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FILOSOFIA Colegao dirigida pela Faculdade do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus Diretor: Joao A. A. A. Mac Dowell Co-Diretores: Henrique C. Lima Vaz, SJ ¢ Danilo Mondoni, SJ Instituto Santo Inacio Ay. Dr. Cristiano Guimardes, 2127 (Planalto) 31720-300 Belo Horizonte, MG Edigées Loyola Rua 1822 n® 347 — Ipiranga 4216-000 Sao Paulo, SP Caixa Postal 42.335 — 04218-970 — Sado Paulo, SP @® (1b 6914-1922 @ (11) 6163-4275 Home page e vendas: www.loyola.com.br Editorial: loyola@loyola.com.br Vendas: vendas @loyola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrdnico ou mecénico, incluindo fotocépia € gravacdo) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissdo escrita da Editora, ISBN: 85-15-01988-4 3* edigdo: fevereiro de 2006 © EDICOES LOYOLA, Sao Paulo, Brasil, 1999 NTRODUGAO Ou Etica é, sem dtivida, dos mais difundidos e dos mais constantemente usados na linguagem contemporanea, seja na literatura especializada ou na fraseologia politica, seja na comunica- io de massa. E evidente, por outro lado, a deterioracdo semantic do termo nessa sua migra¢ao incessante por tantas formas diferentes. de linguagem. Um estudo sobre Etica que se pretenda filos6fico deve dedicar-se preliminarmente a delinear 0 contorno semantico dentro do qual o termo £tica sera designado e a definir assim, em primeira aproximag¢ao, 0 objeto ao qual se aplicarao suas investiga- ¢des e suas reflex6es, bem como a caracterizar a natureza e a esta- belecer os limites do tipo de conhecimento a ser praticado no estu- do da Etica. Essa a tarefa que nos propomos levar a cabo nesta Introdug¢ao. Duas quest6es fundamentais aqui se nos apresentam: a primeira de carater mais histdrico, a segunda de cunho ao mesmo tempo his- torico e tedrico. A primeira diz respeito as origens lingtisticas do ter- mo Ftica, A sua transcric¢do na primeira lingua filos6fica conhecida, a lingua filos6fica grega, ¢ ao rico contetido semantico que nela recebe ¢ que nos é transmitido por uma longa tradigao. A segunda refere-se 4 legitimidade e validez dessa leitura filosdfica original da conduta humana individual e social que passa a ser designada como Etica, e que desde os primeiros passos da cultura ocidental orienta a reflex4o nesse terreno. Em outras palavras: a primeira questao é uma quaestio de nomine, a segunda questao surge na forma de uma ESCRITOS DE FILOSOFIA IV interrogagao prévia sobre a possibilidade de uma Etica filoséfica, tal como pretendemos venha a ser o discurso deste livro. O estudo dessas duas questées, sobretudo da segunda, devera, im © cremos, abrir-nos o caminho para o exame da natureza e estrutura da Etica filoséfica e para a rememoracio de seus grandes modelos histéricos. A partir dai sera possivel tracar as linhas funda- mentais do sistema da Etica em sua versio filos6fica e apresentar os titulos de sua validez tedrica e de sua necessidade histérica nos tempos atuais. Inicialmente convém dizer uma palavra sobre um problema de natureza terminolégica que ocorre constantemente na linguagem e na literatura sobre Etica, a saber, 0 problema do uso das denomina- ges Etica e Moral para designar 0 mesmo dominio do conhecimen- to. Essa dupla designacao tem suscitado alguma divida sobre a sinonimia original dos dois termos na medida em que cada um parece exprimir um aspecto diferente da conduta humana em suas componentes social e individual. Provavelmente a dtvida a respeito do matiz semAntico diverso de Etica e Moral comecou a formar-se desde os tempos kantianos e acentuou-se com a distingao introduzida por Hegel na estrutura dialética da sua Filosofia do Espirito objetivo entre Moralitét e Sittlichkeit, a primeira designando o dominio kantiano da moralidade interior, a segunda significando 0 campo classico da eticidade social e politica. Considerados, porém, em sua procedéncia etimolégica, os dois termos sao praticamente sinénimos e dado o seu uso indiscriminado na imensa maioria dos casos, talvez seja preferivel manter essa sino- nimia de origem e empregar indiferentemente os termos Etica e Moral para designar 0 mesmo objeto, /A tentativa de conferir: Thes acepcao diferente esta ligada, como voltaremos a ver, a separacao moderna entre Etica e Politica e, mais geralmente, a cisao entre individuo e sociedade ou entre vida no espaco privado e vida no espaco piblico. Examinemos primeiramente a ascendéncia etimolégica do ter- mo Etica, herdado, como é sabido, da lingua grega. No uso vulgari- zado a partir de Aristételes, ética (ethike) é um adjetivo que qualifica um tipo determinado de saber que Aristételes foi, de resto, 0 primei- 12 INTRODUGAO. ro a definir com exatidao. Assim surge a expressao aristotélica ethike pragmateia [Arist6teles usou igualmente 0 termo praktike philosophia, Met. IL (alpha elation), 1, 993 b 19-23], que podemos traduzir se) como 0 exercicio constante das virtudes morais, seja como 0 exerci- cio da investigacao e da reflexao metédicas sobre os costumes (ethea). Posteriormente, a partir provavelmente jé da Primeira Academia (séc. IV a.C.), segundo o testemunho de Xenécrates (fr 1), os adj tivos ethike, logike e physike passam a qualificar cada um as trés partes nas quais é dividida a Filosofia concebida como ciéncia (epistheme): Logica, Fisica e Etica (logike, physike, ethike), divisio que perdura até o século XVIII d.C. Lentamente o adjetivo se substantiva, dando origem as disciplinas hoje conhecidas como Légica, Fisica ¢ Etica. Na lingua filos6fica grega, ethike procede do substantivo ethos, que recebera duas grafias distintas, designando matizes diferentes da mesma realidade: ethos (com eta inicial) designa 0 conjunto de cos- tumes normativos da vida de um grupo social, ao passo que ethos (com epsilon) refere-se 4 constancia do comportamento do individuo cuja vida é regida pelo ethoscostume'. E, pois, a realidade hist6rico- -social dos costumes e€ sua presen¢a no comportamento dos indivi- duos que é designada pelas duas grafias do termo ethos. Nesse seu uso, que ira prevalecer na linguagem filos6fica, ethos (eta) é a trans- posigao metaforica da significagao original com que o vocabulo é empregado na lingua grega usual e que denota a morada, covil ou abrigo dos animais, donde o termo moderno de Etologia ou estudo do comportamento animal,/A transposi¢éo metaférica de ethos para o mundo humano dos costumes é extremamente significativa e é fruto de uma intui¢do profunda sobre a natureza e sobre as condi- ces de nosso agir (praxis), ao qual ficam confiadas a edificacio e preservacao de nossa verdadeira residéncia no mundo como seres a morada do ethos cuja destruicao significaria 0 fim de todo sentido para a vida propriamente humana. inteligentes e livre: 1. Ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia II: Etica e Cultura, Sao Paulo, Ed. Loyola, 2" ed., 1993, pp. 12-14. Observe-se, no entanto, que ethos (eta) e ethos (epsilon) tém, provavelmente, raizes diferentes no indo-europeu e no antigo hindu, o primei= ro correspondendo ao latim suesco (tenho 0 costume) 0 segundo a sodalis (sécio ou companheiro). Ver F. Montanari, Vocabulario della lingua greca, Florenga, Loescher, 1996, pp. 589 ¢ 880; ver as reflexdes de K-H. Ilting, Naturrecht und Sittlichkeit, Stuttgart, Klet-Cotta, 1983, pp. 115-124. 15 ESCRITOS DE FILOSOFIA IV O vocabulo moral, traducao do latim moralis, apresenta uma evolucado semantica andloga a do termo ético (a). Etimologicamente a raiz de moralis € 0 substantivo mos (mores) que corresponde ao grego ethos, mas é dotado de uma polissemia mais rica, pois seu uso se estende a um amplo campo de expresses como pode ser verifi- cado nos léxicos latinos*. Mas ja desde a época classica, moralis, como substantivo ou ad- jetivo, passa a ser a traduc¢do usual do grego ethike’ e esse uso é transmitido ao latim tardio e, finalmente, ao latim escolastico, pre- valecendo seu emprego tanto como adjetivo para designar uma das partes da Filosofia’ ou qualificar essa disciplina filos6fica com a expresso Philosophia moralis, hoje vulgarizada nas diversas linguas ocidentais, quanto simplesmente como substantivo*, como Moral em nossa linguagem corrente. Vemos, assim, que a evolugio semantica paralela de Etica e Moral a partir de sua origem etimologica nao denota nenhuma diferenga significativa entre esses dois termos, ambos designando fundamen- ~;- talmente o mesmo objeto, a saber, seja 0 costume socialmente conside- rado, seja 0 hdbito do individuo de agir segundo o costume estabe- lecido e legitimado pela sociedade. ~ 2. Por exemplo, Aeg. Forcellini, Lexikon totius latinitatis, nova ed., Padua, Seminario, MCXXXX, t. IIL, p. 295. Em seu excelente Dizionario latino-italiano, Tu- rim, Rosenberg ¢ Cellier, 3* ed., 1987, col. 1746-1747, F. Calonghi enumera as seguintes acepcdes de mos, seguindo uma ordem de progres semantico: a. Vontade, desejo; b. conduta, seja como costume, uso, habito, seja como comportamento, atitude, c. modo de ser, estado, natureza; A. lei, preceito, regra, Sobre a interpretacdo medieval de mos (inclinatio naturalis, consuetudo), ver Tomas de Aquino, Summa Theol, 1a. 2ae, q. 58, a. 1, 8. Referindo-se a ethike diz M. T. Cicero: sed decet augentem linguam latinam nominare moralem (De fato, 1, 1) 4. Ver Séneca (Epistola 102, 4; Ep. 89): (Stoici) philosophiae tres partes esse dixerunt: moralem, naturalem et rationalem. Santo Agostinho, seguindo uma twadi¢io doxogrifica, atribui a Platao a divisio da Filosofia em moralis, naturalis, rationalis, Eis suas pala- vwras: Plato (...) philosophiam perfecisse laudatur quam in tres partes distribuit: unam moralem quae magis in actione versatur; alteram naturalem quae contemplationi deputata est; tertiam rationalem qua verum disterminatur a falso (De Civitate Dei, VII, 4) 5. Assim ocorre no distico medieval que resume os quatro sentidos da Escritura: Littera gesta docet, quid credas allegoria / Moralis quid agas, quo tendas anagogia. 0 enriquecimento 14 INTRODUCAO, A tendéncia recente de atribuir matizes diferentes a Elica ¢ Moral para designar o estudo do agir humano social e individual decorre provavelmente do crescente teor de complexidade da socies dade moderna e, nela, da emergéncia do individuo, pensado origi: nariamente em confronto com 0 todo social. Ao passo que Aristételes se passava, sem solucgao de continuidade, da Etica indivi- dual Etica politica, ambas sob o nome genérico de politike ou ciéncia politica’, a filosofia moderna pres upde uma nitida distin- ou mesmo uma oposi¢ao entre as motivagdes que regem o agir do individuo, impelido por necessidades e interesses, e 0s objetivos da sociedade politica, estabelecidos segundo 0 imperativo de sua ordenacao, conservacao, fortalecimento e progresso. Foi provavel- mente no clima intelectual formado sob a influéncia dessa distincao ¥ que a significagao do termo Moral refluiu progressivamente para 0 terreno da praxis individual,/enquanto o termo Etica viu ampliar-se seu campo de significagao passando a abranger todos os aspectos da praxis social, seja em suas formas histéricas empiricas, das quais se ocupam as Ciéncias humanas (Etmologia e Antropologia cultural); seja em sua estrutura tedrica, da qual, segundo pensamos, deve ocupar-se a Filosofia. O intento hegeliano de unificar, numa supe- rior Filosofia do Espirito objetivo, praxis individual e praxis social e politica, reintegrando num campo mais abrangente de significagao Etica e Moral, nao encontrou herdeiros a altura das suas ambicoes tedricas. A Moral continuou mostrando uma tendéncia a privilegiar a subjetividade do agir, enquanto Etica aponta preferentemente para a realidade hist6rica e social dos costumes’. Tal 0 matiz semantico que viria a distinguir, na linguagem contempordnea especializada, Elica e Filosofia Morat. 6. Aristoteles, Etica Nic, 1, 2, 1094 a 26-27. 7. Ver as reflexdes de Charles Taylor, As fontes do Self (tr. br.), Sao Paulo, Loyola, 1997, pp. 90-91; sobre 0 estatuto da moral, ibid., pp. 105-124. 8. Assim reza o titulo do Dictionnaire dEthique et de Philosophie morale, publica- do recentemente pelas PUF (ver bibliogr.), no qual os termos Etica € Filosofia moral recebem uma conotagao diferente: Ethique, les aspects plus conerets de la morale, voire la recherche de la vie bonne, tandis que “philosophie morale” sert plutot @ denommer la dimension historique et conceptuelle de UEthique (Avant-propos, p. V1). O Companions to Ethics da Blackwell (v. bibliogr.) dedica um artigo, de autoria de Dale Jamieson (pp. 476-487) a moral theory, designacio usual no mundo anglo-saxdnico para a teoria do agir ético. No Lexikon der Ethik de O. Héffe (tr. fr. ampliada de Ky i) ESCRITOS DE FILOSOFIA IV Embora em nosso texto os dois termos ocorram em sua sino- nimia original, damos preferéncia ao termo Etica, em seu uso subs- tantivo ou adjetivo, de acordo com a precedéncia hist6rica reivin- dicada pelas primeiras formas do discurso filos6fico sobre o ethos que a tradic¢Ao consagrou com o vocabulo Etica. O termo moral, substantivo ou adjetivo, comparecera também em express6es ja fixa- das pelo uso, como “consciéncia moral”, “lei moral” “moralidade” e “norma da moralidade”. Essa pequena incursao etimoldgica permite-nos tentar, atenden- do ao conteido semantico do termo, uma primeira definigao da Etica, que se pretende apenas uma resposta 4 questo quid nominis. A transicao da inten¢ao significante de ethos do dominio animal para o dominio humano teve lugar no curso da complexa transforma¢ao da cultura grega arcaica, da qual se originou a cultura conhecida como classica. Podemos supor que um dos motivos teéricos profun- dos dessa transigao foi a impossibilidade de abranger e compreen- der, a luz do incipiente logos demonstrativo, sob o mesmo conceito univoco de physiso mundo humano e o mundo das coisas. As pecu- liaridades do agir humano, designado com o nome especifico de praxis, nao permitem pensé-lo em homologia estrita com 0 movi- mento dos seres dotados de uma physis especifica. Nesse sentido o termo ethos, transposto para a esfera da praxis, acaba por exprimir a versao humana da physis, e assim o entendeu Aristételes ao interpre- tar o ethos no homem como o principio que qualifica os habitos (hexeis) ou virtudes (aretai) segundo os quais o ser humano age de acordo com sua naturexa racional’. A distingdo essencial entre physis € ethos € a que vigora entre a necessidade que reina nos movimentos da physis e a freqiéncia ou quase-necessidade que caracteriza, por meio dos hdbitos, os atos de acordo com 0 ethos'°. L. Sosoe, v. bibliogr.) a qualidade da vida ética é denominada moralidade (O. Héffe, pp. 225-228). 9. Ver 0 tratado sobre os habitos em geral na Summa Theol., 1a. 2ae. q. 49; habito ¢ natureza (ibid., q. 51 a. 1 ¢.); sobre © habito € a virtude ética, Etica Nic., U, 1, 1103 a 14 1103 b 25, e o elucidativo comentario de R. A. Gauthier]. Y. Jolif, L'thique Nicomaque (v. bibliogr.) II, 1, pp. 93-113. 10. Diz Aristételes: “O habito é semelhante a natureza (physei): a natureza é dominio do ‘sempre’ (ae), 0 habito do ‘freqiientemente’ (pollakis)”, Ret. I, 11, 1370 a 7. 16 INTRODUGAO Transposta, pois, para o mundo da praxis humana, a physis é ethos. A existéncia do ethos é uma evidéncia primitiva e indemonstravel e torna-se, assim, principio primeiro da demonstracao na esfera do agir humano, sob a forma logica do axioma inicial na ordem do conhecimento pratico: Bonum faciendum, malumque vitandum''. Essa proposi¢ao traduz a natureza normativa e prescritiva do ethos que regula e ordena a bondade do agir do ponto de vista da sua necessa- ria insergéo num contexto hist6rico-social. Na primeira tentativa histérica de interpretar o ethos segundo os canones da Razio, que teve lugar na filosofia grega classica, dois modelos te6ricos se apresentaram, ambos sendo expressio de com- ponentes estruturais da cultura grega tal como vinha se formando a partir do periodo arcaico: 0 ethos na sociedade sob a forma da le (nomos) € 0 ethos no individuo sob a forma da virtude (arete)'*. Dessas duas versdes do ethos procedem as duas disciplinas ja bem definidas na enciclopédia aristotélica e que até hoje partilham o dominio da praxis: Etica e Politica, unificadas, segundo Aristételes, em sua quali- dade de saber pratico, pela unidade objetiva do ethos. Podemos, assim, propor uma primeira defini¢ao da Etica, de acordo com o contetido semantico do termo,/A Etica € um saber elaborado segundo regras ou segundo uma logica peculiar, pois 0 primeiro uso adjetivo do termo qualificava justamente, em Aris- toteles!, uma forma fundamental de conhecimento, contraposta aos conhecimentos tedrico € poiético. O objeto da Etica é uma realidade que se apresenta A experiéncia com a mesma evidéncia inquestionavel com que se apresentam os seres da natureza. Realidade humana por exceléncia, historica, social e individual e que, com profunda intui- ¢ao das suas carateristicas originais, os gregos designaram com 0 nome de ethos. A Etica, portanto, nominalmente definida, é a ciéncla do ethos. Nessa breve e simples definicao estao implicitos problemas complexes, seja epistemolégicos, no que diz respeito ao sujeito, isto fh 11. Bonum faciendum, malwnque vitandum, 0 bem deve ser feito, 0 mat deve set qvitado. Este principio aparece j4 na natureza vinculante do Bem (deon), segunda Platao, Fédon, 99 ¢ 6, e em sua natureza finalizante (Gorgias, 499 © 11-12) Avistate Etica Nic, I, 1, 1094 a 2) 12. Ver H. G. Lima Vaz, Eseritos de Filosofia II: Etica ¢ Cultura, op. ely py WON 13. Aristételes, Metafisica, VI (E), 1, 1025 b 3-1026 0 8% : " ESCRITOS DE FILOSOFIA IV Giéncia, seja ontolégicos no que diz respeito ao objeto, isto é, ao ethos. Serao esses problemas que v4o constituir, afinal, o campo da inves- tigacao, reflexao e sistematizacao desse saber que a tradicado ociden- tal consagrou com o nome de Etica ou Moral. Aos fildsofos gregos, criadores da Etica, a dignidade de seu objeto € sua vinculacao com os mais altos conceitos aos quais se elevava a Razao, como o Fim, o Bem e o Ser, nao deixavam dtivida quanto a natureza filosdfica’! do saber ético. Na cultura contempordnea, po- rém, a tendéncia a conferir 4 Etica 0 estatuto de uma Ciéncia humana voltada especificamente para a descri¢do dos aspectos empiricos e das formas hist6ricas do ethos ou a circunscrevé-la ao dominio da Metaética, leva-nos a examinar, em forga de uma exigéncia metodologica, a relagdo, que julgamos constitutiva, entre Etica e Filosofia. Nosso propésito, portanto, nessa segunda parte da Introducao, tem como alvo mostrar que os problemas fundamentais de uma ciéncia do ethos, que nos ocuparao ao longo deste livro, exigem o recurso a razao filosdfica para que possam ser adequadamente equacionados em nivel conceptual que atenda 4 natureza de seus termos. Em outras palavras, a Etica fundamental é, necessariamente, uma Etica filos6fica. Quanto a pressupor que os fundamentos da Etica gozem de um estatuto inteligivel préprio e nao se deixem reduzir as condigées empiricas da formacao dos grupos humanos em sua diversidade histérica, esta € uma questo que aqui nao levan- tamos explicitamente e que, de resto, encontra resposta implicita na demonstracao da necessidade de uma fundamentacao filos6fica para a Etica € no predicado de universalidade reivindicado pelo saber filosofico. Uma vez assegurados esses fundamentos, é deles que a edificacgao do vasto corpo dos saberes empirico-formais e hermenéu- ticos sobre 0 ethos recebe finalmente sua legitimacao epistemolégica e é deles que procede para a Metaética, supondo constituidas a linguagem ética e sua légica, a propria possibilidade do seu exercicio. A demonstragao da intrinseca natureza filos6fica das categorias razées que asseguram a Etica a “fundamentacao” (Grundlegung) , 14. Sobre a formagao do saber filos6fico permitimo-nos remeter a H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia Ill: Filosofia ¢ Cultura, Sio Paulo, Loyola, 1997, pp. 3-16. 18 INTRODUGAO como diria Kant, de seu discurso, segue dois caminhos, finalmente convergentes, 0 caminho histérico © 0 caminho teérico'”. O primeiro caminho nos mostra que as vicissitudes que acom panharam o nascimento da ciéncia do ethos na Grécia dos séculos V e IV a. levaram-na a constituir-se necessariamente no ambito de uma conceptualidade filoséfica, que logo assumira em Platao, justa- mente em virtude dos problemas éticos, um perfil epistémico origi- nal € inconfundivel. O epis6dio fundamental da origem da Etica, tal como hoje a conhecemos, foi vivido por Sécrates € os Sofistas em sua querela célebre sobre a “virtude” (arete) e a “educagao para a virtude” (paideia), conservada por Platao nos seus primeiros Didlo- gos € que se tornou paradigmatica ao longo de toda a historia da Etica ocidental. A oposic¢ao entre os Sofistas e Sécrates, de significa- ¢ao bem diversa daquela que opés ambos os representantes do ethos tradicional e seu porta-voz, 0 comedidgrafo Arist6fanes, tem lugar no interior do mesmo universo intelectual que se formara a partir da descoberta da Razio demonstrativa (logos apodeiktikos) na Jonia do século VI, € que permitira o brilhante desenvolvimento da Ilus- tracao ateniense na segunda metade do século V. Fazendo uso dos mesmos instrumentos racionais, sobretudo das recentes disciplinas da Ret6érica e da Légica, os Sofistas e Sécrates acabam, no entanto, por adotar concepgées opostas no que diz respeito a transcrigéo do ethos da tradi¢ao grega nos cédigos da Razao. Os Sofistas adotam um logos de persuasdo (doxa), Sécrates insiste num logos de demonstragéo (apodeixis)'®. Os chamados didlogos socraticos de Platao, que tem como objeto o tema eminentemente ético da virtude, sio considerados com razo, mesmo levando em conta alguns fragmentos pré-socraticos de dificil interpretacao, 0 capitulo inicial da historia da Etica no Ocidente. Ora, tanto Platao quanto Aristételes receberam o ensi- namento socratico como sendo um ensinamento de carater especi- ficamente filosdfice, vendo mesmo desenhado em Sécrates o perfil 15. Desenvolvemos mais pormenorizadamente esse tema em Etica e Filosofia, ap. Ensaios e Estudos (Homenagem a Paschoal Rangel), Belo Horizonte, O Lutador, 1997, pp. 87-104. 16. Ver J. Rist, Human Values: a Study in Ancient Philosophical Ethics, Leiden, By J. Brill, 1982, pp. 16-22. Uma visto dos problemas éticos em torno da justi¢a, ni Atenas ilustrada de Péricles, € proposta por A. MacIntyre, Justiga de quem? Qual racionalidade?, (ur. M. Pimenta), Sio Paulo, Loyola, 1991, pp. 59-80. it} ESCRITOS DE FILOSOFIA IV exemplar do /filésofo e em sua doutrina um fruto por exceléncia da raxio filoséfica’’. ‘a da Etica que se consti- tuem os dois grandes modelos dos quais procede a tradi¢ao filoséfica do pensamento ético na cultura ocidental e que, com vicissitudes diversas, permanecem até nossos dias. De um lado, a Etica platénica € pensada como estruturalmente articulada a teoria das Idéias e tendo, portanto, seus alicerces conceptuais no terreno teérico mais tarde designado com o nome de Metafisica'*. Trata-se, pois, de uma Etica estritamente normativa, obedecendo ao designio de uma orde- nagao da vida humana individual e politica sob a norma suprema do Bem contemplado pela Razao. De outro lado, a Etica aristotélica, afastando-se da univocidade do Bem transcendente de Platao como nico fim de uma praxis eticamente legitima, propde como ponto de partida da reflexao ética a pluralidade dos bens oferecidos ao dina- mismo da praxis, desde que atendam ao imperativo fundamental do “bem viver” (ew zen) na realizagao de uma exceléncia (eudaimonia) segundo a medida da vida humana. E, pois, a partir da fundacao socrai Essa relativizacao do Bem na pluralidade dos bens traz consigo dois problemas que se tornar’o tépicos classicos na tradicao aristo- télica da Etica. O primeiro é de natureza epistemoldgica e diz respeito ao estatuto do saber ético, uma vez admitido que as “coisas huma- nas” (ta anthropina) nao obedecem ao mesmo tipo de racionalidade que esta presente na physis nem aquela que prevalece no dominio das realidades transcendentes que estao para além da physis (ta meta ta physika). E sabido que Aristoteles responde a esse problema com a proposi¢ao de um saber pratico, ou seja, o saber que tem por objeto especifico a praxis ou o agir humano em sua essencial des- tinagao para a realizagao do bem ou do melhor na vida do individuo 17. Sobre a personagem de Sécrates filésofo, ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia IH, op. cit, p. 6, n. 5. Tal caracterizagao platénica de Sécrates como filésofo nao é desmentida, a luz da tradic’o que acabou prevalecendo, pelo fato de que varios socraticos menores derivaram para o hedonismo (Aristipo de Cirene), 0 logicismo (Euclides de Megara) ou 0 cinismo (Diégenes de Atenas). Ver G. Reale, Histéria da Filosofia antiga (1. M. Perine), Si0 Paulo, Loyola, 1993, I, pp. 327-367. 18. Sobre a formacio da Etica platnica ver infra, Il, 2, e H. C. Lima Vaz, Platao revisitado: Etica e Metafisica nas origens platonicas, Séntese, 61 (1993): 181- -197. 20 INTRODUGAO e da comunidade. Ora, a leitura das obras éticas de Arist6teles, Ftica a Eudemo, a Etica de Nicémaco ou a Grande Etica, que dele pro- cede ou nele se inspira, mostra-nos que a constituigéo do saber pritico procede através de questdes ou fazendo uso de categorias de natureza filosdfica. Embora Aristételes, para o qual a Filosofia era uma virtude dianoética', nao fizesse uso, provavelmente, do termo “filosofia” para designar sua pragmateia ética, parece plenamente justificada a expressao Philosophia practica com que a tradicao mais recente, na esteira do aristotelismo, designou o estudo dos funda- mentos da Etica. O segundo problema é de natureza ontolégica. Ele se poe neces- sariamente desde 0 momento em que a praxis humana, situada em face da pluralidade dos bens, manifesta a estrutura teleologica de sua prerrogativa de escolha (proairesis) e estabelece uma hierarquia de bens da qual decorrer4 a ordem dos valores de vida do agente ético. Tal o problema a ser levantado prioritariamente e€ que inaugura, segundo a Etica de Nicémaco, as ligdes de Etica de Aristételes*”. No seu Ambito é reproposta pelo Estagirita a questao classica da tradi- cao ética grega a respeito dos géneros de vida". A admissio de uma hierarquia de bens implica, evidentemente, a admissao de um Bem supremo. Eis a conseqiiéncia de uma concep¢ao teleoldgica da praxis que reconduz Arist6teles as proximidades da metafisica platonica e © leva a celebrar, no livro décimo da Etica, a mais alta eudaimonia concedida ao homem na contemplagao do divino como Inteligivel supremo”. £ sabido que a questao do Bem supremo, de cuja fruicao decorre a verdadeira eudaimonia para o ser humano, passa a ser a questdo primordial das grandes escolas filos6ficas helenistic Antiga Academia, 0 Epicurismo e o Estoicismo, para as quais a’Ei € 0 saber mais elevado, e cuja aquisigao exige 0 reto uso da Razao, prescrito pela Légica e uma concep¢ao abrangente do universo, proporcionada pela Fisica. Desse modo, a Etica, como ensinamento sobre a eudaimonia ou a beata vita, acaba sendo entendida, na Média a ica 19. Aristételes, Etica Nic, VI, 6-7, 1140 b 31 — 1141 b 7. 20, Aristoteles, Et. Nic., I, cc. 2-12 21. Aristételes, Et. Nic., 3, 1095 b 14 — 1096 a 10. Ver o comentitio de GauthierJolif, L’Ethique a Nicomaque, op. cit., I, 1, pp. 21-36. 22. Et. Nic., 10, cc. 6-9. ESCRITOS DE FILOSOFIA IV. Antigitidade, como a razao de ser da Filosofia; e assim a apresentou M. T. Cicero em seu De finibus bonorum et malorum, que versa justa- mente sobre as diversas concepc6es do Bem supremo propostas pelas escolas helenisticas e culmina com a afirmacao de que nenhu- ma outra razao leva os homens 4 Filosofia senao a procura da beata vita’. Essa natureza intrinsecamente filosdfica da Etica reaparece com extraordinaria nitidez quando se trata de repensé-la na pers- pectiva de uma forma de saber desconhecida do pensamento anti- go qual seja a teologia crista, e que abre ao pensamento ético em sua forma classica novos e insuspeitados horizontes. Tal a experiéncia intelectual vivida por Tomas de Aquino ao iniciar o mais amplo tratado de Etica teolégico-filos6fica da tradicao crista com 0 classico problema da hierarquia dos bens e da perfeita beatitudo, e que fora precedida, no terreno dos mesmos problemas, pela dramatica expe- riéncia humana e espiritual de Santo Agostinho, oferecendo uma ocasiao privilegiada para a recep¢do da Etica filoséfica antiga na teologia crista’ deixamos escrito alhures: “Nao é, pois, surpreendente que a Etica crista, como reflexao sobre o ethos neotestamentario e sobre sua pratica na vida do cristao, ao desenvolver-se integrada no corpo do saber teolégico, receba um aprofundamento sistematico que corre paralelo com aquele desenvolvido nas antigas escolas filos6ficas, incluindo-se ai a propria divisio didatica entre Logica, Fisica ¢ Fti- ca. Com efeito, cla sera dotada progressivamente de uma estrutura Seja-nos permitido, pois, transcrever aqui o que categorial na qual é permitido ver um dos aspectos mais carateristicos da filosofia crista. Categorias especificas da Etica crista, estudadas magistralmente por E. Gilson”, serao, por exemplo, as categorias 3. M. T. Cicero, De finibus bonorum et malorum, V, 6, 16 (ed. Martha, Paris, Belles Lettres, 1930, t. II, pp. 116). 117). Ver Santo Agostinho, De Givitate Dei, XIX, 1 24. Ver Tomas de Aquino, Summa Theol, 1a 2ae, qq. 1 — 5. A propésito da relagao de Tomas de Aquino com a moral antiga ¢ com os problemas atuais, ver H C. Lima Vaz, Tomas de Aquino € 0 nosso tempo: 0 problema do fim do homem, ap. Escritos de Filosofia I: Problemas de fronteira, Sio Paulo, Loyola, 1986, pp. 34-70. 25. Sobre a questo do finalismo ético na filosofia antiga, ver R. Holte, Béatitude ot Sagesse: Saint Augustin et le probleme de la fin de Uhomme, Paris, Les Etudes Augustiniennes, 1962, sobretudo os caps. 15, pp. 11-70. 26. E. Gilson, L'Esprit de la philosophie médiévale, Paris, Vrin, 2* ed., 1944, ca XIV a XVIIL 22 INTRODUGAO de amor, de livre-arbitrio, de liberdade moral, de lei moral, de con® ciéncia moral e de obrigacdo, sem falar na categoria central de beatitude (eudaimonia)*””. A partir da tarda Idade Média, tem inicio 0 vasto processo de transformacao do sistema de referéncias fundamentais que regi vida intelectual no Ocidente na forma da Razao classica. As tudes da Etica no novo universo da Razdo que aparece ja constitui- do em suas coordenadas originais desde os tempos cartesianos acom- panham a progressiva remodelagio do edificio do saber, que pa a ter na ciéncia fisico-matematica scu padrao superior de inteligibi- lidade. A Filosofia acaba submetida, de uma maneira ou de outra, a esse padrao, perdendo a condi¢ao de scientia rectrix que lhe era atribuida em sua concep¢ao classica e que era, por exceléncia, a prerrogativa da Etica. E verdade que, de Descartes a Hegel e, de modo eminente, em Kant, a Etica ou Moral é, sob certo aspecto, 0 coracao do projeto filosdfico. Mas a Razio moderna tem como uma a de suas carateristicas fundamentais, derivada da prépria natureza do modelo empirico-formal que a rege, 0 especializar-se em milti- plas formas de racionalidade que irao finalmente entrelacar-se na imensa rede de sistemas formais que hoje envolve nossa cultura. Com o desenvolvimento das chamadas Ciéncias humanas nos tem- pos pos-hegelianos, a Etica sofre sua atracdo e vem a situar-se em sua 6rbita como ciéncia empirica e descritiva, science des moeurs, na trucao” da Etica filoséfica classica, que estara aparentemente terminada com F. Nietzsche, foi dado sem diivida por Thomas Hobbes no século XVII ao adotar um modelo fisicista de feigdo rigidamente mecanicista na concepcao do ser humano e na interpretacao de seu agir. Tal mo- delo implica uma rejeicdo radical do finalismo do Bem, cixo de sustentacdo do pensamento ético tradicional, ¢ uma explicacao da atividade humana em termos de exclusiva satisfacao das necess des do individuo. Fica, assim, tragada a linha de evolucao a s seguida pela Etica moderna no progressivo abandono de sua especificidade filoséfica”. expressio de E, Durkheim. O passo inicial na “desco' 27. Erica e Filosofia, ap. Ensaios e Estudos, op. cit., p. 95. 28. Ver nosso estudo Etica ¢ Razio moderna, Sintese, 68 (1995); 5% ESCRITOS DE FILOSOFIA IV A heranga da tradicao filos6fica na Etica continuou, no entan- to, a ser cultivada sobretudo na primeira metade do século XX na obra de alguns dos maiores filésofos dessa época, como Max Scheler, Nikolai Hartmann, Henri Bergson, sem falar dos pensadores de inspiracao crista como Maurice Blondel, J. Maritain, Joseph Pieper, Dietrich von Hildebrand entre outros. Ela permanece igualmente, embora derivando sobretudo para os problemas de Metaética, no mundo anglo-saxénico com G. E. Moore € seus discipulos. A obra de um A. MacIntyre e de um Charles Taylor nos EUA, de um Ridiger Bubner e de um Robert Spaemann na Alemanha, de um P. Ricoeur e de um A. Comte-Sponville na Franga e de varios outros pensadores contemporaneos mostra, nao obstante o clima adverso do niilismo reinante, a persisténcia da conceptualidade filos6fica como tinica adequada para uma reflexado compreensiva sobre os fundamentos da Etica. O caminho historico que até agora percorremos para demons- trar a natureza filos6fica da Etica fundamental permite-nos tentar igualmente, para essa demonstracio, uma formulacao propriamen- te ledrica, sendo suficiente para tanto examinar o contetido inteligi- vel das questées levantadas pelo intento de justificar racionalmente © ethos, do qual originou-se a Etica. Com efeito, podemos afirmar que a formacao da Etica filoséfica nos tempos socraticos deveu sua razao profunda as aporias diante das quais se viu a razao sofistica ao tentar oferecer uma alternativa de fundamentagao do ethos em modelos de racionalidade que nao ultrapassavam 0 dominio da doxa ou da opiniao provavel e conduziam a um relativismo generalizado incapaz de “dar razao” (logon dounai)” das exigéncias de inteli- gibilidade presentes nas categorias fundamentais do ethos como o Bem (agathon kai kalon) ou 0 Melhor (ariston), a Lei (nomos) ou a Virtude (arete)”. As razes imanentes do ethos, nele depositadas atra- 29. A expressio logon dounai (dar razio) adquire um sentido técnico em Platao, em oposi¢ao a “opinar retamente” (orthos doxazein), p. ex., Bang. 202 a 3-4 30. Alguns capitulos da obra clissica de B. Snell, Die Entdeckung des Geistes: Studien zur Entstehung des européischen Denkens bei den Griechen, Gottingen, Vandehoeck und Ruprecht, 1975 (u: fr, La découverte de L'Esprit, Combas, éd. de | € pré-socritica, sobretudo 0 cap. X (Exortacdo é virtude, pp. 219-257 da edicio francesa) 24 INTRODUGAO vés das longas vicissitudes historicas da praxis humana e manifesta do-se justamente nos padrées fundamentais das normas da socieda- de e na correspondente conduta dos individuos, mostraram eviden- temente, ao ser submetidas em sua versao sofistica a estratégia socra- tica da interrogacdo, as insoliveis aporias* de uma explicitagao lim: da ao nivel da doxa. Em outras palavras, a propria natureza da praxis, sua especifica estrutura teleologica e sua abertura para 0 universal do Bem postulam uma hermenéutica racional adequada ao teor inteligivel dessas suas caracteristicas originais. Ora, nenhum paradig- ma racional mostrou-se apto a permitir uma explicitagao consistente e coerente da racionalidade imanente da praxis senao a Filosofia pra- ticada por Sécrates e desenvolvida teoricamente por Platio. A Etica, tal como nos a conhecemos ¢ praticamos, deve sua primeira aparicao na cultura ocidental, convém repeti-lo, ao desenlace desse conflito de racionalidades entre a razao sofistica e a razao socratica. Ambas, é verdade, deixaram seus tragos, visiveis até hoje, no corpo hist6rico e doutrinal da Ftica ocidental. Mas, se a tradicao da razao socratica tornou-se predominante e deu origem, a partir de Platio, aos gran- des modelos de reflexao ética, ¢ permitido atribuir esse predominio 4 amplitude do horizonte ‘eérico no qual ela situa a hermenéutica racional da praxis. Ora, esse horizonte é aberto justamente pela Fi- losofia na sua mais alta expressio especulativa, a metafisica do Bem, tal como Plato a pensou®. A Etica nasce trazendo a marca dessa legi- tima filiacdo filos6fica e seu destino estara irrevogavelmente ligado ao destino da Metafisica. A prova indiscutivel dessa afirmagao esta patente aos nossos olhos na crise do pensamento ético que acompa- nha o declinio da Metafisica nos tempos péshegelianos. De Platio a Hegel, a Etica se propés, em forga de incontornavel necessidade tedrica, explicitar seus fundamentos filosoficos e mesmo integrar na pratica ética, sob a forma da sabedoria mais alta, 0 exercicio do pen- sar filos6fico, assim como o fez Arist6teles ao tratar das virtudes 31. Um estudo exaustivo da aporia nos Dialogos de Platao foi realizado por M. Enler, Il senso delle aporie nei Dialoghi di Platone (tr. it. de C. Mazzarelli, int. de G, Reale), Mildo, Vita e Pensiero, 1991 32. Para a interpretacdo de Rep. VII, 534 b 3 — d 2, ver H. J. Kramer, Dialettiow e definizione del Bene in Platone (tr. it. de E. Peroli, intr. de G. Reale), Milo, Viti @ Pensiero, 1989. oo ESCRITOS DE FILOSOFIA IV dianoéticas no VI livro da Etica de Nicémaco*. E mesmo numa época ja tardia da historia da Etica, quando sua crise comecava a prenun- ciar-se, Kant, tendo concluido pela impossibilidade da Metafisica no dominio da Razao pura, julgou necessario restabelecé-la no dominio da Razao pratica, ao investigar a “fundamentacao da Metafisica dos costumes”, Levando devidamente em conta como passo metodolégico pre- liminar da reflexao ética os problemas da Metaética que dizem res- peito a natureza e 4 especificidade do conhecimento ético, ja objeto da sistematizacao aristotélica das formas do saber na qual sao re- conhecidas as carateristicas préprias do conhecimento pritico, do qual 0 ético é uma espécie, vemos que sio duas as disciplinas filos- belecer os fundamentos da Etica: a Antro- pologia filos6fica e a Metafisica. A primeira deve oferecer-nos uma concep¢ao do sujeito ético capaz de dar razio de seu sere de seu agir €, portanto, do predicado da eticidade que Ihes é atribuido. A segun- da assegura 4 Ftica um fundamento, nas nogées transcendentais que constituem seu arcabougo inteligivel, para pensar a universalidade do seu objeto como Bem ¢ como Fim. O estatuto filoséfico da Etica foi definitivamente estabelecido no curso da profunda transformacio operada nas concep¢ées antropo- logicas da tradicao cultural grega pelo advento da nocao socratica de psyché como interioridade ética do individuo, objeto do seu perma- io da Etica filos6fica sera, a partir de entao, e primeiramente de modo exemplar em Platao (sobretudo Repiblica e Timeu) e em Aristételes (De Anima e Etica de Nicémaco), uma concepcao antropoldgica que dé razao das carateristicas originais do agir élico, sobretudo da correla- ¢ao entre 0 agire o ser total do agente em suas componentes estrutu- nente cuidado e sede da verdadeira areté*. Pressuposto neces 33. A vida filosdfica resulta da unidade entre a vida ética e 0 exercicio da sabedoria. Ver Pierre Hadot, Qu’est-ce que la philosophie antique? , Paris, Gallimard (Folio-Essais), 1995, pp. 265-275. Ver recensao em Sintese, 75 (1996): 547-551; wr. br Sio Paulo, Loyola, 1999. 34, Ver, a respeito, a obra fundamental de G. Kriiger, Critique et Morale chez Kant (tr. fr. de M. Régnier), Paris, Beauchesne, 1961. 35. Ver H. C. Lima Vaz, Antropologia Filoséfica 1, Sio Paulo, Loyola, 3* ed., 1998, pp. 30. 26 INTRODUGAO. rais — somaticas, psiquicas e espirituais — e em suas relagdes eNpe cificas com o mundo, a comunidade e a transcendéncia. Kase enti tuto fundador da Antropologia filoséfica com relacao a Etica™’ permite finalmente definir a realizagéo humana numa perspectiva essenciil: mente ética, e mostrar na personalidade ética a mais elevada maniles: tacio da pessoa®. Por sua vez, a formacao das chamadas “nogoes transcendentais (em sua acepgao classica) que podemos acompanhar nos Dialogos platnicos da maturidade e que vieram a constituir a constelagio inteligivel que presidiu ao desenvolvimento histérico da Metafisic a (ser ou idéia, unidade, verdade, bondade e beleza) tem origem na trans- posicao das interrogacées éticas levantadas por Sécrates a um plano inteligivel elevado acima da relatividade e incerteza da simples opi- niao (doxa). Com efeito, sio quest6es sobre o agir humano movido pelo impulso amoroso (eros) que conduzem a contempla¢ao da Idéia do Belo (to kalon, Banquete) , ass ou sobre 0 agir na comunidade que levam finalmente a afirmacao da transcendéncia da Idéia do Bem (to agathon, Rejniblica). Ser, Unidade e¢ Verdade sao nogées universalfssimas implicadas na possi- bilidade do discurso metafisico sobre o Belo e o Bem € que Platao examina nos Didlogos Sofista, Parménides e Teeteto. De Aristoteles a Hegel, nenhum dos grandes sistemas éticos deixou de explicitar seus fundamentos metafisicos*. Essa permanéncia da relacao entre Etica e Metafisica obedece a uma injuncao de ordem tedrica presente ineliminavelmente no intento de justificacao racional do agir élico, posto diante da necessidade de definir a forma e 0 contetido inteligi- veis desse agir em termos de conhecimento intelectual e ato livre, de fins im como sao questdes sobre a justica 36. Observe-se que o problema do ethos em sua dimensio historico-cultural é igualmente estudado de acordo com modelos antropolégicos empiricos propostos pela Antropologia cultural 37. Nessa enumeracao seguimos a ordem das categorias antropoldgicas pro- posta em Antropologia Filoséfica I, IL 38. Descartes, como € sabido, descreveu a arvore da ciéncia como tendo por raizes a Metafisica e por copa a Moral: (Lettre-Préface & traduco dos Principia Philosophiae, Oewores philosophiques, éd. Alquié, IIL, pp. 779-780). Segundo a tradigio Zenao de Citio, fundador do Estoicismo, comparava a Filosofia a uma arvore, di qual a Légica era 0 tronco, a Fisica os ramos € a Etica os frutos (Von Arnim, Stoicorwn veterum fragmenta, I, 49, 49 a). a7 ESCRITOS DE FILOSOFIA IV e de bens, de normas e de leis, em uma palavra, de nogoes pensaveis adequadamente somente no campo de uma amplitude analdgica de natureza metafisica. O reconhecimento explicito da natureza filosdfica das categorias que permitem pensar os fundamentos racionais do agir segundo o ethos e da sua vinculagao com uma concep¢ao filos6fica do homem — uma Antropologia filoséfica — e com uma ciéncia do ser — uma Metafisica — é estabelecido, pois, como ponto de partida metodol6- gico e epistemolégico desta nossa Introdugdo a Etica, que se desenvol- vera no campo de uma conceptualidade /ilosdfica e, como tal, devera receber a critica ou a concordancia do eventual leitor. 28 BIBLIOGRAFIA GERAL Bibliografia aqui apresentada registra as obras que, freqiientemente ou £ L ocasionalmente, foram consultadas na elaboragdo de nosso texto. A bi- bliografia por temas serd citada ao longo do texto. I. OBRAS COLETIVAS 1. Companion to Ethics (ed. P. Singer), Oxford, Blackwell, 1996. 2. Dictionnaire d’Ethique et de philosophie morale (ed. Monique Canto- Sperber), Paris, PUF, 1996. 3. Encyclopédie Philosohique Universelle I, L’'Univers philosophique (dir. A. Jacob), s. v. Ethique v. Index, Paris, PUF, 1989. 4. Enciclopedia Filosofica, Florenga, Sansoni, 2* ed., 1967, art. Etica Filosofica (F. Battaglia — A. Moschetti), IV, pp. 767-793. 5. Encyclopaedia of Philosophy (dir. P. Edwards), Nova York — Lon- dres, Macmillan (reprint), 1972, art. Problems of Ethics (K. Nielsen), II, pp. 117-134. 6. Handbuch der christlichen Ethik 1, Basiléia-Viena-Gitersloher, Herder-G. Mohr, 2* ed., 1979. 7. Historisches Worterbuch der Philosophie (dir. J. Ritter et al.), I, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, s. v. Ethik, col. 759-809. 8. Lexikon der Ethik (dir. O. Hoffe), Munique, Beck, 1986 (tr. fr. K. L. Soete, Petit Dictionnaire d'Ethique, Friburgo S.-Paris, Ed. Univer- sitaires-Cerf, 1993). ESCRITOS DE FILOSOFIA IV 10. TL. 30 . Rehabilitierung der praktischen Philosophie (dir. M. Riedel) 2 v., Friburgo B., Rombach, 1974. Sein und Ethos: Untersuchungen zur Grundlegung der Ethik (dir. P. Engelhardt) Mainz, M. Griinewald, 1963. 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No clima intelectual atualmente reinante na cultura ocidental, em que os problemas da forma adquirem uma primazia sempre mais ampla sobre os problemas de contetido, convém ter presente a distin- cAo classica, mas sempre vigente, entre ciéncias formais e ciéncias reais. As primeiras, que sio igualmente designadas como metaciéncias, tem como objeto as formas do saber e sua articulacao em formas candnicas 1. Breve bibliografia sobre a nocdo de ethos: J. L. Aranguren, Etica I, caps. 2-4; II, caps. 1-2; W. Kluxen, Ethos und Ethik, Philosophisches Jahrbuch, 73(1965) : 339-335. Id., Ethik und Ethos, Handbuch der christlichen Ethik, U1, pp. 518-532. E Riondato, Ethos: ricerche per la determinazione del valore classico dell’Etica, Padua, Antenore, 1961. E. Schwarz, Ethik der Griechen, Stuttgart, Koehler Verlag, 1951, pp. 15-19. 56 NATUREZA E ESTRUTURA DO CAMPO ETICO de linguagem, seja as formas puras, dominio da Légica e da Matema- tica, seja as formas aplicadas a uma regido do saber, dominio da Logica e da Epistemologia das diversas ciéncias. As segundas sao as ciéncias propriamente ditas, que tém por objeto a realidade investigada e compreendida sob determinado Angulo gnosiolégico e, como tal, formalizada numa linguagem especifica propria. Conquanto a cién- cia real esteja, portanto, submetida as condi¢ées formais das meta- ciéncias puras e aplicadas, seu objeto é 0 ser real, nao a forma com a qual € pensado. Usando uma velha terminologia escolastica, pode- mos dizer que na Metaciéncia a forma é 0 id quod (0 que é conheci- do), ao passo que na Ciéncia real a forma é 0 id quo (a mediagao logico-lingiiistica por meio da qual o objeto real é conhecido). No primeiro caso, das ciéncias formais, 0 objeto e a forma se identificam, no segundo, das ciéncias reais, necessariamente se distinguem, sen- do a forma o medium in quo, o perfil inteligivel pelo qual 0 objeto real é pensado. Ora, a tendéncia atual em dar primazia aos problemas de Metaética® derivada, sem dtivida, do fenémeno cultural e espiritual que poderia ser denominado a desrealizagdo, a perda progressiva da referéncia ao real que atinge os grandes paradigmas éticos transmi- tidos pela tradicao, traz consigo duas conseqiiéncias inquietantes para o bem-estar moral de nossa civilizagao. A primeira diz respeito a esse outro tra¢o marcante de nossa cultura em sua feicdo tecno- logica, ou seja, a instrumentalizagdo da forma. Sendo o dominio for mal um dominio por natureza operatério, a docilidade da forma aos usos € fins do operador humano, patente nas aplicagdes tecnologicas das ciéncias fisico-matematicas, confere aos sistemas formais uma larga margem de autonomia com relacao aos contetidos reais aos quais eventualmente sao aplicaveis. Nesse sentido, 0 predominio da Me- taética pode significar uma instrumentalizagdo da légica e da lingua- gem éticas que, indiferentes a seu contetido real, passam a servir a expressao de um universal relativismo dos valores, de acordo com as necessidades e fins subjetivos ou com os interesses ideolégicos dos agentes éticos. A segunda conseqiiéncia, estreitamente ligada a pri- 2. Sobre a Metaética ver K. Nielsen, Problems of Ethics, ap. Enciclopedy of Philosophy (P. Edwards), Il, 118-121; A. Pieper, Metaethik, Historisches Warterbuch der Philosophie, 5 (1980), 1168-1171 36 FENOMENOLOGIA DO OS meira, exprime-se na rentncia a tradi¢ao da busca de uma conceptualidade filosdfica para a explicacao da conduta ética, deri- vando a Etica para a 6rbita das Ciéncias humanas, ou seja para a explicagao do fendmeno ético apenas em termos de padrées cultu- rais, ou de categorias psicolégicas e sociolégicas, corroborando no- vamente © pressuposto de um universal relativismo ético. Aristoteles foi o iniciador da reflexao metaética, ao definir a especificidade do conhecimento pratico, do qual 0 conhecimento ético € uma espécie, e ao analisar a estrutura conceptual ¢ analitica do conhecimento pratico e do conhecimento ético, em particular ao expor nos livros VI e VII da Etica de Nicémaco e em outras pas- sagens da sua obra as propriedades logicas do chamado “silogismo pratico”’, e ao investigar, nos primeiros capitulos do livro I, a polis- semia do termo “bem” (agathon). Mas as investigacdes metaéticas de Arist6teles sao decididamente orientadas para a elucidacao /filosdfica da praxis ética, desempenhando nessa elucidagao fun¢ao mediadora fundamental o conceito de “sabedoria pratica” (phronesis)*. Se levar- mos em conta, portanto, a exemplaridade da pragmateia ética aristo- télica, parecera contestavel a pretensa neutralidade da Metaética em face do carater normativo da légica e da linguagem éticas, bem como a limitacao do campo ético a pluralidade das formas culturais do ethos. Como ciéncia real, a Etica tem por objeto o ethos, que se apre- senta como um fenédmeno histdrico-cultural dotado de evidéncia imediata e impondo-se a experiéncia do individuo tao logo este alcan- ce a primeira idade da razao. A pr6pria possibilidade da Metaética e das ciéncias empiricas do ethos implica justamente a universalidade dessa experiéncia, traduzindo-se em formas paradigmaticas de lin- guagem e conduta e revelando um dado antropolégico incontestavel. Constitutivas desse dado sao certas constantes patentes a primeira observacao do fendmeno ético, que irao oferecer um substrato empirico as categorias fundamentais da Ftica. Tais serao, por exem- 3. Ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia II: Etica e Cultura, op. cit., pp. 124 p. 225, n. 201. 4. Ver K. H. Volkmann-Schluck, Ethos und Wissen in der nikomachischen Ethik des Aristoteles, ap. Sein und Ethos (cit. bibliog. geral) pp. 56-68. -12! 57 NATUREZA E ESTRUTURA DO CAMPO ETICO plo, a intengao da “vida no bem” (eu zen) e, conseqiientemente, 0 “agir segundo o bem” (eu prattein), do qual deriva a “vida melhor” ou “mais feliz” (eudaimonia) para o agente ético e a “exceléncia” ou ‘virtude” (areté) de seu agir e de seu ser. Como conseqiiéncia, 0 “bem” deve ser realizado (agathon=deon), embora nao pela coacio mas pela persuasao. Todos esses termos da moral tradicional grega® implicam em seu contetdo semintico o conceito fundamental de “bem” (agathon), que sera o eixo conceptual em torno do qual se construirao os grandes sistemas éticos da tradicgao ocidental. Sendo © ethos da cultura grega 0 que primeiro se prestou a uma transposi- ¢ao racional na forma de uma Etica, os termos basicos da linguagem ética dos gregos passam a ser um indice heuristico importante para que termos equivalentes se descubram na linguagem dos ethea de outras tradicoes. A experiéncia primeira do ethos revela, por outro lado, uma estrutura dual carateristica e constitutiva: 0 ethos é, inseparavelmente, social e individual. E uma realidade s6cio-histérica. Mas s6 existe, concretamente, na praxis dos individuos; e é essa praxis que deixa seus tracos nos documentos e testemunhos que nos permitem o acesso a fisionomia prépria de um determinado ethos histérico. Considerado na evidéncia primeira e irrecusavel de um fené- meno fundamental da vida humana exprimindo-se numa forma original de inguagem, o ethos oferece-nos uma primeira via de acesso a sua elucidacao racional mediante uma descrigao fenomenolégica, que deve indicar-nos 0 caminho para sua compreensio filosdfica ou para a Etica propriamente dita. A fenomenologia’ apresenta-se, pois, 5. Ver M. Vegetti, L'Btica degli antichi, Roma-Bari, Laterza, 1994, pp. 3-12. O A. entende por “moral” 0 conjunto de valores ¢ regras de conduta partilhado por individuos e grupos, isto é, 0 que denominamos ethos, e por “Etica” uma teoria filos6fica de tipo normativo tendo por objeto a “moral”, cuja criagao é atribuida a Aristételes. Ver igualmente Martha Nussbaum, The Fragility of Goodness: Luck and Ethics in Greek Tragedy and Philosophy, Cambridge Univ. Press, 1986, pp. 1-21. 6. O termo “fenomenologia”, criado provavelmente no século XVIII (Lambert) ¢ ilustrado por Hegel no século XIX, recebeu sua acepcao filoséfica mais conhecida nos inicios do século XX (E. Husserl e escola fenomenolégica). Definido como método de descrigio da “esséncia” dos fendmenos, evoluiu para uma forma de “idealismo transcendental” (E. Husserl), de “pensamento do Ser” (M. Heidegger), de “ontologia fenomenolégica” (J-P. Sartre), conhecendo igualmente uma vasta 58 FENOMENOLOGIA DO iTH aqui como um método (caminho) propedéutico a Etica, Nio 6 0 método do discurso ético especificamente tal, pois esse se constrl através de uma conceptualidade filosdfica cujo alcance gnosiolégico transcende os limites da descrigao fenomenolégica. De fato, a idéia de uma Etica rigorosamente fenomenologica viu-se em face de dificul- dades que, nos casos mais significativos, tornaram inevitavel 0 rec so a uma ontologia do sujeito ético’. Utilizada, porém, como método, a descri¢ao fenomenolégica revela-se extremamente apta para tragar © perfil eidético (usando uma terminologia inspirada em Husserl) do fendmeno ético e para oferecer-nos uma primeira expressao formal, em termos de saber reflexivo, do objeto real da Etica. A aproximagao fenomenolégica deve, por conseguinte, por em relevo os tragos constitutivos do fenémeno ético de tal sorte que seu eidos (forma) aparega de modo inconfundivel no vasto campo da experiéncia humana. Como primeiro desses tracgos apresenta-se, sem diivida, a estru- tura dual do ethos, ou seja, sua dupla face, social e individual. E ver- dade que todo fendmeno especificamente humano, isto é, nao redutivel a simples processos biofisicos, sendo um fendmeno de cultura, € constitutivamente social. No caso do ethos, porém, a relacao do social e do individual mostra-se dotada de carateristicas que deve- rao ser reconhecidas como pr6prias da esfera ética*. A transposicao metaforica que esta na origem da significagao moral de ethos ofere- ce-nos aqui uma primeira pista. O ethos € a morada do animal e passa a ser a “casa” (oikos) do ser humano, nao ja a casa material que lhe proporciona fisicamente abrigo ¢ protecdo, mas a casa simbélica que o acolhe espiritualmente e da qual irradia para a propria casa difusdio como méodo em varios campos da Filosofia, particularmente na Etica ¢ na Antropologia Filoséfica. 7. & carateristica a evolucao da reflexao ética de G. Marcel, que terminou numa medita¢ao sobre o “mistério do Ser”. A Etica de N. Hartmann apresenta uma face axiolégica (fenomenologia dos valores) € uma face ontolégica (metafisica da liberdade). A notavel obra ética de D. von Hildebrand admite igualmente uma ontologia dos valores (Ethik, I, 3). Sobre os problemas de uma Etica fenomenol6gica ver Ch. Larmore, Modernité et Morale (tr. fr.) Paris, PUF, 1998, pp. 10-13. 8. A dimensao social do ethos é celebrada por M. T. Cicero, De finibus bonorum et malorum, V, 28 (ed. Martha, II, pp. 149-150). ww NATUREZA E ESTRUTURA DO CAMPO ETICO material uma significag¢éo propriamente humana, entretecida por relagoes afetivas, éticas e mesmo estéticas, que ultrapassam suas fina- lidades puramente utilitarias e a integram plenamente no plano humano da cultura’. Do ponto de vista de sua plena auto-realizacao, o ser humano, antes de habitar no oikos da natureza, deve morar no seu oikos espiritual — no mundo da cultura — que é constitutivamente ético. A simples preservagao do ecossistema natural perderia toda significagao humana se nao se operasse a partir de uma concep¢ao ética da vida e nao fosse entendida como pressuposto necessario, mas nao suficiente para a satisfacao das necessidades nao apenas fisicas, mas sobretudo espirituais do homem. Um primeiro trago se faz visivel no ethos nessa sua condicao de espac¢o habitavel do mundo onde a comunidade humana pode lan- car raizes e crescer. Assim como a casa material deve ser construida sobre pétreos fundamentos para permanecer de pé e durar", assim © ethos dos diversos grupos humanos manifesta uma extraordinaria capacidade de resistir 4 usura do tempo e as mudangas advindas de tradigoes estranhas. O ethos é constitutivamente tradicional, pois o ser humano nao conseguiria refazer continuamente sua morada espiri- tual. Trata-se de um legado — o mais precioso — que as geracées se transmitem (tradere, traditio) ao longo do tempo e que mostra, por outro lado, uma nao menos extraordinaria capacidade de assimila- ¢ao de novos valores e de adaptagao a novas situagées. Tal é a historicidade propria do ethos, que nele se exprime como necessidade instituida e que Aristoteles comparou a necessidade dada da Nature- za. A contraprova da tradicionalidade intrinseca do ethos pode ser vista na dissolucao das tradig6es éticas na sociedade contemporanea cujo efeito primeiro e inevitavel € 0 niilismo ético generalizado, que vem pondo em risco o proprio futuro da civilizacdo". 9. Sobre a significagao ética da “casa” ver E. Lévinas, Totalité et Infini: essai sur Vextériorité, La Haye, M. Nijhof, 2* ed., 1965, pp. 129-131. 10. Mt 7,2427; Le 648-49. Numa compara¢io com a construgéo da casa material, Jesus insiste aqui na necessidade de se fundar solidamente na alma o ensinamento ético-religioso que acaba de ser transmitido no Sermio da Montanha, € que constitui a carta fundamental do ethos neotestamentario. 11. Ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia II: Etica e Cultura, op. cit., pp- 16-21. 40 FENOMENOLOGIA DO ETHOS No entanto, é preciso repetir que a permanéncia do ethos exatamente o indice préprio de sua historicidade. O ethos nao é uma grandeza cultural imével no tempo mas, como a propria cultura, da qual é a dimensao normativa e prescritiva, revela um surpreendente dinamismo de crescimento, adapta¢io e recriagao de valores, quan- do os chamados “conflitos éticos”!? desencadeiam no seu seio sindromes de crise cujo desfecho é, em geral, a invengao de uma nova forma ética de vida"’. A inter-relacao entre permanéncia e historicidade que aparece como constitutiva do fendmeno ético é responsavel, por sua vez, pela for- ma com que © ethos socialmente se apresenta, ou seja a forma do “costume” (mores, moeurs, Silten) que, em sua abrangéncia e univer- salidade, € a forma com que a vida humana € vivida dentro de determinada tradicao ética. A codificagao do costume em leis e insti- tuic6es assinala justamente um passo decisivo na evolucao do ethos, como € 0 caso na passagem do ethos grego arcaico para o ethos clas- sico, onde ela anuncia ja a futura criagio da Etica. A permanéncia social do ethos na forma do costume correspondem sua interiorizacao e permanéncia no individuo na forma do hdbito. Nele se faz presente um novo trago fundamental do eidos fenome- nolégico do ethos. Também aqui a etimologia nos é util para a des- crigao e compreensao do habito. Presente no individuo como forma concreta de vida, 0 ethos torna-se para ele o bem cultural que confere, afinal, significacgao plenamente humana a todos os outros bens da cultura. Nesse sentido, 0 ethos-costume é possuido pelo individuo como ethos-hexis ou hdbito. O termo hexis usado por Aristételes, deriva do verbo echein (ter, possuir), donde o seu homdlogo latino habitus (habere, ter, possuir) e o correspondente hdbito em nossa lingua. O habito 6 uma propriedade fundamental da praxis humana, e 0 fato de significar uma aquisiedo do agente posta A sua disposi¢io em virtude da intencionalidade consciente que esta na sua origem distingue-o do comportamento instintivo e puramente repetitivo que o animal recebe da Natureza. Ja a formacao do habito procede de uma repeti- 12. Id., ibid., pp. 28-35. 13. Ver Johannes Messner, Kulturethik, Innsbruck-Viena-Munique, Tyrolia Verlag, 1954, pp. 355-367. a NATUREZA E ESTRUTURA DO CAMPO ETICO ¢ao_qualitativa de atos que acaba configurando no individuo sua “segunda natureza”"*. No dominio do ethos, diferentemente do habito tedrico da cién- cia ou do habito poiético da técnica, 0 habito é essencialmente fina- lizado pelo préprio bem do individuo que é a sua auto-realizacdo segundo os valores do ethos socialmente legitimado. Como tal, o habito exprime uma forma superior de exceléncia do individuo, sua arete ou virtude ética. A efetivacao concreta do ethos como costume se da, portanto, no ethos como habito ou virtude no individuo. A pratica virtuosa se torna, por outro lado, nas sociedades tradicionais, uma das formas mais eficazes da transmissio do ethos pela exemplaridade que alcanga nos individuos que a tradic&o consagra como modelos ou paradigmas éticos'®. O fenémeno contemporaneo da irrup¢ao do futuro como grandeza deontolégica no universo ético do presente, analisada agudamente por Hans Jonas" e que retira muito da efica- cia exemplar dos paradigmas éticos do passado, pode ser apontado, sem dtvida, como um dos fatores determinantes do progressivo enfraquecimento das tradigées éticas. Assim como © ethos (costume) tem sua duracao no tempo asse- gurada pela tradi¢do, im 0 ethos (hexis ou habito) torna-se, no individuo, forma permanente de seu agir pela educagdo. Na tradigdo se inscreve a historicidade do costume, na educagdo a historicidade do habito. Na inter-relacao entre ambas revela-se uma das formas originais da dialética do tempo humano. Do ponto de vista de sua efetiva realizagdo social, 0 costume como tradigéo € um universal abstrato que se particulariza continuamente nas infinitas situagdes atra- 1 vida dos individuos, ¢ que encontra sua singularidade efetiva na praxis concreta na qual determinado indivi- duo realiza ou recusa os valores do costume recebidos pela educagao. vés das quais wanscorre FENOMENOLOGIA DO ETHOS e educacao ou entre o costume e€ 0 habito, 0 ethos e a praxis: do ethos a praxis recebe sua forma, da praxis 0 ethos recebe seu contetido exis- tencial. Entre os dois polos do ethos e da praxis ética tragam-se as fron- teiras do campo ético, que em outro lugar’” propusemos representar por uma elipse como lugar geométrico dos pontos de intersegao dos dois vetores tragados a partir do pélo do ethos e do pélo da praxis. Essa representacao geométrica pode ajudar-nos a compreender a estrutura fenomenologica elementar do fendmeno ético, circunscri- ta pela inter-relacao entre 0 pélo objetivo do ethos e 0 pélo subjetivo da praxis, inter-relacdo mediatizada pelo espaco da intersubjetividade, seja, pela dimensao constitutivamente social da vida ética. Fssa estrutura elementar ofereceu-se, de Platao aos nossos dias, como dado primeiro da reflexao ética e dela procedem as articulacées fundamentais dos grandes sistemas éticos. E permitido pensar que um dos sintomas inequivocos da crise ética contemporanea mostra- -se na desestruturacao do campo ético, de um lado pela hipertrofia do aspecto légico-lingiistico da forma, de outro pelas restrigGes impostas ao conteido existencial da praxis, limitada a seus condicionamentos empiricos e aos comportamentos que procedem seja aleatoriamente seja deterministicamente da esfera biopsiquica. 17. Escritos de Filosofia Il: Etica e Cultura, op. cit., pp. 105-106. Escritos de Filosofia IV Introducdo a Etica Filos6fica 1

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