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Capa de BRUNO LIBERATI : J. D, SALINGER Revisio de MARCO ANTONIO CORREA FRANNY E ZOOEY 2 EDICAO ‘Tradugao de ALVARO CABRAL 4 Lis? OUTROS LIVROS DE J. D. SALINGER: The Catcher in the Rye ~ 14 edigio brasil ‘Campo de Centeio”, Edi “O Apanhador no lo Autor Nine Stories ~3* edigo brasileira: "Nove Est6rias " Bditora do Autor : EDITORA DO AUTOR Titulo do original FRANNY AND ZOOEY Esta edicdo brasileira n30 pode ser exportada para Portugal, o testo da ‘Europa, nem paca os terit6rios portugueses ultramarinas, Copyright 1955, 1957, 1961 by J. D. SALINGER. Este livro ndo pode ser reproduzido, no todo ou em parte, de nenhuma forma, hem seu texto utilizaclo em representacao de qualquer natureza, sem permissao escrita de Harold Ober Associates, Nova York Direitos da tradugio brasileira adquiridos pela EDITORA DO AUTOR LTDA. - Rua Chaves Faria, 220-A, loja, tel. (21) 2247- (0615, telefax (21) 2523-9717 (Sao Cristévao) ~ Rio de Janeiro/RI, CEP 20.910-140, Tio préximo quanto possivel do espirito de Matthew Salinger, de um ano de idede, quancio insiste com wa campanteiro de almogo para que aceite wm sorvete de lima, também et insisto com 0 mew editor, mentor e— que Deus 0 ajude! ~ mais fntimo amigo, William Shawn, genius domus de The New Yorker, apui- xonado das grandes iniciations, pro tetor dos infecundos, defensor dos espititos rutilantes, o mais absurd mente modesto dos grandes artistas- editores atos, pare que aceite este fora de aspecto bastante pobre. 7 Ainda que brilhantemente ensolarada, essa manha de saba- do exigia um sobretuco © nao apenas um casaco; a semana decorrera toda ela amena,e todo o mundo esperava que se man- ivesse assim para o grande fim de semana... 0 fim de semana do jogo com Yale. Das vinte e poucos rapazes que aguardavam na estagao a chegada de suas namoracinhas pelo trem das dez e cingiienta e dois, nao mais do que seis ou sete se atreveram a ficar na plataforma fria e desabrigada. Os outros, em grupos de dois, ts on quate, de eabeca descoherta @ fumando, passea- vam pela sala de espera ¢ falavam numa voz que, quase sem excegao, soava acadlemicamente dogmitica, como se cada um Gos mogos, em sua estridente intervencao, estivesse resolvendo de uma vez para sempre alguma questio sumamente controver- tida, uma daquelas em que o mundo nao-universitério andara durante séculos metendo os pés pelas mios, sem encontrar uma resposta — excitante ou nao. Lane Coutell, metido num impermeavel Burberry que, evi- dentemente, finha um forro de 1a abotoado por dentro, era um dos seis ou sete rapazes que perambulavam na plataforma desa- brigada. Ou por outra, ele era e nao era um deles. Durante dez minutos ou mais, mantivera-se deiberadamente afastado do bate-papo dos outros rapazes, encostado na estante de folhetos Franny 7 gratis da Ciéncia Crista, as mos sem luvas enfiadas nos bolsos do impermedvel. Enrolara no pescogo um cacheco! de 1& mar yom que pauica protegio Ihe oferecia contra 0 frie cortante, De stibito, e com um ar vago, como que ausente, tirou a mao direi- ta do bolso e pas-se a ajeitar 0 cachecol mas, antes de té-lo ajus- tado, mudou de idéia e usou essa mao para enfié-la por dentro do impermeavel e retirar do bolso interior do paleté uma carta Comecou imediatamente a ler a folha desdobrada, com wma expresso boquiaberta, ‘A carta estava escrita — datilografada — numa folha de papel azul palido. Tinha um ar murcho e desbotado, como se jé tivesse sido retirada do envelope e lida um sem ntimero de vezes. Terga-feira, creio eu Queriaissimo Lane, [Nido fago a menor idéia se voc’ vat ser capa de deci Jfrar isto, porque a bagtinga no dormitério & um negécio absolutamente incrivel esta noite e me parece que nem ‘consigo sequer ouvir os meus proprios pensamentos. Se ce escrever alguma coisa errada, faca o firoor de rio ligar muito, t€? A propésito, segui 0 seu conselho e, nestes iiltimos tempos, tenho recorrido uma porgio de vezes ao dicionario, Se isso prejudicar 0 meu estilo habitual, « culpa # teva sna Seja coma for, acaha de rocebor n sira carta bacanérrima e gosto tanto, mas tanto de vocé que dificitmente consigo arranjar paciéncin para esperar até o {ira da semana, Foi uma pena que eu no possa ir para o Croft House, mas a verdade é que nio me interessa muito onde vow fienr, desde que no fagn fro, nfo tenha pulgas € possn ver vocé de vez emt quando, isto é, a todo instan- te, Agora pegue essa muitia de “isto €”. Adore’ mesnio a sua carta, especialmente a parte a respeito de Eliot. Acko (que os poetas estio me interessanclo cada vex menos, com excegio de Safo. Tenhe lido ela como uma fouca e estou positivamente vidrada mas, por favor, nada de comenté- ios grosseiros. E muito possfvel que ew faga até a minha tese da fine do ano sobre ele, se eu decidir que vale a pena J.D. Salinger arranjay uma boa nota e se conseguir comvencer 0 baba- iho que me impingirayn como monitor a que dé sew coxt- sentimento. “Oh, 0 delicado Adinis est morrendo, Citereia, que devemos fazer? Morificai vossos seios, don- elas, ¢ rasgai vossas ttinicas”. Nido é fabuloso? E ela também nia faz outra coisa. Voc? gosta de mim? Nem uma tinien vez vocé o disse na sua horrivel carta. Odeio voeé quando quer bancar o supermacho ¢ fica todo chet de retiscdncins (€ assim que se eserevw?). Nao & que real- mente o odeie, mas sow constitucionalmente contra os homens fortes e calndos. Nao é que ew actte que voc’ rio é forte, mas jf percebeu muito bere o que eu quero dizer, iio? Isto aqui esta ficendo to barudlento que nem con- sigo sequer pensar direito. Seja como for, ew te ammo 2 wou wer se consigo que esta carta sige anda hoje por correio expresso para que a receba com baste tempo, isto €, se conseguir arranjar um selo neste Fospici. Te amo te ammo ‘fe amo. Por acaso woe? se dew reslmente conta de que 36 dancei com vocé duns vezes em onze meses? Sem contar aguela vex no Vanguard, quando voce estan bébado. Acho que vou ficar complexada. A propdsilo, ew mato oct se houcer comité de receppie quando ew chegar at Até sibado, minha flor! ‘Todo 0 mete amor FRANNY weeceaxx PS. — Papai jé recebew as radiografias da clinica esta- ‘mos tosios muito aliviados. E um tumor mas nit é malig- no, Falei com Mae pelo teleforte a noite passada, Antes que esquecn, ela manda saudades para voe’, assim que pode ficar tranquiilo a respeito daquela sexta-feira a noite. Eu acho que ela nem nos auoite chegar. P.P.S. — Sinto-me tio burma e sent grap quando escrevo a voce, Por qué? Esti autorizado a aneliser 0 caso. Vamos fazer 0 possivel para nos divertirmos muito neste fim de sema~ nia, combinado? Quer dizer, ao menos desta vez nao tente Franny malisar tudo até os 03803, se for possicel especialmente a mim. Te adoro. FRANCES (omer brasto) Lane estava a meio dessa nova leitura da carta quando foi interrompido — abordado, atropelado — por um rapaz compu lento chamado Ray Sorenson, que queria saber se Lane podia informé-lo que espécie de bastardo era esse tal de Rilke. Lane e Sorenson estavam ambos fazendo um curso de Literatura Européia Moderna (que s6 podia ser freqtientado por alunos do ‘iltimo ano) e tinha tocado a eles, para dissertagio, a quarta das “Blegias de Duino”, de Rilke. A prova seria na segunda-feira Lane, que s6 conhecia Sorenson superficialmente, mas tinha uma vaga e categorica aversio pela cara e os modos do colega, voltow a guardar a carta e respondeu que nao tinha certeza, mas supunha ter compreendicto o essencial. — Vocé tem sorte — disse Sorenson. — E um homem feliz. A vor dele arrastava-se com um minimo de vilalidade, como se tivesse vindo falar com Lane apenas para espairecer seu to ou impaciecia, no por qualquer espéce de impulso — Puxa, que esté frio pra burro! — exclamou ele, tirando do bolso um mago de cigarros. Lane noton que havia uma nodoa de biton: meio sumicia na lapela do excelente sobretudo de li de camelo do seu colega. A nédoa tinha 0 aspecto de ter sido ali posta ha varias semanas, talvez meses, mas ele ndo tinha com Sorenson intimidade bas- tante para falar-Ihe nisso nem, francamente, a coisa lhe interes- sava tanto. Além disso, o trem estava chegando. Ambos os rapa- zes fizeram uma espécie de esquerda volver para ficar de frente para a locomotiva que se aproximava. Quase ao mesmo tempo, a porta da sala de espera foi escancarada com violéncia e os rapazes que tinham ficado Ia dentro, aconchegados, comegaram. se precipitando para a plataforma, ao encontro do trem, a maior parte deles dando a impressio de ter, pelo menos, tés cigarros acesos em cada mio. 10 J.D. Salinger ' ‘ : i Lane também acendeu um cigarro quando o trem parou na estagao. Depois, como tanta gente a quem talvez s6 se devesse dar um livre-trnsito muitissimo condicional para esperar a che- gada de trens, Lane fentou esvaziar seu rosto de toda expresso que pudesse muito simplesmente, ialvez até admiravelmente, revelar o que ele sentia a respeito da pessoa que vinha chegando. Franny foi das primeitas mogas a saltar do trem, de um vagio Id na extremidade norte da plataforma. Lane localizou-a imediatamente e, apesar de tudo o que estava tentando fazer com a fisionomia, 0 brago que ele esticou para o alto continha toda a verdade. Franny viu o brago, viu 0 rapaz, e correspondeu com um aceno extravagante. Ela envergava um casaco de lontra, de pélo raso, ¢ Lane, dirigindo-se a ela rapidamente mas de rosto impassivel, pensava com seus botGes, com uma excitagio reprimida, que era a tinica pessoa mquela plataforma que real- mente conhecia 0 casaco de Franny, Lembrava-se de que, ceria ‘vez, num carro emprestado, depois de beljar Franny por meia hora, mais ou menos, beijara também a gola daquele casaco, como se fosse tum prolongamento orginico e perfeitamente desejavel da propria pessoa que o vestia. — Lane! — gritou Franny exultante...¢ ela ndo era, positiva- mente, do género de roubar ao rosto a expressio de seus senti- mentos intimos. Atirou os bragos em redor do pescogo do rapaz. € beijou-o. Foi um beijo de plataforma de estacio... bastante espontaneo, no inicio, mas um tanto inibido na continuagao, com tum qué que lembrava mais um entrechoque de cabecas. — Recebeu minha carta? — perguntou ela, acrescentando quase no mesmo f6lego: — Voce parece congelado, infeliz cria- tura! Por que no esperau la dentro? Recebeu minha carta? — Que carta? — disse Lane, apanhando a mala dela. Era azul-marinho, com tirantes de couro branco, como meia diizia de outras malas que estavam sendo nese momento descarrega- das do trem. — Entdo ngo a recebeu? Eu a pas no correio na quarta-feiral Nossa! Eu mesma a levei ao correio. — Ah, essa? — cortou Lane. — Sim, essa recebi, fi toda a bagagem que trouxe? Que livro 6 esse? Franny u

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