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9 206, Eos nsitu Jost Ll Rasa Sundar ‘Nedra avtonza a reproduc depres deste no pasa fs acatricos thou de dla elec, desde que mencionada afr. Coordenagia eo: io card Soares Prodi eta Lie Gustavo Soares “Teo: Esabeth Marie Mali Mararha Reviso fa: age Pre Projet Gia e Capa Kt Glan Fee, Even "Sexo con sew ou classe contra ass, So Paul: itor instuo Jose Lu Rosa Sunderman, 2008. 14d, (Cleo 10 n.12)-2 eo epressi0 211) Ise: 978.85-90156-41.4 |. Mules opesée 2 Opes mule gen. Tae etn 3 Ta ira eT GS Ti Yous Fos Eat tc stat oe Lu fos Sicerarn ‘verde Nove de uo, 9256 Bea Veta io Pau» Basi « 01313-0006 55-11 253 5801 \vendasetaasundemann. con. « wv edorasundemson com bt SUMARIO 07 Apresentagio a segunda edigio brasileira 13. Preféicio da autora 19 Mulher e familia: uma andlise histérica 57 O mito da inferioridade da mulher 103 Sexo contra sexo ou classe contra classe 131 Como a mulher perdeu sua autonomia + como poders reconquisti-la * 169 Notas APRESENTACAO A SEGUNDA EDICAO BRASILEIRA Mariticha Fontana Publicado pela primeira vez no Brasil em 1980 sob 0 titulo Sexo contra sexo ou clase contra classe em co-edigéo das editoras Proposta Editorial e Versus, este livro de Evelyn Reed ganha merecida reedicao. Ele é uma ferramenta poderosa para a luta pela liberagio das mulheres contra o machismo crescente desta sociedade neoliberal capitalista, imperialista decadente. Antrofiéloga © marxista, essa norte-americana que vivenciow as grandes manifestagoes de mulheres 8 Evelyn Feed na década de setenta nos EUA, mergulha em pro~ fundidade na explicagio da origem da opressio da mulher ¢ derruba um a ui os mitos sobre a inferio~ tidade do sexo feminino, demonstrando que as mu- Theres nao podem ser consideradas o “segundo sexo” que sio totalmente falsas as idéias que apresentam a mulher como um ser oprimido desde sempre Ela vai buscar as raizes da opressio na pré-hists- tia € mostrar que na maior parte do tempo desde que «a humanidade existe sobre a Terra, as mulheres nao apenas no eram sexo oprimido, mas desempenha- ‘vam papel preponderante ~a sociedade se constituia sob 0 matriareado, onde as relagbes sociais,culturais sexuais cram igualitirias. Vai demonstrar que, além da opressio da mulher ter aparecido junto com a monogamia, ela € fruto da sociedadle de classes; nasceu com a exploragio, a pro~ priedade privada, o Estado, a familia, sendo portan- to produto sociale histdrico e nao natural, bilégico cou divino, Vai provar ainda que, de todos os sistemas ‘ou modos de producio fuundados na explorasio (an- tigo/escravagista; feudal ou capitalista) € no sistema capitalista que a mulher é mais degradada © oprimi~ da, desmontando assim a fala idéia de que a mulher cstaria realmente se “libertando” nessa sociedade, apesar de todas as reformas conquistadas com muita Sexo contra sexo ou classe contra class@ 9 lta, Dialeticamente demonstrard que sob 0 capita lismo a uta das mulheres pode avangar muito, mais ainda se conectadas com 0 socialismo. Também vai discutir 0 papel historico da familia, produto da so- ciedade de classes, e suas transformagdes, apontando cesta como uma instituigdo reacionéria, seja na socie~ dade antiga, feudal, seja sob a sociedade capitalista. Por outro lado, esse livro representa uma enorme lufada de ar freseo na atmosfera poluida pelos ‘esta dos de género’, impregnados pela reacionéria *pés- ‘modernidade” académica, ¢ pelas ideologias burgue- sas, que, propagadas pelas ONGs, tém sufocado a luta de liberagzo das mulheres, buscando aprisioné-la ao sistema capitalista, a0 Estado, a0 mercado ¢ aos ‘monopélios ¢ desvii-la do seu caminho realmente libertador, da sua unidade com os homens trabalha~ doses na luta pelo socialismo. Especialmente a partir dos anos noventa houve uma dispersio ¢ uma flagrante institucionalizagao dos movimentos de mulheres. Isso pode ser iden- tificado no crescimento das ONGs (Organizagses “Nao-Governamentais") “feministas’, financiadas por governos, pelo aparetho de Estado, empresas, ‘agcos e, inclusive, onganismos internacionais e im= perialistas. 10 Evelyn Reed ‘Tais organizagées e suas falsas idéias reduzem a Juta contra a opressto a uma luta por “reformas” nos limites da sociedade capitalista, e muitas teorias ten- tam conduzi-la a uma “guerra de sexos”. Mas, coma afirma Evelyn Reed, a luta pela libera- ‘io das mulberes é inseparduel da luta pelo socal .) A lta de classe é um movimento de opos sto, no de adaptagdo(..) A subjugagdo das mulheres caminkou lado a lado com a dominagio das massas trabalhadoras pela classe dos bomens patrées.(..) As mulheres pobres sao torturadas, ao mesmo tempo, ‘pela obrigarao de ewidar des filbos ¢ da casa, ¢ tra~ balbar fora para contribuir no sustento da familia As muiberes, portanto, foram condenadas a seu estado de opressio pelas mesmas forcas e relagtes sociais que Jevaram a opresto de uma classe sobre outra, de wma raga sobre outra, de uma naga sebre outra. Eo siste~ ‘ma capitalista ~ 0 estégio maior de desenvabvimento da sociedade de classes ~ a fonte principal da degrada ioe opresto das mulheres.) quem sao 0s melhores aliados das mulberes no combate por sua liberasao? As «sposas dos bangueires, dos generais, des adogades abastades, dos grandes industrias, os trabathadores tnegros ¢ brancos que lita par sua propria liberasdo? Sexo contra sexo ou classe contra classe n Este livro leva a perguntar quais sio os nexos entre a luta pel liberasao das mulheres ea luta pelo socialismo. E, a0 contritio do stalinismo, demonstra que a luta contra todas as opressdes tem tudo a ver ‘com a luta contra toda a exploragao e pelo socialismo. Como diz ela em um dos seus artigos: (c.Jmesmo que os objetioos wltimes da liberasio das ‘mulheres ndo pessam ser alcangades antes da revolte- fo socialista, isso nd significa que a iuta por refor- ‘mas deva ser postergada até.a hora final. (..) Por que cas mulheres devem levar a cabo sua luta pela libera~ tose, em siltima instancia, para a vitoria da revolu- io socialist serd necessiria a ofensiva de toda a classe trabalbadora? A rao disso, & que nenbum setor oprimide da so- viedade (..)pede canfiar a outras forvas a diresio @.0 desenvolvimento de sua luta pela liberdade — ainda aque esas forcas se comportem come aliadas. Rechaga~ ‘mos a posto de alguns grupos politicos que se dizem marsistas, mas que no reconbecem gue as mulberes dewens dirigir e organizar a luta por sua emancipa- ‘vito, da mesma forma que nae chegam a compreender por git 0s negros devem fazer 9 mesmo. 2 Evelyn Reed Num momento em que o proletatiado dé sinais de luta ¢ reentrada em cena , em que mais uma cri~ se capitalista espreita 0 horizonte no mundo € que as mulheres trabalhadoras, duplamente oprimidas © super-exploradas sob 0 eapitalismo, comesam a ‘8 reorganizar em nosso pais, como demonstrou o T Encontro de Mutheres da Conlutas, que reuniu mais de mil mulheres, a publicacio deste livro, mais do que oportuna, € necessiria. 10 de setembro de 2008 PREFACIO DA AUTORA Depois de anos de letargia e de submissio 20 status quo, wna nimero cada ver, maior de mulheres americanas levanta a cabega para unirem-se a0s ne~ ‘gros rebeldes e aos estudantes radicnis, em sua lula ‘contra o sistema capitalista. Esta vanguarda de mu- theres militantes teclama o fim do estado de inferio~ ridade 20 qual esti relegado nosso sexo ¢ submete as instituigdes e os valores da sociedade atual a uma dura critica. Suas reivindicagdes vao desde @ aboli- 40 das discriminagées praticadas contra 0 sexo fe~ minino no campo do trabalho, até a revisto das leis reacionarias sobre o sborto, sustentadas pela Igreja e pelo Estado, + Os grupos de liberagio da mulher, surgidos em. torno d&ta luta pela igualdade, debatem seriamente 0s diferentes problemas tedricos € priticos que sur- 4 Evelyn Reed ‘gem, Exatamente igual ao que fizem os afto-ame- ricanos quando tentam compreender porque foram relegados a um estado de escravidao e como seri possivel libertarem-se rapidamente, estas mulheres recentemente conscientizadas querem saber como e por que estiveram subjugadas por leis machistas e 0 que podem fazer frente a esta situasio. Sem divida, quando buscam uma explicagio, descobrem com surpresa que ha pouquissima infor- ‘maglo disponivel sobre este tema. Existem muitos estudos que tratam do desenvolvimento do sgéner0 ‘humano em seu conjunto, desde os tempos mais an- tigos até nossos dias. Mas, se quiserem ir mais além ‘em suas indagagdes, onde encontrardo um sumério confidvel dedicado 4 evolugao da mulher, que possa servir para langar alguma luz sobre certas questoes desconcertantes que se referem a sua situasao social, ‘que muda através dos tempos? A escassez de dados sobre um tema que é do mé- ‘ximo interesse para a metade do género humano nfo deve nos surpreender. A historia foi escrita até nossos Préprios dias do ponto de vista das classes dominan- tese do sexo dominante, Portanto, ainda esta por ser feita uma relagio completa das contribuisoes que a mulher deu ao pro- ‘gresso social. A documentacio auténtica de tudo 0 ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 15 que ela realizou até agora foi excamoteada, limitada, desvalorizada; do mesmo modo e pelas mesmas ri- ‘z6es que as lutas e as vitdrias da populagio trabalha- dora e das minorias oprimidas. Todos os oprimidos, inclusive as mulheres, ne- cessitam agora, urgentemente, escrever € reescrever sua propria historia para exibi-la e corrigir as falsifi- cages. Ao mesmo tempo, esta tarefa deve ser reali- zada em meio ao calor da luta por sua emancipagio e como instrumento para a mesma. ‘Um estudo amplo da histéria da parte feminina do género humano teré que se iniciar necessaria~ mente, nas origens mesmas da sociedade. O periodo mais antigo, o do estado selvagem, é, ou deveria ser, um campo muito especifico da antropologia. Como ciéncia dedicada ao estudo da pré-histéria ou da pré- civilizago, 2 antropologia tem uma enorme impor tincia para a “questio da mulher’, eisto €0 que tento expor aqui, Seus descobrimentos, interpretados © compreendidos em seu justo valor, podem servir para destruir muitos dos mitos que, contudo, prevalecem, € preconceitos que existem sobre a mulher, e podem se converter em uma valiosa ajuda para o movimento de sua liberagao. Por txemplo, as mulheres das sociedades pré- civilizadas eram tanto economicamente indepen 16 Evelyn Reed dentes como sexualmente livres. Nao dependiam de ‘maridos, pais ou protetores, para conseguirem sua subsisténcia, ¢ ndo cram humildes, nem se mostra- vam agradecidas por qualquer migalha que recebes- sem. Na sociedade comunitaria, trabalhavam junto com outras mulheres e outros homens em beneficio de toda a comunidade, e dividiam os resultados de sen trabalho sobre uma base igualitéria. Segundo os costumes, decidiam clas mesmas, autonomamen- te, acerca de seu comportamento sexual. Nao eram objetos que se pudesse possuir, oprimir, manipular ¢ explorar. Como produtoras ¢ procriadoras eram ‘eabeca reconhecida de uma sociedade matriarcal, € ‘ram honradas ¢ respeitadas pelos homens. Sem diivida, quando estes fatos foram descober- tos pela primeira vez, pelos antropélogos do século passado, estas versdes das formas primitivas de onga- nizasio social ofenderam e alarmaram os guardides do status quo, exatamente como acontece em nossos dias, Suas objegdes tiveram efeitos negativos sobre © desenvolvimento da ciéncia antropolégica, e ser viram, inclusive, para impedir e retardar a elabora- ss40 de uma historia da mulher que fosse auténtica e completa. Existem sazées politicas para esta obstinada re- sisténcia. O descobrimento de que as mulheres nem Sexo contra sexo ou classe contra classe 7 sempre foram consideradas como o “segundo sexo”, relegadas a um estado de inferioridade, sentio que, 40 contritio, desfruraram de uma imensa capacidade criativa, social e cultural, continha implicagdes peri- gosamente “subversivas”: ameagava minara suprema- cia, tanto do homem como do capitalismo, Porque, se era verdade que o sexo feminino tinha tido uma participagio fundamental na sociedade comunitaria primitiva, por que nao iria poder fazer 0 mesmo na reconstrugdo das relagdes sociais, em um nivel hist6- rico mais elevado? Uma vez que as mulheres atuais, feustradas e re~ beldes, tivessem compreendido que suas antecesso- ras puderam realizar em dado momento, ¢ qual havia sido 1 posiglo influente que possuiam, dificilmente se contentariam em permanecer no seu atual estado de inferioridade. As adeptas dos movimentos de li~ berag&o da mulher no somente se sentiriam reforca~ das, Sendo muito methor equipadas em sua luta pela aboligio da sociedade capitalista que as humilha, ¢ pela construgio de uma nova sociedade, uma socie- dade melhor, na qual todos os seres humanos ¢ am= bos os sexos fossem livres. @s eseritos dos fundadores do socialismo cienti- fico, Mars Engels e de seus diseipulos, apontavam para esta directo. Eles acreditavam que a opressio 18 Evelyn Read © a degradasio a que atualmente esto submetidas as mulheres, nfo podem ser consideradas & parte da exploragio das massas trabalhadoras pelos proprieté~ rios capitalistas. Portanto, as mulheres poderiam se assegurar de um controle pleno de suas vidas, € con- formar seu préprio destino, unicamente como forga integrante da revolucao socialista mundial. Este livro deseja ser uma pequena contribuigio ‘0 tremendo trabalho que espera a mulher em nossa época revolucionaria. Ao conformar nosso presen- te € nosso futuro, teremos que reconstruir também nosso passado, por dificil que possa ser. Conforme se estenda o atual processo de conscientizacio, nio ‘me resta divida alguma de que um niimero cada vez maior de mulheres revisard criticamente a larga mar- cha do género humano, ¢ realizari novos descobri- mentos, ¢ divulgara tudo aquilo que jé se chegou a conhecer sobre a verdadeira historia de nosso sexo, 15 de junho de 1969 MULHER E FAMILIA: UMA ANALISE HISTORICA? “Todos os presentes estio conscientes de que es tamos vivendo um periodo de crescentes agitagBes ¢ tensbes sociais, Isto fica evidente através das mani- festagdes de protesto € pelos movimentos de libera~ 80 que ha tempos ocupam as manchetes de jornais. Em primeiro lugar, aparece 0 repiidio a Guerra do Vietna, na qual Washington est queimando mi- thoes de milhares de délares, enquanto descuida das netessidades mais elementares do povo norte- ccano no §ue se refere & habitasao, educagio, cuidados :médicos, bem-estar social ete. Temos também as re 20 Evelyn Reed voltas nas comunidades negras, que buscam o fim de sua pobreza ¢ do racismo. Os estudantes, subjugados pelo sistema prevalecente de coersio e de lavagem cerebral, tentam liberar as escolas ¢ universidades da ingeréncia das grandes indiistrias ¢ das personalida- des poderosas. Portanto, no é nada surpreendente que junto a essas ondas de descontentamento ¢ mili- tncia tenha sido despertado o interesse e se desen= volvido novamente os movimentos pela liberagio da mulher. Na vanguarda, as jovens de hoje, sobretudo as universitirias, questionam as antigas normas e cos- tumes que limitam a vida da mulher a0 marido, 4o lar e & familia. Suspeitam terem sido enganadas quando as fizeram acreditar que as mulheres repre- sentavam 0 segundo sexo, algo inferior, algo que tem {que ser satisfeito com o ser um pouquinho mais que uma mulher zelosa de seu lar ou viver uma vida ocio- sa. Com toda justisa, elas acreditam que possuem cérebros ¢ talentos, da mesina forma que érgios se- xuais € reprodutores, e que tém sido despojadas de sua liberdade para poderem expressar sua capacidade crindora em quase todas as esferas da vida social. No entanto, encontram-se em dificuldades quan- do se trata de articular stias queixas ¢ formulas suas reivindicagdes por urna vida mais rica em significa Sexo contra sexo ou classe contra classe a dos e perspectivas mais amplas que aquelas as que se acham restringidas, Tal coisa néo é surpreendente, dada a magnitude ¢ o alcance do problema. A “ques- to feminina” no afeta um grupo minoritério; as mulheres representam a metade da espécie humana, Por outro lado, abrange temas importantes ¢ muito sensiveis, como o das relagdes sexuais, os laos farai- Tiares ¢ outros problemas intimos entre as pessoas. ‘Um dos maiores obsticulos com que nos de- frontamos ¢ a falta de informasio concreta sobre a transformagio histérica da mulher e da familia, Tal coisa € muito util para que a mulher se mantenha ignorante e submissa 205 mitos que se propagam em sua volta. As jovens rebeldes sentem instintivamente que de algum modo, em algum momento e por meio de algumas foreas invisiveis, foram submetidas & es- cravidio € relegadas a um estado de inferioridade. Elas nao sabern como isto aconteceu, ¢ necessitam saber como chegaram a este ponto ¢ quem ou o que é responsivel portal coisa. A maioria das mulheres ndo compreende que seu problema no existia antes da instaurasio da socieda- dede classes, que as desclassificou da elevada posigio de igualdade que desfrutavam na sociedade primiti- va, Muité-vagamente, se dio conta do fato de que a submissio das mulheres caminha paralelaimente com 2 Evelyn Reed 4 exploragio dos trabalhadores em seu conjunto, € com as discriminagdes praticadas contra os negros e utras minorias. Por esta razdo, elas mesmas nao en- tendem que uma vez abotida a sociedade capitalista € instauradas relagdes de tipo socialista, as mulheres sero emancipadas como sexo, pelas mesmas forgas que liberario todos os trabalhadores e minorias ra- cialis de sua opressao e alienagio. Por isso, apresento a “questi da mulher” come= sando pela pré-historia da humanidade. Isto nos leva 20 campo da antropologia, com seus importantes descobrimentos sobre a evolugio da mulher, da fa- iia e do conjunto da humanidade. Em primeiro lugar, um breve eshogo do desen- volvimento da propria antropologia, para compreen- dermos porque tantos desses conceitos foram distor ciddos e mistificados. A antropologia € um dos ramos mais jovens das ciéncias sociais. Tem pouco mais de cem anos. Em seu inicio, era considerada por seus fundadores como 4 ciéneia das origens sociais e da evolugéo. Através de suas investigacdes, estes esperavam poder tragar © desenvolvimento da humanidade desde as origens Dré-historicas até a civilizagio, ou seja, chegar até o atual periodo histérico. A antropologia, portanto, seria definida como o estudo da “pré-histéria”. ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe B Exatamente por ser uma ciéneia da evoluglo, a antropologia foi objeto de muitas controvérsias. Da mesma forma que a biologia, que se desenvolve. também no curso do século XIX, esta ciéncie fez balangar os conceitos errOneos que prevaleciam até entio sobre o passado da humanidade e, além disso, comesou a derrubar as més interpretagbes existentes sobre a questéo da mulher. Por isso, foi considerada elas forsas conservadoras como uma ciéncia poten- cialmente subversiva, e muitas barreiras se levanta- ram no caminho de seu livre e completo desenvol- vimento. A primeira batalha entre o dogmatismo obso- eto ¢ os descobrimentos cientificos desenvolveu-se ‘no campo da arqueclogia. Segundo o Antigo Testa-~ ‘mento, a humanidade tinha no s6 uma origem divi- ‘na, como sua hist6ria era breve, contava com menos de cinco mil anos. Nao obstante, os fésseis escava- dos pelos primeizos arqueslogos demonstravam que vida humana havia se iniciado ja ha milénios. Tal coisa representava um desafio aos dogmas religiosos € as idéias petrificadas que prevaleceram durante 0 llkimo século, ¢a principio, esses descobrimentos fo- am acolhidos com rancor ¢ desconfianga, Somente depois de virias décadas e depois de haver um aci- mulo de provas contundentes, esta resistencia se des 4 Evelyn Reed vaneceu, Atualmente todo 0 mundo cientifico accita que a vida comegou hé mais de um milhao de anos, «que outras formas sub-humanas ou hominidas pre~ cederam a evolusio do homem até o Homo sapiens ‘A segunda grande baralha contra o obscuran- tismo se deu com a teoria de Darwin da evolusio orginica, que evidenciou a origem animal da hu- manidade, Este foi um golpe muito mais sério a0 dogmatismo mistico religioso, do que simplesmen- te estender a histéria da humanidade para tempos ‘mais remotos, porque implicava o fato de que o ho- mem nio era criagio de um ser divino, e sim fruto da evolugio de um ramo evoluido dos primatas. A irae fiiria que rodearam esta teoria anti-religiosa duraram virias geragies. Em alguns estados, a lei proibiu que esta teoria fosse ensinada nas escolas. Somente este ano o estado de Arkansas foi empur- rado, a golpes'e pontapés, ao século XX, gragas & coragem ¢ espitito de luta de uma professora que forcou o Estado a admitir o ensino da teoria da evo- lugao em suas escolas. Nos estados mais progressis~ tas do mundo, esta resisténcia foi quebrada hi mais tempo, ¢ hoje a teoria de Darwin ¢ aceita como pre- missa fundamental na investigagio cientifica sobre as origens da humanidade. ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 25 © término destas lutas, que cntravam em conflito fundamental com os dogmas teolégicos, no resol- veu todas as disputas surgidas em torno da jovem ciéncia da antropologia. A batatha mais aspera, que hoje ainda continua, nfo foi contra a religido, e sim ‘a que se da no campo da sociologia. As conclusdes dos fundadores da antropologia demonstravam que antes do nosso sistema existia um tipo de sociedade totalmente diferente. E em certas esferas das relagées hhumanas, ainda que em outras nfo, aquela hayia sido superior & nossa, jé que a organizagio social primmi- tiva estava baseada em uma democracia auténtica € em uma igualdade completa, inclusive na igualdade sexual. AAs autoridades constituidas na sociedade capi- talista nfo podem tolerar algumas ciéncias, desde a antropologia até a economia, que proclamem aber- tamente toda a verdade sobre o que representa nossa sociedade, como uma sociedade que explora e oprime tanto 08 operixios como as mulheres. Portanto, no é surpreendente que durante o século XX tenham sur- pido novas escolas de antropdlogos, que repudiam ‘05 métodos e descobrimentos de seus predecessores, desviandg esta ciéncia por caminhos e dizesSes com- pletamente diferentes, 26 Evelyn Reed Em mifos destes sevisionistas, a antropologia, ‘como ciéncia da evolugio social, viu-se desnorte- ada de seus promissores caminhos, convertendo-se ‘num simples catilogo descritivo de uma ‘variedade” de ciéncias. Uma vez que muitas pessoas, inclusive estudantes de antropologia, possuem pouco conhe~ cimento sobre este desenvolvimento, vejamos como {oi possivel que isto acontecesse. No século XX, os dois mais e¢lebres investigado- res da antropologia, foram Lewis Morgan nos Esta~ dos Unidos, e Edward Taylor, na Inglaterra, Eles ¢ seus colegas partiam do ponto de vista evolucionista, € prosseguiam a sua teoria baseados no fato de que a humanidade havia se desenvolvido através de uma série de estados progressivamente ascendentes, des- deo mundo animal até a civilizagio. Também eram substancialmente materialistas, ou seja, considera~ ‘vam como basicas as atividades de trabalho para as- segurar os géneros de primeira necessidade ou as que serviam para que a vida se tomasse mais cOmoda, € a partir dai, analisavam as instituig6es superestru- turais, como 06 costumes, as idéias © as crengas dos povos primitivos, © mais notivel expoente deste método evolucio~ nista € materialista foi Lewis Morgan, que o utili- zou para caracterizar os trés principais estigios do ‘Sexo contra sexo ou classe contre classe a7 progresso humano: desde o estigio selvagem, até a civilizaglo, passando pela barbaric. Hoje em dia, po- demos inclusive estabelecer a duragio de cada uma dessas trés épocas. A primeira, o estigio selvagem, foi o mais prolongado, pois ocupa quase 99% da vida humana sobre a terra. A barbitie comegou com a agricultura ¢ a eriagio de gado, hi cerca de 8.000 anos, ¢ a civilizacio se iniciou mais ou menos hé uns 5.000 anos. E digno de se observar 0 fato de que Marx e En- gels, 0s criadores do socialismo cientifico, viram-se influenciados ¢ inspirados pelos estudos tanto de Darwin como de Morgan. Marx ficou tio impres- sionado com os descobrimentos de Darwin, que inclusive queria Ihe dedicar a sua obra mais impor~ tante, O Capital. Engels desenvolveu mais a questio central colocada por Darwin, a qual este mesmo nio conseguira responder: como € que nossos progeni~ tores haviam conseguido superar o pesso inicial de primatas passando para a etapa de seres humanos? Em seu ensaio O papel do trabalho na transformasao cdo macaca ems bomem, Engels explica que foi a ativi- dade prodativa sistemitica que converteu os antro- pales erg humandides. Com esta explicasio, Engels foi o pritheiro a apresentar 0 que podemos chamar propriamente de “teoria do trabalho como origem da 28 Evelyn Reed sociedade’, ¢ isto teve implicagées muito importan- tes para a “questo da mulhes”, No caso da antropologia, © livro de Morgan, denominado A Sociedade Antiga, chegou até Marx, vindo dos Estados Unidos através das miios do so- cidlogo russo Maxim Kovalevsky. Imediatamente, Marx comesou a fazer anotagSes sobre 9 mesmo, Para tirar suas proprias conclusdes sobre o primei- 10 periodo de evolugio social. Depois da morte de Mars, estas notas foram publicadas por Engels em sua famosa obra Origem da familia, da propriedade privada ¢ do Estado, em 1884. Como disse em sua introducao a primeira edigto, “na América, Morgan havia descoberto, a seu modo, o conceito materialista a historia, elaborado por Marx ha quarenta anos”. O livro de Engels sublinhava os isperos contras- tes entre a sociedade primitiva sem classes ¢ nossa so- ciedade de classes, tirava as inevitiveis conclusdes sociolégicas do material recolhido pelos antropélo- 0s. Morgan, Tylor, Rivers e outros, ndo buscaram ‘uma sociedade igualitaria, nem mesmo imaginavam que esta sociedade pudesse ter existido. Porém sen- do investigadores escrupulosos, que informavam hhonestamente ¢ com exatidio os resultados de seus estudos, redescobriram que as sociedades selvagens brilhavam pela auséncia de instituigdes de classe, ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 29 fundamentais em nossa sociedade. Estes pontos fo~ ram elaborados por Engels, em sua obra Em primeiro lugar, os meios de produgio eram propriedade comum, ¢ cada membro da comunidade trabalhava sob bases igualitirias a todos 08 demais. Isto € fundamentalmente diferente do que acontece ‘em nossa sociedad, Nao existia uma classe rica do- ‘minante que explorava a classe operisia para aumen- tar seu poder. Portanto, Morgan ¢ outros, definiram a sociedade primitiva como um sistema de “comunis- mo primitivo”, Em segundo lugar, nfo existia um aparato-estatal coercitivo, com seus exércitos de homens armados € de policias que serviam de brago armado da classe rica governante, para manter subjugado o povo tra” balhador. A sociedade primitiva tribal era autonoma edemocritica, uma sociedade na qual todos os mem- bros eram iguais, inclusive as mulheres Em terceiro lugar, embora nossa sociedade clas- sista seja patriarcal em sua constituiglo, tendo a fa- iia paterna como unidade fundamental, a socie~ dade primitiva era matriarcal, ¢ sua unidade estava constituida pela gens materna ou pelo cli materno, Além disso, a supremacia machista, que se susten- ta sobit 0 mito de que as mulheres representam um sexo inferior, existe somente em nossa sociedade de 30 Evelyn Reed classes patriarcal. No primitivo sistema matriarcal, baseado em principios comunistas, nfo existia ne- nnhuma forma de dominasio de um sexo sobre 0 ou~ ‘ro, da mesma forma que no existia o dominio de ‘uma classe rica sobre a massa de trabalhadores. Finalmente, os primeiros antropélogos descobri- ram que unidade familiar, tal como conhecemos, também nio existia. A sociedade tribal estava com- posta por uma rede de clis, formado cada um por irmios e irmas correspondentes. Com este sistema de classificaglo através do parentesco, todos os mem- bros se identificavam, no por meio de seus préprios lagos familiares, mas através de suas relagoes tribais ou do cla, Deste modo, 20 aplicar seu método histérico comparativo, os primeiros antropélogos colocaram em evidéncia, involuntariamente, as instituigbes- chave de nossa sociedade capitalista, descobrindo sua total auséncia nas sociedades primitivas. Gragas a es- sas consideragées, o titulo da obra de Engels tornou- se um indicative extraordinario: Origem da fimtlia, da propriedade privada e do Estado. Engels sublinhou também 0 fato de que quando nao existiam essas instituigées classistas, as mulheres ocupavam uma posigio relevante, gozando de grande liberdade © independéncia, em Magrante contraste com © papel Sexo contra sexo ov classe contra classe 3 subordinado e degradante que lhes destinou a socie- dade de classes. descobrimento desta notivel diferenga en- tre os dois sistemas sociais — o sistema primitive igualitirio © © nosso opressivo sistema capitalista ~transformou-se em um duro golpe sobre algumas das mais importantes fieges que circulam em nosso sistema cultural. Seria dificil dizer o que era mais doloroso para 0 poder constituido: 0 fato de que 2 sociedade primitiva fora coletivista, igualitaria e de~ moeritica, ou 0 fato de que fora matriarcal e que as ‘mulheres ocuparam nela posigdes influentes ¢ res- peitadas pela comunidade, Da mesma forma, pare- cia repulsivo o fato de que a familia paterna — que se ‘afirmava que sempre existira — tinha sido instituida muito mais tarde na histéria, e que sua origem coin- ‘De fato, este “pacote castico” nfo existe nem na histéria nem na propria pré-histéria e sim nas men- tes ¢ nos métodos destes antropélogos. Eles segui- ram um processo histérico unitério € néo o desmem- braram, para obterem uma “mistura sem sentido” de dados descritivos. Ao assim proceder, deixaram fora © periodo mais longo ¢ mais remoto da historia da humanidade, que € 0 periodo do sistema matriarcal de organizagio social. Porém, é precisamente este sistema que nos proporciona a informaglo essencial para compreendermos os problemas relacionados ‘com a mulher e com a familia. Continuemos a exa- minar, pois, este aspecto da pré-histéria. Wma das fibulas favoritas de nossa sociedade ¢ ade que a mulheres sao por natureza um sexo in- ferior, ¢ que sto inferiores devido a suas fangées re~ 4 Evelyn Reed produtoras, A historia se explica assim: a mulher esta obrigada a ficar em casa porque tem que cuidar de seus filhos, ¢ portanto seu lugar é lar. Como “corpo doméstico”, naturalmente representa desde o ponto de vista social, um “zero”, 0 “segundo sexo", enquan- to.0s homens, que se sobressaem na vida econdmica, politica e intelectual, representam um sexo superior De acordo com esta propaganda patriarcal, as fun- es maternas da mulher se instrumentalizam para Justificar as desigualdades existentes entre os sexos de nossa sociedade ¢ a posigio subalterna ocupada pela mulher. ‘A descoberta do papel dominante assumido pela ‘mulher na sociedade matriarcal primitiva desteéi este ‘mito capitalista. A mulher da época selvagem dava Juz seus filhos e continuava livre, independente, ¢re~ presentava 0 centro da vida social ¢ cultural. Isto vai de encontro a um ponto muito doloroso, porque afeta ‘no somente a “questio feminina” como também a “sagrada familia”. Tal contraste se agrava pelo fato de que esta igualdade e estas liberdades caminham paralelas também com algumas relagdes sexual ‘yres, tanto por parte dos homens como por parte das mulheres, em agudo contraste com as rigidas restri- ‘90es sexuais impostas & mulher em nossa sociedade dominada pelo homem. SS A . ‘A indistria téxtil requer um alto grau de capa- cidade téeniea e mecinica e uma longa série de in- vengdes paralelas. Para desenvolver esta indstria, continua Childe, ecessita-se uma série complexa de descobrimentas ¢ invengies € um conbecimento cientifica igualmente complexo. Entre as invences prioritirias, a mais importante & 0 tear. Consideramos gue 0 tear € wh instrumento mais ou menos complicade, demasiada- ‘mente complicade para podermos descrevi-lo agui. E sua utilizaréo néo & menos complexa. O tear, a sua invengae, foi um dos grandes triunfos do engenbo * bumano. Seus inventors nie peasuem nome, mas realizaram uma contribuigao essencial & bagagem cultaral da Borsem.26 80 Evelyn Reed Sem levar em conta a sua importincia enquan- to contribuigdo para aumentar as provisées de ali- ‘mentos, a caga foi um fator de grande valor para o desenvolvimento humano. Na casa organizada, o homem devia colaborar com outros homens, atitude desconhecida no mundo animal, no qual é regra a concorréncia individual. Sobre esta questio, Chapple ¢ Coon eserevem: A can €:um étimo exercicio tanto para o corpe come ara a mente, Estimula a coperast, © autocontrole ‘a agresividads, 0 engenho ¢a inventividade. B, por ultimo, exige um alto grau de destreza manual. O _g2ner0 bumano nao poderia ter melhor escola em seu Pertodo de formagio2? Trabathadoras do couro ‘Uma vez que a caga era uma atividade tipica- ‘mente masculina, os historiadores estio sempre dis- postos a glorificé-la sem limites, Sinceramente, nlo hha dividas que os homens realmente contribuiram com a caga nas provisdes, mas eram as mulheres que Preparavam e conservavam a comida e utilizavam os produtos derivados necessérios para suas atividades, Foram as mulheres as que desenvolveram as técnicas ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 81 do curtume e da conservagio das peles e quem fun- dou a primeira grande industria de peles. ‘Trabalhar a pele, o couro, é um processo longo, dificil ¢ complicado. Lowie descreve a primeira for- ma deste tipo de atividade, que ainda € utilizado pe~ las mulheres ona, da Terra do Fogo: Quando os cagadores tracem para 0 acampamento a ‘pele de um guanaco, a mulher ~ diz ele- se ajoelba sobre a pele, limpa-a, raspa laboriesamente com sua fella de quartzo os tecidesrotes¢ a camada transpa~ vente que existe abaizo deles, Depois, com os punbos, ‘amassa a pele palmo por pate, de cima para baiva, em toda a extensio e as vexes mastigando-a com 05 dentes para que se torne mais macia, No caso de ser necessirio 0 corte des pelos, usa-se 0 mesmo proceso da raspagem. raspador de que fala Lowie ¢, juntamente com ‘estaca ou bastio, um dos mais antigos utensilios da humanidade. Ao mesmo tempo que nasce pau de ‘madeira usado para coletar verduras, nasce esse trogo de pedra, raspador ou machado de mio, usado nas mals diversas atividades 2 Evelyn Rood Estas especies de raspadores, gue constituem a maior parte dos utenstlios primitions, foram usadas ¢ in~ wentadas pela mulher. Nasceram muitas controvir- sins sobre os pessiveis ses deses abjetos, mas o fato é gue ainda baje as mulheres esquimés empregam uten- silos idéntics aos que suas irmas européias usaram em abundancia durante a Era Glacial (Os raspadores ow cutelos usados pelas mulberesesqui- sms, sto de forma geral muito elaborades ¢ montados ‘artisticamente em cabos de orse. Na Africa do Sul, 4 terra estd cheia desses objetos, idémticas aos que se ‘encontraram na Europa, oviginirios da Era Paleo Htica. Segundo testemunkes de pessoas que conbeciam em os costumes dos borguimanas, estes objetos eram Fabricades pelas mulberes2 ‘Mason acrescenta: Oraspador ¢o utensil primeira, gue se usa en: qual- quer trabalho. Sua utilizagdo entre as mulberes abo- rigenes de Montana ¢ transmitida de mae para filha, de gerasho em geragio, e assim sucessivanente, desde 2 nastimento do ginere bumano29 ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 3 Curtume Assim como a maior parte das atividades, o tra- balho com as peles requeria muito mais que um sim- ples trabalho manuial. Para desenvolver este trabalho a mulher também teve que aprender os segredos da ‘quimica, ¢ de experiencia em experiéncia, aprendem inclusive a usar uma substancia para transformé-la em outra. (© curtume ¢ essencialmente uma alteragao qui mica da pele erua. Entre os esquimés, escreve Lo- wie, esta transformagio foi descoberta deixando as peles serem maceradas dentro de um recipiente chefo de urina. Na América do Norte, a0 contritio, as mulheres usavam 0 eérebro dos animals, preparados especialmente, ¢ com ele empapavam as peles. Sem vida, o verdadeiro curtume exige 0 uso da cortiga da azinheira ou outras substincias vegetais que con- teaham cido tanico, Uma parte do processo para trabalhar a pele era defum-la em fogo lento, Os escudos dos indios nor te-amerieanos eram tao resistentes que eram a prova rll s6 de flechas, mas de tiros. Os produtos de pele sio de uma-variedade enor- me, principflmente no que se refere aos recipientes. Lowie cita alguns dos usos da pele. Os asisticos 4 Evelyn Road utilizavam-na para fiver uma espécie de garrafa; os afticanos orientais como escudos ou estofos; entre 08 indios norte-americanos era usada, as vezes, como vestidos, camisas, mocassins ou. calgas. Sé mais tarde fi utilizada para fazer chogas ou tendas, A varieda- de de produtos feitos com peles pelas mulheres indias ‘nunca deixou de maravilhar os visitantes dos muscus ‘onde estes objetos encontram-se expostos. Briffaule sublinha que as mulheres deviam co- nhecer primeiro a natureza das peles que deviam preparar, e decidir que produtos seriam os mais ade~ quados: O produto que se deve empregar varia de acordo com 4 utilidade que a pele vai ter: As peles macias eram lisadas até e conseguir uma espessura uniforme, ¢ também se utilizava a camada que fica junto aa péla As mais duras eram usadas na construsae de cabanas, sescudos, canoas ou botas. As mait finas « lavéveis, Para vestidos. Tudo isto requeria trabalbos tenicas ‘especiais que baviam sido elaborados precisamente pelas mulberes ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 8s ‘Mason escreve: No continente americana, é as mulheres sabiam como tratar qualguer tipo de pele de animal, como gatos, ‘achorres, labo, furdes,ursos, ovelbas, antilopes, cro~ «odilos, tartarugas, e inclusive répteis e peixes.30 Coramistas ¢ a1 Ao contririo das demais indiseras femininas, a ‘cerdmica leva i criagio de substancias completamen- ‘te novas, que nao existem em estado natural. Sobre isso, escreve Gordon Childe Tabvezacertmica sjaa primeira utilizasao conscien- te de wm proceso guimico por parte da humanidade... 9, torrent arte cerémica éque a mulher pode ‘madelar algo de argila, na forma que descjar, ¢ logo, uutilizande o foge, dar-the-a forma definitiva (ealor cacima dis 600 graus centigrados) Aes homens primi ‘vos, tal mudanca na qualidade dewm material deve ter parecido uma espécie de transmutagio mégica. A conversa do barro ou da terra em peda. 0 fate exencial deste descobrimento tansste em con segiir controlar utilizar o proceso quimico gue cita= 86 Evelyn Reed ‘mos anteriormente, Mas, da mesma forma que os de- ‘mais descobrimentes, a sua aplicasato pritca implica cutros novos conbecimentes. Para que a argila esteja em condigtes de ser trabalbada, tem que ser melbada, iat se 0 objeto écalocad wide no forno ele gue~ bra. A dgua deve secar aos poucos no sol, cu présima dd foge, antes da argila ser coxide. Da mesma forma, «7 argila tem gue ser cortade, preparada e lavada, Para climinar todes os residues de outras substincias. Duranteo cozimento, a argita muda néo s6 sua con- sisténcia fisica, mas também sua coloragdo. O bomem seve que aprender a controlar estas mudangas utili= zxé-las para melborar a beleza dos cases. A arte da cerimica, inclusive em seu estado mais ris tito ¢ generatizado, jd era complexa. Implicava um certo numera de process bem distintes e a aplicato de numerosos descobrimentes. Construir uma vaso foi um exemple magnifica da criatividade humana.st A mulher primitiva, assim como o primeiro cera~ mista, colheu 0 pé da terrae modelou uma gama infi- nita de novos produtos. As artes decorativas, também elas mos das mulheres, se desenvolveram paralela- mente a esta indkistria. A arte nasce do trabalho. ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 87 Lowe escreve Um fabricante de cestas pode se converter em um de- conador, sem ter a intengao de frzé-lo; mas no mo- ‘mento em que um determinado modelo desluméra os osss olbos,entio buscamos repeti-te. A cond retor- cidade um cesta pode parecer uma espiral, uns ara- ‘estos et. O,fateextencialéque, uma vex considerada deconativa, esta forma geamétrica se aplica também 1 outras formas de arte. Um ceramista pode pintar figuras em seu ‘vaso, wm escultor pode imitt-las em sua madeira Os objetos de pele feitos pelas mulheres sto mui- to apreciados, nfo $6 por seu aspecto pritico, mas também pela beleza de sua decoragio. E quando a mulher comesou a fazer vestidos, comeou também 4 tecer belissimos desenbos nas telas,¢ inventou a cor ea técnica da tintura. 88 Evelyn Reed Construtoras ¢ arquitetas ‘Talvez a atividade menos conhecida das mulheres primitivas seja seus trabalhos de construgio, arquite- tura e engenharia, Briffault escreve: Nao estamos acostumades a pensar gue aarte de ons ‘ruir casas ow 2 arquitetura foram ocupasées to femi- rninas quanto a fabricasao de botas ou objetos de ter- racota. E, sem divide, as cabanas dos australiancs, dos habitantes das ilbas de Andaman, des habitantes da Patagonia, os toss refigios dos Seri, as tendas dé Pele dos tndios morte-americanos, a urta’ des néma- des da Asia Central, a tenda de ple de camele dos be- dduinos, fades sto trabalbos exclesioamenteferinines. As veces, estas moradias, mais ou menos estéveis, rum muito elaboradas. A iurta’, por exemplo, é, na iria das vexes, wma casa muite grande, construé- ta sabre uma armagio de madeira em forma de circu 4b, gue tem em cima uma especie de encerado também de madeira, todo ele coberto por uma espessa camada de felro, que dé casa uma estrutura de cipula. O interior ex divide em numeross compartimentos A excesiio da madeira, todo o restante, ane e colocado pelas mulheres turcomanas. Sexo contra sexo ou classe contra classe 89 Os pueblos do Novo México ¢ do Arizona recordam em sua forma as pitorescas cdades ariemtais. Sao gru~ pos de casas, construédas umas sobre as outras. O teto (plano de wna serve de base para a outra. Os andares ‘mais elevados sao altanrades através de escadas de ‘polé ou escadarias exteriores,¢ os meres sao bastibes com merlbes ornamentais, Pétios, pracas, ruas,curio~ 08 edificos piblicos que servem tanto como loeais de reunises ou de tempos... como testemuunham as nume~ vasts ruins (Os missionérios espanh6is que se estabeleceram entre 08 povos indigenas ficaram aténitos frente & beleza das igrejas ¢ conventos que aquelas mulheres haviam construido para eles. E esereveram a0s seus compatriotas europeus: Nenbums bomem contribuin nem com o minimo para erguer uma casa, Estes edificis eram construtdes somente pelas mulheres, as meninas ¢ as jovens das smisstes. Entre estes pov era costume gue as mulberes _fessem as construtoras de casas 4 Sob a {pfluéncia dos missiondrios, os homens aprenderam também este trabalho, mas seus pri- meiros esforgos foram recebidos com muita zom- a0 Evelyn Reed baria pelas pessoas. Como escreveu um missionario espanol: (Os pobres foram rodeades por uma alegre multida de smatheresecriancas que riam e xombevam deles, que pareciam encontrar-se frente @ cosa mais engrasada do mundo: um bomem ecupade na construgdo de wma casas Hoje, ocorre justamente o contritio:ridiculariza- se a mulher arquiteta ou engenheira. Sobre os ombros da mulher ‘A mulher nio era s6 uma experiente trabalhadora da sociedade antiga, mas também se ocupava de tra- balhos muito duros ¢ pesados, como o transporte de mercadorias, utensilios ete, Antes que tivessem este trabalho aliviado pelos animais domésticos, 20 menos em parte, eram elas que transportavam sobre 0s ombros todo 0 nevessi- io, Quando toda a tribo mudava de um lugar para outro, transportavam no s6 as materias-primas para suas indistrias, mas também depésitos inteiros de ‘mercadorias. Sexo contra sexo ou classe contra classe 1 Quando a tribo emigrava, esto ocorria com mui ta frequéncia antes que se desenvolvessem o sedenta~ rismo, eram as mulheres quem desmontava ¢ arma~ ‘vas tendas ¢ cabanas, As mulheres transportavam 8 mais pesados e também seus filhos. Na ‘vida dria, era também a mulher quem transporta- va grandes feixes de lenha para o fogo, a gua, os alimentos ¢ todos 0s produtos essenciais. Segundo ‘Chapple e Coon, inclusive hoje, as mulheres da tribo Ona, da Terra do Fogo, transportam pesos de mais de 100 libras quando emigram. Entre os Akikuyus da Africa Oriental, escrever os Routledge, os ho- ~ mens nio estavam em condigées de suportar pesos de mais de 40 ou 60 libras, enquanto que as mulheres suportavam mais: “Quando um homem diz: esta car- ‘gu esti muito pesada, é porque ela esta pronta para set levantada por uma mulher ¢ nfo por um homem. Isto nada mais expressa do que uma realidade”>* Sobre este aspecto do trabalho feminino, Mason esereve: Dos ombros da mulher, do carro a majestosa nave, est aguja bistoria do maior des artificios que im- pubsionou nassa raga a explorar 0 mundo inteira. ‘Nao me estranha que ocarpinteive talhe em madei- 92 Evelyn Reed 1a, na proa de seu navio, uma cabeya de mulher, ¢ que a locomativa receba nomes femininos.7 Por acaso estas atividades indicam que a mulher estava oprimida, explorada ou degradada? De modo algum. Totalmente 6 conttitio, Sobre isto, escreve Briffaule: A opinit fantasiows de que as malberes etveram oprimi- das na suciedade primitiva em parte deriva dacomplacén- cia do home cviizada em parte, do fto de que as mux eres tabalbawam daramente. Ua vex que as mlberes realzavane trabalbescansativos, seu etado era considera do coma que de ecravidio ¢opreste. Nao poderiaexistir Inaicrequivo. A mulber primitiva ¢independente, endo apesar de seu trabalho. No geral, € justamente nos pores en- ‘tre 08 quais elas trabalbam mais duramente, que so ‘mais independentes ¢ tem uma maior influéncia. De modo geral, ld onde as mulheres ficam na folga ¢ 05 ‘trabathos sito realicades por escraws, elas sia poweo ‘mais do que escravas sexuais,. Na sociedade primitiva, todos os trabalhos, in- clusive os mais insignificantes, eram_ voluntirios, © ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 93 ‘nunca a mulher fez algum trabalho tendo que obe~ decer ordens arbitririas. Falando das mulheres 2ulus, um missionirio escreve: Qualquer um que Bowvesse ebservads o comporta- mento das mulheres, concentradas em seu trabalho, sua alegria, sta conversa, suas risadas e suas cage, nao poderia deixar de compant-lo com 0s de nossas smulberes que Boje trabalbarn. 38 © que atormenta os seres humanos, nio é 0 tra- balho, mas sim a exploragio e o trabalho forgado. ‘Quando as mulheres comesaram a trabalhar, ninguém as ensinou como fazer isso. Tiveram que aprender da forma mais dificil, com sua coragem € perseveranca. Obtiveram algumas nogSes, provavel- ‘mente, da propria natureza. Mason escreve: As mulheres aprenderam com as aranbas atecerredes. Com as abelbas e formigas a conservar os alimentos € 4 trabalbar a argia. Isto ndo significa que esses ani ‘mais criaram exolas para que aquelas obtusas mulhe- res aprendessem a trabalhar, mas sim que as mentes despertas desta estaoam sempre dspostas a se apode~ On Evelyn Reed rar de qualquer experiéncia que vies daquela fonte. Poi na época da industrializagio gue a mulher mes ‘trou todo sex talento. Desde o principio, estabelecen os caminbos que era necesrio percorrer,e se ativeram a les sem reservas. As primeiras comunidades Dado a humildade com que a mulher iniciou as suas primeiras atividades, muitos historiadores apre~ sentam a indiistria feminina como basicamente fami- liar ou artesanal, Sem divida, €importante levarmos cemconta que antes de se desenvolver a maquina, nio cexistia nenhuma forma de arte, a ndo ser 0 artesana- to, Antes que surgissem as fibricas especializadas, ‘no existia send a casa. Obviamente sem estas formas artesanais primi- tivas ndo teriam nascido as grandes corporagies da Idade Média. E sequer 0 mundo moderno teria se desenvolvido com suas fazendas agricolas mecaniza- das suas iniimeras indkistrias. Quando as mulheres comegaram a trabalhar, f- zeram com que 0 género humano se elevasse acima do reino animal, Foram elas as primeiras trabalha- doras e as fundadoras da industria, a primeira forga ‘que elevou a humanidade para além de seu estado ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 95 de simio. Junto com o trabalho, nasce a linguagem, ‘Como escreve Engels: © desenvolvimento do trabalbo, ao multiplicar os casos de ajuda mitua ¢ de atividades sociai, fazia necesariamente com que os membros da sociedade se reunisiem cada vex mais... tinica teoria correta so- bre a origem da linguagem 6.2 de que ela masce e se deservobve junto com o process do trabalho. Primeiro nascew o trabalho, ¢ leg, conno consequincia, se desen ‘wolvew a linguagem articulada® Sem duvida, também o homem comegou a arti- ‘cular alguma palavra durante a casa organizada, mas ‘0 desenvolvimento decisive da linguagem nasce da atividade produtiva ferminina, Diz Manson: Exatamente porque, a cada dia se ocupava de todas 4s atividades industriais, a mulber inventow ¢ fou uma linguagem em relaio ss mesmas. O Dr. Brin ton esereve em wma carta particular que em muitas Enguagens primitivas mio s6 se encontram muitas expressées que so préprias das mulbere, como em ‘meitas partes da mundo se encontra cons frequéncia Tinguagts usadas somente pelas mulheres e comple- tamente distintas da dos homens, 96 Evelyn Reed Os bomen: primitives, quando iam casar ou pescan ‘stavam geralmente sczinbos, esta atividade Thes impunba silencio. As mulberes, pelo contravio, esta~ ‘am juntas efaleoam o dia todo, e tal oisa étaocerta 918, presindinde das ambienteseulturais, at mulbex 105 thm ainda boje om dia um vocabulério mais ricoe $0 as melhores onadoras eexcritoras:8 O trabalho ¢ a linguagem, mais do que qualquer Outea coisa, representam o nascimento da coletivida- de. Os animais sto obrigados por leis da natureza a ‘uma continua concorséncia individual, As mulheres, através do trabalho, substituiram as relagées estabe lecidas pela natureza por novas relagdes humanas, ‘gragas ao trabalho coletivo, A familia - a comunidade A familia era toda a comunidade. Nao existiam individualismos e sim coletivismo social. Sobre este Ponto, escreve Gordon Childe: No Neclitica a arte aparece como uma scupayto fa miliar. Nem mesmo as tradigoes artesanais so indi- ‘Viduais, sto coletivas, A experiénciae sabedoria colo~ ‘wm-seconstantemente om evidencia e com exemplos Sexo contia sexo ou classe contra classe 7 « explicasbes, sao transmitidas de pai para filbo. A Silba ajuda a mie a trabalhar os vases. Obseroa-a atentamente,imitae recebe as explicagées, advertin- ias e 0: conselbas necesaries. No Neolticn ax cién~ ias aplicadas foram transmitidas pelo que chamanias ‘atualmente de sistema de aprendizagem. Num povoado moderno africano, a mulber néo se itola para medelar ou cser seus vasos. Todas as mu~ Ineres: trabalbam juntas, comversam, confrontam sas experitncias ese ajudam mutuamente, Todas as atividades sao publica, suas regras sbc resultados de ‘experitncias comuns...E a economia nealitica em seu pelo trabalho exterior. Inclusive nesses quer outra coisa, e inchisive, apresenta uma vide parece que o perigo pode ser evitado através sexual fantistica ¢ uma familia ideal. As que na de aquisigées. ppuderem fazer tudo isso, perguntam-se no que po sontrapor a mulher que trabalha com a mu- dleriam ter falhado como mulberes para serem exch =de-casa € vice-versa, deixam ambas com ‘das deste Grande Sonho Americano, E reprovam le culpa, conflitos e frustragdes. Alem ‘si mesmas por no terem nascido ricas e belas. sgeindo uma mulher trabalha ¢ faz as tarefas ‘Tal sensagio de inferioridade pessoal é alimen= Seas, tais sensagSes se agigantam. Estas mu tada pelas novelas ¢ artigos que preenchem os es- perpetuamente carcomidas por um con~ asos para a propaganda. Os escritores capares de que no conseguem resolver munca. explicar a origem capitalista desta sensado sentida este mal-estar ¢ esta sensagio de derrota Por uma massa de mulheres nao sfo nunca convi= lente vantajosas aos especuladores, uma dados, naturalmente, para que expressem suas opi fercafh as mulheres a novas compras, com nides nestas revistas, As opinises “cientificas” que dde superar sua ansiedade e inseguranga. esto nelas expressadas estio destinadas a conser= ‘veees, para recuperar rapidamente a f em exploragio capitalisin das mulheres, € ndo a = especialistas comprados para es- artigos para as angustiadas donas-de-casa, estas a ocuparem-se 0 maximo possivel 128 Evelyn fi Sexo 04 classe contra classe 129 4 mesmas, correm a comprar um vestido novo 4a mulher, foram descobertos implaca- qualquer produto de beleza milagroso. com a mini-saia, assim sucessivamente, Resumindo, primeiro o sistema capitalista “avés dos Reis da Moda manejarem as mu- da ¢ oprime massas de mulheres, depois explora pelo menos durante certo tempo, ocorreu 0 descontentamento eo medo para fomentar suas ve Os figurinistas seguiam os gostos das jovens das ¢ beneficios, Porém, este abuso inexoriivel sob fase desarrumadas, adaptando-os de forma as mulheres nao pode ser superado com uma guir produtos igualmente custosos. Conse- ‘entre 08 sexos,e sim com a luta de classes. © prego passou a se converter mais cla Portanto, nossa missdo ¢ a de esclarecer que ‘em simbolo de “beleza’, isto ¢, de distingao fonte desses males € 0 sistema capitalista, junta + portanto, se uma mulher quer pertencer com 4 maquina propagandistica que far as 1 de mundo", como chamam 20s cos, 0 pou- tes acreditarem que 0 caminho que leva a0 o de vestidos que possua devem ser clara € € a0 amor passa pelo consumo de variados eimente caros. Encarar superficialmente e aceitar 0s modelos ca talistas em todos os campos ~ desde a politica 0s cosméticos ~ significa perpetuar esse desordenad sistema, bascado na exploragio e, portanto, fazer d ‘mulheres vitimas, Este artigo foi escrito ha quinze anos, ¢¢ interes sante e gratifcante ver como neste periodo de tem= po inclusive o campo da moda foi sicudido por uma nova rebeliio que alteou velhos esquemas estéticos ¢ criou outros novos. Muitas mulheres joveris aban= donaram o uso de eosmiéticos e da mis-en-plis, Usain. seus cabelos da forma que Ibies parece mais conve= niente. Os joethos, que eram considerados como 2 COMO A MULHER PERDEU SUA AUTONOMIA E PODERA RECONQUISTA-LA” ‘Os problemas do sexo, do casamento e da familia,, afetam profundamente o destino da mulher, sio rente importantes para movimento de Beracio, Trata-se de questdes puramente privadas sm por acaso algum interesse publico? Esta per- podera surpreender a muitos, que consideram estas quests intimas so assuntos pessoais, que dam permanecet estritamente privados. Inclu~ “sex, podem sentir-se aborrecidos com a idéia de que gucates, que implieam fequenemente exper “sEacist pessoais penosas © confitantes, possam ser " geesidcradas de interesse piblico, Mas qual é a situ- 132 Evelyn Reed acko real nas condigoes atuais de vida da socie capitalista? No seu livro The Sociological Imagination, C. ‘Weight Mills esclarece este ponto. Ao falar da dif cexenga entre “problemas pessoais”e “temas piblicos", diz que “um problema é um assunto particular quan- do afeta apenas a um tinico individuo e 20 cftcule estreito que o rodeia”. Em troca, 0s “temas de inter~ esse piblico se referem a quest6es que transcendes a esfera individual e afetam toda a estrutura socal” E nos oferece muitos exemplos para mostrar a difer~ cenga entre ambos. “Tomemos como exemplo a questio do desempre- 0. Mills diz que quando em uma cidade de 100.000 ‘habitantes existe apenas um s6 homem desocupado, ‘este € um problema pessoal. Inclusive este caso pode ta ser explicado através do cariter particular daquele hhomem, de sua falta de habilidade ou de oportuni dade imediata, “Mas quando em uma nagao de 50 milhées de trabalhadores ha 15 milhdes de homens ‘parados” a questio assume uma dimensio muito dif- erente. Indica, no minimo, um colapso parcial da estrutura social e se converte assim em um tema de interesse politico publico. Um segundo exemplo citado, demonstra mais uma ver a realidade da transformacio do elemento veontra saxo ou classe contra classe 133 ‘em qualitativo, que inclusive se mantém diz respeito as selagdes mais intimas entre ce mulher: 10s 0 casamento, Dentro de sua estruty- sum bomem ¢ uma mulher podem experimentar s pessoas, mas quando indice de divs ‘ies durante os primeiros anos de casamento chega ao smmero de 250 erm cada 1.000 casas, isto indica que ‘exttem problemas estruturais relacionads com as “setituigdes do cazamentoe da familia e de cutras que “se hasciam sobre estas. ‘Decorreram 10 anos desde que Mills escreveu seu «¢entretanto os divércios tém aumentado con- . Atualmente, em cada trés casamentos, ‘separagio. No estado da California, 0 indice ‘mais elevado: entre dois casamentos, um ‘em divércio. Estes nsimeros nos demonstram -os problemas nas relagbes pessoais mais intimas ‘homem e mulher ultrapassaram, atualmente, ites de uma questo pessoal ¢ representam um pablico de proporsées massivas. Como conclu [=r6prio Mills, “a questio de um casamiento satis- “Sein ni pode manter-se no ambito das solugses Peamente pessoais’ 134 Existe, porém, outro aspecto do problema. ‘vez que 0 casimento esti intimamente relaci com a familia, ocorre que o que afeta um, afeta t bém, vitalmente, a outra, Dessa maneira a crise casamento em grande escala implica uma crise © respondente para a familia. Esta evoluséo cont a propaganda da Igreja e do Estado, que at que a familia € uma unido estavel, indissolivel, constitui 0 fandamento da prépria sociedade, seam qual seria impraticivel toda vida humana. A crise familia despertou um grande interesse entre m mulheres do movimento de liberasio, que reali estudos teéricos sobre a historia e o papel da familis, Isto as levou a questionar praticamente todas as anti= gas crengas em relagio a esta instituigio, O resultado € que, atualmente, o movimento de liberasdo da mulher parte de um nivel ideolégice ‘muito mais clevado e com uma visio mais avangs- dda que seu predecessor, 0 movimento feminista de século passado. Nele, inclusive, as mulheres mais progressistas Timitavam sua luta a reivindicagio de direitos iguais aos dos homens, no que se refere & propriedade ¢ & famifia, direitos civis iguais, come © direito a0 voto etc. Mas, com raras excegdes, = primeiras feministas ndo questionaram a instite- isio do casamento e da fumilia burguesa além do mura Sexo ou classe contra classe 135 mento do préprio sistema capitalista e da fade privada. Para elas.0 casamento continu- ainda o “sagrado vinculo” ¢ a familia era familia’, uma relagio humana intocivel, ivel, eterna ¢ indiscutivel. , atualmente, estas atitudes valores que ‘exam comumente aceitos estio mudando pro tanto na vida real, como no terreno dos »valores que estio sendo difundidos através do ‘As partidarias do movimento de liberagio da cx procuram novas respostas, mais cientificas ¢ entadas, para substituir os antigos preconcei~ ea propaganda sobre o problema do casamento € . que se converteram desde entio nos te- ardentes da atualidade no iniciar esta investigaco? Do meu ponto de Enecessério antes de tudo combarer a opiniao de natural’, que sempre existin e que existird porque esti enraizada nas mais profundas bioldgicas do sexo e da procriagio que todos os seres humanos. A histéria se desen- assim: o homem ea mulher se sentem recip- ite atraidos através de sua necessidade natu- serzente de manter relagdes sexuais e por isto se Iso 08 leva & procriagao, quando a mulher 136 Evelyn Rese da A uz. O pai vai trabalhar para satisfazer as neces sidades da sua familia, enquanto a mulher fica ea casa. Este quadro simpliste afirma ou implica a inex isténcia de outras formas para se satisfazer as neces sidades e as fungées naturais, a nfo ser através do casamento e da familia patriarcal. Inclusive se diz que, uma vez que os animais, como os homens, se juntam € procriam, as raizes do casamento ¢ da familia transcendem 0 mundo animal. Assim, tais relagdes se convertem nio apenas em um ponto fixo € irremovivel da vida humana, mas que representam © melhor € mais desejivel modo de satisfuzer as neces- sidades naturais. Estas afirmagoes, eontudo, nio resistem a uma investigagio mais séria. Como conseguiram, entio, set tio difundidas? © erro fundamental consiste em identificar a necessidade natural do sexo € da proctiagio, que 0 ser humano compartilha com os animais, com as instituigdes sociais do casamento € da familia, que sto exclusivos da humanidade. Os fendmenos biolégicos e sociais estto longe de serem idénticos. Os biolégicos sto “naturais’, os sociais sio “eitos pelo homem’. Desde 0 momento em que o ser humano é capaz de condicionar ¢ impor um controle sobre as neces- jcontra sexo ou classe contra classe 137 naturais, ele € 0 tinico que pode criar uma ligo nascida dessas necessidades naturais, mas. € governada ¢ controlada por ele, As relagoes na sociedade so governadas pelo casamento procriaglo pela familia. Estas leis humanas niio ‘equivalente no mundo animal, no qual as re~ sexuas existem sem easamento e a procriagio familia patriarcal, Enquanto 0 casamento e a Familia constituem wma fusiio de necessidades naturais ¢ fatores so- ‘sais, em troca, na realidade os fatores sociais so os Aecisivos para definir ¢ determinar suas caractesis- ‘ticas. Segundo a lei do casamento monogimico, 0 fhomem adquire um poder legal para exigir exclu- -svidade sexual de sua mulher ¢ a prestagio de seus ‘servigos domésticos. O direito familiar outorga 20 ‘pai a obrigacio legal de prover a manutengio de sua snulher ¢ sens filhos. Sendo o provedor principal, ‘neste sistema determinante da economia familiar, 0 hhomem ocupa uma posigfo central na familia, the dt seu nome, determina suas condighes de vida segundo seu nivel de ocupagio, sua classe e seu estado. Dessa maneira, a familia, como todas as demais fnstfuigdeg sociais, € um produto da historia hu- mana ¢ nao da biologia. E feita pelo homem e nao pela natureza. Como se baseia nas necessidades bi- 138 Evelyn Rood olégicas do sexo e da procriagio, modela, domina € condiciona essas necessidades mediante fatores legais, econdmicos ¢ culturais. Em segundo lugar, nfo é verdade que esta insti- tuigto tenha existido sempre, nem ao menos como meio humano e social para governar as necessidades naturais. © casamento ¢ a familia ndo existiam na sociedade matriarcal, que no estava organizada sobre a base da unidade familiar mas sobre a base do cla materno. Longe de ser primordial e eterna, esta instituigZo teve uma vida relativamente breve na historia da humanidade. Finalmente, também nao é verdade que a insti- tuigio do casamento ¢ da familia represente para 0 ser humano 0 melhor modo de satisfazer suas ne- cessidades. Segundo demonstram as estatisticas, as selagdes sexuais institucionalizadas e a familia estiio se dissolvendo diante de nossos olhos. ab- surdo, portanto, sustentar que essas relagées devem ser estiveis por natureza ou por natureza humana, por mandamento de Deus ou do governo, como as ‘mais satisfatérias para toda a cternidade. A am- plitude © a profundidade de sua crise demonstram precisamente 0 contritio — que esta instituigao nao pode servi mais, nem ser itil as necessidades do ser humano. Por mais necessirias que possam ter sido ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe 139 até nossos dias, ¢ evidente que agora foram vencidas pelo tempo. ‘Mas as instituigdes podem mudar. Qualquer eoi- sa que tenha sido feita pelo homem no transcurso dda histéria, uma vez perdlida sua utilidade, pode ser modificada, refeita, ou totalmente substituida pelo homem ou pela mulher. Uma vez. que as mulheres como “segundo sexo” sio hoje as mais frustradas € oprimidas por esta instituigao arcaica, podemos es perar que sejam elas que tomem a iniciativa e promo- vam as mudangas necessérias que contribuam para sua liberagao, na sociedade e em suas instituigdes. Por isso € que uim grande nimero de mulheres se rebela contra o status que, procurando um esclareci- mento tedrico para as seguintes questdes: 1. Que tipo de sociedade necessita da instituiglo matrimonial e por qué? 2. Como esta instituiglo reprime as necessidades hrumanas e degrada a mulher? 3. Quais so suas perspectivas € 0 que deve ser fei- to para que a mulher possa recuperar sua autonomia? ‘No que se refere'a primeira questo, muitas mul- heres do movimento de liberagio ja conhecem, 20 menos em parte, a resposta. Leram a obra clissica de Engels sobre a Origem da Famitia, da Propriedade Privada ¢ do Estado, que embora tenha sido escrita 140, Evelyn Reed hd um século, goza hoje de notivel difusio e influén- cia prépria, pelo desejo que sentem as mulheres radi- calizadas de aprender tudo o que seja possivel sobre este tema. Através desta obra, puderam compreender ‘que foi a sociedade patriarcal de classes que institui © casamento monogimico e que seu propésito origi- nal era servir aos intetesses dos ricos, porque prote- gi © ajudava a conservagio ¢ a transmissio de sua ropriedade privada, ‘Na antiga histéria de Grécia e Roma, quando se consolidaram estas instituigdes, a base econémica do ‘asamento monogimico se expressava com suficiente brutalidade, Os juristas romanos que formularam 0 prinefpio da patria potesta (todo poder ao pai), codi- ficaram também as les referentes 4 propriedade, que formam a base da lei matrimonial. Estas leis con- tinuaram sendo fundamentalmente as mesmas nos trés estigios fundamentais da sociedade de classes: a escravidio, o feudalismo e o capitalismo, No primeiro, o casamento era prerrogativa dos atricios, quer dizer, unicamente das classes nobres e ticas, Os escravos nfo casavam: inclusive sua cépula ficava submetida ao capticho © vontade de seu amo. ‘Mas tampouco os plebeus se casavam no sentido for- ‘mal do termo: simplesmente coabitavam por casais, segundo os velhos costumes ¢ tradigées populares, ‘Sexo contra sexo ou classe contra classe mM © casamento comeyou como uma inovagio in- ‘woduzida pelas classes superiores, em beneficio ex-

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