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2 · ABORDAGEM DA EPISTEMOLOGIA

CONVERGENTE;
UMA ABORDAGEM NASCIDA NO MOVIMENTO
DA
PSICOPEDAGOGIA ARGENTINA DE JORGE
VISCA

Hiran Pinel

Paulo Roque Colodete

          A Epistemologia Convergente foi criada por JORGE VISCA


(1935-2000) – remonado psicopedagogo argentido. Quem foi Jorge
Visca?

          Jorge Pedro Luiz Visca nasceu em Baradero, província de


Buenos Aires, em 14 de maio de 1935. Cursou o bacharelado no
Colegio Nacional de San Pedro, Província de Buenos Aires e o
magistério na Escuela Normal de Profesores Mariano Acosta da
Capital Federal. Graduou-se em Ciências da Educação em 1966, na
Facultad de Filosofia Y Letras da Universidad Nacional de Buenos
Aires. Foi psicólogo social, formado na Escuela Privada de Enrique
Pichon Rivière, em 1971.

          Fundou os Centros de Estudos Psicopedagógicos de Buenos


Aires, de Misiones, do Rio de Janeiro, de Curitiba, de São Paulo e de
Salvador.

          Realizou numerosas publicações em seu país e no estrangeiro e


participou de congressos internacionais representando a Argentina.
Foi membro de jurados para eleição de docentes nas Universidades de
Buenos Aires, Lomas de Zamora e Comahue.

          Foi membro do corpo editor de: Aprendizaje Hoy (Argentina) e


Publicações especializadas de Brasil: revista Brasileira de Pesquisa em
Psicologia, Revista Psicologia – USP e Revista Grupal da Federação
Latinoamericana de Psicoterapia Analítica de Grupo.

          Trabalhou como consultor e assessor na formação de


profissionais em diversos Centros de Estudos Psicopedagógicos, em
universidades no Brasil e na Argentina.

          Publicou seu primeiro livro - Clínica psicopedagógica - em


1985, traduzido para o português em 1987.

          Criador da Epistemologia Convergente linha que propõe um


trabalho clínico utilizando-se da integração de três linhas da
Psicologia: Escola de Genebra (Psicogenética de Piaget), Escola
Psicanalítica (Freud) e Psicologia Social (Enrique Pichon Rivière).

          Ele esteve em Vitória (ES), na clínica de Maria de Fátima


Aleixo. Eu participei do curso, tendo Visca mostrado toda a sua
magia.

          Faleceu em 2000.

          Essa abordagem trabalha com a Psicanálise (o conceito, por


exemplo de: transferência e contra-transferência; resistência etc.); a
Epistemologia Genética de Jean Piaget (exame clínico de Piaget;
raciocínio clínico; etapas universais de idade cronológica; a
compreensão do erro etc.) e a Psicologia Social de E. Pichón-Rivière
(aprendizagem centrada na tarefa; grupos operativos).
          É uma das abordagens mais modernas da Psicopedagogia, e que
fornece muitos subsídios para o trabalho e construção social e
historica da identidade profissional.

· EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE I

          A Epistemologia Convergente – a que faz convergir três


abordagens conhecidas – apresenta uma dimensãio clássica de clínica,
propondo diagnóstico, tratamento corretor, prevenção etc.

          Entretanto, esse psicopedagogo argentino bastante clínico do


ponto de vista tradicional, é capaz da seguinte aformativa: "...
justamente, eu acho que aprendizagem, para uma pessoa, abre o
caminho da vida, do mundo, das possibilidades de ser feliz" (in
Chardelli, 2000; p. 1).

          Em Visca compreendemos que a aprendizagem depende das


seguintes estruturas: a cognitiva/afetiva/social. As problemáticas de
aprendizagem está indissociavelmente ligadas a alguns aspectos desse
três fatores – sempre compreendidos de modo interdinâmico.

          Para Visca, a inteligência vai se construindo a partir da


interação do sujeito e as circunstâncias do meio social (in Sampaio,
2004; p. 1).

          A vida em sociedade é vital para a construção do conhecimento.


Assim, para aprender a pensar socialmente é imprescindível a
orientação do professor e o contato dos educando com outros de si – é
bom lembrar o valor dado por Vigotski a mistura de alunos/ a de todas
as idades, e a riqueza de aprendizagens daí advindas. A tarefa do
mestre aí se inscreve como facilitador, e não um direcionador. É
preciso não fornecer receitas e regras prontas. É preciso ensinar numa
didática que valorize a arte e ciência de pensar/ refletir sobre os
conteúdos propostos na sala de aula e vividos dentro e fora dela.

          Visca, como vimos, reportava-se muito a Piaget e sua


Epistemologia Genética.

          Piaget – como já vimos - dividiu o desenvolvimento humano em


quatro etapas universais, que não são “queimadas”, mas vividas de
acordo cada sujeito:

1. Estádio da inteligência sensório motora (até os dois anos).


2. Estádio da inteligência simbólica ou pré-operatória (de 2 a 7-8
anos).
3. Estádio da inteligência operatória concreta (de 7-8 anos a 11-12
anos).
4. Estádio da inteligência operatória formal (a partir de 12 anos, com
patamar de equilíbrio por volta dos 14-15 anos).

De acordo com Visca (1991):

          No primeiro nível que corresponde a inteligência sensório-


motora, as ações da criança não tem representação, ou seja, não
representa para si mesma o ato do pensamento, há apenas uma mera
ação motriz;

          No segundo nível que corresponde ao da inteligência pré-


operatória já existe uma representação ou simbolização. Há
claramente uma distinção entre o significante (conduta de imitação,
desenho, imagem mental, jogo, palavra) e o significado (situação
evocada, objeto representado). Porém o pensamento deste nível não
pode organizar os objetos e acontecimentos em categorias lógicas
gerais;

          No terceiro nível que corresponde à inteligência operatória


concreta, o pensamento da criança torna-se reversível podendo realizar
a operação inversa no pensamento, concluindo que mesmo mudando a
forma da massa de bolinha para salsicha percebe que essa
transformação não modificou a quantidade do objeto.

         No quarto nível que corresponde à inteligência formal ou


hipotético-dedutiva, o pensamento torna-se independente do concreto,
é um pensamento abstrato.

          A partir deste estudo de Jean-Piaget são aplicadas, no


diagnóstico, as provas operatórias – exames clínicos de Piaget -
para verificar o nível cognitivo em que o sujeito se encontra , pois
segundo Visca “... ninguém pode aprender acima do nível da estrutura
cognitiva que possui” (1991, p. 52).

          O desenvolvimento cognitivo que implica uma boa


aprendizagem não se respalda apenas no aspecto cognitivo.

          Na Epistemologia Convergente os fatores afetivos e sociais


possuem uma grande influência no desenvolvimento/ aprendizagem
do ser humano. Por isso a ligação de Visca com S. Freud, Piaget e
Psicologia Social de Enrique.

          A Psicanálise revela a importante das relações afetivas, dos


vínculos – bons ou maus – estabelecidos pelo aluno estando ele diante
do objeto de aprendizagem.
          Essas relações – na prórpia vida vivida – se mostram nos mais
diferentes e diferenciados tons: ora fortes, ora fracos; ora de difícil
compreensão e apreensão etc.

          Esses vínculos são universais – são a-históricos: refere-se às


situações vividas pelo sujeito na fase atual em que se encontra.

         Como diz Sampaio (2004) existem crianças que possuem o


mesmo nível cognitivo, porém apresentam tematizações
completamente distintas.

          Segundo Jorge Visca (in Sampaio, 2004; p. 1) “cada contexto


oferece diferentes crenças, conhecimentos, atitudes e habilidades”.
 

· EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE II

          Todo este tópico e os próximos – caixa de trabalho ; será


escrito fundamentando-se em Barbosa (2004), e por ser informações
reveladas de modo muito didático – e aí está o valor da produção
dessa pedagoga e psicopedagoga brasileira – transcrevemos na
maioria das vezs, e ao assim procedermos, o fizemos dentro das
normas – entre aspas.

          Barbosa (2004) estudou também a Epistemologia Convergente


.

          A Epistemologia Convergente caracteriza-se por ser uma visão


integradora do conhecimento.
          Esse processo se inicia a partir do momento em que cientistas
abriram-se a outros modos de pensar / sentir / agir o processo ensino-
aprendizagem.

          Uma abertura opõe-se ao preconceito e à arrogância, impondo


humildade de compreender o processo ensino / aprendizagem como
um lugar de integração de diferentes modos de abordar o fenômeno da
escolaridade e de suas complicações.

          Na Epistemologia Convergente estuda-se a aprendizagem e


seus problemas a partir de três vetores: Psicogenética em Jean Piaget ;
o afeto em S. Freud e os vínculos sociais em Enrique Pichon-Rivière.

          A partir desse interesse, Visca construiu uma proposta de


diagnostico e sua correspondente de processo interventor ou corretor.

          A Epistemologia Convergente – nesse contexto – pode ser


compreendida como um aporte teórico/ prático a visão que pode
superar as teorias inatistas – a aprendizagem depende do organismo; e
estando livre e solto, a pessoa aprende, com ou sem professor ou
educação - e ambientalistas – o ambiente é que molda e controla o
sujeito, não tendo ele nenhuma história, tábula rasa que é.

          Dentre os pe nsadores inatistas na educação podemos citar


Arnold Gessel e a maioria dos teóricos da Psicologia Motora ou
Psicomotricidade assim como os da Neuropsicologia; e dentre os
ambientalistas, Skinner, Bloom, Mager, Watson. Entretanto essas
classificações nunca são perfeitas, devido ao diferentes momentos
sociais e historicos dos cientistas e dos cientistas que os (re)leiam,
assim pode haver classificação que insira Sigmund Freud como
inatista .
          A Epistemologia Convergente tem uma perspectiva que integra
três teorias, posssibilitando ao professor/pedagogo/psicólogo
pensar/refletir sobre as mais diversas “causas” dos problemas que
emergem e aparecem no decurso da aprendizagem e do ensino. Visca
fala de múltiplas causas, “(...) cada uma delas estudada e aprofundada
por uma determinada vertente” (Barbosa, 2004; p. 1).

          O processo corretor ou a intervenção proposta por Visca,


acontece de modo clássico: após o processo diagnóstico. Mas por que
ele utiliza o termo Processo Corretor? Que estranho nome? Corrigir?

“(...) denomina-se Processo Corretor por ser um caminho que supõe


um constante “devenir” e por conceber a busca do correto a partir da
relação entre o aprendiz e o agente corretor. É da cooperação entre
ambos que nasce a possibilidade de superação das dificuldades.
Processo é o transcurso do que vai sucedendo e é uma característica de
toda coisa de estar a cada instante de uma forma distinta da anterior.
(...) Por outro lado, temos o termo corretor que é formado por “co” e
“reger”, sendo o primeiro elemento – co – uma forma prefixal latina
da preposição com, e o segundo – reger – , a ação do correto
funcionamento de um aparelho ou organismo (Barbosa, 2004; p. 1).

          A intervenção é realizada por uma unidade funcional: um


ajudador, um ajudado e uma relação que se estabelece ai, entre ele,
neles mesmos, penetrando-os e os marcando.

          Mas com qual objetivo se estabelece essa relação?

          O objetivo de realizar operações que estabilizem condutas e


promovam desenvolvimento.
          Prosseguindo com o raciocínio viscaneano, Barbosa (2004)
afirma que no processo de ajuda, o ajudador – Visca explicita o
psicopedagogo, pois ele é um e trabalha para dentro do contexto
argentino - utiliza-se de recursos de intervenção.

          Esses recurso são instrumentos verbais ou corporais para que o


aprendiz/ ajudado apreenda ou perceba a pertinência ou não de sua
ação, provocando no sujeito um desequilíbrio ótimo, capaz de
mobilizá-lo para a busca do equilíbrio e, conseqüentemente, da
aprendizagem.

          Eis os recursos ou instrumentos que podem ser utilizados pelo


professor/pedagogo/psicólogo/especialista em Psicopedagogia:
informação; mostra; modelo de alternativas múltiplas; mudança de
situação; acréscimo de modelo; explicação intrapsíquica;
assinalamento; desempenho de papéis; interpretação;

          Barbosa (2004) acrescenta outros recursos: vivência do conflito;


problematização; destaque do comportamento.

          Pinel e Colodete (2000) destacam a importância da escuta


clínica (2004) e sensvel (Barbier, s/d). Pinel (1989) destaca a
importancia do estabelecimento de um clima empático, aceitativo e
honesto, marcado pela sintonia, atendimento, personalização e
orientação – diretiva e não diretiva.

· CAIXA DE TRABALHO (RE)CRIADA POR VISCA


          Visca (in Barbosa, 2004) sugere uma forma de atendimento
psicopedagógico denominada de Caixa de Trabalho – idealizada e
publicado em 1987.

          Essa “caixa” serve para que o ajudador trabalhe os problemas de


aprendizagem ou dificuldades psicopedagógicas.

          Virginia Axline em “ Ludoterapia ” – tratamento de problemas


psicológicos atrabés do brinquedo, das brincadeiras etc. - e no estudo
de caso “Dibs's: Em busca de si mesmo” relata uma caixa que levava
consigo, uma espécie de mala contendo denbtro alguyns brinquedos.
Através dos brinquedos as crianças se projetam, se mostram tais quais
são – seu eu mais profundo.

          A Psicanálise de Melaine Klein – que também trabalhava com


uma caixa dessas – falaria do inconsciente.

Colodete (2004) ao atender Ingridi – “O que fazer depois da


tempestade: ...” – inventou uma “ Bolsa Mágica ”, capaz de provocar
a menina a revelar-se quem é e o como ela ia sendo estando
vivenciando uma relação afetiva de qualidade.

“(...) a caixa [na Psicanálise] é composta por brinquedos e materiais


escolhidos para representarem o mundo interno da criança, suas
fantasias inconscientes frente ao mundo” (Barbosa, 2004; p.1).

          Já a Caixa de Trabalho é para o trabalho do psicopedagogo.


Ela traz dentro materiais que possibilitem a vivência do aprender para
a criança ou para o adolescente.
          Continua Barbosa (2004) a dizer que a “Caixa de Trabalho ” é
metafóricamente considerada como um continente, no qual a criança
poderá depositar seus conteúdos de saber e de não saber.

          Esta caixa deve conter materiais que são escolhidos


previamente, considerando a leitura que o ajudador fizer do educando/
orientando durante a avaliação psicopedagógica.

          A psicanalista – esposa de Pchon-Rivière – Arminda Aberastury


(1982) denomina de “símbolo” da receptividade do terapeuta e do
consultório.

          Ela estabelece ou ajuda a emergir ali no setting clínico o


rapport.

          Essa qualidade relacional deve ser mantida sempre, pelo


cuidado com a caixa, pela privacidade que ela representa e pelos
combinados que vão preceder e acompanhar o seu uso.

          A caixa de trabalho é uma propriedade temporária – no


instante do tratamento – do educando. Também nela contém objetos
que foram especialmente escolhidos. Tem elementos capazes de
promover, se forem bem mediados pelo terapeuta, a superação ou a
minimização das dificuldades de aprendizagem.

          A caixa deve representar “(...) o mundo interno do aprendiz e,


portanto, deve ser manejada apenas pelo seu dono, sem sofrer ameaças
de ser invadida ou espiada por terceiros (Barbosa, 2004; p. 1).

          Que mundo interno é esse?


          Visca, sob o impacto da voz de Barbosa (2004), responde que o
mundo interno de um aprendiz há conhecimentos já dominados,
medos de conhecer o novo, medos da crítica, facilidades para se
apropriar de determinados conhecimentos, dificuldades frente a
outros, medos de perder os conhecimentos já dominados,
sensibilidades e insensibilidades etc.

          Em fim, como Vigotski pontua: a criança comparece com uma


aprendizagem, uma Zona de Desenvolvimento Real.

          Os objetos a serem colocados na caixa de trabalho serão


objetos que representarão estes aspectos do seu mundo interno ou que
receberão projeções para que passem a representá-los.

          Nesse ponto vale a pena assinalar a visão psicanalítica de Jorge


Visca.

          Como construir essa caixa ?

          A organização de uma Caixa de Trabalho está estreitamente


ligada aos resultados da avaliação diagnóstica psicopedagógica.

          Será pois a avaliação do real da criança, que subsidiará a


construção (que materiais colocar dentro dela) dessa caixa.

          Os objetos especialmente selecionados deverão considerar e


respeitar aspectos tais como: idade cronológica e idade de
desenvolvimento; interesses; características sócio-culturais; sexo;
facilidades e dificuldades; funcionamento para aprender e diferenças
funcionais; nível de apropriação da linguagem escrita; vínculos
afetivos estabelecidos com as situações de aprendizagem.

         Barbosa cita um exemplo:


“(...) se temos um menino de dez anos, que apresenta um desempenho
cognitivo para sete anos, sua caixa deve ter pelo menos um jogo e um
livro de literatura infantil que sejam próprios para um menino de sete
anos, além de outros que atendam necessidades de um menino de dez
anos; mesmo com um rebaixamento cognitivo, a criança pode manter
os interesses de sua idade cronológica” (p. 1).

· O diagnóstico pode se utilizar da caixa ?

          Prossegue Barbosa (2204) dizendo o funcionamento do


aprender impõe considerações acerca do fazer: se o educando
apresenta o predomínio da assimilação - ou seja, aproxima-se mais de
situações lúdicas, as aprendizagens são buscadas quando
assemelhadas aos seus esquemas de aprendizagem, demonstrando
pequeno movimento de acomodação - sua caixa deve conter apenas
um material não estruturado e mais materiais estruturados.

          Os materiais não estruturado - tinta, argila, peças para montar


e outros - são passíveis de serem moldados de acordo com o desejo do
sujeito aprendiz.

          Aqui o sujeito já é afeito a fazer as coisas do seu jeito, fazendo


poucas mudanças nos esquemas já existentes. Ao colocarmos um
material não estruturado em sua Caixa de Trabalho , estamos
colocando algo que vai possibilitar sua identificação com a caixa;
porém, se colocarmos muitos materiais com esta característica,
estaremos aprontando uma armadilha para o aluno/ aprendiz, pois ele
ficará tão preso a esse tipo de material que não conseguirá
experimentar a mudança da qual necessita para superar suas
dificuldades de aprendizagem.

          O excesso de materiais não estruturados para este tipo de


orientando representa o excesso de recursos distratores – que
produzem distração - dificultando sua concentração e sua busca em
direção ao movimento de acomodação, que o obriga a modificar os
esquemas de aprendizagem já existentes. Nestes casos, os materiais
estruturados ou semi-estruturados - cadernos, livros, jogos com regras,
modelos, receitas- são muito pertinentes, pois convidam o aprendiz a
experimentar o jeito sugerido pelo outro, a modificar seus esquemas, a
olhar de um outro ponto de vista etc.

          Para aqueles que apresentam o predomínio da acomodação -


que estão sempre modificando seus esquemas em função da interação
com o mundo , que o fazem de forma excessiva ao ponto de se
aproximarem da imitação e não da criação - prossegue Barbosa
(2004), os materiais pouco estruturados ou não estruturados são
necessários em maior quantidade. Esse tipo de material deve existir
apenas um, para servir de ponto de partida; porém, estes sujeitos
necessitam poder fazer coisas sem seguir modelos, sem modificar seus
esquemas de aprendizagem, necessitam flexibilizar.

          Além do nível cognitivo e do funcionamento para aprender, é


importante que respeitemos os vínculos que as crianças apresentam
com as situações de aprendizagem, diz Barbosa (2004).

          Se o vínculo é dependente e obstaculizador, é importante


colocarmos mais convites à autonomia . Vínculo persecutório ,
colocarmos mais elementos capazes de serem integrados. Vínculo
integrado, colocarmos elementos novos, que chamem para novas
confusões e desequilíbrios saudáveis, que tragam o novo para ampliar
o já conhecido.

          Uma Caixa de Trabalho deve ter materiais básicos que


servem de apoio ao orientando / aluno: papéis, lápis, apontador,
borracha, régua etc.

          Conforme a necessidade apontada pela avaliação , esta lista


pode ser ampliada: cola, tesoura, caneta hidrocor, revistas para
recortar, cadernos e outros.

          Deverá, ainda, conter os materiais de aprendizagem: materiais


não estruturados - argila, tinta, massa de modelar etc.; materiais
semi-estruturados - peças de encaixe, miniaturas, blocos etc.;
materiais estruturados - jogos com regras, jogos com modelos,
livros, revistas etc.

          A Caixa de Trabalho é individual, personalizada. É organizada


- levando-se em conta as dificuldades, facilidades e necessidades do
educando.

· O ENQUADRAMENTO é uma palavra utilizada por Pichon-


Rivière – criador do Grupos Operativos – GO.

          ENQUADRAR significa a possibilidade de pensar/ sentir/ agir


um contrato, de organizar um combinado, para podermos ter claro
quando é possível cumpri-lo ou não e para podermos avaliar o porquê
das possibilidades e das impossibilidades.
          Estamos a falar de um contrato clínico psicopedagógico –
escrito ou não. Fazemos um “contrato” – tempo de duração do
atendimento em consultório de psicopedagogia em salas de resursos
de escolas públicas, por exemplo.

          Falamos de Psicopedagogia Clínica Aplicada as Salas de


Recursos de Escola Públicas .

          O enquadramento faz permanecer constantes alguns elementos


para que outros possam movimentar-se e serem percebidos a partir de
uma referência.

          Visca (1987) sugere trabalhar – nos enquadres - com


constantes de tempo, espaço, tarefa, honorários, para que o
movimento do aprendiz, em relação a estas constantes, possa ser
observado e para que o terapeuta possa ter parâmetros de ação,
sugerindo a superação da dificuldade.

          Barbosa (2004) cita um exemplo: se as sessões acontecem


sempre no mesmo espaço e sempre a criança reclama para entrar, no
dia em que entrar sem reclamar, ela estará dando nova dica sobre a
relação do seu movimento com aquele espaço constante.

          Podemos entender, neste caso, que a criança venceu seu medo


da novidade, já internalizou o espaço e já pode entrar em contato com
outras novidades.

          Se o espaço não fosse constante, se cada vez ela fosse para uma
sala diferente, certamente não teríamos a mesma segurança de análise
frente às suas reações.
          Quando tudo se movimenta, fica mais difícil de perceber a
aprendizagem .

          Com este objetivo, VISCA (1987) considerou a Caixa de


Trabalho como a tarefa a ser oferecida ao orientando/ educando/
aprendiz, tendo a característica de ser uma constante do
enquadramento.

          Após montada, a caixa será sempre a mesma. Ela “aguardará” a


criança, colocada e ficando sempre sempre no mesmo lugar. Ela
oferecerá a cada encontro a mesma gama de possibilidades de ação.
Entretanto, cada vez o aprendiz/ aprendente poderá abordar o material
de forma distinta, ou não – a escolha é dele.

          Se o aprendiz, em todos os encontros, repete-se pega uma folha


de papel e faz o mesmo desenho, ou escreve a mesma coisa anterior,
podemos arriscar/ sugerir dizendo que ele está preso ao conhecido e
teme enfrentar novas situações. Isso é uma interpretação por
inferência e referendada numa sensibilidade clínico psicanalítica.
Então daí podemos mobilizar o aprendente outra vez.

          Se num mesmo encontro, ele entra em contato com tudo o que
há na caixa e não realiza nada , podemos mostrar que está
funcionando de uma forma não produtiva , e assim por diante.

          A Caixa de Trabalho como constante do enquadramento só


pode sofrer modificações com novos combinados - novos contratos na
revisão de contrato terapêutico. Materiais podem ser retirados ou
colocados, desde que se tenha um objetivo muito claro para esta
mudança e prefencialmente em concordância com o aprendente e
ensinante.
          É comum crianças e adolescentes quererem trazer objetos de
casa ou levar objetos da caixa para casa. Isto só pode acontecer se
fizer parte de um combinado/ contrato entre aprendente e o
psicopedagogo ou educador especial de sala de recursos.

          Este ato sentido – contribuindo para a aprendizagem ou para a


minimização da dificuldade de aprendizagem- será válido. Deve
sempre ocorrer clareza dos objetivos desta ação sempre sentida.

          Seguindo os mesmos critérios, poderá também haver reposição


de materiais.

          Se uma criança gasta toda a sua cola numa tarefa de recorte e
colagem, a reposição deverá ser realizada dependendo da consciência
que ela possui em relação aos limites e ao seu descontrole frente aos
limites. Dependerá do combinado anterior, o que foi estabelecido no
contrato. Dependendo de outros fatores que estão relacionados com
suas dificuldades – escolares,emocionais etc. Uma reposição sem
critérios poderá não ajudar na evolução da criança ou do adolescente,
transformando sua desorganização maior, pois o ensinante também
necessita organizar-se.

          E quando desejamos colocar na caixa um ou mais material que


não foi planejado. Ocorrer isso, novas combinações devem aparecer
produzindo sentido.

          O aprendente e o educador da sala de recursos – que trabalha


aplicando a ela conhecimentos de Psicopedagogia Clínica - irão
democráticamente juntos analisar tal necessidade e, conforme o caso,
o acréscimo será realizado ou não.
         Uma vez, disse Barbosa (2004)

“( ...) um cliente me disse que queria um brinquedo eletrônico em sua


caixa e que ele me pagava para isto. Conversamos sobre a pertinência
de um brinquedo eletrônico para sua aprendizagem e sobre a
autoridade financeira; o pedido não foi aceito, embora seu desejo
continuasse o mesmo. (...) Alguns profissionais utilizam cadeados nas
caixas que oferecem aos clientes, para que eles tenham certeza de sua
propriedade e privacidade. Esta segurança, no entanto, não se encontra
na tranca, mas na atitude do terapeuta, que mantém os combinados”
(p. 1).

· Como Jorge Visca propõe o uso da caixa no tratamento ou


processo corretor?

          Prossegue Barbosa (2004) dizendo que após montada, a caixa


passa a ser daquele determinado aprendente / aprendiz / cliente. Ele
mesmo é quem a personaliza e organiza com os materiais escolhidos
pelo psicopedagogo, para atender às suas necessidades.

          É pois um procedimento caro se aplicado em escolas públicas,


junto a alunos empobrecidos pelo Estado marginalizador. Entretanto,
algum educador de escola pública, que deseje trabalhar com a caixa,
poderá inventar táticas – como diz Certeau (1996) – de enfrentamento,
inventando possibilidades. Fico a pensar em um “cantinho” de um
armário – do tipo escaninho – que tem a porta fechada.

          Outras vezes, penso em uma caixa de papelão que o aluno e


seus pais podem trazer de uma loja – onde irão pedir para o nosso
trabalho. O psicopedagogo poderá entrar em contato. Essa experiência
em fiz uma vez na Escola Terfina Rocha Ferreira, localizada no Bairro
Itacibá, cidade de Cariacica, ES. Atendi, para um estágio em
Orientação Educacional, cinco alunos apenas. Mas deu certo.

          No primeiro encontro, prossegue Barbosa (2004), a caixa estará


vazia , e os materiais em sacolinhas de plástico, indicando, desta
forma, a sua neutralidade. Este material ainda não foi utilizado por
ninguém; portanto, ainda não tem história e vai, a partir deste
momento, ter um dono e fazer parte da história dele.

          O aprendente organiza a caixa como desejar e poderá


personalizá-la , usando uma etiqueta , realizando um desenho,
colagem, pintura ou qualquer outra forma que quiser e para a qual
tenha o material. É pois identificada de quem é a caixa – e o aluno ao
identificar a caixa , identifica-se, mostrando-se nos tracejados,
escolhas de desenhso etc.

          A partir deste primeiro encontro, o pedagogo especialista em


Psicopedagogia deve esperar o orientando – seu cliente da sala de
recursos - com a caixa no mesmo lugar – lugar escolhido entre ambos
- e permite que ele escolha a atividade que quiser a partir dos
materiais.

          Observando / sentindo as ações do cliente, o psicólogo


psicopedagógico fará uso dos recursos de intervenção para promover o
seu avanço – frente ao ato sentido de Cuidado , isto é, de si e do outro
e de si mesmo - em relação às suas dificuldades de aprendizagem.

          Estes recursos podem ser desde o tipo mais objetivo - como a


informação, para aumentar o repertório - até a abstrata interpretação -
que analisa a conduta do aprendiz como um todo, utilizando
referenciais viscaneanos ou apenas kleineanos, ou existenciais em
Rogers, Binswanger, Rúdio, Forghieri etc.

          A ação do especialista em (Psico)Pedagogia num atendimento


psicopedagógico com a Caixa de Trabalho é menos diretiva na
escolha da atividade. Ela é entretanto, bastante efetiva através dos
recursos interventivos que utiliza.

OBSERVAÇÃO 15

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