbes que fagem da luta para estar vivo, manter-se em vida, sobrevi= ver, em suma, levar uma vida humana, a questto estétien eres ini —e portanto politica — por exeelénca, Fis por que, quer se atasse da escultua, da mises, da dansa, da literatura oral ou do culo das dvindades, sempre se tratou de desper tar as poténcias adormecidas, de renowar a festa, esse canal ‘evllegiado ea ambivalent esse teatro provséro do Tux0, to acaso, do dispéndio, da aividade sexual, e metéfora de uma historia por vir Nunea howe, pois, nada de wadivional nessa arte, nda mais porgue sempre fo} disposta de forma fque manifestasse a extraordinéria fragilidade da ordem Seal. Uma arte, postanto, que nunca deixu de reinventar cos mites de contormar a radio, de ming ta no proprio ato “que parecia insta ratfc-la, Sempre se watou de uma are porenceldacia do savelégio, do socifcio e dodispéncio, {que multiplea os novos fetches com vistas a uma deseons- truco generlizada da existéncis — justamente pela via do |jogo, do lazer, do espetécul edo principio da metamorfose. esse suplemento to utépeo e metafsco quanto estético quem etca radical da raga poderiaoferecer&demoeraca. ‘De resto, a lnta enquanto préxis de libertagdo sempre eneontrou no cristianismo parte de seus recursos imag Flos. © eristiansino.a que se rfere nul ndo 6, em primeira Tinha, a Igrja— que s¢ institu antes de todo como uma ins neta de controle dogritico, no lygar exazo onde se abe 0 Yasio. Tampouco se trata de um certo discurso sobre Deus ‘uj Fungo foi multas vezes tradurir “a impoténcia sempre tnaior do homem para irae encontro do seu propio dese jo' Por cristianismo, os excravos © seus descendentes ‘entendem um evento de verdade em meio a uma espécie de ‘strana elo no pxéprio campo deuma verdade sempre em rs ms Lavan “prone etl onneteano por ane have gat Teale quent wpe nore Pockane 0586 ert Re ae er on fetta eo ieee per uekamamannttl Sar cas oe cme al creas oe logy ences ated Serna ae fe saa Sa eee ee a ee Pesce oe stress panes do Abba 3s lends dod weap: undo todo cx pores OU te as Da ease ee Geni lerasen neess aneaeaa tina Spine eects is al ‘uma antecipaco das provagées com as quais viria @ ser cone Seenetagt bier ica’ Sa eesnaeiaon ae see bea deem peal Cee ie one Gia sits oona meal ee GP escheat cmunascaral Sac sence Oa ie aipenis ueneanemen a all ee a ae ‘que, para se fazer digna da Salvacio, deve-se tornar uma Pate rai oy pie raergy orn nic Te Com fet, Tete, Nov Yoh 330, 1 mluardW.sjden op ce G0 Para Martin Luther King, por exemplo, pela via da eruci- fcagto, Deus adguire sua verdade de homem que enfrenta tua dilaceragao absoluta." Em contrapartida, o omen f Deus podem agora se nomear tim no Ouiro € wn para © Gutro. convertendo 0 negativo em ser, 6 8 propria morte que o Cristo desfaz, A questio que atormenta ocestanismoe Sfro-americano € saber se o Cristo morre verdadeirament® ho lugar do negro. Liberta-o verdadeiramente de sum morte evitando que ele compareca diante dela? Ou entao atribui cumomento da morte um significado profundo que romps adicelmente com o caréter prosaico de uma vida andnima fevada sob a cruz do racismo? Em Cristo, a morte deixa de eval que de mais radiealmente insubstinufel existe? ese 9 sentido derradeiro da provacio da Gruz, a “loucura” co “escindalo” dos quals, mals uma vez, Paulo fal. A pro ‘lamagio do Cristo pode se restumir nestas poucas palavras “posso agora ser arrancado b experiénela conereta de mina morte, Mores pelo outro (dom absoluto) 6 nfo pertence & ‘retom da impossibiidade, Nao int mais insubsticuibtidade da norte. © que existe €o devi infinito da vida, a reconeiiagho bsoluta da salvagao e do trigico, na reciprocidade absolut € tn apoteose do espirito” Nessa perspectiva, averdade stim dp morrer se encontra na ressurreigio, isto é, na possibili- ‘dade infnita da vida. A questio da ressurreigio dos mortos, ‘do regresso ov da restituigto dos mortos & vida pelo fato ide favor brotar a vida ali de onde a morte ¢ suprimiu, tudo feso constitula forga do cristianismo para além dainstiruigfo tclesial propriamente dita, E uma das razOes pelns quais a figura do Cristo, em seu projeto de doagto total para. 0 outro, samaritan King “Lt en gee de ring in a Pom Menage, 3028 expat po to cera ma nll politi negra presenga prt cour «uno do outro, nse ture © que 6 poi, vendo cuto nome para uma pole dom, da oblagio e da gratuidade? * bs Dito so, por gus drtoso nqros vem contin tua Tudo depend do ig em gue ve encontrado texto istrionem que vive eda eondgbes obese Thesspretenam, 10d dependent da ature da ‘mages rls ost dap uals so chanados vent como moras irre ea presenga nose contest, oj pring integral nag ve mantém ambiga (cao Ewido Unido), que oma nda ques dee rem reconecer nem eseua enquanto ai (caso da rang Cento como aio demogrtica no exerci do polo ons larvrcotedegprovie de pode con (Caso da Ate do Su, Mas quer que eu ce nga ts poe os comertogohorieante dese ass conn sree con pre den don Gens €omn? mo pasar do ett de sen pa specs es Como omar parte na consi aod : ste mind ena sa para Enquanto nose puser i a fumesta dead des guliad ds rags ed seep ence diferentes espcies isan als dos povos de orgem el ana por agulo que poderizmos humarde“gualdade dal Seu sors no ona pens cats pr aoe Rane pa deka eles gu ao nos lide na ei oe tern de eer Pas run ee gid xg ee Sa tai mean ce net Its con eer a i eet ae msn is Cone) Dose ee pane ei ppt, Gs Democrat es 25 Dapea Bowdon foie pr ae partes" — e, portanto, dos direitos ¢ das responsabilidades, ‘contingaréa ser uma lta legitima. Ter de ser conduxida, porém, no com o objetivo de se separar dos ourros hums fhos, masem solidariedade coma propria humanidade — esta thumanidade eujas multiplas faces nos esforgamos, por meio alta, em reconcilia. (0 projeto de um mundo comum baseado nos prinepios da jgualdade das partes” ¢ da unidade fundamental do género tnumano é um projeto universal Fa possivel, a quem qui ser, detectar no presente sinais (frégeis, por certo) deste mundo por vir. A exclusto, a discriminacio ¢ a seleqto em rome da raga permangcem, contudo,facores estratarantes iMttinda que frequentemence negadas — da desigualdade, da auséncia de direitos e da dominagio contemporines, inclusive nas nossas democracias. Além disso, nfo se pode fingir que a escravidio c 8 colonizagio no existiram ou que as herangas dessa triste época foram totalmente liquidadas. ‘A tculo de exemplo, « ransformagio da Europa em “forts- tera” e a lels antiestrangeiros que 0 Velho Continente ado- tou neste inicio de século tém suas raizes numa ideologia da sclegdo entre diferentes espécies humanas que, bem ou mal, ainda se tenta disfargar. “Assim, enquanto o taclsmo nio tiver sido eliminado da ‘vida e da imaginagdo do nosso tempo, seri preciso continua fa lutar pelo advento de um mundo para além das rages. Mas, pera chegar a esse mundo a cyja mesa todos s80 convida~ dos ase sentar linda ¢ preciso seater a una igorose critica politica e ética do racismo e das idcologias di diferenga. A ‘elebracio da alzeridade s6 tem sentido se ela se abrit para ‘a questio crucial do nosso tempo, a questi da parti, do ‘comm ¢ da abertura i exterioridade, & af que se deposita 0 peso da Histéria, Ser preciso aprender a carregar ea repartir eee melhor esse fardo, Estamos condenados a viver no apenas com o que produzimes, mas também com o que herdamos. Tendo em Vista que no saimos inteiramente de wma menta- lidade dominiada ainda pela ideia da seleclo entre diferentes Lipos de humanos, seré preciso trabalhar com ¢ contrs o pas sado, de tal maneima que este possa se abrir a um futuro a ser ccompartilhado com igual dignidade por todos. A questo da produgio, a partir da critica do passado, de um futuro indis- socidvel de uma certaideia da justica, da dignidade e do en comu es o cazminho, 'Nesse caminho, os navos “cendenados da Terra” so aque les a quem é recusado o direito deter direitos, aqueles que se avalia que nto devam se mover, os que so condenados a iver em toda tipo de estruuras de reclusto — 03 campos, os centros de tiagem, os milhares de locais de detengao que se cspalham por nossos espagosjuridicos epolicais. Sto os rejel- tados, os deportados, os expulsos, os clandestinos e outros “sem-documentas” — esses Intrusos e essa escoria dx nossa lbumanidade que temos pressa em despachar, porque achamos ‘que, entre eles e nés, nada existe que valha a pena ser salvo, visto que cles prejudicam imensamente a nossa vida, a nossa saide e o nosso bem-estar. Os novos “condenados da Terra” ‘So oresultada ce um trabalho brutal de controle e de selegio, culos pressupostos racais sio bem conhecidos. quanto persistira idea de que s6 se deve justiga aos seus fe que existem ragas e povos desiguais, e enquanto se con- tinuar a fazer erer que a escravidio e o colonialismo foram grandes feitos da “civlizagio”, a tematica da reparac3o con ‘inuard a ser mobilizada pelas vtimas histéricas da expansto ‘europeia ¢ da sua bratalidade pelo mundo. Nesse comrexto, & necessiria uma dupla estratégla Por um lado, ¢ preciso aban- donar o estatuto de vitima. Por outro, € preciso romper com “boa consclénca” ea negaguo da responsabilidade,f sob esa dupla condigio que sera possive articular uma politica roma ctica novas, baseadas na exigencie de justia, Dito 880, ser african implica antes de mats nada, ser um bomen livre gu, como nunca detzou de apregoar ance Fanon, “simples tnente er um homem entre outros homens”. tim homer the de tudo e, poranto,capaz de se aucoinventa. A ver (adeira poltiea da identidade consiste em incessantemense Slimenar,atualizar ereatualizaressas capacidades de auto- Iavengto. © afoceatrimo¢ uma varias Nposasis do ip das pessoas de origem africana ce no ferem contas seco erncams Pde ond ne Fido. uma forma derelas80 si. Mas ni hé nenhara relagdo t slque nit passe pla relaclo com outrem. O outrem é am See rema eo snmelantereunos.O qupress- hos imaginar €uma politi do hurano que sea fundamen thtmente, uma potitica do semelhante, mas num context fam que, ctbe admitr,o que parhamns logo de inicio sio as ‘iferengas,E sto elas que, paradoxalmente, previsamos por ‘rm comm. Isso passa pela reparagio, isto, por uma amplia~ {ho da nossa concepgto de justiga ede responsablidade, 5 fran aoe, eng

You might also like