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CTL ee Ss SRC ECO CT OPO MN TC ON CSU ee OCT TC TeTosmer eMC MTEC pensamento mestico. Quatro séculos antes do tupl que tocava Creo COMO OT OE CLIT Conn EOCENE CON GN de um laboratério de mestigagem de cul: OTSA Aton ccs SOTTO COUNT CONCIERTO OTE dos conquistadores ¢ dos vencidos, Sobre as CIAO Mom eCeeNnN OP non Te COCO eae TE oo TT Tienes Es MOOS On COT en On TT RoC mR Meme MeO Tae CUETO eae nS mer OT eMC ook CO TCO quimia sutil da mesticagem, conviveram com Eien ase Estudar 0 pensamento mestigo, naselda DOR ce Oe AU AN eeem Lite NU Co DS KATUMT ees oes CORSO TTT OSE Neon eee on UTP Ne dentalizagao planetaria ) Serge Gruzinski O Pensamento Mestico ‘CoMmANila . ayn No século XVI, quando Portus gale Espantia ehegam aos quatro eontinientes ¢ dao a laigada pari a globalizacao econémica, eulluras imagindiios de povos que até en« to se ignoravam. sofiem influén= Glas de horlzontes planetdrios, 0 ‘Méxleo {61 0 palco singular dese desdobramento da expansao Ibé= ‘ea: 0 pensamento mestico. Vitimas de massacres, guesras civis ¢ epidemias. os fndfos nauas viram-se ampulados de sua de- -senvolvida eivilizagao, Formou-se ua Sociedade fragmentada e in- ‘segura, ém que cles obsor adaptaram e assimilaram ¢ tos da cultura europsi Usla € erls@. Mas 0 que criaram nao fol puro mimetismo, nem e6« la passiva de modelos trazidos or padres © funeiondrios da Go- roa. Forum obras mesticas, uma forma de resisténela ao invasor sauddivel reagao de quem perdeu telerenclas & valores, Ente improvisos e compromis- ‘908, artistas e artesdios aprovell vam-se da menor breeha para del- ar sinafy dentitirios na tola, na madeira, m0 papel, perpeluando tradicdes banicas pela Conquista, Assim. Hos affescos de um palaive- te. 0 acu. indio pintor, recorre 5 Mevamiorfoses de Ovidlo para feintroduzir iemas da mitologla aga naa, €riadores dos versos épleos dos Camares mexicanos misturam heréis da Antigtidade, ‘santos catdlicas e denses do pan- tedo asieca. enquanto 6 calfgrato que enche as margens de un ma fuserlie com arabeseos de estilo -grolwsco substitui as flores Cuno ‘nélas pelas alucinégenas nativas. Cont uma visio pluridiseiplinan ‘que abrange a histéria, a antropo- logia, a estética © a enitica de are le, Serge Gruzinskl desmonta as cengretiagens do perisamente mes= ligo e faz uma andlise original de Seti impacto nos imaginatios dos povos americanos. Na ponte que Janqa entre 0 México da Conquls= ta e a Puropa do Renaseimento, esto a8 ehaves para a compreen= silo, cco séeulos depols, da world eulture do mundo globalized. 5 a . re Gruainski nasceu na Pranga, em 1949, Histovlador e pa- Teografo, dirige um nGieleo de pes- ‘quisas no Centre National de fa Re ‘cherche Scientifique ¢ ensina na Ecole des Hautes Etudes en Selen- ces Sociales, em Paris. Especialis- ta no Novo Mundo, € autor de Les hommes-diews du Mexique, Poit- volt fudien et société cotoniate, AWIE-AVHTE siécles: La colonise ton de Vimaginaire € A passagem, do sécillo: 1480-1520 (Companhia SERGE GRUZINSKI O pensamento mesti¢o Truugao Rosa Freire d’Aguiar IN Gouin ns Tes Copyright © 1998 by Lbraze rthame Fyand CCerourrege publi ecard pregvarem aided bs publication, neice da soutien da Ministre rane es ares Frage, atelivo tev 0 api do programa de auxilo 'publiaso do MinistrioFancts das RlagoesExterones. ‘Tilo wiginat a pense metise capa note Rotini sobre (egress gus ce amiga onventoagestinlano de lmigulpan, ets México (@ G. Meee) Prepaagao Elimede Abrew Santoro Indices Régis Merida Giampersa Revi hinds Camara Beatie Freitas Moria los oni Clg na Pte) (Cima vas dims Ba Openness Sage Orn; i de scfeeane Seas: Comprise tts 201 1 Ais Lia ~ Chiao 2 Neagen ~ Arse ins prc acme amis Centos 8031 (2001) Todos os direitos desta ediga reservados Fe Bandits Palisa 703.32 ‘4ssi-0na —StoPavlo— se Teefone (2) 28460801 ax (x) 3846-085 ‘wor compashiadaletrscombr Para Thérdse Sumario Introdugao eer 3 PRIMEIRA PARTE MISTURAS, CAOS, OCIDENTALIZACAO FE ANAZONAS ep Godosnooe eo) Algodoal, agosto-setembro de 1997 23 ‘Asmestigagens da Amaznia ... . 29 Os indios de Cassel, setembro de 1997. 2. MISTURAS E MESTIGAGENS Um idioma planetario . Incertezas e ambigitidades da linguagem ......... 42 O desafio das misturas .. 6.66... eee eee ee Berlim, 1992. Pensar 0 intermedisrio 7 0 desgaste de uma categoria : 51 “Um homem distinto é um homem misturado” +. 52 O peso doctnocentrismo .....:.. 55. Aordemeotempo .... 66... 0ee cece eee es 7 O modelo danuvem .. . a vaweas wees 60 Aspistas do passado. .. 0.0.2... ce eeee ees OL 3-0 CHOQUE DA CONQUISTA ss... . 6 Mundos derrubados oe + 64 Imagens de catéstrofes e chavesmilenaristas s+ 67 Adesordem das coisas. eo) el ‘Mesticagens . . . Do Peru das revoltas ao Brasil dos ramelucos . 80 A perda das referéncias. .. eyes Os percalgos da comunicagio : . 87 Sobrevivencia, adaptagio e mestigagens ........-. 90 4. OCIDENTALIZAGAO 3 ‘A r6plica do Velho Mundo. . 94 ‘Uma outra cristandade . ‘copia indigena: produsao ereprodusao ‘Mimetismo e comunicagao + 100 104 105 ‘Caos, ocidentalizagao e mestigagens. ..... 2... +.» 108 Copiar ou interpretar SEGUNDA PARTE AS MESTIGAGENS DA IMAGEN 5.0 MACACO BA CENTAURA . : ween eee LIB [A“desordem dos estilos” i 14 The Pillow Book... .. . 115 © macaco,a florea centaura . . =. U8 Oscentauros de Ixmiquilpan... <2... 121 Combates rituais do México e da peninsula 2125 As metamorfoses de Ovidio .. . a 128 6, OVIDIO MEXICANO . Da Europa ao Novo Mundo Ovidio e 0s indios . A captura de Ovidio ee Passado pagio, presente cristao . Fabula e pensamento hibrido ‘A fabula e os indios “0 tiltimo dos mundos” Sobre o bom uso da fabula J.AINVASKO DOS GROTESCOS OU A IMAGEM EM MOVIMENTO Imagens em movimento e hibridagao Aarte dos grotescos Da Espanha as Am A liberdade dos grotescos México, Parma e Florenga ease eee ee Receitas simples. _ Criar e conceber o hibrido . . £8. A LINGUAGEM DOS GROTESCOS E DOS GLIEOS Os grotescos de Parma. Allinguagem dos grotescos e dos glifos Dos grotescos as Metamorfoses Da hibridacao a mestigagem Um atraidor? De Ovidio a Plinio, 0 Velho TTERCEIRA PARTE A CRIAGAO MESTICA 9.0 LOBO, A CHUVA E.0 ARCO-IRIS s paldcios maneiristas dos “imperadores astecas” 145, 132 - 133 137 141 142 49 Is 153 155 = 158 - - 160 163 165 170 172 -176 178 184 - 185; - 188 = 191 -193 196 = 198 205 206 Cholula, “A Tale of Two Cities” ween 208 ‘Um bicho numa triste pose wee QS Actiagao . . = 218 A selva das invengoes +223 30. ATRAVESSIA DO MAR ee oe eee eee eee ee 227 Ses soereee aasuamneaaeeeteeeeeeeeeeeee we 229 (Os Cantares mexicanos 2231 As chaves da tempestade . = 232 O olhar dos monges . -236 irredutivel nao €0 irracional .. 6.0... 05s 242 M.A COLONIZAGAO DO CEU ee eee ee 2M ‘Acasa do imperador : ce DAS Oimperador docu... 666. eee eee eee e247 A Roma indigena cee 29 A cagaas borboletas oes 253, Umalém luminescente . 287 A conquista dos céus ere rerr as: 261 peas ee 268 “A arvore florida na casa de Deus”... - - $40 Jouo e Tonatiuh Atraidores indigenas Metamorfoses indigenas 270 O laboratério mexicano . wee 2B 12, AGRUTA DASSIBILAS os ee eee ee 27 ‘A caga as misturas ere 278 Substituigdo e reemprego oo... eee 282 Mestigagem ou reciclagem crista?.. 00... ss 284 Mascaradas e festas coloniais . . 286 Deslizes e reativagoes . . 289 Ocidentalizagao e acomodamentos 204 O controle das mestigagens 297 ‘A instabilidade das misturas ... . .« Le Oimpossivel retorno ... - conctusso [HAPPY TOGETHER cinema de Hong Kong . Hibridacao e mestigagens wee Sociedades coloniais e criagbes mesticas ‘A cultura do desaparecimento” Notas... ee Agradecimentos Bibliografia {indice onoméstico e de personagens . Indice geogrifico 6... 0. eee eee - 300 301 = 305 -309 313 315 321 371 373 = 389) -395 Introdugao JANEIRO DE 1896, ACOMA, NOVO MEXICO Um padre celebra a missa na igrejinha de Acoma, terra dos indios hopis do Novo México. Entre os assistentes, um visitante alemao, Aby Warburg, um dos pais fundadores da historia da ar- te, eminente especialista do Renascimento ¢ filho de uma riquis- sima familia de banqueitos instalada dos dois lados do Atlantico. ‘Warburg observa as pinturas murais de origem indigena: “Du- ante a missa, fiquei impressionado com 0 fato de que as paredes estavam cobertas de simbolos cosmolgico-pagios”’ Alids, numa fotografia feta pelo historiador reconhece-se“um motivo muito antigo e universal para representar a gera¢io, 0 cres- cimento e a degenerescéncia do movimento da natureza”? Outra foto mostra o interior da igreja: indias vestidas de preto, como as, ‘camponesas da Espanha, rezam na frente de um altar barroco re- pleto de estatuas de santos cuja policromia se pode perceber. ‘Warburg nao viajara tdo longe para se interrogar sobre a 8 transformagdo das crengas indigenas ou sobre sua “contamina- ao”? Em compensagao, descobrira a existéncia de um vinculo secreto entre a “cultura primitiva” dos indios e a civilizagao do Renascimento. “Sem o estudo da cultura primitiva deles, eu nun- ca teria tido condigdes de dar uma base mais ampla a psicologia do Renascimento.”" Durante sua temporada nos Estados Unidos, para assistir ao casamento do irmao Paul com uma das filhas do banqueiro Loeb, e entediado com a boa sociedade da costa leste, Warburg se lan- ‘cara numa exploragao da “América pré-hispanica e selvagem’, numa pesquisa comparativa entre a indianidade eterna e a ima- gina¢ao mitica.’F, evidentemente, encontrou-as. A distincia que percorrera de Hamburgo ao Novo México parecia-Ihe to gran- de como a que separava seu século do século do Renascimento, embora ele nao ignorasse que a modernidade estava gestando “destruidores fatidicos da nocao de distancia’ Assim, Warburg nao hesitou em cruzar as pistas da antro- pologia e da historia da arte. E, inclusive, se transformou num homem de pesquisas de campo e trabalhou com informantes in- » portugueses, franceses, ingleses ou italianos: ali os primeiros exploradores procuraram Amazonas, eldorados e jardins das Hespérides." A isso se acrescentam as lembrangas sem eles espanhéi escolares, toda vez. que as desgracas dos nativos reavivam em nés 0 mito do bom selvagem cultivado pela Franca humanista, lite- riria e estudantil desde Jean de Léry e Michel de Montaigne. Por liltimo, as ameagas que hoje pairam sobre essa regiao do globo introduzem uma tensdo dramética que a torna ainda mais atraen- te, A Amaz6nia esta se transformando num paraiso perdido, se € que jé nao se transformou. Como nao se deixar fantasiar sobre esse mundo longe da historia? Freqdentemente a AmazOnia serviu para se imaginar a criagio indigena em termos de sobrevivéncia e para se pensar no homem, em geral, como “o sintoma de um inquietante conser- vadorismo”, ¢ de uma forma tao abstrata a ponto de esvaziar a singularidade das situagées." Escritores, poetas, cineastas ndo pa- raram de explorar esses ichés para transformé-los em sonhos destinados a um pablico cada vez mais évido de mundos primi- tivos e perenidade. Hollywood e 05 meios de comunicagao, exi- bindo um humanismo de circunstancia, se substitufram a eles, com o sucesso que se conhece. Nem sempre a cigncia moderna eliminou tais fantasmas € preconceitos, Fazendo pouco-caso das mudangas hist6ricas e pré- historicas que as populagdes amaz6nicas conheceram, minimizan- do suas capacidades de inovagio e difusio, ignorando as federa- ‘Ges que reuniam as tribos em unidades maiores, subestimando impacto das circulagées em grande escala que animayam a flo- resta, 05 antropélogos alimentaram a imagem de sociedades im6- veis na tradigio.” Ora, de tanto privilegiar a adaptagao do grupo 30 seu ambiente natural, acabaram esquecendo as interagdes entre os povos ¢,em especial as repercussbes da presenga européia. "Assim, a antropologia estruturalista fez da Amaz6nia 0 con- servatbrio do “pensamento selvagem’, multiplicando monogra~ fase teorias eruditas. Ninguém duvida de que esses pesquisado- res — estando Claude Lévi-Strauss no primeiro nivel deles — ‘tenham dado uma contribuigdo essencial as ciéncias humanas do século XX. Mas a contribuigao tem seu prego, De tanto contrapo- rem “sociedades frias”, que supostamente deviam resist ’s trans- formages historicas,a “sociedades quentes’, que viveriam da mu-

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