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campos e canteiros ZN ee eR Reiter Vice-reter Coordenadora da Forunt de Ciencia e Ctra EDITORA VERE Diretona Eaitora Exectiva Coordenadora de Produgin Conse Etat FUNDACAO GETULIO VARGAS Presidente eprrona Fav airs Exec Coarbenadons Editi Paulo Alcansara Gomes José Henrique Vilhens de Paiva Myrian Davelsberg Heloiss Bearsve de Holanda Lucia Canedo ‘Ana Carsiro Heloies Buarque de Holanda Presidente), Carlos Lesa, Fernando Lobo Carico, Flora Sassekind, Gilbert Veo, Margarida de Souza Neves Jorge Oscar de Mello Fires [Alsia Alves de Abreu CCistina Mary Paes da Cunha l COMPRA PASSADOS RECOMPOSTOS (CAMPOS E CANTEIROS DA HisTORIA Organizagio Jean Boutier Dominique ‘alia Par pam Philippe Bosry ecquet Reel Patrick Nerbat asc Engel Claude Langlois Dominique Borne Frenois Béderida Exienne Frangois + Oise Gaesjmretin Jean-Louis Geulin “ean-Yoes Grier Frangos Harog Heine-Gerbard Haxgt Sinona Cora Olen Hlfon ‘Mare Lazer Henry Galizit Maruel Reve Piers Viler Avundbati Virmani Tinodly Teckert Antoine de Baceque Euicora UFRJ Edicora FGV 1998 Copyright © by Jean Bouter e Leminique Julia Tilo do origina: Paste recomponér Ficha Catalogs elabora pela Divisto de Procescamento Técico-SIBUATFRI 285 Fasadosrecompsts; campos ¢eanteiros da hstra/ organiza 0 Jean Boaticr (| Dominique Julia: eradugzo de Marcella Morar} Aramaria Skinner. Rio de Janeiro: Eiivra UFR: aitora FOV, 1995, 392 p16 x23 om. |. Bouts, Jean 2 Julia, Dominique 3. Mortza, Marcella, ead. 4 Panga Hira, eb 900 44 ISBN 85.7108-1989 Sane Tia Nien eee FUNDACAO UNIVERSIDADE * Sorat Babe FEDERAL DE RONDONIA Maria Beuc Guimaries BIBLIOTECA CENTRAL frases || See ee oer natin SOCEOPAtAL 05 OE eae! Universidade Federal do i Forum de Cigaia Cultura ators UFRI Av. Pastcur 2500 107 Rio de Janiro — RI (CEP: 72295-900 Tel: 21) 295 1595 ¢: 1263127 ‘TelfPax: (O21) $42 3899 ¢ (021) 298 1397 Ema edtorseforumaty.be Editora Fundagis Gzttio Vargas Pia de Botafogo, 190 — 6? andar 22253.900 — Rio de Janlvo — Brasil Tel: (O21) 536.9110 — Fax: (021) 5% email: editera@fgube ngprowyfg bel gpublicativos en ¥ SUMARIO APRESENTAGAO 9 inTRODUGKO [Em que Pensam os Historiadores? 21 ‘Jean Boutier e Dominique Julia 1 QUESTOES Certeras € Descaminhos da Razio Histbriea 65 Philippe Bousry Hist6ria Ciéncias Sociais: Uma Confrontagio Inscével 79 ‘Jacques Reve! “No Principio Era 6 Dire Patrick Nerbot seapige da-Histéri? 105 ‘Pascal Engel en Os Bfeites Retroativos da Edigio Sobre’ Pesquisa 121 Claude Langtots 1 Pade 2 Filosof Comunidade de Meméria e Rigor Critieo 133, Dominique Borne 2 COMPETENCIAS ‘As Responsabilidades do Historiador Expert 145 Frangots Bédarida (Os “Tesouros da Stast” ow a Miragem dos Arquivos 155 Etlenne Francois Abrudigio Transficurada 163 Olivier Guyatseannin ‘A-Ascese do Texto ou o Rerorno is Fontes. 173, JeanLoute Goulin [AlHistéria Quantitativa Ainds E Necessiei? 183 JeanYoes Grenic~ ‘AsArve da Narratva Hisebcica 193 Frangots Hartog 3) MUTAGOES. © Lento Surgimento de uma Hist6ria Comparada 205 Helnz-Gerbard Haxipt ‘AVioléncia das Multiddes: £ Possivel Elucidar 0 Desumano? 217 Dominique Julia A Construgio das Categorias Sociais 233, ‘Simona Coruttt ‘Mulheres /Homens: uma Questo Subversiva 243 Olwen Hufton Depois de 1989, Esse Estranho Comunismo.... 251 ‘Mare Lazar ‘A Arqueologia na Conquista da Cidade 261 Henri Galinié e Manuel Royo 4 TESTEMUNHO ” A Meméria Viva dos Historiadores 271 Entrevista com Plerre Vilar 5. FRONTEIRAS. Os Caminhos da Polifonia 301 Jean Boutier e Arundbati Virmant ‘A Comunidade Cientifia Americana: um Risco de Desintegragio? 311 Timothy Tackett ‘Um Mereadlo Mundial das Idéias: o “Bicentenirio” da Revolugio 321 Antoine de Baceque BIBLIOGRAFIAS 335 BIOGRAFIA DOS AUTORES 346 APRESENTACAO, APRESENTACAO, Francisco Jost Catazans Fatcon Passados recomposios: Campos ¢ canceiros da Histéria, obra coleti- vva ditigida por Jean Boutier ¢ Dominique Juli, apresenta ao leitoralgumas das preocupagies de mais de duas dezenas de historiadores,franceses em ‘sua maioria, acerea de questdes hoje na ordem do dia da Oficina da Histéria, “Tem seqiéncia assim um movimento historiogrfico responsével pela publi- cago, nests iltimos anos, de obras deste mesmo géner0 em diversos paises ¢ tendo em comum certas preocupagSes quanto 20s rumos ¢ tendéncias ‘observivois na historiografia contempordinea. Da percepe%o de tais rumos ¢ tendéncias deriva-se uma certa percepedo, algo yeneializada per sina, de se ‘estar, provavelmente, em face de uma crise da histéria. No Amago desta ppercepefo encontra-se uma compreenso aguda das implicagbes epistem>- l6gicas dessa crise, vale dizer-se, do que significa para as concepeSes domi- ‘nantes acerea da natureza do discurso histérico e de seu valor de verdade, ou ‘soja, a0 fim ¢ a0 cabo, é a possibilidade mesma de um discurso hist6vico enquanto conkecimento de Histéria que estaria ameagada, ‘A partir de uma perspectiva mais abrangente, pode-se situar esta obra a0 lado de inimeras ovtras editadas neste final de milénio nos mais diversos semelhantes:avaliar os resultados até agora aleancados e tentar oferecer al- gumas respostas a novas indagagBes. No caso espectfco da historiografia, vem se tornando cada vez. m: necessirio afirmar de mancira incisiva e incessante os valores destacados por Eduardo Lourengo num de seus iltimos ensaios: valor da acionalidade, a importincia do sentido, a existéncia de inteligibilidade e do conceito As- sim, contra 0s apéstolos do caos e da des sm epistemoldgica comprometi- dos com 0 desespero da razio, cabe ao historiador retomar com decisio os prinefpios fundamentais de sua propria disciplina. A emengéncia e dissemi- nagdo do irracionalismo e do ceticismo relativista, justamente ironizados por Eco ao tratat do Irracional, misterioso © enigmatico? e denunciadus entre 1nés por alguns historiadores, como Cardoso, constituem 0 horizonte princi pal de referéneia dos artigos desta coletinea, ‘Uma das questdes subjacentes aos ensaios presentes neste livre é a demanda cada vez mais forte que se exerce sobre a sividade historiadora em rea IC Passapos necomPosros tempos como estes que estamos vivendo. Tidos como senhores do passade, ‘ou donos da meméria, sottem 0s profissionais de Histéria duas solicitagbes ‘pastas: a solicitagio daqueles que desejam conhecer/compreender 0 pas- sado, ¢ dos que sonham com antever 0 futuro, Confundides com os “futurélogos”, os historiadores véem-se instados pela midia a delineur os ums mais provaveis da Histria, a partir da suposigZo algo ingénua de que passaporte garantido rumo as in- certezas do futuro.* Como se verd em alguns ensaios desta coletiinea, a ten- den (© seu conhecimento do passado constit a resgatar, na atualidade, a histéria do tempo presente’ nio significa, do ponto de vista dos historiadores que a praticam, qualquer compromisso ccom especulaces futurolégicas. Noentanto, bem mais até que o futuro, $ certamente o préprio passa- do que se tomou um sério probleme para seus tradicionais senhores. Passa- do, wale frisar, aqui entendido quer como realidade em si mesma, quer como © cbjeto por definigio da pritica historiadora que a respeitu dele produz seu préprio discurso. Um discurso, 6 bom notar, que se quer como corhecimen- to verdadeiro da realidade passada. Assim, se a nogio mesma de passado 6 passivel de interpretagées as mais diversas, cabe recorrer & conhecida frase de Pierre Vilar ~ a histéria fala da Histdria* — a fim de nos interrogarmos sobre a validade ou nio, ainda hoje, do que nela se afirma de esseneial: a “hist6ria ~ disciplina” e a “Hist6ria —_matéria” pressupdem-se mutuamente. Com efeito, ante a tio repetida declaragio de faléncia da concepeio hegeliana de Histéria’ e 0s estragos eausados & hisr4ria-disciplina pelas anilises eriti- cas associadas ao linguistic tw, 20 narrativismo, € & erise da grande teo- ria,’ 6 extremamente bem-vinda esta publicaco de trabalhos sérios e opor- tunos esritos por auténticas especialistas do ramo, isto 6, familiarizados com as verdadeiras dificuldades do processo de escrever textes de histéria ‘Tal como outras coletineas do mesmo género, Passados recompos- ‘os constitui mais uma tentativa de articular ums espécie de estado atual das quest0es, k mancira das conhecidas colecbes Cio e Nowvelle Clio, mas com uma diferan cessencial: agora, os balangos e perspectivas visam prineipal- mente os problemas gerais da disciplina ¢ cada autor busca indi thos ¢ solugées sempre do ponto de vista do historiador. Quaisquer seme- thangas com aqueles antigos manuais ficam na verdade um tanto esmaccidas quando se busca compreender o titulo ¢ subtitelo deste livro: Passados recompostos: passados (pl sado; recompastos, vale ), endo simplesmente a ps er: tefeitos mas nao exatamerte “reconstitufdos” ou simplesmente “revelados”, Em ambos os casos, tito e subtitulo, tanto a ‘Apresentagdo 11 realidade quanto a objetividade do conhecimento hist6rico sio propostas a0 leitor sob a capa de alusdes indiretas a questécs que estéo na primeira linha dos debates atuais. De fato, referir-se a passador 6 sinalizar-se, simultanea- ‘mente, tanto no sentido do problema da realidade histérica, enquanto sind- ‘ima de passado, como do discurso que se produz sobre este mesmo passa- do. Ao se propor o cariter recomposto desses passados, convoca-se para a frente do palco a figura do historiador enquanto subjetividade decisiva para ‘0 trabalho artesanal de a seu modo, segundo sus leitura, recompor um certo passado, Dificil no se pensar, imediatamente, ms interpretagSes que postu- lam a inexisténcia, ou a “irrealidade”, da Histécia, ¢ sua inacessibilidade a todo ¢ qualquer conhecimento.* 0s attores de Passados recompostas procuram fazer uma espécie de ccontraponto aos varios descaminhos da razo hisioriadora que o titulo da obra ppatece, num primeiro momento, incorporar ov, quem sabe, insinuat. Contra os fatores que favoreceram e ainda favorecem tais descaminhos, sublinham eles ‘08 aspectos do offcio capazes de frear os excesscs de subjetividade tipicos da ‘cultura contemporiinea: 0 estudo da documentagao, os lugares séc cionais de produgao do discurso histérico e as indispensiveis premissas teb- rico-metodoldgicas de toda pesquisa hist6rica qu: se preze. Fica também mui- to evidente, na maior parte destes ensaios, uma certa énfase em ditecdo A institu. hhermenéatica, a qual parece derivar como que naturalmente do carster essen- cialmente interpretativo do trabalho iiistoriador que sparentemente admitem."” ‘Hoosubtitulo, se também inova, permite no entanto que se perceba com ‘muito mais clareza uma evidente intencdo de retificar as eventuais derrapa- _gens ou exagoros a que o titulo possa ter conduzido o leityr menos atento. ‘A referéncia aos campos da Histéria serve para quebrar a tradicional afirmagio da plural hhistérico, o sem sentido das fronteiras rigidas e as possibil das trocas com os campos ide dos espacos pastes 2 disp inhos ~ das cigne'as humanas e soci A alusio a canteiros, certamente disseminades pelos diferentes cam- ‘pos, contém uma outra mensagem: escrever histéria, como trabalho de um tipo especifico de profissional, 6 atividade que rossui exig@ncia ¢ servidées inevitiveis —formagio espeeifica, famil diéncia a regras ditadas pelo oficio. Cabe 3 comunidade historiadora, hoje sidade com uma certa pritica, abe- cada vez mais internacionalizada, reconhecer ou no como de hist6ria os textos que assim se auto-intitulam. q 12. Passapos nEcoMPosToS: Nio gostaria de concluir esta parte sem fazer 0 elogio de mais uma ccaracterisiica extremamente positiva deste livro: apesar de produzido por hiistoriadores franceses, nlo espere o leitor nele encontrer mais uma daque- Jas coletineas triunfalistasjé tio conhecidas. Bem a0 contriio da tradigio das Annales, reconhece-se, sim, que existem graves ¢ importantes proble- ‘mas a enfrentar, evidencia-se muito bem a tomada de consciéncia quanto as. relagbes realmente existentes entre tais problemas e os assim chamados de- ‘safiosditigidos &histéria por um verdadeiro exército de filésofos, lingDistas ¢ especialistas em teoria da literatura, Enfim, registro meu préprio alfvio 20 pereeber que nao mais me en- contro diante de outra antologia voltada para aquelas nossas jé conhecidas e desgastadas qrerelas: objetas ~ novos ou antigos? abordagens: inovadoras/ progressistas ov tradicionsis/conservadoras? métodos: quantitativos empi- ristas) ou qualitativos (teoricamente embasados)? a diferanga/oposicio en- tte historia evenementielle, historizante, e histéria conceitual, fundada em pressupostostetricos de viésestrutural, 6 passada em revista, sim, mas como paite do processo hist6rico da prépriaescrita da Histri ‘A coletinea esté dividida em quatro blocos tematicos inttuladas: ‘Questées, Competéncias, MutagSes ¢ Fronteiras; hé, ainda, uma Introd um Testemunho. Elaborada pelos organizadores da obra, a Introdugéo sintetiza os obje- tivos e preocupugies gue norteiam 0 conjunto das intervengSes e ostenta um titulo sintomético: Em que pensam os historiadores? E como se ja soubessem da resposta mais provivel: Quem afirma que os historiadores pensam? A pro- ‘va desta suposigéo vem logo a seguir: “é por demais conhecida a povca incli- nnagSo dos historiadores pelas questées de natureza reflexiva respeitantes sa Cardaso, Cird FS, Ensaias Racionalistas. Rio de Janeiro, Campus, 1988. * Dumoutin, J. et Moise, Dominique (Org), L’historien, enere Methnclogue et le futuro= logue. Patis, Mouton, 1972. » Diversos autores ~ Ecrire histoire du temps présent, Paris, CNRS, 1993. * Vilar, Pierre, Iniciaci6n al vocabulario del anélisis histérica. Barcelona, Citica/Grljlbo, 1980, » Anderson, Perry O Fim da Histria. De Hegel a Fukuyama. Rio de Janeto, Zahar, 1992. * Charties, RA Historia Culural. Entre priticase representagdes. Lisboa, Difel, 1990; Skinner, Quentin, The Return of Grand Tiory in the Human Sciences. Cambridge, University Press, 1991. "Zaidan Filho, Michel, A crise da razdo histérica. Campinas, Papirus, 1989. "Dose, Francois, Le cournantinterprétaifetpragmatique de l'historiographie francaise, Recife, Simpésio da ANPUH, 1995, texto mimeo. Elton. G. R,, Return to Essentials. Sorte reflections on the present state of historical study. Cambridge, University Press, 1991. ' Paris. Gallimard, 1974, 3 vols; trad bras: Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, 3 " VeyDe, Paul, Comment on rit histoire. Essai d’epistemologic. Pats, S Foucault, Michel, L’Archéologie du Savoir, Paris, Gallimsrd, 1969; Idem, Discours. Pais, Gallimard, 1971 © Retz —CEPL, Paris, 1978. | | INTRODUCAO INTRODUGAO Em que Pensam os Historiadores? Jean Bounen & Dowmigue Juua ‘Quando, no siltncio da abjegio, 156 se ouve ¢ retinir ds correate do escravo € a vor do delator; quando tudo treme diante do tirano € & tio perigoso estar em suas gragas ou merecer sun desgraca, parece 0 historiador, encarregado da vinganga dos povos. [Nero prospera em vlo, Ticitoj6 esté no Império. Chateaubriand Le Mercure de France 4 de julho de 1807. Em que pensam os historiadores? A questio pareceré a muitos uma piada pois, a0 contrério do que ocorre com os filésofos, nio se espera dos historiadores que sejam virtuoses do conceito, nem que elaborem complexas arquiteturas:te6ricas. Tanto mais que, & excegio de alguns textos hibridos entre biografia ¢ discurso do método, eles nio sio dados & auto-anilise, K verdade que, desde os anos 60, surgiv'o habito de elaborar, episodicamente, espécies de inventérios, conseqiéncia da ex- pansio sem precedentes que 0 conhecimento hist6rico conheceu a pattir do fim da Gitima Guerra Mundial. Com a conquista de novos objetos ¢ de novos territérios, a acumulagio de trabalhos erudites, 0 aprofunda- mento dos métodos, o avango da informética, a pratica do historiador foi grandemente renovada. A aceleragéo das mudangas nos sltimos anos chegou a levar certos historiadores 2 falar, na Franga e fora dela, de incertezas, de dividas, de crises. A presente coletinea se inscreve assim na urgéncia de uma reto- mada da reflexio sobre a profissao de historiador. Suas ambigdes sio, todavia, modestas: nem balango sistematico, nem manifesto de uma nova “nova histéria”, ela pretende primeiremente destacar a “longa marcha” ‘das pesquisas hist6ricas de cingGer‘a enos para cé. A empresa 6 dificil: a extraordindrie intemacionalizagio da pesquisa hist6rica, a diversidade 22 Passabos nEcOMPOSTOS das abordagens, a massa das publicagées tornam impossivel um pancrama exaustivo, mesmo restrito A escala francesa. Precisaremos entio nos ccontentar em esbogar as grandes “linhas de fuga” de uma historiografia abordada principalmente a partir do ponto de vista francés. No que a “escola hist6rica francesa” constitua ainda um: modelo: se ela mantém um real dinamisimo, hé muito tempo no possui inais © monopélio da inova- ‘¢40 metodolégica. Tanto quanto possfvel, portanto, conduziremos nésso olhar para além das fronteiras. ‘Nao procuraremos aqui defender um conjunto coerente de propo- sigées. Nem por isso cairemos em uma pseudo-imparcialidade insipida e enganasa. Engajados em trabalhos ¢ discusses, compartilhamos com vigor de certas conviogSes: seria desonesto dar a ilusio de calé-las. Ao contrétio, esta coleténea pretende participar, no mesmo plano, de alguns dos debates reais da atualidade. O exame periédico de consciéncia Nao 6 de ontem que 6s historiadores se interrogam sobze 0 estatuto de sua propria disciplina. As impaciéncias de uma geracio emergente frente as certezas da historiografia instalada, as inquietagées de uma ‘corporacio ciosa na defesa de seu territ6rio, vém por vezes se misturar as reflexdes de solitirios, cujo Iicido diagnéstico € mal recebido por estar ‘nas antipodas das correntes dominantes de uma profissio satisfeita com ‘seus pressupostos com seu patriménio. Apsnas a partic dos anos 1960, entretanto, surgem as primeiras tentativas sistematicas e coletivas de teflexio sobre a atividade do historiacor, de questionamento de alguns de seus aspectos. Tais tentativas resultaram, provavelmente, de trés séries de fenémenos, independentes umas das outras. A primeira estd ligada ds transformacdes répidas do ensino secun- drio, tornado ensino de massa: num momento em que xs mateméticas ~ © particularmente a matemética moderna ~ substituf2 0 latim como eritério de classificagio das inteligencias, a cultura hist6rica seria fundamentalmen- te necesséria & formagio do homem moderno? Os historiadores travaram duras batalhas para manter o lugar da hist6ria nos programas diante da invasio das ciéncias exatas, consideradas mais “tteis”, para sublinhar seu valor “existencial” ¢ efvico, seu antigo papel, insubstituivel, de magistra Vitae:' Fernand Braudel ou Jacques Le Goff, introdvzindo no ensino secun- ario a histria das civilizagbes, ta como ela se deeavolvia entéo em torno da revista Annales, tiveram aqui um papel decisivo. Inerodugdo 23 ‘A segunda série de questdes veio do divércio flagrante ¢ sentido como intolerdvel entre a hist6ria universitéria por um lado e a vulga- rizagao histérica tal como.era praticada — mediocremente — por histo- riadores amadores pouco informados das renovagées da historiografia, ppor outro. Mudanga de geracdo? Sentimento de um dever a ser cumprido como j& havia sugerido Henti-Irénée Marrou em De la connaissance historique (Do conhecimento hist6rico]? Ou simplesmente pressio de ‘uma demanda social erescente, satisfeita por editores dinimicos? O fato 4 que os historiadores profissionais continuam aceitando a tarefa de es- ccrever livros destinadas a0 grande pablico istruido. A partir dos anos 50, Lucien Febvre concebera uma nova colecio, “Destins du Monde”, que apresentava amplas sfnteses realizadas por historiadores profissionais*, “Les grandes civilizations” (Arthaud), colegio dirigida por Raymond Bloch — alguns volumes conheceram uma difusio sem precedentes, como ‘Civilisation de Voccident médiéval (Civilizagio do Ocidente Medieval], de Jacques Le Goff -responde, de uma forme mais sistemética, is mesmas reocupagées: “Esta colegio — esclarece © editor — corresponde a uma necessidade nova. Ao desejo de uma leitura agradével, i necessidade da sintese ¢ das amplas visbes de conjunto se acrescentam agora, entre todos 0s leitores, o gosto pela precisio, a exigéncia de um contato direto com 0s documentos ¢ os monumentos, a necessidade ainda de um guia que treine o leitor para a andlise ¢ o oriente para pesquisas mais especializadas. Assim, nos esforcamos por resolver esse problema dirigindo-nos a alguns cenuditos cujo talento de escritor, cuja ampla cultura, a pritica de um longo censino designavam para levar a bom termo um problema to complexo”. ‘A vulgarizagéo repousa sobre as mesmas exigéncias de cientficidade das publicagées eruditas, 0 que, por vezes, confunde suas fronteiras: A Re- volugo Francesa de Frangois Furet e Denis Richet, que suscitou um debate importante, aparece em dois voluzies luxuosamente ilustrados da editora Hachette (1965-1966). A partir de agora, 0 “belo” livro vale tanto por scu texto quanto pela qualidade de suas imagens. Aqui nasceu um dislogo regular — que nfo era fécil — entre a pesquisa de ponta ¢ um piblico cada vez mais amplo (renovado, de resto, pela explosio dos efetivos universitérios). Cada grande casa editora tem, doravante, 0 dever de pussuir a sua ou as suas grandes ccolegées histéricas. Trata-se de vastas sin:eses, com a colegio “Arts, Idées, Histoire” (Artes, idéias, hist6rias), eriada em 1964 por Albert Skira, com os trés volumes ¢ Georges Duby, Adolescence de la chrétienté occidentale 24 PASSADOS RECOMPOSTOS [Adolescéncia da cristandade ocidental] (1967), L’Europe des Cathédrales [A Europa das catedrais} (1966), Fondements d'un nouvel humanisme [Fundamentos de um novo humanismo] (1966), ou as diferentes séries da Histoire de France (Hist6tia da Franga] das Editions du Seuil, iaauguradas pela Histoire de la France Rurale (Hist6ria da Franca rural] (1975). Os ceditores se langam ainda a uma larga difuséo de trabalhos originais. No ‘momento em que F. Braudel langa uma ambiciosa colegio interdiscipliner =a “Nouvelle Bibliotheque scientifique” [Nova Biblioteca Cientifica] (Flammarion) -, a colegio “Histoire sans frontiéres” (Histéria sem frontei- tas] (Fayard, 1966), dirigida por,Frangois Furet € Deuis Richet, pretende ‘ocupar 0 vazio que existe “entre o jomalismo histérico fundado sobre & anedota e as tqses inéditas ou dificilmente acessiveis”, eobrir 0 espaco “entre a curiosidade de ontem, muito comumente limitada 20 passado nacional, ¢ a de hoje, extensiva & Europa ¢ ao mundo”, restabelecer uma continuidade “entre as grandes obras estrangeiras inéditas em francés © as pesquisas novas que amadurecem na Franca € fora dela”: daf 0 apelo a grandes nomes — 6 af que Pierre Goubert publica, em 1968, seu Louis XIV et 20 millions de francais (Luis XIV ¢ 20 milhées de franceses], um dos primeiros best-sellers da edigdo hist6rica — e uma politica inteligente de tradugio de obras de peso como as de Eugenio Garin, L’Education de Vhomme moderne (A educacao do homem modemo] (1968) ou de Eric J. Hobsbawm, Les Primitifs de la révolie dans l'Europe moderne [Os primitivos da revolta na Europa moderna] (1966). Numa perspectiva si- milar, cs primeiros titulos da “Bibliothéque des Histoires” [Biblioteca das istérias] (Gallimard), sob a diregéo de Pierre Nora, surgem em 1971, quase a0 mesmo tempo em que os da colecdo “Universe historique” [Universo hist6rico] (Seuil), dirigida por Jacques Julliard © Michel Winock. A propria escrita da hist6ria sentiu os efeitos dessa aberturat, Sobretudo - 6 a altima série de questées. certamente a mais im- portazte ~ a histéria é levada a redefinir probler-sticas, métodos e objetos face és cléncias sociais e humanas ~ basta pensar no impulso da socio- logia ou da psicandlise ~ no momento em que a impressionante expansio de seu questiondrio e de suas curiosidades alarga continuamente sou “territério”, 0 que suscita, desde a década de 1960, numerosas publica- des. Algumas delas conservam um aspecto muito tradicional, tal como © volume coletivo da Encyclopédie de la Piciade (Enciclopédia da pléiade], L'Histoire et ses méthodes [A hist6ria e seus métodos] (1961), dirigida por Charles Samaran, antigo diretor dos Archives de France: apés Inewodugio 25 haver consagrado algunias paginas & definigio da histria, ao tempo ¢ a0 espago, o volume se desdobra seguindo uma arquitetura cléssica, onde a parte reservada as técnicas (as famosas ciéncias ditas “auxiliares”) € primordial: “pesquisa metédica dos testemunhos”, “conservagio e apre- sentago dos testemunhos”, “exploragio critica dos testemurhos”’. No mesmo momento, vérios coléquios ¢ némeros expeciais de revistas inavguram uma reflexio mais exigente: “A caréncia de reflexio sobre 0 que, fazem, de lucidez de sea sentido, entre os historiadores profissionais — nota Alphonse Dupront ~ tem algo de estarrecedor. [. ‘Se a conversa girou sobre métodos, ¢ ainda assim muito pouco, j& 6 m do que tempo de nos perguitarmos, camo homens de boa fé, quanto & clareza do que fazemos ¢ para que servimos”*, A discussio prossegue nos anos 1970, desde Aujourd’hui lhistoire [A histéria hoje] que, no auge da vvage estruturalista, pretende reafirmar a fecundidade de um retomo de Marx,? até 20 vasto balango da Nouvel%e Histoire (Nova histéria] (Paris, Retz, 1978), dirigida por Jacques Le Goff, Roger Chartier ¢ Jacques Revel, prolongada pelo Dictionnaire des sciences historiques (Dicionério das ciéncias histéricas] (Paris, PUF, 1986), dirigida por André Burguitre?. ‘Mas essas duas obras, na 6rbita das Annales e da Ecole des Hautes Etudes fn Sciences Sociales [Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais), j6 ratificaram a explosio da historiografia em miltiplas diregSes; sobretudo, passando-se do balango sistemético a0 arbitrério de classificagéo alfabé- tica, o instrumento de trabalho sobrepeja uma encenagio fundamentada do método. Por isso & que 0 ambicioso Faire de Whistoire [Fazzr historia], publicado em trés volumes em 1974 tornado rapidamente um cléssico, cconstitui o balango mais revelador de um verdadeiro momento historio- gréfico, que ele permite por isso mesmo aprender’, 1974: 0 momento “Faire de Uhistoire” — vinte anos depois, como emos essa “obra coletiva e diversa” que pretendia “ilustrar e promover” (os “caminhos da pesquisa histérica hoje” — um “novo tipo de histéria” para “esclarecer a histéria a ser feita”, sem ser entretanto explicitamente programético? (Os subtitulos de cada um dos volumes manifestam esse interesse pelas mutagSes recentes da profissao: “Novos problemas”, que repensam 1 definigao da hist6ria sob a “provocag3o” das outras ciéncias humanas; “Novas abordagens”, que modificam os recortes tradicionais em diferen- tes setores bem balizados; “Novos objecos”, que em sua bulimia devorante a hist6ria apropria e que se desenrolam, seguné> uma lista a Prévert, do 26 PASSADOS RECOMPOSTOS clima & festa, passando pelo inconsciente, o corpo doente, os jovens ¢ a cozinha. Uma breve sociologia dos autores destaca trés tragos fundamen- tais. Quase todos sio “parisienses”, 30 em 33, e apenas um é “provin- ciano™ (muito especial, jé que se trata de Paul Veyne, futuro professor do Collage de France dois “estrangeiros” (Jean Starobinski, professor em Geneora, ¢ U. Zerener, professor em Harvard). Em segundo lugar, um tergo dos autores (11) vém da sexta segio da Ecole Pratique des Hautes, ‘Etudes, presidida entio por J. Le Goff; um outro tergo (12 autores) reparte-se entre as diferentes universidades parisienses nascidas da frag- mentagio que se seguiu aos acontecimentos de maio de 68: Paris-I (4), Paris-IV (2), Paris-VII (3), Paris-VIlI (3). Os restantes pertencem aos grandes estabelecimentos cientificos: College de France (3), CNRS (3), Institut d’6tudes politiques (1). A maioria dos autores atingiv a casa dos, quarenta: poucos jovens, ainda menos “grandes antigos”, as excegbes sendo A. Dupront, A. Leroi-Gourtian ¢ P. Vilar. A cuséncia mais espan- tosa é a de Fernand Braudel; mas ele poderia aceitar nio ser o mestre- de-obras? Caberie notar ovtras auséncias, enue cs “inovadores” recen- tes, como Maurice Agulhon ou Michel Vovelle. No essencial, trata-se de uma geracio formada no perfodo imediatamente pés-guerra, que dé a ver seniio um “panorama da hist6ria atual” — 0 termo € explicitamente recusado -, a0 menos as arestas mais vivas da disciplina e seus desea- volvimentos mais recentes. A proximidude dos autores com a tltima geracio de responsiveis pela revista Annales explica em boa parte a especificidade do livro. Ele ignora, desse modo, uma hist6ria diplomética e politica, muito tempo dominada pela figura de P. Renouvin, e marginaliza uma histéria econ3- mica e social construfda sobre o modelo elaborado por C.-E. Labrousse. F. Furet convida a nos voltarmos para a anilise “politico-ideolégica” das sociedades do passado e contesta a ovidéncia segundo a qual o “di mo da historia da Franga” seria de natureza econdmica: “O investimento escolar, cultural no sentido amplo, e oficial (através dos servigos pibli- cos), pode ter tido af um papel mais fundamental que o aumento do produto nacional”, Para Pierre Chaunu, encarregado todavia de tratar da histéria econdmica, a hist6ria s se lancar “de assalto sobre o terceiro nivel, a saber 0 essencial, 0 afetivo, © mecial, 0 psiquico coletivo... melhor dizendo, os sistemas de civiliza- gio”. Nao apenas tratar da civilizagio escrita ou da imagem, mas estudar (© sexo, a vida e a morte, para utingit, a exemplo do livro “pioneiro” de amis- «, “ontem, econdmica e social”, deve Tnirodugdo 27 M. Vovelle, “um lado capital de uma hist6ria do essencial”", Quanto a Georges Duby, se ele afirma de safda que “a histéria das sociedades deve fundar-se em uma anélise das estruturas materiais", € para acrescentar, imediataraente, que os progressos feitos pela pesquisa histérica nos do- minios da economia, da demografia e da écologia no curso dos anos 1940- 1970 obrigam & “elaboragio de novos questionérios”e particulermente a0 estudo dos sistemas de representagées, de valores ¢ de crengas a partir dos quais os homens modelam seus comportamentos. Enfim, Faire de l'histoire [Fazer hist6ria] acompanha— a0 mesmo tempo anuncia ~ a pasvagem de uma paradigma onde a anélise macro- econémica era primordial para uma historia que focaliza’ os sistemas cultursis compreendidos em um sentido muito amplo. Nem por isso 0 livro se prende a terminologias em moda: Jacques Le Goff critica a preciséo ¢ a maleabilidade do termo “mentalidades”; mas nfo se trata de abandonar o terreno, mesmo se os instrumentos conceituais € os ‘métodos aptos para o seu esquadrinhamento ainda faltam. Em segundo lugar, Faire de I'histoére pretudia uma fragmentagio da disciplina. E. Le Roy Laduric, a0 afirmar em seu prefacie a Paysans du Languedoc (Camponeses do Languedoc} (1966) ter-se lancado & aventura de uma histéria “total”, suscitara viclentas eriticas. Pierre Vilar, apoiando- se em um retomo teérico a Marx sensivelmente diverso da leitura operada centio por Louis Althusser ¢ seus disoipalos, & quase 0 tinico a defender, apesar dos “‘sarcasmos”, a ambicio de uma histéria tofal. Com malicia, Pierre Vilar recusa-se a deixar a presa pela sombra, a totalidade pela novidade: “Toda histéria ‘nova’, privada de ambigio totalizante, 6 uma hhistria previamente envelhecida”. Ao coatrério, para F. Furet, a“apreensio do global” nio é mais que “o horizoate da histéria": “A historiografia ‘contemporinea s6 progride na medida em que ela delimita seu projet [..). Mas a andlise global do ‘sistema dos sistemas’ hoje provavelmente est fora de seus meios”"2, Michel Serres é ainda mais categ6rico: “Os sistemas de totalidade sem exterior, de explicagio ou compreensio universais ¢ sem lacunas, estruturados por diferengas, leis seriais ¢ quadros sinbticos, hicrarquizados por referencias ¢ funcicnando a motor, ou de planos escalonados como camadas ou estratos, so dessuetos tanto quanto seus jodelos mecinicos de funcionamento, como vatiagées ortogonais a uma fncia morta", O ecumenismo de Faire de Uhistoire desemboca numa forte contradigio entre os autores, pouco ciosos de uma coeréncia de Cconjunto en suas proposigoes. 2B PASSADOS RECOMPOSTOS A dispersio das referéncias te6ricas é, de resto, proporcional as divergéncias que separam os autores em sua concepgio da hist6ria. Os grandes ancestrais, Marx ¢ Freud, ndo estio ausentes, Mona Ozouf su- blinha, a propésito da historiografia académica da festa, o “grande ausen- te das interpretagies”, a saber, a “necessidade coletiva [...], a necessidade pulsional da festa”". A psicologia das profundezas est{ presente na con- tribuigdo de A. Dupront sobre a antropologia religiosa, ainda que beba mais, ‘em Jung do que em Freud. A contribuigio mais aberta as interrogagées da psicanilise 6, sem sombra de diivida, a de Jacques Revel e Jean-Pierre Peter, que sublinham que 0 corpo, es sua alteridade, 6 “o limite onde tropeca € péra” um saber “agressivo e devorador”, que deseja abolir a diferenga: a histéria no deve mascarar muito rapidamente as falhas que’etravessam os “textos” de ontem com hipéteses redutoras, mas dar lugar aos siléncios, ‘atenta 20 infortinio, a0 sofrimento que s6 se diz indiretamente!®. ‘Quanto ao retorno a Marx, ainda que a obra pretenda romper com © modelo dominante de hist6ria econdmica, ele surge em virios nfveis. O ‘objew principal do debate 6 no entanto, a leitura filoséfica que Louis, Althusser acaba de propor em Pour Marx (Por Marx] ¢ Lire le Capital (Let (© Capital]; toda a demonstragio de Pierre Vilar se levanta firmemente contra seu dogmatismo tedrico, seu hegetianismo, seu desconhecimento ‘abissal da pritica hist6rica contempordnea: “A descoberta de Marx nio é essencialmente nem de ordem econémica nem de ordem te6rica, mas, de ordem sécio-histérica. Bla esté no desnudamento da contradicio socia! que implica a formagio espontines, livre, da mais-valia (‘acumulaglo do ca- pital"), no conjunto coerente do modo de produco que a assegura, © que cla caracteriza”."* A fidelidade a Marx encontra-se também no textu de Michel de Certeau que, recusando 0 estatuto “reservado” que Raymond Aron atribuia aos intelectuais, sublinha que os cortes epistemol6gicos sio indissociavelmente sociais ¢ intelectuais. Em verdade, Faire de Uhistoire 6 um livro datado em suas referén- cias intelectuais. As obras maiores que, na Franca, inauguraram novas ‘questées nas ciéncias humanas, de Georges Dumézil, Claude Lévi-Strauss, Michel Foucault ou Louis Althusser, subentewdem as colaboragbes de muitos autores. Era 0 apogeu do perfodo “ectrururalista”. Por outro lado, 0s trabalhos da escola de Frankfurt ~ entio disponiveis apenas em alemio = eram pouco conhecides: apenas Paul Veyne e sobretudo M. De Certau fazem referéncia & sociologia critica de Jirgen Habermas. O livro é por isso sensivel as mutagécs que afetam 0 tempo presente? P. Chaunu liga Intyodugdo 29 itidamente 0 deslocamento dos interesses dos historiadores & “crise de civilizagio que afeta, desde 1962, setor a setor, os paises que chegam, progressiva e sctorialmente, & era pés-industrial. A crise pe em questio as transposigies laicas dos valores de civilizacio de cristandade realiza- das no século das Luzes, a transposigao escatotégica da finalidade crista sobre um crescimento por muito tempo automotivante”””. Distinguem-se com muita nitidez aqui as inquietudes do historiador ~ ¢ um tanto teblogo ~ diante da perda de sentido em nossas sociedades contempordneas. O acontecimento - como poderia ter side diferente depois dos “aconteci- mentos” de maio de 68? — conquista até 0 direito a uma colaboragio particular, ade P. Nora, enquanto que as Annales nio Ihe reservavam lugar algum. Mas ele € tratado sobretudo sob seu aspecto medidtico “ce atu- lade” e sua projegio espetacular contemporinea; ¢ para além de uma fenomenologia formal, o autor, a0 comparar o historiador ao geélogo sobre um vuleSo em erupgio, designa mais ponto de vista do que os instrumentos para tratar 0 problema. Mas 6 talvez M. De Certsau quem mais lucidamente situa a falha introduzida pelo acontecimento: para ele, o historiador nio deve renunciar jamais & relagio que as séries, as regularidades percebidas “mantém com ‘particularidades’ que thes.escapam”, mas deve ocupar-se do particular como “limite do pensivel”'*, Assim ele pontua, através do modelo do- minante da hist6ria setial, 0 movimento que conduz ao interesse pelos “restos” e pelas “diferengas”: “O historiador no & mais o homem capaz de constituir um império. Nem visa mais o paraiso de uma histéria global. Ble chega a circular em torno das racionalizagSes conquistadas. Ele tra- bbalha nas margens. Sob esse aspecto, ele se tora um erradio™, Vinte anos depois. ~ Forcoso é constatar hoje que a histéria dos anos 90 difere sensivelmente daquilo que, por um momento, apresentou- ‘se como a “nova histéria"™, & bem verdade, a mudanga operou-se com freqdéncia no sentido diagnosticado ou sugerido por Faire de l'histoire. 0 “territério do historiador” prosseguit sua expansio com a introdugio de novos objetos: a histéria das “atirudes coletivas”, diante da morte (Philippe Ariés, Michel Vovellc), do medo (J. Delumeau) ou da vida (J. Gélis), a hist6ria dos gestos (J.-C. Schmitt), das cores (M. Pastoureau), dos prenomes (L. Pérouss, J. Dupiquier) ou dos “dispositivos afetivos” (A. Corbin). Novas abordagens continuaram surgindo, levando vastos setores a uma reformulagio das anélises, como a anélise das formas da sociabilidade no Amago da histéria social (M Agulhon), a.inscrigo no 30. PASSADOS RECOMPOSTOS cespaco das relacSes ¢ das dinimicas econémicas de longa duragao através das “economias-mundos” (I. Wallerstein)", 9 relacionamento das ativida- des econémicas, das estruturas demogrificas ¢ das configuragies sociais segundc 0 modelo — hoje fortemente discutido — da “proto-indstria"™, ‘ou a construgio da meméria nacional pelo trabalho com os “lugares de ‘meméria"®. Certos dominios, jé definidos, adquiriram visibilidade ¢ le- gitimidade, como a histéria das empresas, industriais, comerciais ou fi- nanceiras™. Outros constitufram-se, quase que totalmente, como a “his- t6ria do tempo presente” — que & extremamente dificil de se pensar, considerando-se a fungio critica da histéria frente &s reconstrugées da meméria (ou da amnésia) ~ que o CNRS institucionalizou 20 criat, em 1978, um Instituto de histéria do tempo presente™. Entretanto, semelhante criagSo no era to simples. Por causa, antes de tudo, da antiga ¢ tenaz crenca de que a hist6ria se institui sobre a separagio entre 0 passado ¢ presente — ilso todavia denunciada desde hi muito - para que exista entre 0 historiador e seu objeto a distincia necesséria & “objelividade”: s6 0 tecuo iibertaria das “paixées” do momento ¢ a hist6ria “imediata” deveria ser deixada para o jomalista. Em segundo lugar, porque a escola histérica francesa foi fortemente ‘marcada pela onipoténcia concedida & longa duracio em detrimento do acontecimento: F. Braudel disse sua desconfianga frente ao tempo curto, a mais eaprichosa, a mais enganosa das duragées”, pois “tal como a sentiram, descreveram ¢ viveram os contemporaneos”, reconhecendo, en- tretanto, que 6 a hist6ria “mais apaixonante, mais rica em humanidade”™, Pois foi o caréter traumético dos acontecimentos que inauguram nossa contemporaneidade - a Segunda Guerra Mundial ¢ 0 genoc‘dio nazista = que tomou necessiria a emergéncia da hist6ria do tempo presente, Francois Bédarida recorda aqui mesmo a importancia do papel do exame por peritos ¢ a responsabilidade social do historiador frente a impostura dos negacionistas. Estd em jogo a relagio da hist6ria com a verdade assim como de sua fungio civica, sem que seja certo que possamos jamais “historicizar” totalmente o fendmeno “nazismo”, tanto o horror dos cam- os toca os pr6prios limites de nossa cultura; como escreve F. Furet: “Ha uum mistério do mal na dinimica das idéias politicas do século XX"”, (s vinte anos que nos separam de Faire de U histoire nio foram ento marcados nem por uma falta de dlnanismo ~ as sinteses coletivas si0 muito numerosas, como as hisiGrias da Franga ‘ rural”, “urbana”, mais reéente- josa”, aL listoire de la vie privée [A histSria da vidaprivada)™, Inerodugdo 31 aL'Histoire économique et sociale duu monde (A histétia econémica ¢ social do mundo] ou a L’Histoire de Védition francaise (A histbria da edigio francesa], mais recentemente ainda, ¢ sob a iniciativa do editor italiano Laterza, a L'Histoire des femmes en Occident (A histéria das mulheres no ‘ocidente], seguida de uma L’Histoire des jeunes [A historia dos jovens] € agora de uma L'Histoire de Uenfance (A histéria da infincia] ~ nem pela inércia das préticas historiogréficas. A histéria social ¢ econdmica, por muito tempo dominante na Franga, apagou-se diante do avango da hist6ria ‘cultural, mas também da histéria politica, em histéria contemporinea™, mais ainda em Astéria medieval?! e moderna, como testemunham, por cexemplo, 0s importantes trabalhos consagrados & “génese do Estado mo- demo”, A rigidez dos quadros “estruturais” (0 econdmico, depois o social, depois o mental, para retomar a trilogia de E. Labrousse) desgastou-se, a quantificagio — uma das “linguagens de descrigio do mundo” preferidas peles historiadores do pés-guerza — perdeu terreno, mesmo que, como explica J.-Y. Grenier, permanega sendo um instrumento heuristico insubstituivel. A realidade hist6rica 6 cada vez menos exarninada como um objeto dotado de propriedades que preexistam & andlise, mas como um “conjunto de inter-relagBes que se movem no interior de configuragSes em @nstante adaptacio”®, Simona Cerutti aqui o demonstra a partir do pro- blema das classificagoes sociais. ‘Numa palavea, a pascagem das massas Ax margens, das andlises esta Uistica aos estudos de casos, dos obietos &s pritieas ¢sligicas sociais (como demonstra Dominique Julia s propésito da multidio) provocou, entre outras coisas, a reintrodugio dos agentes nos grandes processos histéricos © a Aiversificagio dos instrumentos analiticos. Passar a levar em consideracio, por exemplo, a diferenciagio social dos papéis sexuais em um némero cres- ‘cente de dominios (cf. 0 artigo de Olwen Hufton) no foi pequena trans- formagio. Notemos igualmente que a chegada, doravante maciga, de histo- riadores estrangeiros (americanos, ingleses, mas também italianos ou ale- mies) como Robert Damon, E. Weber, R. Paxton ou T. Zeldin, o desen- volvimento das grandes revistas angléfonas como French Historical Studies [Estudos histricos franceses] (a partir de 1962), French History (Histéria francesa] (a partir de 1987) ou Modern and Contemporary France [Franca modema ¢ contemporinea], favoreceram a renovagio das abordagens. Por que, apesar da riqueza ¢ da abundincia de um tal panorama — que além do mais é necessariamente incompleto ~ certas historiadores falam no apenas de incertezas, de dividas, mas também de crise? A 32 Passapos nECOMPOSTOs, questio £ tanto mais importante por nio se restringir 4 Franga, mas repetir-se na Gri-Brotanha ¢ nos Estados Unidos™. © fendmeno néo data de hoje: o primeiro alerta remonta ao fim dos anos 70 ~ momento de euforia persistente sob o signo da “nova histéria” -, com o artigo de Lawrence Stone que, & contracorrente de varias décadas de prética hhist6rica, diagnosticava um “retomo ao relato”®s, Ele chegaria a se integrar em uma “crise geral das ciéncias sociais’™, ‘Trata-se simples- mente de uma transformagio dos grandes modelos de inteligibilidade que, por longos anos, os historiadores utilizaram no exercicio de sua “profissio” (cf. artigo dv Philippe Boutry)? Trata-se também dos desafios que outras disciplinas podem lancar a hist6ria quando ela se esforga por historicizar 0 conjunto de realidades sociais, em particular entre 05 filésofos — trate-se da filosofia analitica, como apresentada aqui por Pascal Engel, ou da filosofia moral ¢ ética ~ que recusem a historicidade a certas realidades, em nome de um sujeito universal ¢ trans-hist6rico? Nio apenas: é préprio estatuto da hist6ria, enquanto Gisciplina cientifica, que a partir de entio & posto em jogo. De um relativo consenso passou-se a uma confrontagio ambfgua, conde a histéria, de resto, esté longe de se encontrar em uma posicio de fraqueza. Sob 0 choque da “virada lingOistica” iniciada nos Estados Unidos no fim dos anos 60*, ¢ de uma critica literdria que, levando a extremos as aniiises de Paul Ricoeur e, mais recentemente, de Hayden White sobre o relato (cf. 0 artigo de Frangois Hartog), amalgama “relato”, hist6rico ou nio, ¢ ficglo, a histéria tomar-se-ia um simples género literstio, ¢ perderia a partir disso toda pretensio a ser também um discurso de verdade. Ora, recentes proposicées da epistemologia das ciéncias sociais reinstalam a histéria no coragio das ciéncias sociais, no como a ciéncia-rainha, mas como um modelo geral de cientificidade das cién- CC. Passeron considera a todas como “ciéncias hist frente As ciéncias da natureza, as tnicas que estariam submetidas 20 modelo popperiano de validagdo experimental”. Em conjunturas diversas, segundo as disciplinas ov 0 pats, a “crise” se enuncia em termos de sobrevivéncia - Gri-Bretanha —, de futuro — Estados Unidos ~ ou de estatuto — Frang2, Estados Unidos ~ da histéria. Serd necessirio, por isso, dramatizar 0 momento presente pois, como lembrava recentemente a historiadora americana Joan W. Scott, “aqueles ‘que esperam que os momentos de mudanga sejam confortéveis ¢ isentos de conffitos ao apronderam hist6ria?™®. Irurotugdo 33 A profissio de historiador hoje A hist6ria tende a tomar-se um patriménio comum. Por cosseguinte, todo o mundo pode tomar-se historiador, de sua familia, de sua cidadezinha, de sua regio, de sua profissio, de sua dis. Diferentemente da matemstica, da até mesmo da sociologia ou da antiopologia, acontece ainda, muitas vezes, com a histéria como com a misica de amadores ov a pintura de domingo. Alguns mesmo, como certos juizes de Versailles em uma sentenca famosa ou cer:0 antigo conselheiro dc principe, se erigem pura ¢ simplesmente em historiadores. Donde um rico, clara- mente denunciado por Pierre Vilar: no “comércio da histéria”, as “marcas, [.-. estdo muito mal protegidas. Qualquer um pode se dizer histariador. [...] Contudo, nada mais dificil e raro do que ser historiador...™, Vilar acrescentava, é certo, 0 epiteto “marxista”, mas a observagio vale mesmo sem © epftety. Numerosos texios recentes. que remetem & “profissio de historiador” —as suas “regras”, como lembra aqui mesmo Frangois Bédarida ~ testemunham a atualidade da questio. Sc a patemnidade da expressio pertence a Marc Bloch, numa obra importante, ainda que inacatada®, cla pertence daf em diante a0 dominio pablico, para englobar a um lempo um ‘método — um conjunto de operagies técnicas, com seus instrumentos, seus procedimentos ¢ sua necesséria aprendizagem, ¢ eritérios de cientificidade = € uma deontologia, nao se deve esquecer a dimensio ética do trabalho hist6rico, como de todo trabalho cientifico. Certamente foram as exigénci da “hist6ria do tempo presente” que devolveram a essa antiga questio toda 2 sua urgéncia, enquanto que a reflexio metodol6gica recente tendia a promover o problema da “escritura hist6rica”, pondo como que entre pa- rénteses a imperiosa exigéncia de verdade". “pequeno mundo” dos historiadores? ~ Desde inicios dos anos 70, os efetivos universitérios conheceram um crescimento sem precedente. Os historiadores titulares de postos nas uriversidades francesas passaram. de 302 em 1963 para 155 em 1991, ou seja, seu nimero foi quase quadru- plicado, os professores de histria nas universidades italianas passaram de 252 em 1951 para 1.115 em 1983, e passaram de 1.300 em 1960 fara 1.700 ‘em 1970 nas universidades britinicas, quando eram por volta de 30 em 1900. As conseqincias so numerosas: a pesquisa profissionalizou-se ‘quase completamente, as custas dos ilustzes académicos, e, com: algumas ‘excogées, implantcu-se solidamente. O volume das publicagées dew um salto: de acordo com a bibliografia anual intemacional de histéria da Franga, 34 Passapos nEcoMPOSTOS contava-se com cerca de 3.000 publicacdes (livros, artigos, comunica- ‘qes...) por ano nos anos 1920, 5.000 por volta de 1955, 8.000 em 1960, 9.000 em 1963, 10.000 em 1970; apés um decénio de estagnagio, 0 eres- A colegio, visando 0 “grande pblico instruldo", se recusa a ser uma histéria ‘‘universel” do mundo: ela pretende multiplicar os observaiérios © recuse © euro centrismo, Cf, a introducko geral redigida por F. Braudel em A. Voragnac (Gir). L'Homme avant Uécritre, Paris, 1959, pp. VI-XU. + Geonges Duby se explica em L'Histoire contin, publicado pela editora UFRJ © Zanar em 1993, Pais, Odile Jacob, 1991, pp. 133-134, 148, 152. Ver aqui mesmo (artigo de Claude Langlois. Dos 35 colaboradores, 15 so antigos alunos da Ecole des Chares. A obra abr espag0 todavia para otestemuno sonore o cinema, ese abre (com prudéncia) a “algumas novasorientagGes" a lingitia (Marcel Cohen), as economias eas sociedades antes da era estatsica (Philippe Wolf), os dados demogrificos e estatsticos (Jean Mauviel), a histria das mentlidades (Georges Duby)- © A Dupront,“Présent, passé histoire in Histoire et 'historien. Recherches et débats du Centre des intlicctuels catholigues, Paris, Fayred, 1964, p. 18. Cf. ainda “Lhistoie, seience humaine du tempe présent” , in Revue de synthase, nimesos 37:39, 1965, ¢ 0 nimero especial da Revue de Menseignement supérieur, 1969, ‘némeros 44-45, preparada por Robert Mandrou, or: 0 uiptico “Lhistoize aprés Marx" de Pierre Vilar (pp. 15-26) e “Lhistoire aprés Freud” de A. Dupront (pp. 27-83). 7 Aujourd’hui Uhistoire, Paris, Editions sociales, 1974, resine os artigos publicados centre 1967 © 1973 pela Nova Critica durante uma enquete que, gragas as colabo~ ragSes dos mais dinimicos historiadores desse periodo (Georges Duby, Robert Mandrou, Jean Bouvier, Pierte Vilar etc), visava uma reflexio teérica sobre a evolugio da historiografia. 1 A metade dos autores da Nouvelle Histoire pertence & Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Pata 0 Dictionnaire des sciences historiques, essa proporgiv cai pars pouco mais de um quarto, Nos dois casos, a quantidade de parisienses per- rmancee amplamente majoriéria, mesmo que, com 95 autores, 0 Dictionnaire des sciences historiques se abra mais largamente aos provincianos (21% dos autores) fs historiadores estrangeiros (10,5%). + Jacques Le Goffe P. Nora (editores), Faire de Mhistoire, 1.1 Noweaus problemes, LAL Nouvelles approches, tM Nouveaux objets, Paris. Gallimard, 1974, 3 volumes. WF. Eure, “Le quamitaif en histoire”, in Faire de I histoire, op. cit. tt, p. $9-60. "-® Chaun, “L'conomie, Dépassement et perspective”. Faire de l'histoire, op. ct {L. pp. 66-67, Em 1962, comentando a tese de Michel Vovelle sobre Pidté baroque ct déchristinisation, defendiéa om 1971, P. Chaunu jé fizera um vivo elogio do ‘guantitativo no terceiro nivel", entéo em plena expansio: “Un rouveaux champ Introdugio $5 pour Mhistoire sétielle, le quantitatif au troisitme niveau", in Mélanges Fernand Braudel, t. Ml, Toulouse: Privat, 1972, p. 105-126, "F Furct, “Le quantialifen histoire", op. cit, p55. © M, Serres, “Les sciences in Faire de Phiscire, up. cit, Mp. 228. 4 poid, 4 Mp 265 : A colaboragio de Alain Besangon sobre o imconsciens,consagrada& comparagSo ‘de um mesmo epis6dio em dois romances russos dos anos 1860, um de Tehernychevski © outro de Dostoiévski, putece hoje pouco convincente. Ibid t. Il, pp. 31-3. % B, Viler, “Histoire marxiste, hi "ibid, p. 179, ids Ul, p. 67. M pbidy 1, pe 32. bid, ty ps 27. > Para um panorama exaustive da histria medieval francesa, cf. Michel Balard (iretor), L'Histoire médiévale en France. Bilan et perspectives, Pais, Le Seul 1991. 1. Wallerstein, Le Systéme du monde du XV* siécle d nos jours, Paris, Flammarion, 2 vol, 1980, em curso. 2 P. Kriedike, H. Medick eJ. Shlumbohm, Industrialization before Industialzation. Rural Industry in the Genesis of Capitalism, Paris-Cambridge, 1981 (edigéo alems, Gauingen, 1977). 3 Les Lieux de mémoire, P. Nora (dretor, 1. La République, tI La Nation, t ML La France, Paris, Gallimard, 1984-1992, 7 volumes 2 Para um balango recente da histéria dos bances franceses, Hubert Boni, “L'Histoire bancaite francaise entre I'université et les anaiversaires, L"information historique, LY, 1993, pp. 73-77; para a pesquisa italiana, Giulio Sapeti “II professor Roverato € il professor Bairat: ovvero del’ utltd © et danno della “storia d'impresa’ in alia", Societa e Storia, X, 1987, pp. 942-975. % Pode-se remeter aqui a0 beiissimo volume += homenagem a F. Bédaids, Ecrire Uhistoire du temps présent, Paris, CNRS Esitions, 1993, 2 F Biaudel, Lerits sur histoire, Patis, Flammarion, 1969, pp. 12.¢ 46. 56 PASSADOS RECOMPOSTOS 27, Furet, “La passion r6volutionnaite av XX° siécle in Le Pensée Politique , 1994, Ecrire Vhistoire du XX* siele, p. 39. = Todas publicadas, a partir ée 1975, pelas Editions Seuil. P. Léon (ditetor), L'Histoire économique et sociale du mond, Pati, A. Colin, 6 ‘volumes, 1978-1982; H.-J. Martin ¢ R. Chartier (dietores), L'Histoire de Wédition francaise, Paris, Promodis, 4 volumes, 1983-1986. 4 R. Réemond (diretor), Pour une histoire politique, Paris, Le Sevil, 1988 {Por uma histéria politica, publicado pela Editora UFRJ ¢ Editora FGV em 1996); para a historia das relagées internaciona’s, um belango problemitico recent R. Girault, “De Renouvin & Renouvin”, in P. Renouvin (¢iretor), Histoire des relations internationsles, nova edigho, Paris, Hachette, 1994, tl, pp. t+ XXXVI. 3 Para um ponto de vista estrangeiro, Charles T. Wood, “The return of medieval politics”, in American Historical Review, XCIV, 1989, pp. 391-404, = Trata-se apenas de um exemplo entre outros: cf. L’Etar modeme: ginese. Bilans cet perspective, JP. Gennet (¢4., Pasis, ed. do CNRS, 1990. |_ Revel,“L’histoire au rs du sol", in G. Levi, Le pouvoir au village. Histoire d'un cexorciste dans le Piémont di XVIIF siéele, Pais, Gallimard, 1989, pp. E-XXXI1 (edigio italiana, Turim, 1985). 5 Para a Franga, 0 diagnéstico mais articulado ¢ a obra de Roger Chartier, L'Histoire aujourd'hui: Joutes, défis, propositions. Eutopias, Universidade de Valence, vol 42, 1994, 24 pus os diagn6sticos britinico © americano sio de outra ordem: Davida CCannadine, “British history: past, present — and future?", Past and Present, n° 116, 1988, pp. 169-191; John Higham, “The future of American history”, in Journal of America History, LXXX, 1994, pp. 1289-1307. *L. Stone, “The revival of narrative. Reflections on 2 new old history”, in Past and Present, 8.85, 1979, pps 3-24, tradugio francesa: fe Débar, a. 4, 1980, pp. 116- 142 Annales ESC, XL, 1988, diferente foi formulado por R. Chartier, “Le monde comme ‘Annales ESC, XLIV, 1985, pp. 1505-1509. 6. Bley, “De yurnantlinguistique’ en I'historiographie anglo- amvérieaine des années 80°, Genéses, 7, 1992, pp. 163-193. Inerodugdo 57 » 4. C. Passeron, Le Raisonnement sociologique. L’espace non-poppérie raisonnement naturel. Patis, Nathan, 1991, pp. 24-27. du 91. W. Scott, “History in crisis? The others" side 2f 1 Review, XCIV, 1989, p. 692. story”, in American Historical ‘uma edigho erica acaba de ser pubicada por Etienne Bloch, Pars, A Colin, 1993. * Por exemplo, Paul Veyne, Comment on écrit l'histoire. Pris, Seu, 1971. “C. Langlois e R. Chatter, Les Historiens et Vorganization de la recherche, Mi nistério da Educagio Nacional, setembro de 1991, p. 18; Mirella Scardozzi, “Gli insegnamenti ai storia nell universit) italiane (1951-1983): tra immobilismo © frammentazione”, in: Quaderni storici, XX, 1985, pp. 621; D. Cannadine, art eit p. 171. A situagio € muito menos preocupante do que aquels descrita hi dez anos por Daniel Roche, “Les Historiens aujourd"hui. Remarques pour un débat”, Vingtidme Sigcle, n. 12, 1986, pp. 3-20. “ Uma diseussfo internacional sobre a questio figura no a 78 do Débat, janciro- fevereito de 1994. “© Jacques Le Goff, “Une maladie scientifique: Ia colloguite” in Sciences de homme et de la société, Lettre des départements scientifiques du CNRS, n. 32, 4ezembro de 1993, pp. 35. 10 panieo foi reproduzido no Evénement du feud, 30 de juaho-6 de julho de 1994, pp. 51 “* M, Chaudron, “Balter les sciences de "homme. Des live, des auteurs et des fecteurs", in Communications, $8, 1994, pp. 136. © Georges Duby, L'Histoire continue, op. eit, 29. 94. %M. Bloch, Berire La Soci&tétGodale. Lettres @ Henri Berr, 1924-1943, Patis, 1992. 8 E. Labrousse, “Comment contrdler Jes metcuriales? Le test de concordance”, Annales d'histoire sociale, I, 1940, pp. 117-150; J. Dupiquier, La population rurale du Bassin parisien a I’époque de Louis XIV, Lille, 1979, pp. 92-145 (estvdo critica dos dados), SA, Graffon, Faussaires et eritiques, Créativité et duplicité chez les érudits ‘occidentau, Pais, Les Belles Leties, 1993 (edigho americana, Princeton, 1990). 58 Passapos RECOMPOSTOS © CE. A tradugio recente de um grande texto do século XV: L. Villa La Donation de Constantin, edigio © tradugio por JB: Giard, Paris, Les Belles Letres, 1993, XXI, 149 p. Les “Protocoles des sages de Sion". Introduction & l'étude des *protocoles”: uns faux et ses usages dans le siécle, editado por P.-A. ‘faguielt, Berg trternational, 1992, 2 vol.t. 296 p. %M. Bloch, Apologie pour l'histoire, op. cit. (edigS0 de 1993), pp. 139-155. 571.0. Pressac, Les Crématoires de Auschwitz, la machinerie du meurtre de masse, Paris, CNRS, 1993. Os arquivos utilizados, os da “Bauleitung SS” de Auschwitz, estKo localizados em Moscor © no museu de Estado dOswiecim. % G. Noiriel, “Les enjeux pratiques de la construction de Mobjet. Lrexemple de Visumigration”, in C. Charle (dtetot), Histoire sovial, histoire globale?, Patis, MSH, 1993, pp. 105-115. Jacques Rancitre, Les mots de Whistoire. Essai de poétique du savoir, Paris, Le ‘Seeil, 1992, pp. 149-150. © Moyenne, miliew, centre. Histoire et usages. Editado por J. Feldman, G Lagneau, B. Matalon, Paris EHESS, 1991 “EP. Thompson, “Antropology and the di Hiszory, 1, 1972, pp. 41-55. pline of histori context”, Midland © C. Klapisch e D. Hetliti, Les Toscons et feurs familles. Une étude du catasio florentin de 1427, Pacis, 1978; A. Zysberg, Les Galérians. Vie e destins de 60.000 forsats sur les galeres de France, 1680-1748, Paris. Le Seuil, 1987; JP. Batdet, Rowen aux XVII et XVII siécle, Les mulations d'un espace social, Paris, 1983, 2 volumes. © Um uso meditado dessas diversas possibilidades foi realizado de modo convincente por B. Lepett, Ler Viller dans la France Moderne. Patis, Albin Michel, 1988 (cf. pp. 445-449). Um exemplo interessante de utlizacio Je um modelo de simulagio 2 taulo de avaliagio, sem ambigio “contrafactual”: J. Dupiquier e M. Demonet, Ce qui fait es familles nombreuses", Annales ESC. NXVII, 1972, pp. 1025-1045. “4. Helfer, Le Port de New York et le commerce extérieur américain (1860-1900), Pacis, 1986. Introdugao 59 Por exemplo, original e inovador © empreendimento em curso, do Adlas de la Révolution Frangaise, sob a diregio de Claude Langlois eS. Bonia, com 7 volumes publicados desde 1987. B. Croce, L'Histoire comme penseé et comme action, Genebra, Droz, 1968, p. 38 EH. Car, Qu'esnee que Uhisoire?, Pars, La Découvete, 1988, p78, (edigio sles, Londres, 1961). 6 o titulo— “Examen de conscience d’un francais” —da erceira pare de L'Etrange Deéfaite, de Marc Bloch, publizado pela primeiza vez ein 1946; ee €retomado desde 1 introdugio de Apologie pour Whistoire. Mare Bldch, L'Etrange Défaite, Folio Histoire, Pari, Gallimard, 1990, p. 150, € Apologie pour Vhisiire, op. cit, (edigho de 1993), pp. 60, 70-71, 280-282, % Mare Bloc, L' range Défaite, op. cit, pp. 155. % Citado por Mate Bloch, Apologie pour l'histoire, op. ct, pp. 77. "M, de Certeau, La prise de parole et autres écrits politiques, 2 edigi estabelecida © apresentada por L. Giard, Paris, Le Seuil, 1994, pp. 65 4, Rougerie, “Paul départementaliser Mhistoire de France?", Annales ESC, XX1, 1965, pp. 178-193. Gaitimard, 1987, pp. 1M. Moriceau, Les Fermieres del'Ile-de-France Lascension d'un patronat agricole, XV-XVIIF sidetes. Pais, Fayard, 1994, % A. Gérard, Le Révolution Francaise, mythes et interpréations, 1789-1970, Pais, Flammarion, 1970. 79G.G. Iggers,“Lihistoire sociale et Mhistoriographie est-allemande depuis 1980", in Vingtiéme Sicle, n* 34, abrilsjunho de 1992. pp. 5-24. % La Science historique polonaise dans Uhis:oriographie mondiale. Editado por Marian Lecayk, Wroclaw, 1990. R, Fletcher, “History from below comes to Germany: the new history movement J the Federal Republic of Germany”, in Journal of Modern History, LX, 1988, p. $60. 660. Passapos REcOMPOSTOS 4, Souchany, “Le navisme: ééviance allemande ou mal de la modemnité? Réflexions es historiens dans !"Allemagne des années 2ér0 (1945-1949)", in Vingtiéme Sidcle, 1. 34, abril-junho de 1992, pp. 145-156, "C. Lipp, “Writing hisiory as politcal culture. Social History versus Alltagsges- chichte. A German debate”, in Storia delle Storiografia, XVI, 1990, pp. 66-100; P, Schouler, "L'érudition ~et apis? Les historens allertands avant et apres 1945", Gendses, 5, 1991, pp. 172485. "RJ. Evans, “The new nationalism and the old history: perspective on the West German Historikerstreit, in Journal of Modern History, LIX, 1987, pp. 761- 7197; 08 principais textos do debate foram publicados em francés nas Fitions 6a Cert ein 1989. © R, Chartier, “L! re culturelle aujourd'hu in Gendses, 15, 1994, p. 123 terdseiplinarite”, “ B. Lepetit, “Propositions pour une pratique restreinte de Recue de syuthise, 1990. gp. 331-336 “Em pestcular,B. Lepetit, Les Villes dans la France Modern, Op. cit, C. Chat Les Elites de le République (1880-1900), Paris, Fayard, 1987. 24. Gauchet, “Changement de paradigme on seienees sociales?™, Le Débet,n. 50, rimvero especial, Matéridwe pour zervir & l'histoire imellectelle de la France, 1953-1987, 1988, pp. 168-169. © Uma apresentacio exfiiea dessas tendéncias em Lynn Hunt, “History, culture and text in The New Culural History, University of Catifommia Press, 1989, pp. 1-22. SG. Levi, “On microhi P. Burke (editor), New Perspectives in Historical Writing, Oxford, Polity Press, 1991, pp. 93-113, Sobre essa “mudangs de pparadigma” que nia € apenas italiana, também C. Charle, *Miero-histoire sociale f macroshistoire sociale. Quelques reflections sur les effects des changements de méthodes depuis quinze ans en histoire sociale”. in Histoire social, histoire slobale?, Sob a ditegio de C. Chatle, op. cit. pp. 45-57. " E. Grendi, “Microanalisi e storia sociale", Quaderai storiei, n. 33, 1972, pp. $06- 0: C. Ginzburg, “Traces. Racines de un paradigme indicisite”, in id, Myihes, cemlémes, races. Morphologie et histoire, Patis, Flanymarion, 1989, pp. 139-180. Le Fromage et les vers. L'univers d'un meunier du XVP sidele Fismmarion, 1980 (edigSo italiana, Turim, 1979), “GC. Levi, op. cits letemos atentamente a apresentasso de J. Revel, introducio preciosa & experigncia da. microstoria, Invrodugao 61 A. Pargs, Le gotit de Varchive, Paris, Le Seuil, 1989, pp. 145. Essa posigio ddesemboca no apagamento voluntitio do historiador para dar a palavia 20 documento: eaul, Le cours ordixaire des choses dan ta cité du XVIU siécte, Paris, Le Seuil, 1994. © A, Farge, La vie fragile, Violence, powvsirs et solidarietésd Peris au XVI si Paris, Hachette, 1986 “A, Farge, Dire et mal dire, L'opinion publique en XVII sidcle, Pais, Le Seull, 1992. “SM. de Cortens, L’Absent de Mhisture, op. eit pp. 179-180; ef ainda L'Beriure de I'histoire, Pats, Gallimaré, 1975, pp. 101-120, e 0 ® 58, de 1994, de Communications, dedicado & L'Beriture des sciences de l'homme. “4. C.D. Clank, English Society, 1688-7832, Cambridge, 1985. Um balance informado: E. Fano (editor), Una e invisible Temence atta della storiagrafia statuitense, Florenga, Ponte alle Grazie, 191. Cr. Joyce Appleby, “Recovering America’s historic diversity: beyond evceptioralise”, in Journal of American History, LXXIX, 1992, pp. 419.431 “*CI em particular os trabalnos de G. Nolrlel, Le ereusete francaise, Parl, Le Seu 1988, ¢ Lo Tyrannie du national: le droic d'asile en Europe (1793-1993), Paris, Calmana-Lévy, 1991. © Peter A. Novick, “That Noble Dream”. The “Objectivity Question” and the American Historical Profession, Nova lorque, Cambridge University Press, 1988. "©, Ginaburg, Lo starico e i gludice. Considerazion’ in margine al processo Sofri, ‘Turi, 1991 "61 Um nimeto recente da revista Quaderni storiei (9. 85, 1994) € dedicado & prova cm hits 1X Michel de Certeav, La Faiblesse de croire, texto estabelecido € apresentato por LL. Giard, Paris, Le Seuil, 1987, pp. 69. SaO.Lsand I us Certezas e Descaminhos da Razio Histérica Punuirre Boures “Nao lembrar 0 r0st0 do homem ‘que matamos no é melhor do que fazer um filho estando bébado,” Louis Aragon, La Mise & Mort Os auos 1990 nascem, por um manifesto de hist6ria “experimen- zal”, com um questionamente radical dos métodos eriticos da histéria Pretendemes, examinando as certezas ¢ os descaminhos da razéo hisié- ica, discemir as evolugoes recentes das interrogagdes dos historiadores sobre sua pr6pria disciplina, tratando da hipertrofia do sujeito do conke- cimento, des prestigios ¢ das desilusdes do quantitativo, do dectinio da razio geogrdfica em historia, dos indicios, enfim, de uma superagio do momento anti-iumanista das aventuras da razio histérica © alma decénio do séouto XX € inaugurado, no dominio ~ relat ‘vamente potco feqiente na Franga —da reflexo dos historiadores em tomo §s racionalitades de sua propia dictplina, por uma obra ambiciosa, Atter histoire [Aer hist] (1991), que reine uma dezena de ensaios de histéria experimental A frente da coleinea vem um texto assinado por Daniel Milo Pour une histoire expérimentale, ou le gai savoie” (Por uma histria expe- imental ow a gaia cifncia]. O manifeso a “histra Kies”, posta sob 0 trplo apadrinhamento de Nietzsche, Groucho Mars e Aris6teles, evindia, altemadamente, a violagio do objeto (hist rico) € a onipoténcia do historia- dor; 0 anacronismo metédico (pela superacic da conti ceneutralizagio da intencionalidade dos atores hist6ricas): 0 distanciamento em relagio a0 objeto (0 Verfremdung brecht no adaptso A hist6ria sob as formas do izacfio"); moratéria na produgio de novos documentos: 0 empobrecimento voluntirio a “des cestranhamento, imiliarizagio” € da “des-contextu: 66. PAssapos RecoMPOSTOS das fontes e a epeticio critica das pesquisas anteriores; a pritica sistemética de uma experimentacio arbitréria das hipteses interpretativas ¢ de um comparatismo radical, para além ds sSculos ¢ ecatinentes; a ampliagio do ‘campo dos possiveis histéricos; a utilizagio da quantificagao para fins ex- perimentais; 0 desrespeito ao passade, em todos os casos. (© aue um tal projeto contém de. provocacio jubilosa nio deve en- ‘retanto dissimular uma umbiglo intelectual: constituir os fundamentos de uma outra histéria ¢ exaltar a missio de uma nova “raga” de historiadores experimentais. Por isso, seria desejével, para inicio de conversa, considerar esse manifesto no tanto como um conjunto de proposigées argumentadas, ‘mas (fiel nisso a ligo de Nietzsche) como um sintoma que expri tempo as incertezas e os impulsos de um grupo importante de historiadores em relagio aos métodos, as tradigées © 20s valores de sua disciplina. \e em seu Da hipertrofia do sujeito de conhecimento [A posigio elevada conferida a0 historiador na produgio de saber constitui 0 primeiro e sem divida o principe! sintoma da criss intelectual {que 0 manifesto da hist6ria experimental traz & tona. “Violentar o objeto 00 slogan deste manifesto”, conclui Daniel Milo, que atribui ao histo- riador poderes ilimitados sobre 0 objeto de sexs estudos. O historiador experimental constitui 0 “nico sujeito pleno”: “O espago antes ocupado pelo sujeito histérico parece assim ocupado pelo sujeito historiador.” “Ex- perimentar 6 viotentar 0 objeto”: O historiader deve ser “conscientemente, violentamente ativo", para além das “reticéncias”, das “resisténcias” ¢ das “meias-medidas”. O passado é sua “vitima passiva”; ¢ as duvidosas meté- foras da violagdo como a referéncia a0 narcisismo freudiano sio explicitas: “Qual é 0 objeto final da hist6ria experimental? Qual € o lugar do eu ~ tomado no sentido amplo do termo — historiador nesse projeto? Conhecer melhor ou diversamente 0 passado, ou se conhecer melhor? Pois se falamos ‘ex matéria prima a propésito do passado estudado, se pedimos 0 desres- peito a ele, toma-se improvivel atribuir-the uma prioridade no processo de igibilidade conduzido pelo historiador experimental.” (0 que essas linhas devem 20 “nicteschismo” intelectual ¢ moral do segundo século XX, e muito particularmente ao jovem Nietzsche de De Putilité et Vinconvénient des éudes historiques pour la vie {Da utilidade € o inconveniente dos estudos hist6ricos para a vida) (1874), nio poderia set ignorado — tanto mais que @ gaia ciéncia ds ‘explicita. Conhecemos suas frincipais teses: que a época esté saturada de ist6ria experimental 0 Questoes 67 hist6ria (“o homem modemo carrega consigo uma enorme carga de pedras, as pedras do indigesto saber”, cap. IV); que esse exzesso de histéria pode ser nocivo ao presente ¢ & vida (“o passado deve ser esquecido sob pena de se tomar 0 covciro do presente, (pois) toda agio exige o esquecimento, como todo organismo necesita, néo apenas de luz, mas também de obscuridio”, cap. I; “damos mais importancia a histéria que & vida", cap. TV; “o excesso dos estudos de hist6ria & prejudicial zos vivos” cap. 11); que a proliferagdo da histéria se alimenta do surgimento da massa (“o desejo geral de popularizar a ciéncia, igual ao de feminilizé-la e infantiliz-a”, cap. VII; “a idéia muitas vezes penosa de ser epigonos”, cap. VIII; “seria verdade que nés, alemies, para no falar nos povos latinos, (...) jamais poderemcs ser sendo descendentes?”, cap. VIID; 0s limites da piedade (“o prazer que a drvore recebe dé suas raizes, a felicidade que se experimenta por nao se sentir nascido do arbitrério e do zcaso, mas saido de um passado = herdeiro, floracio, fruto —, 0 que desculparia ¢ até justificaria a exis- tncia, é isso 0 que hoje se chama, com uma certa predilegio, o sentido histérico”, cap. III); ¢ a denegagio da objetividade (“os historiadores in- génuos chamam de objetividade © habito de medir as opinides ¢ as agio passadas com as opini6es correntes no momento em que eles escrevem”, cap. VI). Em filigrana 20 raciocinio nietzscheano, hé finalmente o velho bordio do super-homem: “Apenas pela maior forea do presente o passado deve ser interpreiado (...). O igual pele igual! De outro modo abaixaricis ‘0 passado a vosso nivel. Nao acrediteis em uma historiografia que nfo saia ds mente dos cérebros mais raros (...). No 6 0 caso de se desprezar os trabalhadores que emputram 0 carrinho-de-mio, que aterram e peneiram, sob 0 pretexto de que eles no poderdo certamente se tomar grandes historiadores (...) mas olhé-los como operirios ¢ serventes necessérios a0 servigo do senhor(...). 0 homem superior que escreve a histér Para dizer a verdade, a deriva nietzscheana do historiador onipotente os anos 90 se alimenta igualmente de outras fontes, ¢ principalmente em dois momentos da reflexio sobre a histéria tal como ela, muito esporadi- camente, se desenvolveu na Franca no cltimo meio século. Houve, antes da guerra, as duas teses (de inspiragao neo-kantiana) sustentadas em 1938 por Raymond Aron, sua Introduction a la philosophie de l'histoire. Essai sur les limites da Vobjectivité historique (Introdugio a filosofia da hist6ria Ensaio sobre os limites da objetividade histsrica] e sua Philosophie critique de Vhistoire (Filosofia critica da histéria] (originalmente: Essai sur ta thedrie de Vhistoire dans l’Allemagne contemporaine (Ensaio sobre a tcoria (65 PaSsaDos nECoMPOsTOS da hist6ria na Alemanha contemporineal), que, & luz da filosofia © da sociologia alemas (Dilthey, Rickert, Simmel, Weber), se haviam atribufdo 1a missfio de reoxaminar criticamente as categorias do conhecimento hist6- rico: orientagio prolongada no imediato pés-guerra sob a forma de uma anilise (fortemente tingida de fenomenologia existencialista ou personalista) da “subjetividade do historiador” e de uma reavaliagio global da hi dita positiva, da qual uma obra de Henri-Irénée Marrou, De la connaissance historique [O conhecimento histérico] (1954), € virios artigos de Paul Ricoeur reunidos numa coletinca intitulada Histoire et verité (Historia e verdade] (1955) constituem as princi;ais etapas. Mus, ao mesmo tempo em que Raymond Aron consagra no fim de sua vida seus tl implicagées da filosofia analitica de origem anglo-saxdnica sobre o conhe- fento hist6rico (cursos de 1972-1974 publicados em 1989 sob o titulo Legons sur Uhistoire (LigSes sobre a hist6ria], uma segunda etapa da reavaliagio dos fundamentos cientificos da producdo do discurso hist se inaugura na virada dos anos 60 e 70 com (para ser breve) a publicagio ‘das principsis sinteses de Michel Foucault ~ Les Mots et les choses (As palavias e as coisas] (1966); L’Archéologie du savoir [A arqueologia do saber] (1969) -, das anilises de Paul Veyne ~ Comment on écrit l'histoire [Como escrever a hist6ria}, (1971) ~ ¢ das reflexdes de Michel de Certeau = L’absent de Uhistoire [O ausente da hist6ria), (1973); L'éerit de Vhistoire [A eserita da hist6ria}, (1975). Esses dois momentos definem no espaco de meio século um percurso relativamente linear: da objetividade & subjetividade; da critica das fontes & das eategorias e modos de escrita. O questionamento da verdade (ou jade) da hist6r uma dimensfio considerdvel de relativism: meu colega ¢ amigo Michel Foucault, que € preciso, de uma vez por todas, 10s escritos 2s vali como forma de conhecimento traz, todavia, consigo Se alguém estima, como o faz se Svrar da mitologia do verdadeiro ¢ do falso”. exclama indignado Aron ja implica, por Indo, a emergéneia crescente do sujeito do conhecimento: “Pode-se constatat, entre os historiadores recentes”, releva com prazer, igualmente em 1972, de Certeay, “que essa ressurreiga do eu uo discerso histérico jd em 1972, “0 logico depie imediatamente as armas”. inte, mas ainds adicional, atribuida 2 hisséria do sujeito-historindor: 03 Prefiicios, em extensio, se articulam histéria do objeto estudado ¢ precisam 0 lugar do locutor™, A hipertiofia do sujeito-historiador, t fests da histéria. experimental, ni como ela se exprime com procede entio apenas de Questees 69) uma vontade de potéxcia (no nivel, enfim derrisério, proprio do manipulador de textos, de imagens ou de dados), mas de ums orientagio quase secalar que viu uma reavaliagio dos fundamentos filoséficos da histéria critica € positiva da segunda metade do século XIX mudar-se progressivamente em uum questionamento radical dis légicas e das racionalidadss do raciocinio iist6rico. Avatar disante da agitagio cultural que precede e segue 1968°, 2 hist6ria experimental exprime por sua vez. uma posigio subjetiva tanto mais violenta por se omar com 0s atributos de uma liberdade absoluta, da inovagio e do desrespeito. “No nietzschismo, sublinha Vincent Descombes, a resisténcia & arregimentagio toma a forma grandiosa de uma teoria geral dos signos, com sua ontologia (ha apenas interpretacdes, nada hi a inter- pretar que j8 nio s:ja uma interpretacio) e sua epistemologia (nfo hi conhecimento, apenss discursos, ou ageneiamentos de signos, produzindo efeitos de verdade"®... Nascido jovem demais num mundo velho demai 6 historiador dos anos 90 estaria, por sobredeterminacio de sua individua- lidade intelectual ¢ rentincia & verdade de um conhecimento, votado a interpretar incessanlemente ¢ experimentar infiaitemente os signos, os discussos © as imagens de um saber acabado? Pres:igios ¢ desilusdes do quantitative Tal nao havia sido, entretanto, vinte anos mais cedo, a esperanca dos protagonistas di “nova histéria”, tal como se exprimia através dos artigos 1d um tanto euféricos que, em 1970, Pierre Chaunu consagrou & historia serial?, ¢ em 1971, Frangois Furet & histria quantitativa’, A constituigio, ld onde as fontes o permitem, de séries temporais homogé. nneas, nfo apenas nes dominios da economia e da demografia, locais de origem ¢ terras eleitas do quantitativo histGrico, mas também om hist6ria 1, politica, cultzal ou religiosa, permitia prever uma transformagio radical da nogio de acontecimento de “f3to histérico” em geral, cons- truido © nfo mais dado, a partir de premissas que dependem a0 mesmo tempo da potencialidade da fonte (a série quantifiedvel) e de uma pré- definigdo dos questionamentos a vir ¢ das respostas que a documentacio pode obter (a compesigiio prévia de campos estatisticas e de interrogagGes numéticas), “Toda a propria concepgio da srquivistica vé-se radicalmen- te transformada justamente no momento sm que suas possibili :multiplieam pelo tratamento cleti ides se ico da inform 0”, observa Francois, Furet, A quantificacio autorizava a partir de ensio o historiador a recolher fontes a priori esirinhas & seu objeto e, segundo 0 temo em uso na 70 Passabos RECOMPOSTOS corporagio, enviesd-las por uma boa causa, ou s¢ja, as necessidades de sva pesquisa (0 balanco demogrifico de uma populagio a partir da listas de comunhio pascal; a composigio socioprofissional de uma cidade na base de uma lista de impostos; a evolugio do sentimento da morte a partir de testamentos perante tabelides; a transformagio dos compertamentos mais conforme os registtos paroquiais etc.). As potencialidades mél- tiplas de iniciativa ou de manipulagén.que a quantificagio oferece nfo sio certamente estranhas, de resto, ao sentimento de poténcia, j6 evocado, que percorre a pritica hist6rica da segunda metade do sécuio XX. Com efeito, a introdugio maciga do computador no seio da pesquisa histérica a partir do final dos anos 70 constitui ao mesmo tempo um elemento fundamental no alargamento das possibilidades e a renovacio dos procedimentos ¢ raciocinios. Seu aporte se apresenta j6 agora, enquanto se ‘espera um primeiro balango das pesquisas efetuadas, no minimo formidavel. Nos mais diversos dominios, da tconometria & iexicometria, da anslise dos textos & das imagens, das taxas de fecundidad> 20s modelos de desenvolvi- ‘mento, dos presidifrios as redes urbanas, oinstru.nento informiticu permitiu ‘acumular, em uma escala absolutamente inédita, informagées perceptiveis, ‘ou quanlificdveis sob a forma de bases de dados, multiplicar as elaboragbes, renovar as interrogac6es, verificar ou anular interprotag6es. O computador para 0 historiador francés das iltimas décadas, participante ativo da revolugéo informética das ciéncias sociais e leitor assfduo de revistas espe- cializadas Histoire et mesure [Histéria e medida, Le Médiéviste et 'Or- dinateur {0 medievalista © 0 computador] etc.), 0 verculo de uma mutagio tecnolégica ¢ 0 vetor de uma revolugio metodolégica sem precedentes. “Trés perigos parecem todavia relativizar, nos primérdios dos anos 90, ‘© impacto da transformagio induzida pelo recurso 20 instrumental informético, dissipar até certo ponto as cuforias quantitativistas,e alimentar centce uma parte nada desprezivel dos historiadozes um relativo desencanto. A primeira dificuldade diz respeito a0 cariter incompleto da revolugio informatica tal como operov'se na Franca, muite progressivamente, durante ‘05 tiltimos quinze anos. Ao lado de disciplinas que pr maciga ¢ sistemética do computador, seja a titulo de base de dados © instrumento de céleulo (demografia, economics. histéria social ou politica), soja sob a forma de corpus indexaveis (andlise de textos ou de imagens), quantos pesquisadores nin consideram a tela inteligente que Ihes foi ofe- recida pelo éitimo avango tecnol6gico da modemidade apenas uma méqui nna de escrever mais cémoda, sum que precedimento, ou, a fortiori, ym uma utilizagio Quesiées 71 raciociniv informStico intervenham diretamente na construgio de seu tra- balho? Como dar conta de outro modo do declinio relativo da enqucte quantitativa em dominios onde ela havia sido pioneira, como a sociologia religiosa retrospectiva ou a hist6ria do Livro, justo agora quando as ope- rages computiveis que formam sua base seriam infinitamente inais fac litadas? As agbes de Gutenberg (para no evocar os copistas que o prece- deram) permanecem sélidas entre 0 povo historiador da fim do século XX, a onda quantitativa retirou-se por vezes bem rapidamente da praia que ela um instante pensou ter invadido para sempre. (© segundo perigo sé inscreve num processo de desagregayio da unidade dos saberes histéricos e se liga principalmente aos dominios para 0s quais 6 computador tornou facilmente praticdveis tarefus antes julgadas fastidiosas ou mesmo insuperaveis: em primeiro lugar a economettia retros- pectiva ea demografia hist6rica, Procedimentos técnicos sofisticados, como a busca de modelizagées de tipo matematico, ou o recurso & anslise fatorial, afastam progressivamente da cultura comum dos historiadores blocos teiros da pesquisa: comparados com as elaboragSes mais recentes, 0 Beauvaisis de Pierte Goubert, o Languedoc de Emmanuel Le Roy Ladurie parecem um pouco exercicios para alunos primérios, no momento em que miltiplos indicios nos fazem infelizmente pensar que as principais aquisi- .gées da demografia histérica ou da hist6ria econdmica ¢ social do segundo tergo do século XX, apenas muito incompletamente penetraram na forma- ‘lo geral de professores e de estudantes de hist6ria. A \égica institucional ¢ cientifica dos laborat6rios conduz assim, muito paradoxslmente, 20 iso- Jamento progressivo das pesquisas mais inovadoras no dominio da hist6ria ‘quantificdvel: 0 computador, em muitos dominios, aumentou as di disciplinares ¢ favoreceu o desenvolvimento em separado (em afticSner: apartheid) das problemsticas. “Vivemos a fragmentacio da hist6ria”, es- ‘ereveu Pierre Nora na abertura de sua “Biblioth¢que des histoires” [Bibli- ‘oteca das histérias), vetor do brilhante mas efémero encontro da “nova hist6ria” e do grande pablico culto no meio dos anos 70: 0 computador contribuiu sem divida de modo mais eficaz para a verificagio desse fato do que a ampliagio multiforme do campo das abordagens hist6ricas. (0 altimo perigo disposto na via ascendente que os anos 70 tragavam para a histéria serial foi, desde a origem. identificado nas exigéncias par- ticulares determinadas pela mutugio do estatuto das fontes e do papel do historiador, Quantificar é, com efeito, constituir-se estritamente prisionei to, a.um s6 tempo, de uma série documentéria ¢ de uma linha interpretativa 71. Passapos nEcoMPOsTOS determinada a priori pela propria elaboragio do material cifrado. A critica das fontes, tal como os mestres eruditos do método histérico, do sévulo XVII 20 XX, afirmaram, no perde os scus direitos: apenas se projeta do tum para o miltiplo, do documento isolado aos seus procedimentos de homogencizagéo e processamento. A constituigée do material quantitative sobre 0 qual se funda 0 raciocfnio deve igualmente responder a exigéncias dda mesma ordem, sob o risco de cair num empirismo por vezes fecundo, mas sempre, por si mesmo, insuficiente: a quantificagio exige entio a cexplicitagio dos questionamentos preliminares do historiador assim como a verificagio ulterior de sua pertinéncia‘e de sux validade, As interrogagées ¢ as interpretagées finais do historiador serial remetem, enfim, o mais das vezes, 8s problematicas globais dos dominios considerados, expressas nas ceategorias mais gerais da linguagem das cifras: alta ou baixa, aceleragio ou desaceleragio, concentragio ou difragio... A quantificagio parece assim, mas em escala diferente e segundo vias inéditas, reencontrar os métodos, ‘as questdes ¢ as debates. da histéria classica; ¢ a posicio paroxistica do manifesto da historia experimental (quantificar! quantificar!) traduz em verdade, sob a forma de uma fuga para frente, ema inquietaglo lancinante: {que 0 serial, para além dos seus aportes ¢ seus confortos, nio seja aquilo por que a razio histérica mudou de base. © declinio da razio geogréfica em histéria Quantificar & ainda operar uma redugio do rea! para fins estatis- ticos ou comparativos por abstragio proviséria do dado histérico ou gengrifico: objeto da maior importincia em ema perspectiva experimen- tal de erradicagio das contingéncias temporais, espaciais ou culturais, que reprova ¢ rejeita sem apelagio “o prazer que 2 Srvore tira de suas raizes, a felicidade que se experimenta por nio sentir-se nascido do arbitritio © do acaso, mas safdo de um pasado ~ her¥ziro, floragio, fruto..." ‘A ctise da razio geogritfica em hist6ria no dltimo decénio do século XX — que determina por sua vez o enfraquecimento gradual das causali- dades espaciais no raciocinio histérico — se alimenta todavia, para além dos imperativos computéveis dos métodos scriais. de fontes mais profundas. A Gupla formagio ~ a um tempo histérica © zeogrifiea ~ dos historiadores ica que fazer: do mapa (de localizagio, de densidade ou dinimico) no raciocinio © na exposigio, constituem, é sabido, tuma especificidade importante do recorte do campo dos saberes tal como © conecbeu, no fin do século XIX, a Terceira Repablica, recorte sinico Eranceses, a utilizagio sister Quesides 73 na Europa, ¢ que provoca ainda hoje, segundo 0 caso e o humor, a admiragio ou 0 espanto, a hilaridade ou a irritagio dos historiadores italianos, alemaes, belgas, espanhéis ou anglo-saxdes, cujos recortes associam mais comumente a hist6ria, aqui a filosofia, ali & filologi Da propria geografia veio, no curso dos anos 70 ¢ 80, a ruptura progressiva de contrato. A geografia de referéncia dos historiadores era 1 geografia lablachiana: geografia humana (demasiado humana?), anco- rada na percepgfo das glebas e das culturas, das paisagens ¢ das tradigbes, das permanéncias estruturais ¢ das lentas transformagoes hist6ricas; abor- dagem global, histria total dos pafses ¢ dos homens, construfda & imagem ¢ para a exaltagio da Franga ainda amplamente rural do desvio da virada dos séculos XIX ¢ XX. O questionamento dos pressupostos ideolégicos da construgio de Vidal de La Blache ¢ de seus herdciros, a afirmacio rigorosa ¢ por vezes veemente da autonomia do procedimento geogrifico, as novas perspectivas aberias pela cartografin informatizada, a ambigio de ‘uma geografia exclusivamente centrada em tomo da nogio de espago em suas acepgdes antigas (geografia rural, industrial, urbana, geografia dos transportes) ou novas (organizagio do territ6rio, geopolitica, geo-estraté- gia) conduziram os geégrafos, no plano intelectual, a uma separagéo de ccorpos ainda mais paradoxal, porque o eusino das duas disciplinas perma- nece estreitamente unido e porque os historiadores conservam globalmente ‘© gosto pelos mapas ¢ croquis, quando nio a nostalgia das glebas. Filha deserdada de amores levados pelo bom ou mau vento das “l6gicas espaciais”, a geografia dos historiadores neste final do século XX afirma ainda solidamente sua presenga no scio do processo hist6rico: para ficarmos com um tinico exemplo, o empreendimento coletive do Adlas de Ia Révolution Francaise (Atlas da Revolugio Francesa)’, expressio gri- fica e carlogrifica do acontecimento revolucionétio, na curta ou média duragio sob seus diversos aspectos, assccia estreitamente mapas ¢ esque- mas, elaboragées espaciais ov estatisticas ¢ discurso histérico, numa ar- ticulagio intelectual onde © mapa é a um tempo transcrigio geogrifica do saber hist6rico, clemento de racioesnio, fonte de interrogagio e motivo de interprotagio. Igualmente, a hist6ria politica como a histéria religiosa ou a histéria sécio-cconémica continuam 2 integra, mais ou menos fundamentalmente, mapa a scus questionamentos. O tempo © 0 espago ‘da geografia de Vidal de La Blache, como o acontecimento ¢ a duragio da andlise braudeliana, continuam a compor o quadro original de uma reflexio histérica obeccada pela inteligéncia global do passado. “euuoy eu 2 opssosdxo ou epios syeus se1s9 30d epure cara stots of episuonut ‘euin woo ‘2quautepins as1oouad anb o1repasgo stety opisonb v wpque ‘eyaioas syeus opSiquie e ‘zane “> opnuss ap opSou e srenposuioy, “sv2ydxo 7 pf sossou apuo eanoodsiod eumn twas opSnposiuios © un ep (onooona med) ,2Pe; jronb op s180y wo anbiod oyuaujoncaos “so10peyoysty sop 9 soyosg1sj sop oF5 8 duos winSye py apsop wersinbuess: ‘orSeinp eBuol up 9 sv sop exo vu oxojduwoo oysauieyuis¥1 opewso) ojuoure}ouaTE nos Wo ores 0 as ‘zoanesseu oyenuo>, © no emmpipin e 9g “(c66T) xp sesneyed sy] 21o1sy,p siow so7 ~ oxgtoury, sonboey op 2 ~ (€36r) ores: 2 odwag] 091 19 sdwaz — snaoary tned op st owoD opra1t0> ou 9 opSuoqu eu sorueyfowossap OF) sesqo op spnenie o1uoB1x0 9 EHIPzUL ap sogSeSoss91U] “esjoo wuundye eyas Bf “,2PEpIOA ap SOI}, sop 9 sagSeraxdioim sep ogSeynumoe ep wipye ered ope; nur ep easnq, © Z9A ons sod eywounye onb onuosUD wn 9p ‘TeUISUO enyIo] eUIN op -jwuid opSoma v ora} op waugsoduroyuos opScujos%3 wu Jo] oUpSsoo0U n sayy “2qUaLNjaAeAOsg {SeDUgIAL SogSemByuOD sep 9 SosiNOSIP SOP seuy sasygue op 9 sexoqdwos seatieinuenb sagdexoqeio 9p soduoy soysott J0JO op suatoy sojod sopuny Sop OLSeoIsIOA tp 9 opSeatjISsEIO Ep CUoIPH 09 eouipid g onedsa: zip anb ou ‘opepinusSuy “|, ,s25109 Sep 9 $9105 SOP Teyouassa o ‘wo8era ‘ossooe 191 9p 9 30985 do ses ‘opungod set ‘onugBut nig ojuaunsop op ‘oniwbse op (Zo1s0U" ep sopevoysiy win eas anb sew) eonsied gf ‘(exourorto omenb eo01seq OF) 9 onousd o {ws 0} 149 ‘sesnioepne sasaigdiy op no ‘eradso op stipad op vsin = ‘Sqn 2UIIO! 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Notas "Alter histoire. Essaisd’l‘stoire expérimentale, reunides porD.S. Miloe A. Bovreau, Paris, Les Belles Lettes, colegio “Histoire”, diigida por M. Desgranges.eP. Vidal Naquet, 1991. 2 Citado aqui na tradugio de HI. Albert, De Musilité et Uincouvénient des études historiques pour 1a vie (segunda consideracio in:empestiva), Paris, Garnier- Flammarion, 1988, inirodugio de PY. Bovrdil. > Legons sur Uhistoire, Paris, 1989, p. 145. 4M. de Certeau, “Une épistémologie de transition: Paul Veyne”, in Annales BSC, XXVIII, 1972, p. 1325. #L. Feny, A. Renavt, Le Penseé 68. Essai sur Manshhumanisme contemporaine, Paris, 1985. 6 Deecombes, “Le moment frangais de Nietesche”, in A. Boyer, A. Comte-Sponville, V. Descombes et alii, Parquoi nous ne sommes pas nietzschéens, Paris, Grasset, 1991, p. 113. 7 P, Chaunu, In Revue Historique, 494, 9. 297-320; ef igualmente “Histoire quantitst'se ou histoire serial", Cahiers Vitheedo Pareto, WL, 1964, pp.365-176. histoire sérelle, ban et perspectives”, * & Puret,“Lihistoite quantitative et la construction éu fait historique”, Arnales ESC, XXVI, 197V/1, p. 63-75, retomado em J. Le Gott. P. Nora (editores), Faire de Phistoire, 1 — Novos problemas), Paris, 1974. pp. 42-61 © 5, Bonin € C. Langlois (Jiretores). Atlas de la Revolution Francaise, 7 volumes jublicados desde 1987. 1. Routes et communications. 2. L’Enseignement, 1760 ISIS, 3. LiArmé loa guerre. 4. Le Territoire. Reclités © représemtations. 5. Le Quesies 77 Territoire. Les limites odiinistratves. 6, Les Societés politiques. 7. Médecine et © 4, Revel, “Lihisoire au ras du sol”, prefscio 2 tradueio francesa Wo livio de G. Levi, Le pouvoir au village. Histoire de'un exorciste dans le Pigmont di XVII sigele, Pris, Gallimard, 1989, pp. I-XXKIT (edigho italiana, Terim: 1985), "A, Farge, Le Gott de Varchive, Paris. Hachette, 1989, p. 14-15. Dols Hist6ria e Ciéncias Sociais: Uma Confrontacao Instavel Jacques Rever Nossas sociedades tornaramse mais opacas pura si mesmas, incer- tas quanto a seu presente, seu futuro e, com isso, mesmo quanto a seu passado. Ao ‘esmo tempo, os grandes paradigmas unificadores que ha- viam servido de arquitetura abrangente ao desenvolvimento das ciéncias sociais desmoronaram, € com eles 0 modelo funcionalista que tinkam, gross modo, em comum. A iistéria global (ou a historia total), cujo projeto havia orientado os esfarcos de tras geracées de historiadores, viu- se desse modo, ao menos provisoriamente, posta entre parénteses. A histria € as cincias sociais: esse paderia ser o tema de um inds hoje existissem. Poucos argumentos terio sido mais obstinadamente invocados, a0 menos na Franca, desde 0 im do século XIX. Em 1894 fot publicado o livro de Paul Lacombe, De histoire considérée comme science (Da hist6ria considerada como citn- cia}, que pode ser visto como um des primeirissimos de uma longa s Em 1994, as Annales abandonam 0 subitulo que Lucien Febvze e Fernand Braudel thes haviam encontrado apés a guerra, o eélebre Economies, concurso académico, se cles sociétés, civilizations (Economias, sociedades, civilizagées}, por uma nova Foumula: Histoire, sciences sociales [Histéria, ciéncias sociais]. Nova, entre esses dois limites de um século, Poder-se-ia sem muito esforgo estabelecer uma primeira lista das proposi- mas em verdade muito antiga: {ges ¢ dos debates que alimentaram o tema: sem qualquer pretensio de ser ccxaustiva, ela contaria muitas dezenas ~ mais provavelmente centenas — de intervengdes de importancia ¢ formas diversas. Uma aquele que dela tiresse a conclusio de que temos aqui um problema clissico, ccontinuidade nfo deve, contudo. iludir. Ela induziria a0 erto lizado em seus termas € ~ por que no? ~ em se deu a0 contririo, Durante um século, a confrontagio entre a vel, © que ainda hoje incias socisis foi o espago de um debate dificil e BO Passapos necomposTos feito, na experiéneia francesa, tudo se passou como se & manter, de diteito, relagdes privilegiadas com as citneias sociais pelo fato de sef, no fundo, uma delas. Quatro geragbes de historiadores viveram, técita |. Mas uma vez exposto o principio, tude estava por construir, Tudo, ou seja, as modalidades da coexisténcia © dda troca entre as diferentes disciplinas, Nesse ponto~ aquele onde se definem ‘ese orgonizam priticas -, a evidéneia parceia nublar-se. Por tris da mesma ‘geral, que diz que a histéria e as eiéncias sociais possuem objet precoupagbes ¢ procedimentos comuns, sucederam-se, por vezes até se com~ ou explicitamente, com essa conviced proposi bateram, projetos, modelos de conhecimento e organizagio de saberes muito progundamente difei-nciados. Uma palavra pode comodamente resumir esses aspectos contrérios: a palavra interdisciplinaridade, que, sob variéveis for- ‘mas, serve para designar uma espera e permite medi, 8 revelia, o afastamento do objetivo. A inteidisciplinaridade € um slogan voluntarista © votive (6 preciso pensar sempre nels), mas ela alimenta, ao mesmo tempo, a mé consciéncia ou a ironia dos eruditos (ela jamais se realiza). Convém, entretanto, lovat a sério esse tensio, e ver nela algo mais do que um lugar-comum da retérica académica. Ela 6, etetivamente, inse; te reivindicado na lon- ivel de um projeto intelectual continuam: ‘g2 duragio do século, mas descontinuo em suas realizagées assim como sse projeto, © 0 debs especificamente francés. Paralelos poderiam ser encontrados na Alema- em sua concepgio. que ele alimentou, niio ¢ nhs. na Itélia ou no mundo anglo-saxio, por exemplo, segundo cronolo- gis mais ou menos distanciadas, E impression: que essas diversas experiéncias ndo se parecem muito ¢ que elas no se ese constatar todavia 4 tomou forma coraunicaram entre si, ou muito pouco. Ocorre que cada ¥ e sanhou sentido no seio de um contexto cultural ¢ institucional muito inalidade caracterizar aqui; ela pode po-ticular, ao qual deve tragos irredutiveis. Todavia, hi uma orig francesa, que nos incumbitemos &: amente ser identificada com trés caracteres: mais do que qualquer radas de cla foi voluntarista, © exprimiu-se por tentativas rei strugio de um espago a mais do que qualquer outra, ela s mesmo tempo ezistemoligico e institucio 2 desenroloz em vaso fechado ¢, em todo angeitos Finalmente, iro plano frente as auras mente surda nos debates est la dev & historia um lugar de pe cizncins sociais, Para tentar compreender essa originalidade, pode ser dil reromar aos momientes sucessivos dessa confrontacio. Questées 81 © golpe durkheimiano Retomemos entio a virada dos séeulos XIX e XX. Na Universidade reconstru‘da pela jovem Terccira Repaiblica (c da qual a “Nova Sorbonn 60 setumbante emblema), a disciplina hist6rica beneficia-se de uma posicao preeminente, Freeminéncia idcoldgica: a els atribuida a missio essencial de enunciar a identidade © as expectativas de uma nagio ferida por sua derrota diante da Alemanha ~ pensemos em Lavisse. Precminéncia cientifica: cla encama por exceléncia o método “positivo”, a exigéncia eruditae, para além dela, o ideal enudito que deve contribuir para o rearmamento intelectual © ‘moral do um pafs que prepara a revanche. Preeminéncia institucional enfim: provide de uma logitimidade antiga, a disciplina se vé em via de profissionalizacio répida; ela redefine seus curticulos ¢ seus padrées, sendo, 1 esse titulo, uma beneficidria particularmente mimada do espetacular cres- cimento universitirio desses anos. Sou mé 19 ~“o método” — torna-se uma ia. No essencial, ela se identifica com a critica ceudita de textos, do qual o elissico Ineraduction aux éurtes historiques [Iniroducio aos estudos histéricos], de Langlois e Scignobos (1898), reca- pitula os principios de base para estudantes, mas cujo modelo orienta no ‘mesmo momento uma boa parte dos estucos lite outras cigneias soci fio recém-chegadas que dificilmente encontram seu lugar ¢ sou reconhecimento. A geografia, tardiamente constituida como dis ciplina unificada sob o impulso de Vidai de Ya Blache, é a que melhor perfuz seu caminho, mas permanece na condicgo de irmi cacula, na érbita da hist6ria, apesar de uma notivel florasio. A economia permanece tradicional- mente acantonada nas faculdades de direito e, ainda af, em posigio subor- dinada. A psicologia ¢ divi © ensino da medicina (em sua parte experimental) ¢ o da filosofia, A lingtistice nfo possui existéncia autGnoma, A iltima ciéncia social em data, a sociologia, & provavelmente aquela cuj fortuna é a mais paradoxal: a uma espec cular afirmagao tedrica, que se identifica de infcio com a obra de Durkheim, 2 multiplicacio das frentes de reflexio critica e de pesquisa (0 que ¢ ilustrado, a partir de 1898, por L’Année sociologique [O Ano socialégico)), nio correspond uma verdadeira acolhida no seio do mundo académico, A resistivel casreira de Emile Durkheim ¢, mais, ainda, a de seus disefpulos, 0 testemunhsa! E desse lado, 0 de uma disci mal reconhecida ¢ ultramino- 0 de wna unificagio das ciéncias constitui, em muitos aspectos, uma espécie de golpe , que surge a primeira propos 82 PASSADOS RECOMPOSTOS epistemol6gico. Ao método erudito eritico, Durkheim e os sous opéem as regras bem mais ambiciosas do método sociol6gico; & codificagio de ‘uma profissio, um plano para a crganizagio drs ciéneias sociais. Ou melhor, “da social”, da qual a sociologia seria, segundo eles, ‘chamada a definir 0 cénone epistemoldgico prescritivo ¢, a0 mesmo tem- po, garantir a unidadc do conjunto, Pois nada jestifica fundamentalmente 1 seus olhos a divisio disciplinar do trabalho, sendo as irregularidades da hist6ria ¢ a diversidade das competéncias técnica locais, que sio sem dvida importantes mas que permanecem secundéries em relagio a0 projeto cientifico de conjunto. Assim mesmo € necessério que cada uma das priticas particulares aceite tomar seu lugar no novo espago cienttfico definido pelo socidlogo, ¢ que ela resolva, ao mesmo tempo, reformular seus (maus) habitos de pensamento para se conformar ao manual de ‘encargos que Ihe & proposto. Uma série de confrontagies tensas vai desse ‘modo opor os durkheimianos — comumente representados por Frangois ‘Simiand ~ aos gedgrafos, aos psicblogos ¢ sobretudo aos historiadores ?. Em face desses tiltimos, Simiand aproveita a casio de um: amplo debate internacional sobre o caréter cientifico (ou no) da histéria: ele o faz deslacando os termos do problema ¢ demonstrando que nio é sobre a ‘rudigio que pode ser fundada uma tal pretensio & cientificidade, mas sobre a aceitacio das regras constitutivas de uma ciéneia positiva: “Nio hé, por um lado, uma histéria dos fendmenos sociais e, por outro, uma cincia desses mesmos fenémenos. H4 uma dicciplina cientifica que, para atingit os fendmenos que sio objeto de seu estudo, sc serve de um certo método, 0 método histérico”. A especificidade da hist6ria € entio rede- finida ~ e limiteda: ela pode ¢ cla deve abrir a dimensao do tempo para ‘a experimentagio sociol6gica. ‘Trata-se enti, no caso, menos de uma interdisciplinaridade do que de algo que poderiamos chamar de a-disciplinzridade, uma vez que as isciplinas sio reduzidas a especializagées inevitiveis no seio de um ‘mesmo projeto de conjunto. Em L'Année sociologique como em seus trabalhos pessoais, os discipulos de Durkheim sio 0 exemplo, tanto 20 passar pelo crivo de suas exigéncias a produgio cientifica contemporinea, quanto 20 penetrar eles mesmos em terrenos Je pesquisa especializados pés ter adquirido a competéncia necesséria. Esse plano de unificagio nio tera, contudo, um futuro imediato. O que revela esse fracasso é uma telagio maciga de forcas: por mais brilhante que seja, por mais agressiva ‘que se queira, a sociologia rio teve os meios de sua politica. Antes ci Questdes 83 mesmo de a Primeira Guerra Mundial dizimar a equipe durkheimiana, ssinais de resisténcia se manifestaram. Resisténcias coaservadoras, em face de um conjunto de proposicées que questionam, de uma vez, muitas posigdes ¢ nabitos adquiridos, mas nio apenas elas. As resisténcias sur- gem também do lado daqueles que, med:ndo a “crise da razio” que se abre por esse tempo, estimam que o modelo de cientificidade - 0 modelo das ciéncias da natureza — reivindicado pelos soci6logos ja esté obsoleto, fe que seria conveniente reconstrui-lo sobre novas bases. Aalternativa pragmatica: as “ciéncias do homem” E nesse contexto, e em particular a partir desse debate, que deve ‘er situatla e compreendida a outra propasigio esbogada entio para or- ‘ganizar as relagdes entre a histéria © as ciéncias sociais, Ela no possui € nao possuiré jomais a nitidez ¢ a seguranca epistemoldgica do projeto durkheimiano. Para falar a verdade, ela apresenta menos um modelo de cientificidade do que sugere um procedimento empitico: provar 0 movi- ‘mento ao caminhar. Em 1900, Henri Berr funda a Revue de synthése historique [Revista de Sintese Histérica]. A nova revista, cumo todos os empreendimentos ulteriores de seu animador, destinava-se a acompanhar a realizagio de um projeto desmesurado de sintese enciclopédica dos conhecimentos. Mas essa grande arquitetura importa menos do que a maneira de fazer que é escolhida. Trata-se de criar um espaco livre ~ ¢, reconhegamos, fragilmente ordenado apesar da obsessic classificatéria de Berr ~ de confrontagio entre priticas cieatificas que, as mais das vezes, ‘se ignoram. E como Bert esti convencida de que a hist6ria, e nio mais a filosofia, pode ser 0 espaco da sintese dos saberes, a primeira ocupa ‘em seu programa um lugar central, melhor: organizador. As Annales, fundadas por Merc Bloch ¢ Lucien Febvre em 1929, tomario a sucessio a0 afinar 0 projeto,livrsndo-o de suas eseérias ¢ de suas aderéncias mundanas, dando-the ainda a lesitimidade universitéria que the faltava, Bloch ¢ Febvre, cujas posigées, aligs, nio sio exatamente idénticas, io bons exemplos da trajetéria que aqui tentamos precisar. Um ¢ outro formaram-se nos primeiros anos do movimento durkheimiano, ¢ ambos reconheceram sua divida intelectual em .elagio a Durkheim: sua escolha de uma histéria social e sua recusa 3s compartimentagées disciplinares SyueyyeMIs eUIN vfo wOD uItOS wo WEY anb > “uoisny & sealsuarxa0a opow mnSje op ors ‘e:Bojorsos ep 2 vFojodonue ‘ope nas sod “e]uouos9 vp sen sorolgo eougrsty osigue @ 40039) tn ofedie ow sos som 9 on soe opuoyome! sopnysa! snas 9 sorusuuypaooud snas Temp wyquie) osenb ~ oateroduy, ousout ‘red sour sossop sag5npoid sop sages ‘pun ap ‘0 buy cu apepiss20ou &, s9puodsa1209 optpod tt -deouce 3 ‘ejuvo eidgid ens 10d “wren sessou onb uio oyuawour oa ‘anb oput ‘epfotoxe opSeunev ojuowreprony own v ‘onb op stout 29j ‘oqwauremBas ‘e}q -sietoos setougr> stjad sopedn20 sop oued sojei © a1qos sasopeioisty sop soghisod se 9 wSuasoid jodosue e ‘oroupi000 op axdwios joa ‘ssneyy 9 2119} woWN WHR ‘ep no wordng “y ‘sojuazoyip 01 ‘sefougtiodxo se “opue) stew opSeio8 ew ‘sjodop (ov-6¢61) ‘{tepney opeparsos w] a7mpopt 7171208 77 cE6T) ‘[essouesy yes euonsy ep sieuidu0 susSeuosiod] asroSuvuf aypura autoisty, 2p xmous}10 SOISOUNCOSOUVSSY 98 i i 4 ogxayor [81 s290IS0p 9p equoe ‘e ‘worasseg opne|-ueof “owuewodur ego vw 0 wos ‘pesuad :09 ej2 oduto) oy}nws 40q “S{eI90S Se|oUQ}9 sup 0198 OW teded o syugopos wsed sim “ONO v IN WeIgAD91 9s Ogu anb sorafexd ap suige op wis sew ‘sorcuy{diostp sowsuEInonsed sop wc odadsa 0 rewuoupsedoa e seuo1 9p OBTD wreN 9S OTN “oUreaEN op sowowpesord sop 9 tIstA ap soiuod sop wSusroyip B o1qos 9 eIwOUOINE aaqos epepuny vangyo oySejnox1a wu weynUEs onb “(inodo “ed yerpuoiod op seta: uso) ostoard 3 jorjio9 nas ap no ryBojod 9ustt| EP 109 oiu-onoind osina wo opSnjons spuntos jd vun ajou sca auiuo staayssod 2]u9ureAou 1 ODN] © 398 apod jenb “E1oI0190% ye onSunsIp ‘opuny ow ‘epeu og ‘S019u98 sop oBSNytOD -onue op ‘9p exauew vwn 9p v wIgqUIEL OPIS y19} 9g 2 OL SOUL sop vIoUgLIOdKD Vv ‘eed 0 \diosipas,, wun op e 9 wsjound y “soujo scsscu gos a1nbpe vyo onb sewoy se ep 9 *e20n wo ‘s9zey oped. os ‘nb Q “pszenpuoo sou vpp apuoe af ye wand opa> ‘opued -oiuoo souade piso ‘ojueyozius ‘ogdnaysuooa wssq “siv}o0s seiougio se wind paysuad ofedso wn ‘souod so8qur so sopufede ‘9s owoo ussed 9s opny, a1 ynsjsUOD>s seu} HOHE soUIDSspAOp ‘vloUg:0J0r 2p ‘9 oatisous 68 Sane) orafosd ofno *({e101v ‘uupjnssod anb est :apueil so ‘opoyiod owisout oN “opessrd nos t nos ‘oytiosoid nas v 0 .qiStqaruy ew onb op oxSojavoo vp [aapredosur ‘19 se}Bojoapy sopues® seu opezresus ‘opepioa lo — o1n09S OP EpEHA ct oploseN “Is wo ojofoxd op OPED -1qyssod ep 9 ondeoyuits ep ‘e198 siuerseg “ojonbe 9 onrowid O “sjoastt oad ‘osst 9 pep, sey -sejnonued en01 peo ua “wopod sa} ‘so sour ‘nofays sepranp ap 9 3205 ‘no olspiuoauy umn sosai2qeisa @ wesosndosd bs sreI90s se 1g “meunassv apod os sesorotenu ‘oyoout owwsowr ou ‘anb osede 30% IN {xO ewin 2p o1oford oudosd Q "tys0u! stow 9 scout Inuind & “opnisigos “(epLziaoU -oynw ayuowoysog 9 voqungy aust E qns extn 9s-nowor ‘stoop seprogp sonp ‘onb o9 soue sou [2108 [e1>0s e9}s14 up opeprfepoUt soya ‘o1gisty exjeToutop ep oxSnjoro vu ofduoxs sod os-asuod) SoUOUL vp opSu{na2D e odway owSDL oF wEACHIo! nb solsounsoom soavssv 98 4 ge eta 90 PassaDos RECOMPOSTOS * 0 texto de referéncia aqui € 0 artigo de F, Simiand, “Méthode historique et science sociale”, Revue de synthése historique, 1903, pp. 1-22 ¢ 129-157. 9 F Braudel, “Histoire et sciences sociales: Ia longue durée", Annales ESC, XII, 1958, reeditado em Eerits sur Phistoie, Paris, 1972, pp. 752-3 “CE. guisa de exemplo o némero especial das Annales, Histoire et structure, 3-4, 1971. Um testemunho mais mediatizado pode ser fornecido pelo balango:programa tecalizado por J. Le Goff ¢ P. Nota na obra coletiva Faire de I'histoire, Paris, 1974, 3 volumes. + A. Burguiéte, “L’anthropologie historique”, in J. Le Goff, R. Chartier, J. Revel (org), La Nouvelle Histoire, Pati, 1978, p. 61. * Desta continuidade enconitatemos um testemunho significative no artigo de J. Le Goff, “Les mentalité. Une histoire ambigha" in J. Le Goff e P. Nora (orgs. pe. 2 Pistoire, op. city . 7 & féemula aparecew pela primeira vee, até onde sei, 62 apresentacio da “Bibl éque es histoi™s” (Gallimard) por P. Nora, em 1951: “Nés vivemos 4 explosio da histria." Ela foi etomada, dessa vez em chave pokEmica, por F. Dosse, “L’Histoire en miettes". Dos Annales 3 La Nowvelle Histoire, Paris, La Decouverte, 1987. * Cf. os dois editoriais sucessivos das Annales, “Histoire et sciences sociales: w tournant critique”, Annales ESC, XII, 1988, pp. 291-3, e “Tentons lexpétiénce” ‘bid., 1989, pp.1317-23. Ver também B. Lepetit. J. Revel, “Lexperimentation contre Harbitraire”, i6i., 1992, pp. 26 * este ponto concordo com 3s reflexées proposias por B. Lepetit, “Propositions pour ¢ pratique resticinte de iaterdisciplinaite", Revue de synthése, 486rie, 3, 1990, pp. 331-8, © Jean-Claude Passeron, Le Raisonnement saciolog que. espace non poppérien de cisonement naturel, Paris, Nathan, 1991 a ‘TREs No Principio Era o Direito... Parnice Nernor Que a historia tenha nascido do direito nessa disputa entre 0 verdadeiro e 0 falso, ¢ que a questdo da verlade no seio do pensamento ocidental renha inteiramente confundido os métodos hist6rico ¢ juridico, 0 que a enquete ilustra. Forma exclusiva do conhecimento da verdade em nossas sociedades, ela se impde sobre 0 ordélio os primérdios de nosso segundo milénio, através da busca judictéria da verdade. E a hist6ria nasceu do dircito. Nestes termos é que seria con- veniente estabelecer a relagio entre a hist6ria ¢ 0 direito, embora uma tal formulagio deixe pairar a pesada ambigidade de um “direito” presente desde sempre, sempre idéntico a si mesmo, O que € conve- niente afirmar vigorosamente, entretanto, ¢ que essa férmala poss: vantagem de indicar, 6 que 0 que nés identificamos pelo termo histéria & nosso modo de conhecer ¢ de atestar © verdadeiro (0 debate ocorrido algum tempo na Franga, cujos participantes queriam definir a his- t6ria como um romance, assimilar 0 método historico a0 método ro- manesco, era um enorme absurdo, notadamente porque demonstrava © tragico desconhecimento, da parte daqueles que defendiam essa hipétese, do lugar ocupado pela “histéria” na epistéme ocidental). Esse modo de atestagio ¢ de reconhecimento do verdadeiro, portanto, re- toma, retomou,, 6 nossa tese, o(s) modo(s) de conhecer € de atestar o verdadeiro préprio(s) a0 método jur Se Michel de Certeau! podia considerar que a histéria moderna ocidental comecava com a distingio ¢ a cisdo entre presente € pasado, € porque, € antes de tudo na nossa opinio, 0 saber juridico ocidental, nisso aliado inseparivel dos tedlogos (podemos nos ceferir a esse(s) tempo(s) que Jacques Le Goff to maravilhosam estuco sobre 6 nascimenio do purgatSrio), reeserevia seus mecanismos de explicagio causal identificando seus efeitos de sent totalmente crista, do tempo, te examinow em seu = 92 Passapos nEcoMrostos Que a histéria tenha nascido do direito nessa disputa entre 0 ver- dadeiro e 0 falso, € que a questio da verdade no seio do pensamento jontal tenha inteiramente confundido os métodos histérico © juridico, 60 qui stra. Forma exclusiva do conhecimento da verdade tem nossas sociedades, ela se impde sobre o ordilio nos primérdios de nosso segundo milénio, através da busca judiciria da verdade. Demors- trar nossa tese sobre a articulagio entre histérie e dircito é, dese modo, aventurar-se, primeira ¢ fundamentalmente, em questdes ¢ 6, com efeito, propor o problema da atestagdo € da aceitagio dos modos de enunciagio da verdade no seio de nossas sciedades. Quando a enquete enquete i se tora 0 modo dominante, primordial, de autentificar a verdade, de ssuscitar em outros termos esses materiais através dos quais se atesta uma verdade, ento, talvez, algo que um dia reconheceremos como a “histéria” ji existe, porém através de mecanismos que pertencem exclusivamente As priticas jurfdico judiciériss Uma nova linha divis6ria entre sagrado e profano Mare Bloch via no ano de 1681, data da publicagio do De Diplo- ‘matica de Dom Mabillon, uma data exiremamente importante para 0 pensamento, porque nessa ocasifo estabelecia itivamente a critica dos documentos de arquivo. Segundo uma sintese recente, as origens da escola metédica dos historiadores yofissionais, também nomeados ‘posi séeulo XVII, mais do que a partir dos escritos de Auguste Comte. Todos se det stas”, tornam-se mais claras se examinadas a luz dos erudites do tm razio certamente, entretanto é preciso perceber que tudo isso ocorre porque a escola metédica saiu dos procedimentos da critica textual (da pritica da dvida met6dica) na “Ieitura” dos testemunhos, quer dizer, desses sabores que participam da identificagae do verdadeiro utilizados 1 método juridieo, desse modo efetivamente bem juridico de atestar © sentido “auténtico” de um texto. © projeto da modemidade sempre foi separar cuidadosamente o que fosse da competéncia de um conhecimento cientifico auténtico (ne- ‘tado do uma auto-interrogagio, que teodicionalmente se chama epistemologia) desse outro modo de saber, mento das “leis naturais” do mundo, mas que \do como estando Ii Jo mais ligado a0 conheci. . também tradicionalmente, ies cujos fundamentos lo a especula permanecessem principalmente tcoldgicos. Sobre essa separacio acha- mos que seria conveniente nos interr a em todo 1s, Seniio para neg: Questdes 93 ‘caso para redesenhé-ta cuidadosamente, repropor uma outra visio que nfo seguiria com certeza a idéia classica de ums “linha diviséria” entre 0 que seria da ordem do religicso e da orden: do piofano por ums leitura da verdade, Principalmente por essas razes pretendemos, através de nossos trabalhos atuais e futuros, recumpor. as teméticas epistemolégicas © jos do dife- rengas que nio csses de uma exclusio, na enunciagio-reconhecimento do hetmenéuticas, recomposigio que reeseroveria outros pi verdadeiro, entre o que seria da ordem do sagrado e da ordem do profano. Os juristas sempre se voltaram a0 culto do “documento auténtico”, via obrigatéria da comprovagio da verdade, mas que, evidentemente, ¢ ‘mesmo que isso hoje possa parecer obscuro, nico podia ser percorrida sendio quando jé pudéssemos identificar um “texto” (lembremos, a propési disso, a0 eventual desatento, que interpretar “corretamente” um texto antes de tudo dimentos discursivos diversos pelos quais se desvela “o” texto). Seja esse lestar esse “texto”, quer dizer, enunciar as regras e proce- termo “ja”, que ocupa um lugar tio particular na filosofia hermenéutica contemporfinea ¢ gragas co qual (enta-se traduzir os mecanismos cognitives pelos quais se afirma a atestagdo de um sentido. Por esse termo pperspectiva filoséfica, entende-se estar sublinhada a idéia de um movimento perpétuo no prinefpio do sentido, isto 6, de mecanismos segundo os quais, ‘compreender, "nessa erpretar, néo consiste jamais em ide jear pontos origi- nrios (¢ seu equivalente que sio os pontas de chegada), quer dizer, pontos sempre presentes (paradss do sentida) que bastaria entio identificar na propria forma da presenca, presenga eterna, presenga imutével, para atestar 6 verdadeiro. Tomar a percorer historicamente essa via equivale a abrir esse espago, nem acabado nem definido, a prior’ da ratio ocidental que poderia se esbocar a partir dos pontos de referéncia fundamentais que foram 2 exegese medieval e sua inseparivel critica “humanists, levada a cabo por jusistas como Lorenzo Valls’, © que repercutitia sobre 0 que Foucault chamou periodo “clissico” ou a aventura solitéria da Tinguagem’, Assim, pensar essa relagio entre hist6ria e direito obriga a uma reflexio que insereve em sou principio a questio da racionalidade. Identidade de método ‘Uma tal reflexio niio pode em nenhum caso, todos teri compre~ endido, dar-se por satisfeita com a época contemporanes. Um fildsofo do dircito escocés, N. MacCormick*, para definir o método juridico ta esses quatro pontos: a) pesquisar os Fatos; b) intorpretar os Fatos; Se Se 94 Passapos RecoMosTos 6) interpreta as regras; d) aprecté-tas em relacdo a0 conjunto das regras juridicas consideradas como um sistema tanto qvanto sua integragio nessa cordem. Taine, citado por Bourdé e Mar indo © método hist6riea ¢ antecipando os Langlois ¢ Seignobos: ) pesquisar os fatos; by) classified-los distingzindo cada classe de fatos; ¢) defini-los; d) esta- boclecer as reiagSes de dependéncia entre as diversas definigées para ver fem que medida formam um sistema. Notemos de passagem que os hermencutas mais finos apreciario que “a interpretagio de ums regra” entre os juristas tem por nome: “definigo dos fatos” entre 0s histori ddores mas o que 6, efotivamente, uma regra interpretada senio esse efeito r?, 56 dicta, de de sentido que ja se introduz no que se chama “o fato"? Como quer que seja, o método histérico, tal como se define ja no século XIX, 6 i (apresentado aliés muito dogmaticamente por um jurista que ainda por cima pertence a uma escola angléfona, definida tradicionalmente como completamente estranha as escolas continentais!...) ¢ essa identidade nos interroga vigorosamente, Tal identidade de métado, que H. G. Gadamer* jamais percebeu, deve ser-pensada muito seriamente e, longe de nos wolver em uma reflexdo sobre a “modemnidade”, nos envolve a0 con- {ririo em uma reflexfo que trata da questo da racionalidade ¢ que se qualifica por trés termos: ocidental, cristd, pré-moderne. feo em todos os pontas ao método juridico atual Historicismo ¢ historicidade ‘A questio da racionalidade, assim colocada, nfo se reduz a historicismo, mas se insereve na questao da historicidade. Que se deve entender por tal distingo? Digamos antes de tado, figis nisso & filosofia hhermenéutica de Heidegger e Derrids?, que a questio da historicidade pretende propor © problema do sentido come “abertura da histéria’™, Com isso, distinguimos a tus de explicagGes histGricas que “descrev: ricismo); fazemos, ao contrério, da questio ¢3 historicidade © que torna possivel a enunciag “abortura do sent questo da historicidade de todos esses conjun- verdades passadas (histo dessas verdades, e 2 traduzimos entio como a questo de toda filosofia hermensutica; essa distingfio é no apenas essencial no que concere & cnunciagio-reconhecimento da verdade, mas também pelo descarte te6- rico da hipstese relativista. Esse postulad» Ja introduz efotivamente & hipdtese de “condic “cs de possibilidade” para a Tocamos af a grai abertura da histéria” enunciagio-reconhecimento de toda proposicia de verdade. Questdes 95 ‘Vejamos 0 exemplo da critica textual “humanista” (que mais tarde seri identificada como a “filologia”). Bla se inscreve em uma perspectiva {que permanece fundamentalmente erista no proprio momento em que cconstréi suas oposigdes seminticas as Ieituras eatéicas. O historicisme, {fo dissemos, pretende estar traduzindo uma verdade “atestada histori ‘camente”. Esse 6 0 primeiro gesto fundamental de nossa filosofia herme- nGutica; ele retoma, jf 0 dissemos, Heidegger e Derrida, mas se acom- panha de uma ovtra distingdo, fundamental, € que deséa vez nos é mais especitica (apesar de nos sentirmos muito préximos do 2 distinglo entre histria © passado. sofo francés), : Historia e passado ‘Quando se “escreve a hist6ria, o “sentido”, a “realidade” sfo essas ‘variagdes significativas as quais se referia Michel de Certeau, e se ins- crevem assim, 6 banal dizé-lo hoje, numa linha, homogénea, do tempo, traduzindo assim uma relagio de causalidade (racionalidade formal): a dissipagio do mistério, do tempo presente, pela instauragic, no presente, de uma figuracio ambivalente passado-futuro, Com efeito, o que sempre se perde de vista, sem duivida porque isso parece realmente banal, € que todas as nossas interrogacSes remetem sempre a uma s6 e mesma questio: 2 que consiste em identificar 0 que constitui realmente problema para 0 ator histérico, a saber, scu prépric tempo! Se soubéssemos, sem a menor ambigiiidade possivel, quem nés somos, se a questio do sentido que é 0 nosso jé estivesse totalmenté resolvida, estaria resolvida a0 mesmo tempo 2 questio filoséfica, por exemplo nessa forma particular que é a pesquisa a razio pela qual um sentido, no preseate, se vlabora pela constituicio de um passado, se clabora nessa variagio ou diferenca; nesse gesto hermenéutico, o presente ndo é jamais presente, mas ja futuro. I 4 questo do “limite” tal como surgia, nés lembramos, nos diversos tra- balhos que tratavam de questées de método nos anos 70"! & uma tradugdo, centre outras possiveis, disso. Historicizamos assim 0 “atual” ou, 0 que d& no mesmo, efetuamos, no presente, efeitos de sentido (nogbes tie “situagio”, de “acontecimento”, de “fato"), ¢ isso s6 se pode faze rez, aqui, pouco importa) aos quais 6 reconhecido o estatuto de verdade. Nés partir de argumentos (euja fazemos acontecer alguma coisa, que podemos chamar 0 contecimento (poderiamos também chamé-lo “fato”, “situagio”...); nesse gesio, $6 0 espitito estreito pode ver 0 triunfo do pensamento subjetivista, pois se vessou ap 2 [end o woo 9 oss}, 0 anb s9z1p wun ‘owny 9p ‘iowuesndos soo yen’ uippt eusdosd essa eurgiqord 0 9 onb 9 ‘oyjeqen oprdes ‘syeuap 104 9p sexop souispod ogu anb eui>}qord oaow wn vsod owas, ‘esuop wag piso opxayos e ow soyjour oonod win ypure sowapusosdwos 9 ep ogwsonb © coyysolss ewiaiqosd owoo aodosd aonb 0 1000 oLHUa ZBJ ‘oIuasaxd op o} © edissip uasaid ou ‘siuasasd op oxjunuinisa) siuoueUaUED ung soouewued opessed 0 ‘oquasoid win 9p ov5i wos 9 ob opsop jo1d ‘sopeztoine ogjus 9 soyyosexd sous ou ordsfosd eum owos owpdxa as (caupiod nodquo) wifor ap onaau09 0 io Sou ag “(,01x01,, Ossou) BISoIe 98 opepioA vuN anb sod ol|nbe 311959 vUWN 9p OpHuDs op ossad01d WI Poeun vo [IOUT *e 1621 OLN 01 ypussed sowusu|D91uO9e op 04 soap sonb anb 0 ‘omous sous sosso opuo 98-¥anwu0} OFX} 0 pu! *, tuto “ynbe avsuadas as ostooid 9 :,01801, op (: 50 teacuasopos ‘souds op woenstuy wun sous SoNINO Uk anb ‘opunus op apspsoa & sop 9 soBojoa1 sop saroqes sossatt Loosop ‘opus op apeps9a e a20quOda! 9s syenb sojad 9 sop cidjoursd ou giso onb 4 yeweppo ape} raoid oxning tua owoo opuayea sf 9 “(onuou9 1.9 ‘opepy9a vtun ap oYuNuDIsO1) opessed tum opurjnaye ‘e0qe[o 98 (omtason ssap “[eiWapioo epep!{euozses vp viougtIedxo ep onb sous epett ap ees SOLSOUNOON SHAVES 96 noted unpsse © ‘OHDIIP op exjosoyyy Pup “oysodosd op v10) wHsSE nOIy p sozip vsed ‘oustan ‘opeprouoisiy essop orSeBouaqut y voipap os ‘woquuey 9 onb ‘ovraip op eyosotly v “apep!oy01 “onage pf odtso win wo opuas ardurn> 9s ovtt opnyuss ap ossaoord wp) “esroubU! ewisour ep oprsoyuosos oxdwos St Sepo1 9p 2 soquoULUOD so sopor ap ‘So|nas so ‘sopo1 ap ‘sodua} so sopo} 2p suatoy so sopoy anb jess9atun ~uosoud opessed 9 opessed ayuasaad *jaastodsyp ‘oy o1ofgo oss9 oto opessed 0 rqoouod O14 tuey91 sog5ez ras oxduros ‘your nu Swsse soueju9} “sy V0 ‘st 9 sezo1i99 se synsysuos oyywsed onb 9p on1gou09 ossou weyuo0 gf oney sinb gwoye eyosorly © onb ‘pepruspow edeoso onb oSedso wn eyuasopas epiqaoucd Wis: nquowsay Vy -,SOUISAW SOU, a1qos BULOUL sou “cutsuo sou pf 9 opesoauy 9 opessed wn onb « aiqoad y auge 98 ,o1u2sard, ossou onbiod g -umaydy as onb “o19 sora -und ‘seifor op oxderounus e owe oornguauiay oss9ao1d 0 “olspsuOo oe ‘sowaqaouoa “(uSuasoid ep eorsiyeioul ‘apeprruapl) [aajasoustoo adios umn sejnisod ap aBuo] ‘,opessed,, cp soumeSoqso onb opSdsou09 Jaq jafqo wpoupioyas ‘owos tisse ‘ours 198 op ovsonb g ‘eonpu 66 sey sesadso 9p aqu0Z opis yaoi anb apep: “orXe2 OssOU 9p o1Dsu! 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Que 0 Ocidente cristo, pré- moderno, renove as experiGneias da racionalidade, nés induzimos forte- mento desses signos quo sio as estruturas ten.poririas, esses segmentos de tempo linear, dotados de sentido (causalidade), “Historia est rerum ‘geszarum narratio”, por principios que reconstroem o passado e se estrutura como um relato, gesta temporum; a histéria é assim uma representagio, descriptio temorum, mas cla é também ¢ finalmente uma certeza, ¢emporum cerzitudo; a cronologia tornou-se uma precupacio constante, obsedante, de um tempo tomado integralmente mensurdvel, uma medida dnica (que nos anuncia jé a racionalidade filol6gica). Se 0 “Ocidente cristio, racional, pré-modemo” é esse “Texto” dizia Hugues de Saint-Victor; 0 verdadciro se prova particular, & leitura do qual se exercem a epistemologia ¢ a hermenéutica, ento uma tal especificidade se inscreve nessa indisscciabilidade entre método histérico ¢ método jurfdico, Os conhecimentos diversos ¢ sempre renovados que participaram, que ainda participam, do que reconliecemos como a histéria, sio insepariveis desses conhecimentos que eram, que io, operantes no método juridico. A hist6ria no se separa em nada deste mé:odo, tudo © que se reconhece como © pensamento ocidental na ex- perigneia da racionalidade traduz exatamente essa indistingio entre @ histéria e o dircito. Ainda uma vez, 0 fato de 0 oficio do historindor ter suas regras, que niio coincidem forgosamente com as remete a um problema, diferente, que no tinhamos a intenclo de tratar; € a dogmética juridica se afastard muitas vezes de numerasas regras que o historiador consider: 10 honesto de sua profissio (pensemos especialmente no papel da ficgo em certos racioefnios juridicos). A experiéncia da racionalidade ocider clzsio, tal como tentam traduzi-la as pespectivas hermenduti epistemolégicas, se apresenta como “gras que um jurista pode util como snciais ao exer- s saberes, sempre renovados, que coshecem ¢ reconhecem, instituem ¢ interpes:am esses signos que cons- tiszem um “Texto” (que nfo € 0 livro), que ado é jamais desde sempre © Gesde ji dado a ler, mas que se institui como uma eseri de eituza the ceujos modos “io constitutivos © nos quais participam, participaram de Questdes 101 maneira essencial, 0 que se reconhece, 0 que se reconhecia (vestigios em parte também perdidos), como a histéria e 0 dircito. Notas * Lieriure de Vhistoire, Pats, Gallimard, 1975, p. 9. ? Nao € flcil falar em to poucas piginas do que constitu, jé Né vérios anos, lum aspecto essencial de nosso trabalho, A questio da hist6ria atravessa, cefetivamente, mais ou menos conscientemente, mais ov menos explicitemente, nossas pesquisas de filosofia do dircito. Remetemos agui a nossas publica. ‘g6es, que puderam tratar estas questées de maneica menos alusiva: P. Nerhot (01g), Imterpretotion and realty, Essays in Epistemology, Hermencatics and Jurisprudence, Dordtecht-Boston-Londres, Kluwers Academies Publishers, 1990, em particular paginas 193-226; Legal Knowledge and Analogy. Frag: mentes of Legal Epistemology, Hermeneutics and Linguistics, Dordrecht Boston-Londres, Kluwers Academics Publishers, 1991, em particular pginas 183-198. P. Nethot, M1 Diritto, lo seritto, if senso. Saggio di Ermencutica Giuridiea, Ferrara, Corso Editor, 1992; wove edigio modificada, Padua, Cedam, 1994; Law, Writing, Meaning. An Essay in Legal Hermeneutics, Ecimburgo, Edinburgh University Press, 1992; L'ipotesi perduta della leg Padua, Cedam, 1994 3G, Bourdé © H. Martin, Les Ecoles Historiques, 5, Le Seuil, 1983, p. $2, * Por exemplo, seu ore Traité te fa donation de Constantin, radugSo francesa por A. Bonneau, Paris, 1879; texto entretanto incompleto, sendo a versio inglesa Superior The Treatise of Lorenzo alla on the Dunutin of Constantine, CB. Coleman, Yale University Press, 1922, J.B. Giard acaba de publicar uma nova versio francesa desse tratado com uma introcucio de Carly Ginzburg, O melhor cexemplo que podemos oferecer dessa critica textual humanista é a demonstracio que Valla faz da impostura que represeatava esse documenta 3 partir do termc "Augusto"; podemes também remeter a nosso estud, Law, Writing, Meaning, An Essay in Legal Hermencutics, op. ct, pp. 105-109. * Miche! Foucault, Les Mfots et les choses Pacis, Gallimard, 1966. * Nosso semi de 1985, jo de filosofia do dreito no Instituto Universitirio Europeu, Fevereiro Op. cits p. 108, Remetemos aqui essencialmente sua obra Vere! et méthode (\radusio frances) Paris, Le Seuit, 1976 ‘te -d “1 do “omdosonyd 2p ap so8soyy ‘epysiog sonboss “218140 op4 eSussayip reugnbssue> exw ‘opuas oF oYSe]>3 ‘opisonb ey, “eSuaiaj3p wp owoesesusd ojad epeifaqu 9 arb (opuss prnuosp wa no 28 soe 2s-opunsyay lwayauwa! Ogu opnuss ss1se09'u $0 °979 waed “anbred ‘jospity © anb 0 ‘opeaywuais opow wn8ye 2p 34 of =I9}5 nb off 2589 109 Ogxa}}o4 Cue 9 “ou 195 op eSuouoyip e “eign a= ab wae 1opuoaidio> sextop 2s 2 s18ins apod oF 9 9p 18) 159 ered ew 19 squoworuaptaa anb o 'spsingySanboer woo oJOsors 3559 aww issaoau9 jayssod opoU au ‘reyuosjvo> eied axdwg anys 1 oftaqaauina 20) 98 anb 0 ‘e oiduios seu “opepsoa ep ea8neur owuanpe wn 9 0% nb suuipyy w9 198B9p19}| 30 op tun ap ewioy © gos sopessed sieraaoso ‘sasso seuade Ow Seu ‘SoUHSI00 jou So se|nonHed WO “soqdaH'S uIDq o\dux9 Wn sep LILI ‘SOUPIOU SO ys J8apyou eonnguaUoy ue op ofopdse stun 7 sgoues} ojosoIy o1ed eprSawos ‘yp do “oporg 9 apepiay, £19 do *xduay 12 2413 og 95 91 wommunassiq 97 2161 WW 9p “Pe ‘9-oyonunuDAs oy . ‘any Dawn 507 yoaaypoue ‘09H 2p "He auusuDuRp;A9 Souja feAstpau aeaTax wp OD!yEHNES ‘opmise tn eieg “sowestput anb orzes vjad avauesioaid oynw 9 “ouws|an|sod wa gf 9 wisiendayy up feanvane e883 “opi 7 2nb on apuodsoss0> ‘aamnog, fp 21 1 suru C01 Sagi 0 soxsounco soavssvd ZOT ‘quarre Pode a Filosofia Escapar da Histéria? Pascas Hé, em filosofic, um certo nimero de problemas que, embora suas formulagées divirjam segundo os autores, as escolas, os estilos de pen- samento ¢ as épocas, tém uma situagao bastante permanente ou durdvel para que possamos reconhecé-los, apesar da variedade de formutagdes fe respostas. Por mais diversas que elas sejam segundo os contextos ihistéricos, essas respostas apresentam similaridades suficientes para que possamos ainda hoje compreendé-las e avalia-las, e dizer se as const deramos corretas ou nao. ‘A meu ver, a filosofia pode se cumprir sem que se faga necessa- riamente hist6ria da filosofia. Esta declaracao, para muitos escandalosa, me parece profundamente banal. Para precisar mew ponto de vista, ten- tarei, de modo esquemitico, defender duas idéias. A primeira é a de que fazer filosofia néo 6 essencialmente uma atividade de historiador, mas uma atividade de busca da verdade, ainda que se trate de um tipo de verdade especifico, de ordent sobretudo conccitual © nfo empirica ou demonstrativa, A segunda é que um dos meios de se chegar a esse género de verdade — mas de modo algum 0 tinico — é ler os autores do passado, ainda que essa leitura no tenha um objetivo principalmente histérico, ‘mas argumentativo: ela visa avaliar as teses desses autores para observar se elas podem contribuir ainda para nossa compreensdo dos problemas {que si, em uma medida muito ampla, independentes de suas Formulagdes especiticas a0 longo da ‘A cultuca filoséfica contemporsinea, ac menos na Franga ¢ a filosoti \éria dessa disciplina, parte dos paises europeus (em particular na Alemanha ¢ na Itilia), é quase for parte, em ‘um ensino da hist6ria da filosofia, e mesmo quando um curso ganha um spect um poco “sistemitica”, 0 mestre © seus ‘otalmente histérica, O ensino da filosofia consiste, em sua unos se sentem um pouco perdides quando se navega sem ceferéncia a0 que X ou Y (tal grande Figura da hist6ris da filosofia) ss0 sobre © sssunto. O curso é melhor 106. Passabos necomnostos compreendido e recebido se ele se conhecimento em X” ou exames ¢ dos concursos ama (por exemplo) “o problema do questo inoral de X a Y". Os programas dos hoje obrigados a propor dissertagbes fal 10, um grande autor, ¢ a tiltima oferecendo em eral a iltima a alguma grande figura contemporinea — segundo lcager ou Husserl. Quando ea seguia, inand Alquié, um desses grandes mesires da igfo, cle dizia, desde a primeira aula, que ndo se critica um grande jesmente aprender 2 staré no programa, ¢ muit © “seu” autor estudante escolhe um ass vezes 6a consagracio de uma carreira quando to de “autor de agrégation”. Quando um de dissertagao ou de tese, ele se propde 0 exame da obra de X, ou do problema Z “em X". Se ele e 1a profissio de professor e pesquisador, ele escrevers artigos autor, sobre tal questo em X ou Y. Quando esci ico!. Pode-se responder que tais pr o fazem necessariamente éaqucles que as Questdes 107 mais ou menos bot que faca, adi em geral que ele faz uma lloséfica da filoso! losofia ndo € s opgbes filosSficss préprias do que seja a resposta a essa pergun- que eles se perder permanecessem hist 108 _Passapos necoMpostos rita, e 0 sistema das “duas cul proporgées inguietantes. Um filésofo que se aria” (que se tornard vezes, sua di 1a primeira). Nada fora do normal: « filosofia é uma disciplina muito vaga em suas fronteiras, muito pouco segura de seus resultados e de seus métodos, para poder se desenvolver sem referé a.um discurso julgado mbém, muitzs A gar ia da seriedade? De seu conhecimento profundo de uma lingua, © grego, 0 latim, 0 rabe, ou ovtra, de seu conheci ico, uma série de dominios que estario, novamente, a servigo da hist6ria, a tnica discipl que parece haver resistido a0 ceticismo que inspiram ainda a psicologia, a Lingiistica ou a sociologia Nao lamento esse esiado de coisas. Ele permite que nossos alunos stejam, quando comparados aos que se formaram em outras tradigSes, bem mais informados quanto as obras do passitlo, e Ihes fornece uma cultura muito mais profunda Ele ainda foi o responsavel pela pro\ de tratalhos admiriveis da filosofia uma das m que fazem hoje da escola francesa em hist6ria wes do mundo. Lamento apenas que tal estado de coisas seja exclusivo, que se tenha se fazer filosofia rigorosa fora das disci pressio de gue nao é possivel 5) € que toda para fora desse territério seja vista como um mergulho perigoso nos is dos jomais. Questées 109 1 favor das quais, ou contra as quais, 0s fil6sofos do passado apresentaram ou contra as quais, nds podemos 1 razbes © objegdes. Essas questdes merccem ser ainda discutidas raades ou objegdes, € a favor cas q fam, Refiro- me a questdes como as da relagio entre o mental ¢ 0 fisico, da natureza eda existéncia dos universais, da origem e da possibilidade do conhe- icago, da realidade dos valores mor smpo e da mudanga, das entidades materiais ¢ das entidades mateméticas, ‘m por diante. Algumas dessus questOes apresentam, sem divida, certas épocas e em certos contextos, um aspecto mais problemético que com outros, ¢ existem diferencas de acento. Certos problemas assumem nomes diferentes segundo as 6pocas, ou so menos mareautes que outros. Mas, sejam quais forem as diferencas, existe um fundo comum, algo que eu nao recearia chamar de philosophia perennis, esse 30 conotado. Ha também um fundo comum, de respostas: & possfvel, apesar da variedade de formas que tomam essas teses, caructerizar de inancira trans-histérica 0 que € 0 empirismo, 0 platonismo, 0 nominalismo, o utilitarismo, o realismo ou 0 idealismo em diversos dominios. E existe uma maneira comum de proceder: 0s filésofos reconhectv se este termo nio est desses argumentos pode ser avaliads, No entanto, a filosofia nio 6 a uma confirmagio empitica de suas, to nfo consiste apenas em regras Iégicas que respeitamos para irarmos coneluses: as premissas podem ser mais ou menos 110 Passapos necomrostos do pensivel, 6 0 que distingue a filosofia das cién 16g , € a aproxima da vezes, também da fiegio cientifica. As experiéncias de imento so, muitas vezes, © melhor meia de explorer as possibilidades conceituais. Mas isso nio subtrai a filosofia & critica, permitindo-Ihe inventar qualquer possibilidade: s6 a argumentacio serve de garantia intersubjetiva da corregio das i Acabo de descrever em grandes linhas as idéias de base de uma certa concepeio racionalista da filosofia. Os prineipais defensores desta concep- Go, no universo intelectual de hoje, parecem-me ser os filésofos “anali- ticos”. Bles aereditam que existe algo como ter ou nao ter razio em filo- Sofia, que se podem enunciar teses ¢ submetG-Ias a critica, que quanto mais, se & claro © argumentativo no estilo, tanto mais se ter oportunidare de ser icado e, por conseguinte, de ir para a frente. A tradigio eontemporiinea, que remonta a Frege ¢ a Russell, me parece uma das melhores encarnagdes esse estilo, Os Hlésofes dessa tzdi¢ao trabalham, em geral, mais na escala do artigo que na do livro: pretendem produzir contribuigies curtas sobre assuntos especificos que, em geral, recebem respastas, ¢ o debate pode se desenvolver. Um artigo ¢ tanto mais importante quanto maior o nimero de Ciscussées que suscitou. O fildsofo analitico no se considera um genio, nem sente 2 necessidade de sé-lo. Nao procura produzir um sistema, nem ser um “autor”. © que ele vis é sobretudo ao reconhecimento de uma contribuicio a um trabalho coletivo?, resolvidas”? Quuis so as questoes sobre as quais esses fildsofos discutem? Se abrirmos uma revista de filosofia ana exemplo) os condi , 0S paradoxos sorites, a teoria funcionalista dos estados mentais, a teoria disposicional do valor, os cérebros em tinas, a teoria combinatéria das possibilidades, os relatos de atitudes Proposicionais, ou o predicado “vreu” de Goodsaan, temas estes que n dirdo nada 20 leigo, ¢ que fardo com que ele se pergunte como pode se ‘rater, neles, dos “grandes problemas” de que falei acima. Nao devemos nos iludir: a filosofia € hoje uma disciplina muito téeni 05 fildsofos ana itica, Iezemos artigos sobre {por iomis contrafactual ticos discutem es “grandes” questées parece muitas vezes as sob discusses de detalhe, que afigurardo aos olhos dos leitores exteriores como perfeitamente escolisticas, A palavra esti dita: a 10 de tratar de questées tradisio analitica comtemporinea, com sua pret \ependentemente de seus ant consideradas, Jentes hist6ricos, nio est Questes 111 reinventando 0 estilo € a pritica dos filésofos medievais, tio depreciados desde a Renascenga? E sobretudo, ela nc confundirs, sob a sparéneia de uma investigagio “intemporal” relativa & veidade de teses e de anilises julgadas pertinentes por uma escola de pensamento, sua figura histérica particular com aphilasophia perenris? & inegavel que os problemas tSenicos ‘mencionados acima adq jgno de interesso" esd muito ligado aos inferesses temporais, de uma comunidade de pesquisadores num momento determinado. Mas isso fam sua forma numa tradigio, que seu cariter “urgente” ou % rio implica que essas quest0es, por mais antiquadas que possam parecer, estojam ser; relagio com as questées mais perenes. Tomemos, por exemplo, © problema dos enunciados condicionais contrafactuais, do tipo se p fosse 6 caso, entdo q seria 0 caso. Os fil6sofos analiticos se perguntam qual & 1 somintica desses enunciados, isto 6, em que condigSes sio verdadeiros ou falsos. Isso parece ser uma questo de pura lingiiistica. Mas implica também problemas muito tradicionais: 0 da natureza do possivel, por oposigio a0 real, © 0 da natureza de todas as nogbes que a isso se ligam: as de potencialidade ¢ de ato, de disposicao, de modalidade, mas também a do papel dos condicionais em nossa compreensdo das ages € das decisdes, ou ainda da avaliagio da probabilidade de um acontecimento, Quem diria que essas questées nio sio “grandes quest6es" filoséficas? Vosso prever a resposta de um filésofo formado na tradicio historicista descrita acima, Ele admitiré que essas questées sdo bem tradicionais, mas contestaré que ainda possam ser propostas hoje, justamente porque, em sua opinifo, essas questOes nao podem mais ter, no contexto presente, 0 sentido que possuiam na filosofia antiga ou clissica. Nisso reside talvez a divergéncia mais prafunda entre o filésofo continental tipico € 0 fildsofo analitico tipico. O primeiro sustenta a tese metafilosdfica seguinte: os problemas filos6ficas “tradicionais” coloca- se apenas no contexto histérico no qual ainda tinam um sentido, isto é, no qual a filosofia era concebida como uma busca da verdado, segundo uma perspec € nfo critica; mas nés nfo podemos mais. depois de Kant (Hegel, Marx, Nietzsche, Heidegger), colocar os problemas assim. E por isso que, aos olhos dos fildsofos pds {pés-kantianos. pés-hegelianos etc), analitien 6 essencialmente ingénua, de uma ingenuidade que ignora iblemas © sua caducidade. O alitico reivindiea, ao contririo. esta ‘a que um kantiano descreveria como “dogmitica” atitude precisamente a inscrigio hist6riea dos filésofo igenuidade, Ele sustenta a tesc metafiloséfiea inversa: por mais interessanles ¢ convincentes que 112 Passabos recomnosros poss 's “crfticas” em filosofia propostas desde Kant, ¢ por mais historicamente determinadas que sejam as questées sobre as quais 0 fit6sofos discutem, essas posigées eritieas nio foram estabelecidas, & um Ser as py nao mostram de modo algum que problemas como o dos universais, da realidade do mundo exterior etc., cessam de se propor au, por Se proporem maticamenie”, “4 io insoldveis. Ele também no admite que essas questées cessem de se propor porque teriam sido resalvidas. Michel Serres diz que os filésofos analiticos s6 propBem questies *jéresolvidas”, pois ele reconhece, em certas problemétieas contemporineas analiticas, questées que sua cultura histérica o leva a julgar datadas, discutidas ad ‘nauseam nos séculos passados. Mas, mesmo que falta de cultura hist6rica nossa dar aos estudantes formados na tradigo analitien a falsa impressio 4c lidar com um problema novo, em nome de que se pode dizer que esses problemas foram “resolvidos"? Em que, por exemplo, o problema do sentido dos nomes préprios, o da natureza aas esséncias, ou 0 da indugfo, = respeito dos quais 0s filésofos analiticos ainda discutem asperamente, forzm resolvidos™? Nao & porque uossa cultura histériea nos faz reeo- nhecer que um problema jé foi tratado por filésofos do passado, forma mais ou menos semethante, ou mais ou menos diferente, que temos 0 dircito de dizer que esse problema jé receteu uma solugdo, ou que @ abundancia das discusses passadss que no alcangaram resultados tangiveis prova que € iniiil continuar diseutindo sobre ele. De Serres adots ‘ob uma uma atitude positivista: ele pensa que o: problemas filo séficos que nao foram resolvidos pela ciéncia sé podem ser problemas metafisicos vios, que € necessario examinar de novo. E os historia- dores que pensam que ndo vale a pena retomar este ou squele problema tradicional justamente porque j& foi discutido, adotam implicitamente, Wu a idéia de que esse problema jé recebou uma solugao satisfat, certo autor, ou entiio a idéia de que essas questées nio tém solucio. Nao igo que ess: Juidas. Mas ndo vejo em que isso foi mostrado. De fato, eu também suspeito que, em filosofia, a maioria das respostas aos problemas tradicionais é conhecida, Sabe-se, por exemplo, qual & a resposta “realista” a0 problema dos wniversais, possibilidades devam ser ex quat a resposta “nominalista”. Mas isto nao significa que a questio tenka sido resolvida, nem que no se possa fazer prog rcensio. O progi sso em filosofia se prende muito raramente a natereza das posigdes e das teses defendidas. Prende-se a natureza dos métodos, das estratégias de argumenta Questies 113 A hist6ria como jurisprudéncia Se adctarmos @ atitude que descrevi, a histGria da filosofia nao é 6 tribunal de segunda instancia, ou mesmo 0 supremo tribunal de justiga dos problemas fileséficos; nem o tribunal de primeira instincia (ou, pelo ‘menos, 0 tinico tribunal de primeira instncia). Podemos levantar questées filos6ficas, e tentar responder, sem nos referirmos necessariamente aos grandes fildsofos do passado. Esta atitude tem sido muitas vezes ilustrada pelos fildsofos analiticos. Alguns deles, como A. J. Ayer ou WV.0. Quine, excluiram essa disciplina dos departamentos em que ensinavam. Em conseqiéncia, seus alunos e seus discipulos discutiram de preferéncia as teses de Ayer © de Quine, ou de seus contemporiincos imediatos! Nio ereio que, com isso, a filosofia tenha necessariamente perdido, salvo, evidentemente, quando essa atitude era imitada por filésofos de menor envergadura. Mas, finalinente, em que esta situagio difere da maneira como as escolas filos6ficas se constitufam no pasado? Contudo, essa atitude voluntariamente anistérica é uma fiegé: as teses dos outros fildsofos, quer sejam ou ni afastades no tempo, ¢ 0s fil6sofos analiticos no fogem a esta regs referéncias ao que disseram os autores do passado, no pr6prio contexto de sussées acerca de questées “contemporiincas”. a histéria, Isso equivale a reconhecer a validade do ponto de vista histori- eista, que eu estou eriticando aqui? Nio, poi como se faz essa discussio. Para retomar 2 metifors juridica, dire’ que as teses dos outios filésofos © as do passado deveriam ser, para um autor contemporineo, a jurisprudéncia em filosofia4, Devemos nos referir a elas, mas essas teses uo esto, por assim dizer, fochadas sob a relagio “X ja disse que p. hist6rico). A jurisprudéneia evolui, & medida que se apresentam novos 30S (que, muito freqlentemente, vém da ciéneia, mas também das outras formas de saber ¢ pritica). Pode-se modifi por contribuir para a jurisprudéncia. Mas ela nio esti fechada, il6sofos discutem quase sempre uilas veres, encontrames neles se trata de negar tudo depende da maneira © € initil voltar a isso” (0 que se pode chamar de fecltamento a, ¢ cada filésofo se esforga sta concepgio jurisprudencial ¢, meitas vezes, criticada, Ela tende a levar 0s fil6sofos analiticos a fazerem como se tal tese, suponhamos de Aristételes, pudesse ainda ser avaliads, er) termos contemporineos, um pouico como se Aristételes tivesse p: cado recentemente um artigo numa revisia, € pudesse se dispor re nos responder em nossos proprios toriador da filosofia Michael termos. Como dizia maldosamente © 114 Passapos neconPostos ‘Ayers, 2 respeito do fil6sofo analitico Jonathan Bennett, que se tornow famoso nesse tipo de leitura, principaimente a propésito de Locke, Berke- ley, Hume ¢ Espinosa, isso equivale a fazer como se compreender esses, autores nio fosse mais dificil, ou mai que compreender o prépri Bennett’. f inegavel que isso ieva a distorgGes. Critiea-se, por exemplo, certo intérprote de Aristételes, que procura utilizar as categorias da logica contemporinea para compreender a légica e a metafisica deste iltimo, ou que confronta as toses de Aristételes a respeito da alma com teses contem- porincas, como o funcionalismo ¢ a tcuria materialista da identidade do espirito e do corpo®. E evidente que os intérpretes podem cometer erros, fe que tal ou tal reconstrugio de uma doutrina do passado em termos contempoi de um autor, ou deforma seu verdadeire pensamento ~ caso possa ser mostrado que essas reconstrugies so infiéis. Eu diria que depende dos casos, dos tipos de reconstiusio, Mas temas também, freqilentemente, a impressio de que 6 a prépria idéia de uma reconstrugio, ou de uma reinterpretagio, de uma doutrina do pascado er termos contomporaneos, ‘ou mesmo simplesmente de uma confrontacdo entre as doutrinas do passado ¢ os pontos de vista presentes, que ilegitima, um pouco como ‘se nio se pudesse compreeender o universo de pensamento de um fil6sofo senio do interior, e como se a tinica base de medida da verdade das teses de um fil6sofo fosse o préprio autor, ¢ 6 contexto do saber que Ihe era contemporiineo, eos pode ser julgada incorreta, porque nio se aplica & letra Contra o relativismo Encontra tico dessa atitude na .¢ um exemplo bastante paradi recente rags do histsiaor da filosfa medieval Alain de Liber un tivo. do histriador “analfco” da filosofia Claude, Panaceto sobre Guillaume d’Occam ?. Panaccio propée uma lei 1a de Oceam que permite confrontar seus pontos de vista com os problemas da filosofia analitica de hoje, em particular no que diz respeito 4 questo do nominslismo, da referéneia dos signos, ou A da linguagem mental. Desde 0 inicio, ele admite separar essas questdes das posigées de Occam em teologia, ¢ poder avaliar aquelas independentemente destas. Para cle, o importante em filosofia é a formulaca de teses, € 6 porque os fildsofos do pas possivel € tem uma ignificagio filos6fica, j que se pode “traduzi-las num idioma filoséfico de ho} De Libera vé, nessa mancira de proceder, nio somente uma Questdes 115 forma de anacronismo, mas um verdadeiro erro sobre a propria natureza do pensamento de Occam. De um lado, porque, para ele, esse pensamento 6 insepardvel de sua teologia, ¢ de outro, porque o préprio “mundo” de que falava Occam no pode, segundo ele, ser o mesmo de que fala o filésofo de hoje: “Nés argumentan.os longamente, em ouiro lugar, contra a idéia de uma continuidade fenomenol6gica do mundo, ¢ contra 0 preconccito a favor da realidad que leva, em nossa opinido, indevida. mente, = crer que os Antigos viam @ mundo como nés o vemos, Nosso relativismo histérico se prende a0 fato de que toda tese 6, para nés, relativa ao undo que a viu nascer ¢ a reclama, ac mesmo tempo, para mpreendido € um holismo, e, por esta razio, é também descontinuista’. (De Libera, ibid., p. 161.) ‘Tem-se a impressio de se estar lendo um texto de Kuhn sobre os, ymas, ou de Foucault sobre a descontinuidade das epistemai. Com ofeito, a posic ser mundo, O relativismo bem ismo. No entanto, ‘embora, notoriamente, o historiador possa ser levado para o relativismo ¢ para 0 descontinuismo, nao é de modo algum evidente que esta posigio seja filosoficamente justificada, Ela repousa na idéia de que existem, segundo épocas ou segmentos variados, “esquemas conceptuais” ou de pensamento, intraduziveis no idioma de “outro” esquema, ¢ que, por n questo. De Libera parece ignorar que esta idéia foi criticada vigorosamente por numerosos fildsofos contemporineos*, Nao procurare! aqui repetir esses arguments, Bastard uma ilustracio intuitiva. Quando Aristétcles fala da lua, designa Por acaso um astro diferente daquele de que nés falacaos hoje? Indis- cutivelmente, cle tem uma visio do mundo “suolunar” inteiramente Siferente da que nés temos hoje, e mesmo aqueles de nossos contem- ordneos que ignoram tudo da astconomia tém dele uma visio totalmente conseguinte, ndo hi referente tnico dos discursos Sistinta da que tinham os Antigos. Mas sera que disso resulta que estes niio estavam falando da mesma cois:? Existe, é verdade, um sentido, ao qual, provavelmente, de Libera faz alusdo, em que as propriedades que atribuimos. 3 um objeto fazem deste um objeto diferente, se Ihe atribuirmos outras propriedades contradit6rias com as primeiras, Por exemplo, & possivel sereditar, neste sentido, que o doutor Jekyll © Mr. Hyde sio dois ind Gistintos, ou que o estrela da tarde niio é a estrel lua de que filavam os Antigos. Eles nao a confundiam com outro planeta, Talvez dissessem coisas distintas de nés (e falsas), mas inavam quanto ao referente. Neste sentido, & falso dizer que © da manhd. Mas este no €ocaso em relagi 116. Passabos necourosros mundo de Arist6teles era totalmente diferente do nosso, e que nds nio estamos falando da mesma coisa. Devem existir muitos objetos e propriedades para os quais se di ,€ isso basta para garantir uma compreensio num grande nimero de casos, jé que podemos traduzir o grego. De Libera responderia provavelmente que, se isso é talvez verdade pata objetos mundancs habituais, muito menos certo para os ubjetos teéricos, ou pelo menos nio empirices, de que se trata em filosofia: a alma, 0 corpo, ou os universais, Mas, mesmo que Aristételes tivesse uma concep. totalmente diferente da nossa, ou da de Deseartes, deve-se dedi ele ni a maesma co a alma ir que jo estava falando da mesma coisa? Quando os gregos diziam que » medo esté nos joclhos, designavam por acaso uma emogio tio profundamente distinta? Afinal de contas, eram humanos, ¢ néo primat nao to diferentes, genética © biologicamente, de nds. Se um marciano ou um leo pudessem nos falar, pode ser, como dizia Wittgenstein, que és nio pudéssenos compreendé-los. Mas existe uma continuidade itiva, natural, suficiente para que possamos compara:, compreender, € discutir as opiniées dos humanos do passado. Sem 0 que, duvido que hist6ria fosse possivel, levissemos 0 relativismo até a je que fala de Libera. Quanto ao “holismo” que ele invoca, parece-me ou trivial ou absurdo, Se © holismo significa que existem lagos de interdependéncia reeiproca entre as teses de um filsofo em diversos dominios, ¢ entre sua obra ¢ a de seus contempo- Haneos, quem 0 negaria? Mas se o holismo significa que a “realidade” de que fala um fildsofo é sempre interna ao “mundo” que ele elabora ¢ 20 gue elaboram sous contemporineos, nfo vejo como disiinguir a filosofia da literatura, que, cla também, constr6i “mundos” eoerentes. E possivel compreender as teses de Occam sobre a semntica independentemente de sun teologia, ou as de Descartes sobre a meta independentemente de sua fisica? Provavelmente aio, se nés nos interes- sarmos unicamente por Occam, por Descartes. O que eu reivindico € © direito de separar certas teses de outras para avalid-las. Ora, 6 evidente que as teorias de Oceam sobre a semantica ainda podem ser discutidas pelos contemporincos. Se nfio pudessem si Lo. as eritieas que os contem- ineos dirigiram a teoria das suposigdes. por exemplo, nfo teriam jum sentido”. Pior ainda, a discussio cacional dentro do préprio contexto contemporanco também no teria aenhum sentido, Pois isso fi j2 que eu no posso, por exemplo, compreender 0 que um westbes 117 hoideggeriano entende por Dasein, porque nfo vivo no mesmo “universo” de pensamento. Ora, por mais dificil que possa ser para mim, e-eio poder comprecnder o que ele eniende com isso, ¢ crtici-Io, Descontio que os que sustentam 0 contrério acreditam que a discussio racional é impossivel, © quc $6 6 possivel a exegese histOrica do que foi pensado. Nada disto implica que nio haja incompreensoes, causadas m do pensamento. Se nio podemos fazer filosofia totalmente livres da gravidade, desligados de qualquer conheci- mento hist6rico, é igualmente errado nos privarmas do que désseram os autores do de inspiragio. Existe contudo um bom uso da histéria em filesofia, que consiste em supor que 0s filsofos do passado procuraram visera verdade ¢ dar razées do que eles afirmam, que o que nds fazemos no € muito diferente, ¢ que é isso que nos permite nos comunicarmos com eles, para allém da histéria™®, vvezes pola ignordincia da hist6 ado, pois isso ainda pode nos servir e ser fonte pormanente Notas 4 Devo essa observagio a J. Proust, em sua introdugio 20 niimero ée Philosophie, 35, 1992, sobre Philosophie continental et philosophic analytique. ? Uma boa ilusiragio das diferencas entre este estilo e o das priticas “eentinentais™ cortentes & 9 mimero de pessoas a quem, cm geral, © autor de um artigo agradece. Uma anedota o relembra. Hi alguns anos, uma polémica opis 0 jcamo J, Searle e J, Derrida. Searle evticava, de modo efet lgumas proposigbes fantasistas que Derrida fazia a tespeito di teoria dos alos de lingvagem de Austin, Derrida respondeu num longo texto enpolado, ¢, Sobretudo, tendo notado que Searle, no fim de seu artigo, agradecia a alguns colegas e amigos por suas abservagdes, fez como se estivesse respordendo, no 8 um individuo, ¢ sim a ume sociedade anSaima; daf o titulo de sta #>sposta Limited Ink (ogo de palaveas!) (ef. Derrida, Limited uk, Paris, Galilée, 1990, © J. Searle, Pour réitérer le 1990). No fundo, Derrida estava surpreso com o fate de se poder «scr comum com vérias pessoas, elaborar os textos num trabalho mais ou menos coletivo, Sua reagio era bem tipica d2 atitude das fildsofos continentais, para (8 quais se exereve sozinho (como foi notado frequentement, foram 9s fil6sofos morte do autce”, que Finalmente se encontraram mais dopressa na condigio de “autores”) filgsofo am breve, diffsrences, trad, ft 1. Provst, Combss, L'Belat, 1s me fez observa, un dia, que a tearia Segunda a qual a sentido dos nomes proprios & dado por uma cescrici0 definda "J" se encontrava em ‘Anvisteue. Em si, & observacio € interes‘ante, Mas 0 que € que ela 210v8? Que 118 Passabos necoMrostos Russo teve predecessores? Quem o negaris? Que, porque nihil novi sub sole, nio vale a pena discutir disso? Leibniz rata que mostraram a Casaubon a Sorbonne dizendo-the: "Aqui se tem discutido durante seculos”, e que ele respondeu: “C que foi que conclufram?”. O fatu de que as discussdes em filosofia nd chegam a uma conelusio signifies, por acaso, que clas nunca chegario a una conclusio? Esté cerrado, O acotdo € © progresso podem ser obtides em certos pontos. Por exemplo, hoje conlecemos as implicagbes da teoria do sentido dos nomes préprios como deserigBes muito melhor que hi vine séculos. 4 Tiro esta erminologia de I Ishiguro, “La philosophic analytique et Phistoire de la philosophie", Critique, 1981, aiimero especial sobre Les philosuphes angio saxons par euxsmdmes. MM. Ayers, “Analytical philosophy and the history of philosophy”, in J. Tée, M. Ayers © A. Westoby (ed), Philosophy and its Past, Brighton, Marvester Press, 1978, p. 54. A orinicita critica fo ditigida a J, Vuillemin 2 propésito de seu livro De la logique 4 la théologie, Pasi, Flammarion, 1967. Por wsi.a reviravolta bastante irdnica d coisas, foi o préprio J. Vuillemin que me eriicou no segundo ponto, quando eu aprovava D. Charles por ter considerade Adstoveles como wm “materialisia nao reducionista” (el. D. Charles, Aristote’s Philosophy of Action, Londres, Duckworth, 1985, ¢ minha resenha deste livro, “Aristote et la philosophie de I’action”, 1’ de ta science, It, 1990). 7 C. Panaccio, Ler Mots, lee Concepts et les Choses. La sémantique de Guillaume @Occam et te nominalisme d'ayjourd'lui, Montres! ¢ Paris, Bellarmin e Vtin, 1991, A. de Libera, “Retour de Ia philosophic médisvale?”, Le Débar, a. 72, 1992, ppp. 155-169. Nao & por acaso que tomo o exemplo de um filbsof0 “escolistica”: ‘como vimos acina, existem similaridades induvidaveis (menos a tcologia, justamente) entre 0 estilo dis discussbes escobisticas ¢ 0 da filesofia analitica Ccontemporinea, ¢, na miaha opinito, essas simitaridades sio positivas. E por isso {que estou ainda mais espantado porque um historiador que ques, como de Libera, fazer “retomno” & Wade Média, iasiste tanto, ao contro, na descontinuidade em rel 50 8 filesofia contemporinea, quando é justamente essa continuidade que me * Em particular D. Davidson, “Oa the very ides of conceptual scheme”, in Inquiries inco Truth and Interpretation, Oxford, 1984, wad. fe. P. Engel, Enguétes sur la nes, J. Chambon, 1993, verité er Minterprétation, Ni * Por exemplo, PT: Geach, Ref © 168, sce and Generatiay, Connell University Press, 1962 Quando eu estiva aeabando a redagio deste artigo, tomei conhecimenta do de C. Panaccio, “Le la reconsirtion en histoie de a ilosop hie” (Cahiers d'épistemotogie, Questes 119 1, 189, Universidade do Québec em Montreal, 1994), que aborda es mesma temas, ce defende, muito mais claramente do que eu fago aqui, ids similores, através de uma respasta a de Libera. Sé posso, pois, recomendar a leitura de seu ensaio, cinco Os Efeitos Retroativos da Bdicao Sobre a Pesquisa Cuavve Lawovots Nao existe pesquisa histérica sem livro que ll tados. Que estratégias um publique os resul- istoriador ansioso por publicar desenvolve m mercado editorial complexo e diversficado? As custas da pesqusa histrica? ‘Avs ollios de nossos colegas do setor cientit toriadores, somos tidos por origin: pesquisas, nfo recorremos cbrigatoriamente as revistas com comit ternacional de presuncio de publicar livros em francés, ¢ até mesmo de sustentar que ff se encontra o esseneial do trabalho cientifico que produzimos. Nés Fazemos que to da edigho, pela propria natureza de a, que exige, vale lembrar, que 9 demonstragio passe prioritariamente pela narracio. ‘Acrescentemos a essa especialidade disci dade by 0, nds outros, his~ . pois, para divulgarmos nossas ura, necessariamente escritas em inglés, mas temos a nossa discipl ar uma pa:ticulari- is: na Frangs que também nos torna suspei histéria interessa um grande pablico, ela se vende bem, é comprada em revistas, em livros de bolso, em colegdes de luxo. Sem divida, os editores se queixam regularmente da conjuntura adversa', da concor infernal da fotacdpin, do gosto escasso dos jovens pela leitura © fato € que o francés gos sabem disso, ¢ que acabou de vez 0 ros de histor efeitos im efeito? Deixando-se claro que 0 em; ser Lido por am entrar numa colegio de 4. Tomemos apenas inte, nessa perspectiva? Uma revista francesa, ou mesmo amet 1m manual, que Ihe peri cer suas idéias a um grande pit Mas se cada historiador deseja que sua pesquisa pessoal — tudo, sua tese ~ seja editada, © que ocorre na real deixou de ser feita em exem| jade? Desde que a ue © miimero das teses ir dos anos 60, e que seu tamanho aumento , Mio foram mais editadas todas. E o que dizer da tese também da nova tese. Como seleciona? Como? sgada? Em outras 0 permanece det pequeno niimero de pe: a sva pesquisa um tempo bastante Ihes ofereca a possi fudo leva @ pensar que, fico coberto por essa it le oferecidas cargos aos tuldade em deixar os pesquisadores exercerem sua menos dificuldades que outros para serem editados, e que esta va a pesquisa nesse set das publicagSes, sua imp. igualmente o piblico, porque, enfim, a inho. Mas 0 “efeito pi ico bem cquinhoads, que asscgure a um lores selecionados a possibilidade de dedicar generoso, © que, apés a defesa da tos i nente numa colegio d nessas condigdes, no com suas origens, ‘no minimo aumentando, pi ‘em relago aos outros. | 124 Passapos necounosros mercado ~ este, privado ~ 6 conhecido do grande piblico, pelo menos através dos editores mais A vista, como Le Seuil, Gallimard, Fayard, Albin Michel, mas também Aubier, Le Cerf, sem falar em outros, alguns dos quais aparecem ou desparecem segundo a conjuntura. Os editores deste grupo, que obedecem estritamente as leis do mercado, tiram no mit 2.000 exemplares, comercisliz im sem difieuldade os livros de histsria, ‘mas por tempo limitado, como acontece cam as outras obras de grande consumo. As colegées, felizmente, fornecem, a uma parte desses titulos, uma vida mais longa que a um romance sem leitores, suais para estudantes da universidade 5 editores de livros diditicos perce- O terceito mercado ~ 0 m: surgiu em meados dos anos 60: beram que o forte crescimento do pibiico estadantil criava uma nova necessidade de obras de iniciacto. Os editores de livros di Nathan, Masson e Armand Colin, tentaram implantar-se nesse mereado, sticos como ‘com éxite desigual, enquanto os editores mais cléssicos, a partir de suas colegées de bolso, também procuraram aproveitar esse novo piblico. O quarto mercado € mais antigo e permanece sempre importante, jé que se trata do livro de histéria para 0 Primeiro Grau (eollges) e sobretudo 0 Segundo (Iycées). Os secretirios de educaco e os professores université- rios disputam tradicionalmente entre si a diregio lucrativa destas dltimas obres; as mudaneas de programa tém sido por muito tempo uma boa fonte de Iucro para editores ¢ autores, garantindo, se a reparticao do bolo for eqiiitativa, tiragens substanciais, A situagio atual — crise oblige — reduz as perspectivas de lucro. Ora, num conjunto editorial amplo, mas heterogéneo, © mercado propriamente cientifico permanece estreito, por ser insuficientemente alimentado pelas aquisigbes institucionais (bi tudantes e professores). Em conseqiiéneia disso, se compararmos a sitwa- io francesa com a dos Estados Unidos, nos dzremos conta de que, do outro lado do Atlantico, © mercado do lives de parece ser mais homogéneo, ¢ refletir methor a produgio cientifica, a0 passo que, na ranga, existe uma original interpenetragio de um piiblico escolar, de um piblico “culto” ¢ de um piblico “cientifico”. Mas, enquanto nos Estados Unidos a pesquisa me parece bastante estimulada pela existéncia desse vasto mercado, alimentado também por maior competi jotecas) ¢ individuais (es- Jo entre uni sidades e entte historiadores, na Fi ranca ela seria. de certa forma, contida por um sistema hibrido que impde ao historiador dirigir-se, quando es- creve, a um piiblico mais amplo que aquele, por demais limitado, de seus Queses 125 pares. Disso também deriva, talvez, uma atitude duravelmente ambigua dos prdprios historiadores em relagio ao sucesso editorial, individualmen- te desejedo, mas coletivamente suspeito. Poder-se-ia, pois, considerar que, em relagio a um conjunio homo- ‘géueo que se definiria como “a pesquisa”, a edigio se encontra, ns maioria dos casos, na mesma situagio que aquela analisada pelo historiador das citncias, quando estuda os processos da vulgarizagio cienlifies nos sé- culos passados. Redugdo, sedugio, até mesmo, is vezes, ilusio®, Redugio dos sinais mais visiveis da ilegibilidade cientifiea; recurso inevitivel a processos de seducio, mesmo modestos; coabitacio, enfim, com uma hhist6ria ndo-cientifica, que deseja se enfeitar com as plumas do pavéo. Esta promiscuidade se explica em parte pelo fato de que os editores que tomam 0 risco de perder dinheiro com “bons” (cientificamente falando) livros, precisam ganhar dinheiro com livros menos bons, comercialmente nas também pelo fato de que a opinio pibliea, como fa recentemente, « propésito da atitude dos pretensos mais vendiveis; alguém o lemb: historiadores “revisionistas™, ainda ponsa que qualquer pessoa, contanto que fale do passado de mancira aparentemente fundamentada, pode se proclamar historiador sem ser acusado de usurpagio de titulo. Resta a pergunta formulada: como apreciar 0 “efeito retroativo” de tal situagio editorial sobre a pesquisa? Na falta de enquete sisemética, procuremos tirar algum ensinamento da situagio dos anos 1950-1980, levando em consideragio dois aspectos diferentes, a amplitude da tese @’E1at ¢ a evolucio da conjuntura editorial, Salvo caso excepsiousl, a grande tese nao era publicével para um editor, que “jogava a toalha®acima de 600 ou 700 paginas: os infelizes autores deviamn, portono, rtahar € cortar ~ horrivel automutlagio ~ ou, se se recusassem a iso, reescrever completamente sua tee; com mais sorte, tinham a possibilidade de juntar uma versio vulgarizads, elaborada por eles, em colegdes que inpunham utras resriges, como Champs, Archives (Campos, Arquivas} oa La vie quotidienne (A vida cotodiana}. A conseqiéncia de tudo isso? Prolongando dois ou trés anos 0 “tempo da tese”, atrasar mais ainda para a coletividade 0 acesso 2 inovagio que ela devia constituir; mas também, para © autor, extenuado por esse penoso acréseimo de trabalho, limita: as prd- prins capacidades de se renovar investindo em outro eampo de investigagio. E verdade que, nesses mesmos anos 60, a conjuntura fivoravel podia compensar a morcsidade da A chrgada maciga de estudantes, como vimos, tornava neces stio — \clusive editorial ~ da tese. ‘pida | | 126 Passapos necourostos colocagio de novos manuais no mereado. Vara os mais ditosos, entio, Gepois da tese, a sintese; depois do Loir-et-Citer ou do Maconnais, & sociedade francesa ou o mundo medieval¥. Ou seja, a possibilidade imedia- ta, ndo somente de vulgarizar suas intuiges pessoais, mas também de ” sua abordagem peculiar. E, sem di benéfico para a pesquisa elteri 2, i830 fol Mas a conjuntura ccondmica se inverteu rapidamente, © 0 crescimento dos estudantes se estabilizou, Os editores Proctrarsm tomar suas colegSes lucrativas sem renovar seus titulos nem refundir seus manuais: com isso, a vulgarizagio dos anos 69, alimentada pelas pesquisas mais recentes, estava inevitavelmente envelhecida, vinte ‘anos mais tarde?. A renovagio dos manuais do ensino superior, atwalmente fem curso, esti, no entanto, longe de chegar ao fim. Seria preciso poder medir as conseqiéncias desses sobressaltos editoriais, mas a formagio inicial dos jovens historiadores, base indispensvel para uma pesquisa futura, soffey, provaveliaente, com 0 afasiam:ento comegaram a trabalhar no momento do Bicentenétio, ainda esteja por vir. (© mesmo acontece com a politica de autor. Os editores a favore- ‘cem, sempre em busca de novos Montaillou, mas os prprios historiadores insensiveis a isso. Com efeito, a notoriedade — cientifica? medidtica? ~ passa quase sempre por uma produgio conhecida, seniio abundante, como se pode ver a propésito da enfiada de historiadores que Pierre Nora reuniu em seus ensaios de ego-histdria. Existem, ¢ verdade, os contra-exemplos ~ uma forte noforiedade “cientifica eum fraco re- fato de se ia desses historiadores “ascéticas”'4, como no caso de conhecimento por parte do grande piblico -, mas o prdpri insistir na existén; filhos de operdrios que alcancam altas fung6es, mastra bem que, segundo © ditado, as exceedes estio af para confirmar a regra. De qualquer modo, existem na Franga verdadeiros “autores” historiadores, escritores prolifi- cos como Chaunu, regulares como Duby, Le Roy Ladurie ou Delumeau, como Corbi ou Chattier, mais raros como Agulhon, Furet ou Roche. — trata-se de exemplos, niio de lista de jaureados ~ ¢ voltemos a nossa interrogagio. E possivel medir as conse- quéncias dessa politica de “autores” sobre a pesquis a mais glo- bal? Sera que ela acabox atraindo os estudantes para os setores assim focalizados pela atualidade editorial? De faiv, podemos nos perguntar se Paremos a enumerag histo a simples capacidade de produzir “objetos histéricos” novos, de notorie- dade imediata, € suficiente para induzir uma pesquisa no setor explorado, mobilizando os estudantes, portanto, os futuros pesquisadores, ou se, a0 rio, € preciso que essa producio seja também apoiada por uma nal dos autores na Universidade, que permita dispor de isa. Com efeito, outros meios ~ humanos ¢ financeiros ~ para realizar tal pe certos contra-exemplos mostrariam que exister asos de relevo odemos, de fato, encon- 6 real, mas permanece mar- que parecem contradizer essa regta dominante tar setores nos quais a produgio cientifi ginal e sem poder sobre a instituicio universitiria. Nao era uma situagio nente, a propdsito da filos: Alain de Libera’, quase que retomando as constata deste género que evocava recent medieval, A bes desoladas de Etienne Gilson, hd sessenta anos: uma pesquiss de qualidade, mare: rodugio regular de obras cientiticas, mas c=jos autores permanecem -stabelecimentos de pesquisa coma 0 CNRS ou a EPHE, porque esse setor da filosofia ainda nia tc doe nos seu lugar no ensino Questies 129 universitirio, Nao se poderia dizer o mesmo da histéria das ciéncias, onde se encontraria uma distorgio semelhante entre a qualidade das publica (ria no mesmo ensino"? Deverfamos entio retomar o elogio da marginalidade, afirmando que é nas Erorteiras da instituigio que se elabora a verdadeira novidade? Na realidade, tal regi Lerrogarmos sobre 0 que, até agora, foi considerado como um todo, “a pesquisa”, a respeito da qual temos 0 direito de nos perguntarmos se, no futuro, ela no vai ser mais tematicamente dissociada. De um lado, uma pesquisa ligada prioritaria Bes € a presenga muito limitada desta hi tro nos leva a nos mente & gestio de uma carrcira universitiria, com uma produgio inicial (aova tese, habilitagio), que permitira a selegio dos dacentes e Ines daré possibilidade, em eontrapartida das pesadas tarefes de ensino nos primei os, de controlar, através dos terceiros cielos, 0 reerutamento da nova geragio de docentes-pesquisadores."” De outro lado, pesg) ios, menos docentes a nio docentes, agiupados em insttuigdes mais \dores vital corientadas, algumas, para a busea da inovasio, a criagio de redes interna- lonais ¢ a presenga nas estrutures editorixis!; oatras, para a produgio de strumentos de trabalho € & permanéneia da erudigdo em setores conside- rados como ma inais, mas cientificamente indispenséveis. Nao haveria entdo o isco de se estabelecerem trés categorias distintas de docentes- pesquit as qui \dores — desigualmente docentes ¢ desigualmente pesquisalores — corresponderiam produgSes editoriais diferentes, conforme se privilegiasse, aqui a pesquisa crudita, Is, « promogio da inovagio, acol, 2 capacidade de produzir macigamente teses e fornecer regulatmente sin- teses escolares? Se essas tr¢s mianciras de fazer pesquisa divergirem de. ais”, prineipalmente sendo levadas & frente por instituigSes sem ligagio entre si, haverd, sem dtivida, um risco, a médio prazo, para o futuro da quisa hist6rica na Franga. Esperemos que este “totciro-catéstrofe” no se de ficgfo histérica, ¢ voltemos mais ajuizad: nenle a nossa conversa. preco da virtude? a, colocamos a edigio em posigio de exterioridade em relagio & propria pesquisa, © que ado é exatamente 0 caso, primeiro orque os editores confiam freqientemenve responsabilidades editorais historiadores, mas sobretudo porque, se lembrarmos qu 7 ‘mesmo tempo, demonstracio e ‘veremos que o papel daquele wer — ow mandar fazer — livros € capital, j6 que ati a historia \go da pritica cientifica histériea, P amos logo nas eolegbes 120. Passabos necoMosros prestigiosas langadas pelas grandes casas editoras, nas obras de encomen- da que se tomnaram imediatamente referéncias, como Duby-Mandrou™, onde uma geragio de historiadores aprendeu “a nova histéria” antes que esta fosse rotulada, Mas hd mais coisas: La Droite en France (A Dircita na Franca] de René Rémond, La République at: village [A Repiblica na aldeia] de Mausice Agulhon, os Liew de mémoire (Lugares de meméria] de Pierre Nora por acaso néo representam, de modo evidentemente dife- rente em cada caso, “produtos” em que a intervencio editorial, aqui, para suscitar uma sintese brilhante, ali, para fazer editar separadamente a porgio mais original de uma ampla tese, acoli, enfim, para fazer nascer uma interrogagio coletiva de uma geragio de historiadores sobre um objeto novo, “cria” — parcialmente, apressamo-nos em acrescentar ~ um “objeto” singular, que marca duravelmente a paisagem historiogeifica e, por conse- guinte, muda 0 rumo da pesquisa futura? CChegando ao término deste breve percutrso, temos consciéncia de ter enfocado as relagGes complexas que unem edicdo e pesquisa histérica, mais do que medido esses muito reais, mas dificilmente aprecns(veis, “efeltos retroatives", qu ssio de descobrir ¢ deserover, E verdade, também, que nfo 6 habitual formulas as perguntas desta mancir, principalmente porque, na matéria, o observadar nio pode se dssociat do ise, toda critica, 9 recebido a que observa, ¢, portanto, toda anilise se torna auto-an 0 virlude ~ ou inconscit: autocrftica, e que é pre ia — para nos engajarmos ‘num caminho perigoso onde corremos 0 risco de nos indispormos, a0 mesmo tempo, com nossos editores, com nossos colegas... ¢ com nés mesmos. E muito de uma s6 vez, ¢ um sé homem! Questées 131 10 no ge pode liquidae no espagpexiguo de uma . Digamics apenas que este trabalho de reducSo se opera de ts mane Xe prejudiciais, embora os efeitos sejam diferentes, segundo cada pitica:cortes profundos no aparo ertio, desaparecimento de uma das partes do texto, cont doconjunto, Acrescentemos que 4 Vezes, 0 editor vé mas clatamente onde ses cleo duro da dem ‘que suas exigéncias podem ter efeitos benéTieos tanto para © autor como pa Hes + Sugcrimos nos que no tim imaginagio e no gostam de"enigmas que procuren ns ra, quecorresponderia hece, Nio ¢ preciso acrescen ante", se & que este termo ainda ro, nun “grands jornal da tarde”, tet tudo que dizrespeito&s eiéneias das el >. Charlee ali, “Lhistoren et les flsificateurs™, Le Monde, 29 de abil de 1993, p. 14 * Para os distafdos ~o¢ 05 mais novos ~, Georges Dupeux e Georges Duby. (007 piginas,€ verda- 9. Pratiques dela confession, Neste meio tempo, 132. Passapos necomrostos ports om rlagio 20 petfodo de referencia (15,788), sem que, no entanto, a prodgso iobal aumentasse significativamente; com efeito, aumerosas tevistas ~ sobcetudo regionais—consapraram ao evento um nsimero especial, sem modificaro volume de suas publicagbes. Em seguida, vem a inevtivel baixa: 1996, cerca de 12% (1,8); 1991, 10%. © Tackett Le Revolution, gis, la France, Le serment de 1791, Pais, du Cert, 1986. Titulo da obra que S. Kaplan acaba de publicar sobre © Bicentenério da Revolugio, Pati, Fayard, 1993, Entre 0s mais famosos, A, Dupront, cujy“processo de bestfieago” —se assim podemos dizer ~ foi aberto com a publicagio de uma série de anigos,reunidos sob 0 titulo Dur Saeré, Pats, Gallimant, 1987, ¢euje “processo de eanonizacio” esti sendo preparado ‘com a publicagio ~ tudo acontece ~ de sua tse, defendida hi cerea de quareata anos. A. de Libera, “Resour de la philosophic médigvale?", Le Débat, 1992, n. 72, pp. 155-16. % Acrescentemos um argumento suplemeniar:@ tum ¢os eansis por onde poderia passat unna cultura “cient tra das cigncas 6, provavelmente, 3", que falta tecrivelmen- te na formagio de base dos estudantes de Segundo Grev. Fala-se muito em incultura ‘no dominio religioso. De acordo. Mas. incultura cienificaé, sem diviea, jgualmente evidente , na nossa opinio, igvalmente prejui Uma bos oportunidade pata verificar a justeza das teses de Bourdiew sabre a reprodu- «8, que do perdesam nada de sua pertingncia, 0 que conesponderia bastante bem 3s orientagies da * Nos dltimos anos, a paisagem ciemiica se moditicou profundamente pelo efeito con- do da aposentadoria da geracio recrutada por velt= de 1960, da criagho de novos sg0s para atender ao recente crescimento dos efetives universitéros, e, enfim, da politica mais sistemstica de bolsas para teses (diversss calegorias de beneficirios) Portanto, t Universidade exesceu, 2 pesquisa universitsria (equipes e pesquisadores) ~ beneiciads com auxlios substancinis e — esperer-os ~ duriveis, Mais modests foram as mudancas petmitindo uma teal eitculasio ds pes 0 das institigbes, 1 € 0 fim da compar- * Histoire de la civilisation francnise, Moyen Age-ANe sizcl, "ed. 1958, 2vol. aris, A. Colin seis Comunidade de Meméria € Rigor Critico Dowinique Borve © ensino da histéria cortribui para a construgho de cidadéos enraizados numa comuridade de meméria livremente escolhida, endo temerosamente preservada, sem arrogincia, aberta a outras solidariedades ‘que nao a da nacao. Mas o professor de histéria ensina também o rigor critico. Quando é necessério ordenar um discurso sobre o mundo, confusa- ‘mente desenhado pelos jurores de uma awwalidade lacada, sera hierarquia nem recuo, para as telas de televisio, entao @ histéria pode ajudar a tomar essa distincia, indispensivel ao exercfcic do pensamento livre, A Franga 6 um dos raros paises ocidertais que ligam 0 ensino da histéria ao da goografia. A alianga das duas disciplinas nasce com a IIL Repiblica, Ela permitia que se apresentasse 0 hexéigono nacional como uma “pessoa” rica da diversidade de seus terroirs [suas provincias] © de uma histéria providencial. A odisséia terrestre dos dois hersis do Tour de la France par deux enjanis [A volta da Franca por duas crian- as] faz sentir carnalmente a harmonia de povoados ligados como num feixe para formar a nagio. A fungio civiea da hist6ria 6, entio, uma evidéneia, Ela aeompanha 9 fim dos terroirs: a histéria, como a go: -afia, amplia, nas dimensées Sa nagio, um quadro de referCneia até entéo limitado as fronteiras de ur cantio. A hist6ria d4 uma cultura de participaco, Seu ensino ¢ logica- mente contemporinco da construcio da rede ferrovisria ¢ da constituigio de um mercado nacional, A histér a tembém é civiea, porque o discurso ga democracia republic: 1a & constantemense alimentado por lembrangas ist6ricas, que se enrafzam numa dupla cultura: a Antiguidade greco- romana oferece, com seu feixe de exempla, uma mina inesgotivel de modelos; a narragio da longa marcha psra a emancipagio do servo medieval ¢ do burgués dar primeiras comunas, li 1.34 Passaos necompostos 1789, para derrubar 0 Ancien Régime ¢ proclamar enfim a alvorada da liberdade, di sentido a0 combate republicano contra todas as forgas que recusam 0 progresso, e puxam a lo de obscuran- tismo. Ao mesmo tempo, a expansio colonial manifesta a influéncia civilizadora da Franca no mundo, A geografia, a das manchas cor de rosa no Flanisfério, € agui, mais uma vez, a auxiliar indispensdvel de uma historia que insereve a colonizagéo na légica de uma irradiagao ao mesmo tempo espicitual e material da Veio, em seguida, o tempo da divids. No periodo entre as duas guerras, a vitéria de 1918 ainda figurava como prolongamento do grande combate pelo direito © pela liberdade, mas a suspeita rocu rapidamente as certezas. A historia contribuia para fundar 2 unidade da nacio, mas el também servia para fazer a guerra. E se alguns podiam ler a Revolugio Russa de 1917 como o prolongamento da Revolugio Francesa, com os bolcheviques cumprindo milogrosamente as prcmessas ainda nio realizadas de 1789, af também as decepcbes venceram as certezas. A descolonizacio, enfim, tornou menos limpida a histéria da ircadiagio dx Franga. O que estava em questio, nio era apenas uma viso teleolégica da histéria; a histévia erudita, a das Annales, denunciava um ensino exeessivamente centrado no acontecimento ¢ no politico, que ignorava as longas duracbes, 0s ritmos lentos do econdmico, do social ¢ das mentalidades. A narracio historia, de um regime para outro, de grande homem para grande hamem, tornava-se ridiculamente obsoleta. Enfim, as erit.cas em relagio a um ensino etnocéntrico, estritamente “hexagonal”, multiplicavam-se. © ensino da histéria devia, pois, enfrentar um duplo desafio: como reinventar uma abordagem que levasse em conta o novo lugar da Franca no mundo, e juntar os elementos que desenhassem uma nova cultura de participagio? Como produzir outra forma de discurso histé- rico que pudesse refletir, junto aos alunos, os avangos da ciéneia his- tSrlca? Os pedagogos que, no mesmo periods, mento indtil provocado pela memorizagio passiva dos acontecimentos, e insistiam, ao contra jenunciavam 0 embruteci- jo, nas necessirias aprendizagens metodolégicas, aproveitavam dessa conjuntura para aument 10 do modelo atingia poi 10 historiea, sua influéncia, A descon- 49 mesmo tem90, 0 fundo ¢ a forma da tanto, a hist6ria continua > ensinada, Melhor ainda, e reforma do tyeée indo grau) a inscreve, nas segdes literdrias © econdmicas ¢ sociai istoria Wo € muito contestado: 2 rece Quesizes 135 centre as disciplines dominanies. A demanda social junto aos professores € tao forte, que, por vezes, eles so submersos pelas comemoragées celebragdes, ¢ os campos que se thes pede lavrar para sous alunos (da cultura religiosa 4 seguranga rodovisria, da histéria da arte & educagio para o desenvolvimento...) se estendem desmesuradamente. A situagi los horatios, dos professores, dos programas Alguns dados numéricos nfo sio intteis para anal a importéncia 4o ensino da histéria © da geografia (0 par & indissocigvel nos horétios). No collége (Primeito Grau), co quinto até 0 oitavo ano, os alunos reccbem duas horas © meia por semana, ao que se deve acrescentar uma hora de educacdo civics. No iyeée (Segundo Grau), 0 horitio varia, segundo as. segies, entre tr6s ¢ quatro horas semanais; o horério 6 mais reduzido nas seqGes cientificas. A histéria © a geografia estéo totalmente ausentes na série terminal das segdes de tecnologia industrial, e seu lugar é pequeno nos lyeées profissionais. Para ministrar este ensino, contam-se cerca de 40,000 docentes de diversas categorias: agrégés, certfiés, adjoints d’enseignement, mattres auxiliaires, professores de ensino geral de colldge... 2 maior parte dos quais possiem, pelo menos, a licenga, de histéria ou de gcografia. Estes dados nao levam em conta nem os professores primérios (ou professores {das escolas), nem os professores de letras-histéria dos Iycées profissionais {que, tanto uns como os outro a como parte de sou servigo. O recrutamento tornou-se macico: na sessio de 1994 do inam a histéria e a geogrs CAPES (Certificat d’aptinde au professorat de lenseignement secon- daire) [Cottificado de aptidio ao magistério secundério}, mais de 1.200 candidates foram aprovados. Esses professores lecionam em cordisées materiais ainda desiguais e um estabelecimento a outro, mas que, de modo geral, estio melhoran- do. Quase sempre, hé uma ou varias salas especialmente equipadas (tela, cortinas...); 0 projetor de diapositivos, bers como 0 relroprojetor, jé sao de uso banal. Mas, se 0 video nio é mais exeepcional, 2 uiliz Gidatica da informatica ¢ do videodisco ainda é rara, Enfim, os centtos de documentagio © de informagio (CDI,, que existem em todos os elecimentos, retinem os recursos document trabalho auténomo dos alunos. Os programas atuais foram implementados, progressivamente, de 1986 a 1959; uv collége, estuda-se a totalidade do desenvolvimento ios, © permitem 0 136 Passapos RecomPosros histérico: a histéris antiga, na sexta série, a histéria medieval e o século XVI, na quinta. O programa da quarta série se estende do século XVIL até 1914, 0 da terceira, de 1914 aos nossos dias. No lycée, © programa da segunda série comega por uma recordagdo das estruturas do Ancien Régime, ¢ prossegue com 0 estudo da Revolugao ¢ do século XIX até a ‘década de 1880. Na primeira série, estuda-se o perfodo que vai da déenda de 1880 até 1945. Enfim, na séric terminal, © programa parte de um bbalango, em 1945, da Segunda Gverra Mundial. ¢ se estende até os nossos dias. A finalidade 6 clara: para os alunos do primero grau, uma visio de conjunto da continuidade hist ricos mais recentes, no lycée. O privilégio concedido entio & época con- temporinea se expiica, em parte, pela conjuntura politica; Jean-Pierre Chevénement era ministro da Educagio quando esses programas foram promulgadlos, Por acaso niio era urgente, na perspectiva do Bicentenirio, ica, «uma retomada dos perfodos histé~ tabelecer um ensino obrigatério dx Revolus ra sétio na décads de 1880 nio permitiria por em evidéncia a importincia das fundagSes republicanas? De modo mais geal, esses programas respondem 2 idia de que a histéria contemporinea deve ajudar na compreensio da mundo de hoje, e que ela el para preparar a0 exercicio da profissio de cidadio, E necessirio, pois, reforgar seu ensino no final do eurticulo ncesa na segunda série? Fazer comegar programa da prim 6, portanto, indispensé escolar. Alig 16 os nossos dias” es programas no sio apenas marcades pela “tradicZo republica- na torceira série, como na série terminal, © programa se estende nna”, eles testemunham também a influéncia de uma importante corrente pedagégica, que visa teorizar as modalidades da aprendizagem, ¢ que, fortemente influenciada pelas “idéias 1968" preconiza a atividade do aluno, que deve constrir, ele proprio, sew saber ‘Trata-se menos de fazer “aprender”, que de fazer refletit. As instrugoes enuncia a “aula magistral”, oficiais podem aos docentes que propenham problemiticas em lugar de desenvolver uma eronologia narrando histérias. Cada programa esti orien- tado em torno de um tema, cuja elucida durante todo 0 ano: por exemplo, a nagio de civilizaguo na sexta série. O ser © centro de interesse trabalho a partir de documentos ~ a eval parte import censinar mudou mais que os contetidos d das sanuais © comprova — ‘ocupa um: Sem divida, a man te do tempo escol: wsar de tudo, historia permanece uma disciplina “sensivel”, as centro de todos os debates ‘a_acabaram. politicos, ¢ as poltmicas sobre os programas aun Questdes 137 Que histéria ensinar? A primeira controvérsia se refere & reprtiglo, no curriculo esco- lar, dos diferentes periods da hist6ria. Sera razoavel percortet, no collége, 1 tota!idade do campo histérico, quando so cada vez mais numerosos os alunes da oiteva série que continuam seus estudos no lyeée? O que se justificava quando oitava série era uma série final de estudos, sera ainda indispensivel? Deve-se, ento, repartir, pelo conjunto da escolaridade, da quinta série & dltima série, o tempo histérico? Seria reencontrar uma velha tradigio, quando a Grécia estava confortével na quinta série, Roma na sexta, a dade Média na sétima... Mas essa organizagio, puramente ero- nolégica, dos programas, é, ela propria, criticada: por que os periodos mais antigos seriam reservados as eriancas mais novas? io seria bom, no lyeée, consagrar-se a um aprofundamento, em outra escala histérica, do conjunto dos perfodos estudados a0 collage? Ja nos anos 69, 0 “pro- grama Braudel” introduzia na Gltima série, apds 0 estudo cronolégico do Petiodo 1914-1945, uma vasia retrospective, sob a forma d2 um estodo das “cvilizagies", pond em evidencia tanta suas rizes histricas eomo sexs aspectos contemporineos. preciso dizer que, muito rapidamente, esta sitima parte do programa foi “esquecida” pelos professores. Um pouco mais tarde (1982), 0 programs da primeita série do segundo grau tentava, pur sua vez, explorar as origens da civilizagio ocidental, Este programa, te longas duragies, foi di- versamente reeebido tratado; foi substituido em 1987: eiticava-senele © exquecimento da eronologi, una JiligSo da histria nacional (a Re- volugio Francesa de 1789 nio é tratada obrigatoriamente, e 0 séoulo XIX tico, amplamente consagrada & bastante descurado). Este primeiro debate, em que a3 associagdes de especialistas dos diferentes perfodos desempenham, normalmente, seu papel, complica-se entio. Ele desemboca numa oposigio entre 0 erono- ico, que repousa, por vezes. na idéia de que o cronolégico 's a um objetivo de memorizacao passiva, ¢ que somente 1 abordagem temitica comportaria a inteligéncia ¢ a reflexio. Contra- partida, enfim, da vontade de exaustividede, muitas vezes denunciada pelos professores de histéria, 0 “peso” dos programas explicaria seu fregiiente inacabamento, segundo grande debate di lsgico e 0 tem: responder ape respeizo ao lugar reservado & histér is vezes se diz (assim, no college, studo cronolégico sistemitic, pelo menos até nacional, Menos exclusiva do que nao é objeto de um 138 Passapos necoMostos Revolugio), ela 6, entrctanto, muito presente, € de modo bem particular, para a época contemporines, Aliés, esta hist6ria nacions! mudow, Muites vores, 6 caricaturada como vi sucessio de reinados, quando ela se prende cada vez mais 8 evolugio da vida dos franeeses. O fato é,enlietanto, que, se 08 ataqucs contra um ensino da histGria demvasiasamente franco-francés esto menos na moda que na época brilhante do tereeiro-mundismo, algu- mas perguntas verdadeiras permanecem. Deve-se, pelo mencs em relagso ;poca contemporiinea (¢ 0 problema se apresenta também na geografia), continuar a snalisar a histéria ¢ 0 espago da nagio indepenlentemente da histéria e do espago europeus? Na época da globalizagio das trocas, no setia preciso deserever 0 apagamento progressive das especificidades na- cionais? Inseri o estudo da Franga num estudo mais vasio da Europa seria entio um ato de voluntarismo politico ou um respeito a realidades verificiveis? Reafirmar, ao contrrio, a permanéncia de uma hist6ria nacio- nal seria ajudar ao enraizamento, civismy ot fo-r3> opasta de voluntarismo? Isso mostra bem que o trabalho do professor de histéria nio pode escapar as press0es vindas da sociedade, E essas press6es so numerosas opi supostas, dos alunos; « imprensa publica sondagens naturalmente “acabrunhadorss”. Mas, por um lado, nenhuma enguete anterior de refe rencia permite concluir que howve, de fato, degradagio do saber histérico, iio piblica se indigna periodicamente com as ignorancias, reais ou ¢, por outro lado, as perguntas feitas, excessivamente pontuais, no podem dar conta da cultura hist6rien adquirida. Quantos jomalistas, que ficam indignados ao constatar que os alunos do Segundo Grau no tém 0 reflex 1515" quando se Ihes diz “Marignan”, s30 capazes de explicar quem Iutava contra quem em Marignan, ¢ por qué? Outras interrogagSes sio mais, 1azoiveis, Num mundo eujas evolugées recentes foram brutais, 08 pontos de rural, d feréncia tradicionais, que se enraizavam numa cultura catélica © aparecem. E verdade que os alunos no sabem 0 que & um arado ‘ou um esterroador, assim como no sabem © que é um sacramento ow Pentecostes. £ verdade que 0 proprio calendério, itmado por fetes re- figiosas, tornou-se hermético para eles. Deve: io, 0 ensino da histéria deve suprir uma forma- ao religiosa em via de desapatecimento? Seris, no caso, a titulo de let far em conta esta evolugio? Ou, ao contri conservagio de um patriménio cultural. Mas. pode-se tratar a rel como se trata um monumento histérico? (© que ilustram essas dificuldades? Todo ensino € uma busca de sentido, ex ‘ou implicita, Por muito tempo, 0 professor de hist6r Competencies 139 orientou seu ensino de acordo com uma ideologia do progresso, que reservava i Franga um papel particular em sua realizagio. Hoje, duvida- se do progresso, afirma-se menos freqientemente a excepcionalidade francesa. O ensizo ainda pode, sem divide, afirmar finalidades civicas culturais, mas hesita em ser 0 vetor de certezas militontes. Esta mutagio deve ser assumida como libertadora. As finalidades de um ensino nar a histéria é, em primeiro lugar, levar os alunos a se apropriarem de uma linguagem,especifica. Neste sentido, os contetidos do ensino so insepariveis das modalidades de sua transmissio. Apro- priar-se de ura lingvagem nio passa por uma simples memorizagio, ¢ ssim pela aprendizagem das operagGes intelectuais que permitem a cons- irugio de um discurso, Como o historiador, mas no nivel que Ihe € préprio, 0 aluno deve descobrir, analisar, classificar. Em suma, operat ‘um ordenamento no tempo. Tal documento, escrito ou figurado, cu dadocamente identificado e inscrito numa cronologia, depois é poste em relagio com outros documentos escritas ou figuradas. Pouco a powco, fs alunos aprendem as operagdes que conduzem a “fazer histéria". A hist6ria nfo é dada a priori, ela se constrSi. Manipular dados e, com- inando-os, produzir sentido: a hist6ria é uma aprendizagem do exe cicio do pensamento I6gico e critico, Fazer hist6ria com os alunos 6 também transporté-los no tempo: a hist6riu fala a imaginagao, desenhando a figura do outro, dos outros. Uma arma de quinta série compreende a democracia grega quando 0 professor toraa reais os escravos citas, que, com uma corda pintada de vermell ‘empurravam os cidadiios para a ecclesia, 0 orador quo se coroa de muta, = justiga popular da Heli Outra turma estremece ao sopro da “Grande quando o sol de Austerlitz hesits antes de iluminar 2 viteria, Assim, ora ativos ¢ construindo a Bist6ria, ora sob 0 eneanto da jarizam com a vida e a morte dos homens, werta, a paz, 0 poder, O ensino da histéria 6, pois, uma aprendizagem a liberdade, mas também da tolerdneia: comprecader o mundo afastar © medo que nasce do desconhecido. Mas. para que a tolertineia sozinha do leve ao relativismo, a histéria deve também dar a cada um o senti- nento de pertencer a uma comunidade: a{iada a uma geografia ea| ede apreender os territ6rios, a hist6ria leva a partithar de um patriménio e de tema cult (0 6, de um sistema de imagens, de referéncias e de valores, 140. Passabos necomposros Esta cultura di uma identidade. Ela 6 também libertadora. Os alu- nos, submeticios, quase permanentemente, a um fluxo de imagens ¢ de palavras no hierarquizadas, devem adquiri pontos de reforéncia, grades de leitura, um olhar ertico. E por isso, alids, que é indispensivel prolon- gar 08 programas até os nossos dias. Deste modo, a histéria nao exibe mais apenas 05 gestos das civilizagées mortas; cla afirma a continuidade da humanidade ¢ ilumina o presente A definigio dos objetivos permite uma abordagem dos problemas de programa, Deve-se percorrer rapidamente 0 conjunto da histéria (pelo menos do Mediterraneo ¢ da Europ;)? Sim, para que os alunos dominem algumas grandes referencias eronol6gicas ¢ possam siluar 0s tempos fortes do desenvolvimento histérico. Mas esta abordagem deve ser seletiva © evitar 0 enciclopedismo (como diz Jacques Le Goff, “demasiada crono- logia mata a cronologia"); cla deve também deixar a0 professor uma liberdade suficiente para que‘possa modular seu ensino em fungio das interrogages do presente; que redator de programa poderia imaginar, hi apenas cineo anos, que seria preciso evocar a Bésnia-Herzegovina? Em seguida, os programas devem atribuir seu lugar natural & petriménio comum de um povo. No lycée, « hist6ria contempordnea € indispensdvel para a formagio do eidadio, mas deve ser possivel retomar certos grandes temas dos Gria nacional, periodos abordados no collége. Entretanto, ests abordagem nao pode ser (ria escolar deve petmanecer “total” ¢ inscrever-se sempre numa trama eronolégica. concebida como uma sucessio de tomas espe izados. A, Por que, entéo, nio abordar alguns grandes momentos da histéria da clvilizacio ocidental (Atenas no século V, a Franca de sfio Lufs, 0 século das Luzes etc.), sem afastar possiveis incursdes na China dos Ming ou nos Andes dos Incas? ‘Mas no serio os programas ~ sempre objeto de polémica - que ‘ansformario, como num passe de mégica, o ensino da histéria, Os docen- a como sio formados sdo mais importantes que os programas, ¢ ainda mais capital é a coerencia da misstio que a nagio Ihes confia. Estas poucas observ: 2. Talvez elas permitam medir objetivos. O ensino da hist6ria contribui para construir fo constituem uma Joutr cidadios enraizados numa comunidade de meméria livremente escolhi € 280 temerosan cate preservada, sem srrogincia, aberta a outras solida- a de magio. Assim, jo que se cruzem os inhos da participagdo numa comunidade ¢ os da tolerfincia. Mas 0 edades. ue neces Quesoes 41 professor de histéria ensina também 0 rigor eritico. Quando é necessério ordenar um discurso sobre © mundo, confusamente desenhado peios furores de uma atualidade langada, sem hierarquia nem recuo, para a telas de televisio, entio a histéria pode ajuday indispensével ao exereicio do pensamento livre. tomar essa distinc! | Il COMPETENCIAS um As Responsabilidades do Historiador Expert Francots Bebawapa Na verdade, néo se trata de modo algum com essa reivindicagao de algar 0 historiador a patente de éugure da cidade, mas de afirmar que a sua palavra, nc observincia estrita das regras do oficio e em resposta aos questionamentos do tempo presente, a parte desvid-lo de sua vocagio, é, por outro lado, perfeitamente legitima, restiwindo & histéria sua densidade significance. Como disse bem Michel de Certecu, toda pesquisa histérica insereve-se em algum lugar na so- ciedade. Em funcao desse lugar social ¢ desse mzio de eleboracao é ‘que 0s questionamentos se fornulam, que se definem ¢ apuram os nétodos e esbocam-se riscos e uma trajetéria De infcio, afirmemos: pesquisa sobre 0 tempo presente, funcio de expertise e sesponsabilidade social do historiador caminham lado a lado. Efetivamente, nossa sociedade, tio apaixonada por historia e tio vida da inteligibilidade de seu passado, esti mais do que nunca ansiosa por compreender os grandes dramas de século: na intersegio da meméria — para aqueles que viveram aquele tempo ~ © na da histéria — para as _geragdes que aprenderam esses dramas nos livros, mas que observam em toda parte suas marcas abrasadoras. O historiador se acha entaa intimado 1 esclarecer 0 caso ea fornecer um fio condutor, aliando funcio eritiea ¢ funcio civica ~ as quais a demanda social para mostrar-se generosa acrescenta muitas vezes uma fungdo ética. Temes af, portanto, © modesto pesquisador proclamado expert, com ou sem © seu consentimento, Certamen- fe, como ressaltava recentemente Georges Duby (Le Monde, 23/01/1996), 1 bom historiador deve estar atento a tudo, & comegar p para ele © ca ¢ definir a sua missic mundo que o corea, m: 10 6 esticito quando preci la defender um lug: mente aos mitos, aos preconceitos ¢ is deformagées da conscigncia coletiva e da meméria comum. Sem perder de vista que ele proprio contribui para a elaboragio £ 146 Passapos nicomostos © construgio dessa consciéneia © dessa meméria, uma vez que nisso consiste uma de suas fungdes vitais na sociedade. Propomo-nos aqui, apoiados em um exemplo contemporineo — a hist6ria do genocidio na: 68 limites de um procedimento um pouco incomum, no qual © saber do historiador, em lugar de distribuit-se unicamente no campo cientifico, é solicitado a intervir na esfera pablica, a fim de se pronunciar sobre os graves riscos da sociedade diante de um amplo proceso negacionista conduzido por falsificadores da hist6r ta ~, esbocar rapidamente os ensinamentos ¢ Revisionismo e aboligo da razio Na verdade, nao se trata de modo algum com essa reivin de algar 0 historiador a patente de jugure da ciré, mas de afirmar que sua palavra, na observinei estrita das regras do oficio e em resposta aos questionamentos do terapo presente, & parte d2svis-lo de sua vocacio, é, por cutro lado, perfeitamente legitima, restituindo & hist6ria sua densida- de significante. Como disse bem Michel de Certeau, toda pesquisa his- (Grica inscreve-se em algum lugar na sociedade. Em fungio desse lugar € dese meic de elaboragiio é que os questionamentos se formulam, que se definem e apuram os métodos, € esbogam-se riscos e uma traje- t6ria. A isso se deve a renovacdo a um ritmo veloz das problematicas contemporineas sobre 0 totalitarismo, 0 racismo, 0 Estado, os direitos humanos e o crime contra a humanidade. Tudo isso tendo como pano de fundo a crise do humanismo e da concepgio do homem como figura soberana do universo. No que concerne ao nazismo, a primel impostura dos negacionistas, 6 se arrogarem o titulo de revisionistas: um termo em si mesmo mais do que honroso, elogioso mesmo, uma vez que caracteriza 0 procedimento de base do trabalho hist6rico, Contudo, da parte dos defensores obsessivos do anti-semitismo, trata-se exclusivamente de negar um dos acontecimentos méximos do nosso tempo, um dos mais \dubitaveis, um dos mais traba- thados: um conjunto maciga de dados incontornéveis, atestado por dezenas de milhares de documentos, de testemunhas, de vestigios; materiais, a0 ‘mesmo tempo, coerentes em sua dispersio e convergentes em sua diver- sidade: em suma, um imenso aparato erudito. © que se poderia dizer de tum individuo que tivesse a pretensio de “reve: a historia das Cruzada afirmando que elas nunca ocorreram; a histéria de Joara dAre, pretenden- do que a no foi queimada; a historia de Cromwell ou de Napoledo, cr tego Competéncias 147 cexplicando que nem um nem outro passa de uma armagio"? De fato, na base do procedimento dos negacionistas, 8 redibit6rios. Primeiramente, por tris de uma proclamada ciemtificidade, todos os seus escritos refletem as aparéncias enganadoras ddo método hiperer massa de documentagio, apontando acusatoriamente as lacunas ou os ertos que esta pode comportar; ¢ em desqualificar todos os testemunhos, augilindo a inexatidio de detalhes mfnimos, Como se apés um jantar em -0. O procedimento consiste em recusar em bloco familia, com o pretexio de qr um dos convidados se enganou ao relatar © cardipio, se deduzisse que 0 jantar nfo aconteceu! Chega-se ass pecado gravissimo contra 0 método histérico ~ a selecionar & vontade nas fontes, desprezando a maior parte delas aleyando rigor critico, a calar de mode sistemitico os dados que vdo de encontro a tese adiantada, a ignorar desenvoltamente qualquer contexto social, politico, ideolégico, que final mente nunca sio Ievados em conta, Outra hada do Potenkin: para além das aparéncias de uma argu- mentagio fortalecida por uma légica rispida e pretensiosa, na verdade, quando so oxaminam de perto os textos negacionistas, encontram-se neles somente viperinas ¢ infundadas dendincias de cardter repetitivo ou ladainhas de afirmagGes perempi6rias e desarticutadas, sem qualquer enraizamento no terreno de uma historia dominada por uma mecanica implacsvel e plena de gritos © sussurros, de aflicio ¢ de piedade. As falhas de raciocinio superabundam af em um notivel artigo nos Temps Afodernes [Tempos Modernos] (“Les redresseurs de mort” [Os redentores da morte}, 1980), no qual desmoutava ‘um a um os mecanismos das “faurissonneries”: A tomou emprestado a B um caldeirio de cobre. Quando 0 devolve, B se queixa de que caldeirio tem um enorme furo que o torna imprestivel. Observem a det de A: “12: Nunca pedi caldeirao algum a B; quando B me emprestou; 3% Entreguei 0 calde imagem desse Witz de Freud, que Nadine Fresco citava, 8:0 ealdeirio tinha um furo intacto”. Como ial arbitrariedade, pelo charlatanismo? coneluir, diante de Em terceiro lu no por invcito sepousa num esquema hist6rico tio gasto quanto simplista: a teoria Jo compl6 0 constitui de ponta ‘a ponta, De acordo com a tese desenvolvida ad nauseam, o genocidio dos Judeus nfo passarin de uma gigantesca mentira imaginada ¢ construida, inteiramente forjada devido a uma alianga monstruosa entre o capitalismo imperialist: eo comunismo stalinista, devido também & smplicidade dos 148 Passapos necomrostos vencedores ¢ pscudovitimas © & cadeia dos Estados, dos govemos ¢ das opinides ilusérias, tudo isso sob o patrocinio de Israel, condutor do jogo maléfico do processo, em detrimento da pobre Alemanha vilipendiada ¢ explorada até 0 fim do mundu. Ora, qualquer um sabe que todas as explicagdes histéricas baseadas no tema da conjuragio ¢ do complé tra- duzem no somente uma completa abdicagao da razio, mas pertencem, por natureza, a0 campo da obsessio ¢ do primitive em busca de um bode expiat6rio. Acrescentemos que, se em certas acusaces rituais proferidas mages, jesui- contra maquiavélicos orquestradores clandestinos (franc tas, 0 Komintemn..., poderfamos ter a a participagio de minorias, agindo estruturadas em organizagdes secretas ¢ dinimicas, os negacionistas, no qve Ihes diz sespeito, imaginam um compl6 englo- bando milhdes © milhdes de pessoas dos paises, das formagbes sociais © dos sistemas ideoldgicos ferozmente hostis uns aos outros, Pergunta-se quem, com excecio dos anti-semitas manifestos, pode dar erédito a elocubragses to delirantes. 10 de descc! A objetividade dos fatos hist6ricos ‘Mas é preciso ir mais adiante. Pois 0 que esté fundamentalmente em Jogo € o problema da objetividade em historia, uma vez que a resposta dos historiadores profissionais consiste em contrapor a solidez maciga dos fatos as afirmagies gratuitas dos negacionistas expert, seré que Ihe pedimos outra coisa senio que emita sua opinigo sobre a base de dados objetiva, tinica fiadora de sua credibilidade? Ora, justa- mente 0 passado seria objetivavel? E 0 que é um “fato” em hist6ria? Velho problema na verdade, que nesse estigio recupera toda a sua acuidade e que € importante apreender no corpo a corpo. ‘Que me permitam citar aqui a minha experiéneia pessoal. Como a maior parte dos historiadores de minha gerscio, sempre considerei, , quando se recorre a um na linha de Raymond Aron e de encontro aos preceitos positivistas, que toda interpretagio histérica depende de um sistema de referéncia subjecente © que, por conseguinte, qualquer anilise de um “dado” femete & subjetividade do historiador. Em outsas palavras, os “fatos” originam-se de uma escolha, pois ja estio constituides pela introdugio de um sentido na “objetividade”, ainda que provenham de materiais oriundos das sombras dos arquivos ¢ reve Jos pelo engenho do his- io niio ia dar, de modo algum, num eriam maleéveis 20 sabor toriador. Contudo, essa historiciza: telativismo generalizrdo, em que 9s dados Competéncias 149 da subjetividade do historiador a ponto de permitir reescrever de qual- quer modo a histéria. Pois o essencial do procedimento era a decifra- das componentes do passado, seu encadeamento, sua hierarquiza- io, em suma, sua participagdo no conjunto do esquema interpretativo, Nessa 6ptica, tanto era legitimo pretender que determinads batalha ou ato dipiomético tinha apenas uma importincin muito secundaria rela- tivamente as grandes forcas coletivas ¢ aos movimentos de longa duragio, quanto também nao ocorreria a ninguém apagé-los da hist6- ria, negando sua propria existencia. Mas quando foi preciso, diante das teses negacionistas, conferir de maneira piblica e notéria uma chancela de jade aos “fatos” melhor estabelecidos por meio século de pesquisa histérica, e depois transmitir na situacio pedagégica as principais aquisig6es daquela pes- quisa®, vi-me confrontado a0 dificil problema do par subjetividade/ objetividade. Lembrei-me, entio, do que Hannah Arendt escreveu num célebre artigo de 1950? sobre a aplicacae da ciéncia social a0 estudo do fendmeno concentraciondrio: esse fenOnieno, dizia ela, obtiga os pesquisadores em ciéncias sociais e os historiadores “a reconsiderarem seus a priori fundamentais” Observemos que, paralelamente, o retorno infloxivel do aconteci- mento na historiografia contemporinea obrigou a reabilitar 0 estatuto do factual, que desprezamos muito depressa, assimilando-o aos preceitos positivistas. Tantc que todos os profissionais de Clio estio prontos a admitir que os limites da objetividade em histéria dependem do proprio objeto histérico: seus limites avangam ou recuam de acordo com a na- tureza desse dltimo. Por outro lado, 0 fato, em vez de encontrar-se em estado bruto no interior de ndo sei qual dado inscrito na natureza, deve ser definido como uma relagao entse fendmenos, eles préprios atestados por vestigios e sinais visives. A partir dai a operagio h ado ¢ dissecado 0 conjunto dos documentos dispontveis, em estabelecer encadeamentos entre os diversos componentes do abjeto esiuitado ~ de acordo com um método adaptado a cada caso ~ e a construir um totica consiste, apds ter reunido, criti- atribuindo-thes coeréncia e sentido. Por outro lado, nfio esquegamos a dimensio trans nar, ou seja, 0 concurso precioso — ¢ “objetivo” trazido para 0 campo estudado pelas cid arqueologia, « lingtistica, a hist6ria das téenicas, a psicologia, a medici ‘ou a biologia, Em suma, é preeiza ressaltar vigorosamente que a pesqui 150. Passapos necomrostos em histéria no € compativel com qualquer coisa. Contra as perversas as dos falsificadores, sua dimensio cientifica, por imperfeita que seja, deve ser ressaltada com energia. Nao & essa, slid validade de qualquer expertise? Outro ponto a ser levado em consideragio: quando se aborda um fenémeno ¢o porte do genoctdio nazista, 6 claro que se deve privilegiar, na tadigio de Durkheim e de Tocqueville, de Vidal de la Blache e de Max Weber, a nogio de organi: de evitar perder-se na pocira dos acontecimentos. Sem minimizar a tentat igo, de estratura ou de sistema, a fim dimensio subjetiva no trabatho do historiador, tudo concorre para que se afirme, sem rodeios, que a historia deve ser tio objetiva quanto possivel ~ ainda que se trate nesse caso de um voto irrealizével* ~ em vez de perder-se nos meandros das deseonstrugées pés-modernas, nas quais s6 flutuam ilus6rias representagbes, frdgeis embarcagdes derivan- do 20 acaso das correntes da fiegio. De v0 ~ dentre os defensores da escols pés-moderna, até mesmo os relativistas mais radicais tiveram 0 grande cuidadc de afirmar sua sa mais ~ e 0 fato é signifies distancia do negacionismo. Assim, ele: ;cusaram-se constantemente a duvidar da experiéncia Gnica que foi a Shoak, experiéncia para a qual admitem que nio foram encontrados até entao modos de representagio adequados. No entanto, na légica relativista & Hayden White, de liberar-se do fetichismo dos fatos, esta, construfda pelo historiador em fungio de sua sensibilidade, de sua icologia ¢ de sua cultura. Assim como se rejeita, em literatura, a fixidez do texto ou, em filosofia, a fixider da iinguagem, do mesmo modo, em historia, acha-se banida a fixidez do passado. uma vez que uma “rel: tividade inexpugnivel” decorre do recurso & narrativa hi fo hd outra realidade a nao ser meio de representagio desse passado, todo “texto” tornando-se en ‘pretexto” ¢ toda hist6ria, fiegdo. Apesar de tudo, uma coisa é querer uum histori smo a todo custo, outra, & querer apagar © passado negando que cle tenha jamais existido’ O principio da verdade Para terminar, convé depreender os <28s efinones que qualquer wertise hist6riea deve respeitar ~ sem fala. evidentemente, dos impe- rativos sempre categbricos da deontolo; Aissional © das exigéneias de legibilidade ¢ uma tengo sem wépua Competénsias 151 © primeito enone consiste em reconhecer a historicidade do objeto his‘orico a (re)eonsteuir © a explicar. Nesse caso, ninguém contestari a realidade de um elo de dependé fatos ¢ 0 sto do interprotagio. Mas 0 que se procura primordialmente através do discurso, © a fortiori com a expertise do historiador, sio 6s sinais por meio dos quais uma sociedade se pensa, se exprimz ¢ se historiciza. Mas assim como a objetividade nio se confunde com a indiforenga, 2 historicizaglo nfo se confunde com o islativicmo ab- soluto 8 moda pés-moderna, Segundo enone: conecitos de base de proceditnento histGrico — tempo, meméria, testemunho, liberdade — nfo hé como jogat fora, de repente, a nocio de verdade, proclamando que, nesse dominio, 56 hi verdades relativas e parciais (© mesmo, as vezes, partidérias). Essas icia entre a escolha dos verdades contingentes © instrumentais perturbaram, sem divida, uma historia frdgil e falivel, mas que se quer acesso A verdade e busca de sentido, Seria isso uma razio para entregar-se, sob 0 efeito de uma modéstia cxcessiva, is suspeitas e as dividas epistemol6gicas, até mesmo 20 masoquismo? Nao minimizemos igualmente a dimensio cientifica no trabalho dc historiador: quero dizer o método critica com seus processos testados ¢ seus instrumentos bem afiados. Af é que reside 9 verdadeiro profissionalismo em hist6ria - e nio em alguma filigio corporativa categoria éos professores de histéria. ASnal de contas, diante da atual dos objetos histéricos e do perigo de uma histéria as migalhas, wm dos remédios nao estaris numa reabilitagio elevada e firme do principio de verdade? O que, com isso, garantiria um actéscimo de credibilidade 23 expertise historiadora Enfim, na medida em que toda busca da verdade esta ligada a um corpus de alores, a interface entre histéri ética, enquanto uma ¢ outra permanecem separadas por uma linha de demarcagio nitida, pode mostrar= se tio fecuada quanto necessiria, contanto que soja enunciada clar ¢ inteligentomente articulads. 1 t6rico responde por mente Fanto mais que, quanto mais o objeto his iscos fundamentais tais como a vida e a morte do diamte de semethantes riscos, como poderia o discurso hist6rico, observando 0 rigor e a sobrie- dade de praxe, per homem, mais 0 dislogo parece necessitio. Ali anecer impessoal ¢ gélido? Queira-se ou nio, a historia ;,e deve continuar sendo, uma Jisciplina humanista Na verdade conhecemos as miltiplas derivagies que, no passado, @ confusdo entte histéria ¢ ética nfo deixou de suscitar, quer sejam as | i 152 Passapos necomostos “ligdes” deur de uma hisi6ria reduzida & Realpolitik, ou ainda, uma vis istérin moralizadora e pregadora ou 0 cinismo maquiavélico shakespeariana do porvir dominada pelo reino andrquico das paixGes individual Nio 6 ‘menos legitimo, quando se trata de acontecimentos de tal alcanee e signifi ‘aco, querer inserir uma dimensio ética, que poderia situar-se sem muita dificuldade no intersticio eriado pelo distanciamento entre 0 objeto histérico © 0 sujeito historiador. Pois entio o acont jento assume uma dimensio rmeta-histérica 0 mesmo tempo que sua dimensio hist6rica Nessa via, referia-me naturalmente as intuigdes de Péguy nas dl- timas paginas de Clio onde, refletindo sobre “o mistério mesmo do acon- tecimento ¢ da hist6ria”, ou melhor ainda, “o mistério do acontecimento do acontecimento”, jntroduz, na fala da musa, este pensamento: “Ha pontos criticos do acontecimento como hé pontos eriticos de temperatura, pontos de fusso, de congelamento [...J; de coagulagio; de crist E ela continua, “hd no acontecimento certos estados de sobrefusio que nio se precipitam, que nao se cristalizam, que nio se determinam seniio pela introducio de um fragmento do acontecimento futuro”. Esse 6 0 segredo do acontecimento, fonte de perturbagées © renovacées tio pro- fundas que, “de repente, vamos dar em um novo povo, em um novo mundo, em um novo itomem”. Basta aplicar semelhante visio ac acon- tecimento Shoah para avaliar o quanto podem pesar as miseras denegacbes de alguns falsificadores nu que concemne a esse apelo vindo dos extremos do um saber histSrico pleno de eontido © de poder de meditagio, Notts mo armacio (supercheria) & 0 mesmo wilizads para designat © geaocidio dos 1s por um dos ehefes de fla do negacionismo. Arthur Brute, no seu livia The cat Hoax of the Xin Century (observerse que hows pode ser vaduzido por “farsa” 240" “eal”... e esforgou por fazer, por um Lado, 0 coldquio intemmacional organizado na 1 1987 sobre A politica nazista de exterminio,cujss alas foram eaitadas + Albin-Michel em 1989, e, por oul, 0 opisculo redigido em hamenagem aos ‘000 professores ve hisGria dos iceus€ colégies tranceses, sob o titulo Le Nazisme fle Génocide, produzido ¢ difundido pelas edges Nathan en 1989, reeditado en 1.79 de bolso pelas Presses Packet em 1992, H, Arendt, “Social science techales and the study of concentration camps”, Jewish ‘Social Studies, XM, 1950, pp 49-64, Competéncias 153 Pode-se nota que 0s totalitarismos contempordneos, na sua versio comunista como na sua versio anzsta,contibuiram paradoxalmente para encoryjar uma volia i idcia de ‘objetividade, na mied:da em que esta apa-eeeu como 0 antidoto 30 conhesimento dos espititos pe’ propaganda assim como is fabulagSes e mentras oicais. Dessa aspira- {Glo a dados objetivas, confiiveis e segutas, di testemunha o recente artigo, “Les Anncles vies de Moscou", do historiador russo Your Bessemetty, Annales ESC, 1992, pp. 245-259. Ver sobre esse assunto as estimulantes ansises ereflexdes (uma delas uma contibu- ‘Glo de Haytlen White) in Friedlinder (ed.), Probing the Limits of Reprecentation: ‘nazi end he “Final Solution, Harvard University Press, 1992, Ct tamivém. Young, Writing and Rewriting the Holoeast (1988), ensaio de apicagin das torias de White 0s documentos sobre 0 genocidio. ‘Como exemplo de recurso aos historiadores-experts pode-se também citar uma alua- Tidade aind: préxima, mas em um contexto totalmente diferenle—0.easo Touvier que pafxonou 2 opinido francesa =, © e380 da comissio de especalistas reunidla pelo ceardeal Decourtray ¢ de seu relatério (Touvier et !Bglise, Pars, Faystd, 1992), eujo procedimerto e rscos, als, evoquel (Le Debt, 8.70, 1992}, FRUNACAD varexoddse Hud tk aoeaeew pots Os “Tesouros” da Stasi ou a Miragem dos Arquives Exe A abertura dos arquivos das antigas democracias populares é motivo de fascinio: a verdade por tanto tempo escondida estaria finalmente aces- sivel? A manipulacdo desses erquivos, mais do que a de qualquer outro, requer exigéncia critica e rigor metodolégico, considerando 0 risco de se cair novamente nas armadithas dos aparelhos totalitérios. ‘Apés a queda do muro de Berlim eo desmoronamento da RDA, os historiadores ¢ a opinido pablica experimentaram por algum tempo a sen- sagio de estar vivendo uma situagio tiniea e uma oportunidade inesperada: de repente, tinham diante de si arquivos superabundantes € bem classi cados; a0 mesmo tempo, uma administracdo competente ¢ liberal respondia prontamente por eles, quase sem destruicdo nem soluedo de continuidade. Tratava-se nfo apenas dos arquivos da temfvel policia politica ~ a “Stasi”, com seus seis milhdes de dossiés individuais, mas, mais genericamente, de todos os arquivos produzidos, por um Estado que tinha a maaia do papel € do documento escrito, e do qual ninguém podia intitular-se herdeiro ou defensor, uma ver que cle literalmente implodira, antes de vir a ampliar a Repiiblica Federal e ser absorvido por ela. As esperancas suscitadas foram imensss: depois de quarenta anos de ‘uma penosa ditadura (cla propria sucedenco aos doze anos de nazismo), © que, A medida que se burocratizava ¢ se enfraquec , Fecortera ~ com o concurso de um aparelho hipertrofiado ($0,000 permanentes ¢ pelo menos 150,000 “colaboradores oficiosos”) — si 1,3 domtincia, & intimidags sobrevivéncia a pritica do segredo, da suspeita, do fichamento, poder ia enfim, pensava-se, mergulhando nos arquives, reapropriar o passado, voltar a ser senhor de ume histria da Poder-se-ia compreender 0 que tomara pos si mesmo como ela funcionara © porque tematicamente & vigilincia poli- , estabelecendo como sistema e principio de se havin sido despossuido, ivel a ditadura, explicar para ‘avia durado tanto tempo, 156 Passapos RecoMPostos ‘desmascarar os culpados ¢ os ciimplices, em suma, nao somente fazer brotar a verdade (pois 0 desmoronamento do regime ¢ seu balango de faléncia mostrariam com evidéncia absoluta que tudo aquilo que o regime dizia de ssi mesmo nfo passava de ilusio) mas, ao mesmo tempo, libertar-se. O ilusério segredo dos arquivos ‘Quatro anos se passaram depois dessa louca esperanca, ¢ € forcoso reconhecer que as decepcies so compardiveis a desproporcao das expec- tativas do ponto de partida, Confrontados a pos mas também a problem: i usuérios (vitimas da repressio que consultavam seus dossiés individuais, tribunais que deveriam pronunciar-se sobre a culpa dos dignatitios ¢ dos agentes do antigo regime, administragGes que teriam de gerir a heranga da RDA) tiveram de redescobrir, no sem dificuldades, 0 realismo, e aprender a modéstia A paixio com que todos se puseram a trabalhar nfo deixou de dar resaldos. Ao lago dos acontecimentos mais espetaculares © ce ma cemocional (cxibir as estruturas de vigilincia do regime e das ramificacbes r carga de espionagem intema, identificar “informantes oficiosos” ete.), evocar-se- sat andamento ~ devido exatamente & abertura dos arquives ~ de trés momentos ‘essenciais da hist6ria da RDA. O primeire diz respeito a historia da repres- sio stalinista, no apenas com a reconstitui¢ao de suas dimensées macicas, i € assassinas, mas também com todo o trabalho de reestruturagio memoriais instalados nos antigos campos de concentracio de Buchenwald, Orunienburgo/Sachsenhausen ¢ Ravensbriick, algados pela RDA A categoria de santuarios da resisténcia comunista e antifsscista, e nos quais se quer por em pritica agora uma visio mais diferenciada das coisas lo de exemplo, o trabalho de reexame € de reescrita atualmente em ¢ Integrar 0 perfodo posterior a 1945, sem com isso situar no mesmo plano -1945 © os anos 1945/19+9-1989. O so; concerne ao levante de junho de 1953, que nos dias de hoje cs anos 193 indo momento arece ter sido do que uma revolta operiria contra a amplizgio das normas fentes aos operirios da constr civil que trsbalhavam na construgio allee, j4 que veio dar numa politizacio extraordinaciamente ripida do movimento (com convocagio de eleicies livres e de reunificacio), hando 0 interior, as pequenas cidades ¢ ura parte do campo, © me Ihsnde 0 partido comunista ~ totalmente desamparado diante de um levante que no provira e que nio chegava a compreender ~ numa crise muito mais Competéncias 157 profunda do que se pensara até entdo. O tereciro relaciona-se com as dimensdes tomadas pelo ano 1968 na RDA — com os esforgos desenvol- vidos prontamente pelo Estado ¢ o Partido para xbafar ainda em embriio toda forma de contigio ideol6gico ¢ de contestacio, para sufacar qualquer perigo de derrapagem, para reforcar a apzeensio da populagio, das empre- sas ¢ da juventude, para aperfeigoar o sictema de enquadramento, de con- tucle ¢ de dominio exercido sobre os espiritos, para finalmente conveucer a Unio Soviética ¢ os outros paises do pacto de Vars6via a intervir mi- Titarmente na ‘Tehecaslovaquia. Muito rapidamente, no entanto, renuncia-se a essas pretensées comega-se a perceber que tudo no é assim tio simples, que os novos arquivos nao felam a verdade por si s6, que, como todos as outros arquivos, eles devem ser submetidos que seu manuseio s6 pode ser feito se forem respeitadas as precaugées uma critica exigente das fontes, uentares, € que mesmo bem utilizados, ¢ interrogados a partir de questdes pertinentes, no dispensam o histori- ador de seu trabalho habitual de reconstituicdo e de interpretagio - ‘iio tém resposta para tudo. Quatro exigéneias se depreendem através esse reoxame, A primeira € ressaltar a imperiosa necessidade da critica das Fontes. De imediato, efetivamente, os usuarios, inicialmente arrebatados iasmo diante das fontes abundantes ¢ livremente acessiveis, sio remetidos as regras clementares do officio, dificultosamente edificadas por geragbes de pritica historiadora: Quem constituiu as Em que condigdes? Para qué? O que expressam? O que dizem, ‘© que nao dizem? A maior parte dos arquivos da RDA sio efetivamente arquivos da superestrutura politico-administrativo-policial, produzidos por um regime de tipo autoritirio ¢ ideolsgico, que se servia de modo bastante intenso da propaganda politica. Todos, por essa razio, inclusive »s mais secretos, encobrem tanto quant pelo ent -velam. Os arquivos da policia ‘ou 05 relatérios dos “informantes oficiosos”, por exemplo, tém também po: fungio acobertar aqueles que os redigem, fazer com que seus autores, sejam tidos por eficientes, sendo, 0 mais das vez idos de modo ue agradem aqueles que os vio ler, para que se obtenham vantagens s, red aka cus autores, promogdes, ou simplesmente trangiilidade, e para ue comprometam terceiros sobre os quais poder-se-ia, em seguida, ‘aver pressio. Em tal regime de suspeita, 4e repressio constante, mas miuitas vezes intermitente, tudo 6 diss 1ulagio, tudo também é expresso 158 Passapos necomposros de desconfianga, de suspeita. Deve-se, por essa razio, consideri-lo como a palavea do Evangelho? Acreditando-se que, indo a0 ceme do sistema ¢ abrindo os dossiés mais secretos, ter-sc-ia enfim a verdade objetiva, a prova irrefutavel, nfo se tenta antecipar a decepgio, ou, pior, niio se corre 0 risco de cair na armadilha que consiste em pensar que uum niaesiro clandestino que regeria tudo em segredo, um grande manipulador que puxaria os cordées das marionetes? Com isso, no se estaria sucumbindo a teoria do comipl6 em que acreditavam precisamen- te (ou fingiam acreditar) os dirigentes do regime? Nada poderia ser pior do que considerar ao pé da ietra 0 que dizem os arquivos, pois com o pretexto da demincia purificadora, cair-sc-io na armadilha que se pre- tende denunciar, acreditando na imagem que o regime dofunto quis dar de si mesmo ~ ao passo que, precisamente, as condigdes de seu desmo- ronamento demonstram a sua vaidade. A leitura dessas fontes nao se improvisa; cla 6 at particulsrmente diffeil para os leitores ocidentais que no passaram pela experiéncia imediata das sociedades socialistas, de seus cddigos e de suas linguagens. Falsamente familiar, sua lingua deve ser pacientemente decifrada para recuperar as intengdes muitas vezes complexas dos autores ¢ as légicas implicitas de sua expressio (ede seus siléncios), pois, af, como em qualquer outro lugar, nada é mais enganador do que a aparéncia da evidéncia. ‘A segunda exigéncia ~ de uma banalidade tal que se tem pouce vontade de lembrar to evidente parece (mas as situagdes de excecao caraeterizam-se também pelo fato de que nelas esquecem-se freqiiento- mente os escrdpulos ¢ as evidéncias da “normalidade”)— é no esquecer que as fontes s6 comecam a falar a partir do momento em que as interrogamos, © que a qualidade das respostas que elas. podem dar coincide com a qualidade das questdes que se formulam. Tipica dos de dptica freqiientemente cometidos ( questées), que iespedem avangar na descoberta, € a consiste em ver tudo em fengo do fim, como se tudo estivesse de antemao condenado 20 tra- e2sso e a0 desmoronamento ~ ora a RDA durou mais de quarenta anos considerando a permanéneia do regime dos primérdios até o fim ~ ‘a0 passo que convém, 20 conti lusio acerca de possiveis turas/etapas na evolugio interna (consigerar os quar um todo s nentemente recria la letra a 8 ignifica tomar a0 p “co de permanéncia, per- pelo regime), ou essa outra ilusio que seria a de acreditar que a realidade social ¢ cultural da RDA correspondia & Competéneias 159 imagem que 0 regime queria dar ~ a0 passo que convém, 20 contrério, recuperar sua complexidade, suas contradigdes, suas discordéncias. ‘A terecita exigéncia consiste om ressaltar que as fontes no dizem tudo, nfo podem dizer tudo ~ mesmo quando as lemos escrupulosamente ¢ formulamos as perguntas certas. Num sistema em que controles ¢ vi- gilincia sio fortes e miltiplos, todos aqueles que estio disiantes com relagio a linguagem oficial e as normas do Estado evitam expressar-se publicamente, s6 deixam poucas fontes escritas (so numerasos os teste~ munhos nesse sentido de dissidentes, mas também de pastores protestan- tes) ou mascaram sua diferpnga sob as aparéncias da conformidade. Nao esquegamos, enfim, que toda uma série de processos essenciais & com- preensio sla hist6ria real da RDA foram tao discretos no seu descarolar (Condigéo de seu sucesso posterior), tic subterrineos, que © aparelho policial, por desenvolvido e curioso que tenha sido, nao os percebeu, Quando € como se dew o desligamento emocional de numerosos habitan- tes (finalmente majoritirios) da RDA, 2 passagem da adeséo (total ou Farcial) a stomissio resignada, depois & simples aparéncia de lealdade? Quando e como esse distanciamento secreto transformou-se em distancia- ‘mento ofensivo, indo dar na afitmagio da diivida o fim do medo e da submissio? Por que, afinal, o aparelhe de controle e de vigiléncia nada viu? Como entender que, como dizia Clemenceau de Poincaré, esse aparetho tenha sabido de tudo ¢ nada entendido? Tantas perguntas essen , © sobre as quais o historiador tem o dever de constituir sua docu- ‘mentagdo — tendo para isso 0 recurso no somente as fontes escritas, mas as fontes orais (oral history). ‘A quatta exigincia € finalmente uma exigéncia ética, requsrendo do pesquisador que seja particularmente escrupuloso € prudente, € que seja guiado por uma concepgio rigorosa da verdade hist6rica, Essa e1 séncia de verdade € tanto mais imperativa quanto os riscos midisticos, emocionais ¢ politicos do questionaments acerca do passado préximo mantém-se fortes, ¢ os regimes defuntos, dos quais se desoja justamente ‘manter distancia, faziam uso abundante da reesctitura ideol6gica da his- ‘6ria € da manipulagio do passado. Num ta! conterto, niio se pode, no se deve nio cuidar do que se diz, ¢ as dimensdes éticas do trabalho do tori ivas, Pois a hist6r lor tornam-se particularmente impera que se trata de escrever ou de reeserever é, em muitos 1505, a histéria de homens © mulheres que softeram, que foram feridos, que estio mareados para sempre © que reclamam por justica 162. PassaDos kc O imprevisto ¢ 0 contingente? Para além enfim desse retorno as exigéncias primeiras do oficio, surgem dois questionamentos profundos, um préprio dos alemaes, 0 outro ‘mais geral, que levam a pensar que os requestionamentos ‘corridos atualmente so mais do que simples ajustes O primeiro diz respeit na histéria da Alemanha so unicamente uma histéria por eserever (0 por reeserever), mas tam- ‘bém desafio de meméria ¢ ume,meméria por assumir ~ pelos alemies do Leste e também pelos do Oeste. Trata-se de um desafio que condiciona de alcani historia da RDA ssses quarenta anos de hist6ria efetivamente no lugar que se concede ‘0 sucesso da snificagéo alomé e cuja importincia nunca ¢ demais acen- tuar, pois © que esté em jogo, finalmente, é 2 integragio do passado da RDA ~ em todas as suas dimens6es ~ como paite constitutiva do pasado alemfio — sem que por isso sejam requestionadss as aquisigoes da RFA ¢ 61 50 do nacionalismo etc.) de sua nova relagio com o passado e com a hi (enraizamento europeu ¢ ocidental, conver democritica, rej ‘A segunda questio consiste em saber como pensar o imprevisio © reintroduzir a continggncia na escrita histérica. O ano de 1989 foi efetiva- mente uma surpresa tota ‘que ninguém havia previsto - e 0 que vem Essa sem divida alentadora ~ ainda que soja na medida em que acontecendo desde entio continua a frustrar os roteitos previsiveis, constatacio tanula as teses sobre 0 “fim da histéria” invocadas durante algum tempo. Mas 6 preciso nfio se deixar enganar quanto 3s suas implicagSes profundas © quanto a0 fato de que tal constatacio repSe em questio algumas das legitimidades sobre as quais estava estabelecido o trabalho dos historisdo- res: cla nio somente cor na a incapacidade da histéria de prolongar-se cm prospectiva, mas ainda revela a pre limites, a fragilidade ¢ 0 cariter profundamerse relative e determinado de nosis reconstrugées ~ ainda que seja evidenci=ndo mai jedade de nossos saberes, os nda a docilid: dda hhistéria, a quem se pode pedir que explicue tudo, ¢ que se deixa tio facilmente instrumentalizar pelos poderes contes. Todo historiador que trabalha com a RDA vé-se confrontado em uz womento qualquer com a questo da cegueira da disciplina: timidamere colocada depois de 1989, questiio de saber porque os especialistas ds RDA eriaram tantas ilusdes 14 seu respeito enquanto ela ainda vivia & usa questo que esta longe de + sido resolv 8 © para a qual seria conven’ fe que historiadores, tistas politics © posquisatores de cigncias sociais pensassem com a mesma Competéncias 161 jea que os jomalistas comegaram a fazé-lo depois do ‘Camboja ou Timisoara. Mas a questio nio se rzsume a isso. Muito do que aconteceu antes ¢ depois de 1989 era efetivamente imprevistvel ¢ surpre- cendente, novo ¢ em ruptura ~ lembrando-nas que a iistéria é também feita de surgimentos ¢ inovagies, de acasos ¢ de contingéncia, de liberdade © de espontancidade. A verdadcira questo que se formula desde entio & saber como considerar em sua justa medida a dimensio do imprevisto, da surpresa € do acaso na hist6ria, como repensar essa sitima nas suas dimen- ses de abertura e de contingéncia, como, por conseguinte, mo ‘modos de apresentagao € de eserita do passado. Muito longe de proporcionar resposta para tudo, a abertura dos arquivos vai dar, a0 contrério, num chamado ao trabalho, & exigencia metodolégica e ética, a modéstia, & humildade, ao requestionamento das certezas adquiridas. Em 1989, nio foi somente o muro de Berlim que caiu, ‘mas também -- somegames cpenas @ nos dar conta ~ uma certa maneira de pensar, de fazer ¢ de escrever a hist6ria, ‘Tres A Erudigio Transfigurada Ourvier Guvorseannin Durante muito tempo, a erudi¢do manteria relagées ambt- guas coma historia. A diplomética, « paleogréfica ou a herdldica ainda eram, quando muito, ciéncias “auxiliares", enquanto jé participavam no mesmo plano da renovagao dos suportes histé- ricos mais atuais. A erudigio muitas vezes é mal juleada, Sem ir além do Trésor de la Langle Francaise (0 tesouro da ingua francesa), onde se lé mente © ideal do “mais preocupado com cultura do gue com (Anatole France) e, positivamente, a desesperadora aridez intelectual do pesquisador perdido em “poeirentos trabalhos de erudi gio” (Simone de Beauvoir). Na melhor das hipéteses trabalho gratuito, “liberal”, a erudigio serviria apenas pare proporeionar prazer a que 4 pratica, E-no entanto, ela aparece de poata a ponta no livro-mesire de Blandine Barret-Kriegel sobre a pesquisa hist6rica nos séculos XVII e XVIII, Nao ver nisso sendo a sltima moda, capaz de misturar um indicio de recuo e uma pitada de pés-modernismo, seria fécil demais, Pois a erudigio e as disciplinas “auxiliazes” da histéria, 38 quuis ela freqilentemente se encontra associada, voltaram de modo inflexivel, tanto ov quanto explicitamente, em numezosos trbalhos ‘exatamente na pe gue as reivindicou, is vozes com ostentssio. O periodo mediev: que vamos nos deter mais particularmente aqui melhor pelo fato de suas fontes estarem inicial € dispersas para que viessei |, que nunea as deixara de lado, mas no discurso, manifestou-o ainda iente bastante dificeis necessitar de um destacado “aparato ito", e bastante numerosas a ponto Je deixarem um vasto campo livre para 0 trabalho do historiador. A herdldica, a i wwerclas de eraditos’ eflexio sobre as sociedades medievais. ‘mas conteibuir para a ! 164 Passabos Reconmosros Os gafanhotos do Senhor Jassemin “Quantas montanhas dialéticas serio necesséias para elevar os espiritos, um dia, a nogio de que, em hist6ria, € 0 “falo’ que vem a ser a planta rara, rarissima, e por demais preciosa: quanto as ‘idéias’, estas chovem, formigam, devoram a verdade que se esforgava por crescer. Quem nos livrara dessa praga de gafanhotos?” Na sua infeliz resposta a um pesado ataque de Lucien Febvre?, Henri Jassemin, autor de uma histéria da Camara das contas parisienses na Idade Média, replicou dando de certa forsa o testamento espiritual de um positi- mo declinante. A aposta ultrapassa o Ambito de uma obra que se tornou, iavoiuntariamente, e em parte, pelo menos, bastante injusta mente, emblemética dos limites de uma hist6ria estrita das instituicdes. Através de simplifieagdes ¢ torgSes sucessivas, o debate sobre 0 modo de estudar uma instituigéo transformou-se em ponto de atrito entre crudigio da critica € critica da erudigic. Mas erudigio, critica € ci- Encias avxiliares mantém entre si relagdes mais complexas do que pode parecer & primeira vista. ‘A cnudiglo hist6rica 6, numa larga escala, uma eriagio dos grandes arquedloges do século XVI, descobridores polivalentes, ao mesmo tempo que pesquisadores insaciéveis, vivendo em perfeita simbiose com a socie- dade politica ¢ as grandes aventuras intelectuais de seu século — simbiose talvez mais profunda, © em todo caso mais feliz, do que a do positivismo com a eiéncia experimental; 0 método eartesiano, o processo classificatSrio de que as cignias da vida iriam também aproveitar fornecem referencias essenciais a sou trabalho. Mabillon, que estabeleceu os fundamentos da iplomatica (1681); de Cange, os da lexicografia do latim medieval (1678), para néo citar mais do que dois exemples, nio oferecem apenas instru rmentos de trabalho ou conselhos. Herdeiros de um séoulo XVT que ins- tituiu como dogma o corte com o passado, contemporaneos de uma nagio e de uma monarquia recém-criadas, eles fornecem terra firme para 0 historiador, elaborando procedimentos tidos hoje em dia como refinados, mas sempre funcionais, de investigagio © de validagio dos “vestigios” ‘monumentais/documentais. segundo perfodo importante instala-se dois séculos mais tarde, quando a hist6ria pretende ser ciéncia, sentir © que se passava enti, basta abrir o livro em que, em 1896, Henri d’Arbois de Jubainville expe uma série de observagées polémicas ~ mais do que um verdadeiro Competéncias 165 tratado ~ sobre a hist6ria dos retéricos, que contrapie & tifica, O titulo corresponde a um programa: Duas manciras de 2: a hisiéria, 20 passo que o subtitulo restringe 0 campo (Critica de Bossuet, de Augustin Thierry e de Fustel de Coulanges). Mesmo se 0 autor se perde um pouco no caminho, ele dectars, no preficic, buscar uma “explicagio para o fendmeno psicclégico” por meio do qual um espitito brithante poderia passar ao largo das aquisigées la critca (e da erudig&o), como uma constatagio clinica que pode ter sido fermulada is que regem a ‘cum grano salis: “Cheguei 3 conclusio de que as inteligéncia de um historiador filésofo, ¢ aquelas a que a inteligéncia de um erudito obedece podem ser as vezes bastante diferentes, © que por os dois de acordo & tarefa que apresenta, pelo menos em certos casos, dificuldades quase insuperaveis”. Essa nova legitimidade baseia- se em grande parte na critica, Comegando a praticar em larga escala a pilhagem intelectual que nio deixariam mais de lado, os hnistoriadores importam tudo o que podem ¢ que diz respeito a métodos e conceitos; método alemio, filologia, de preferéncia, ja entio constitufda 2m cién- cia. Para perceber isso basta reler o plano da Introduction ause études historiques [Inttodugio aos estudos histéricos}, de Charles-Victor Langlois © Charles Seignobos (1898), que, sinal dos tempas, acaba justamente de ser reeditada? e que descreve e prescreve sucessivamente a classificagio eritica das fontes, a critica da erudigio, a critica da interpretagio, a a critica da restituigio, a eritica da proveniénci interna negativa da sinceridade e da exatidao, todas operagbes de anilise instalando-se antes da determinagio dos fatos particulares ¢ zs opera cgOes de sintese, Mas por engrandecerem demais a “critica”, conferem- The uma posi¢fo ambigua, Palavra-mestra, espinha dorsal do método, a critica se encontra em toda parte, por demais presente para que no termine por acantonar-se, em suas ambiges, contra a corrente. io fornecidas armas pelas “citncias auxiliazes”. Langlois ¢ Seignobos ainda se acreditam obrigados a pOr a expresso, Para a critica centre paréntesis ¢ declaram mesmo que nio a empregam sem alguma reserva, mas preferem-na, no entanto, a “ciéneias satélites” ou “ciéncias ancilares”. Pois, na expressio, no é a palavra “auxiliar” que os inco- co que nio reconhecem aquela nquila audicia do parisiense su- ficientemente distante de Heidelberg © Leipzig. Técnicas auxiliares, amores ancilares culpulos, 0 essencial para cles & dispor na hist6 ": estatuto cient moda, mas, a “ciénei filologia, que arregimentam com a t 166. Passabos necomnosros ciéncia-mestra, pedras bem talhadas, conforme 0 modelo da servidio ‘medieval. Alcancaram demiasiads repercussio, e, para considerar um 36 exemplo, é suficiente ver de que modo, no Manual de diplomatique [Manual de diplomética] (1894) de Arthur Giry, brilhantes intuigdes, qne se desonvolvem ainda hoje, sobre uma diplomética comparativa aberta 0s temas ideolégicos © & circulagio dos modelos entre chance- larias, sio a cada pigina contidas pelas exigéncias de uma profissio positivista, quase monacal sobre 0 modelo beneditino. ‘Auxiliar do positivismo triunfante, a eradigio cedo ser salva da pesada servidio pelo declinio deste. Muito pelo contririo, recebeu os golpes que Ihe eram destinados por sua excessiva identificagio 1 ele. Continuavam existindo duas maneiras de se escrever a histéria; a legitimidade do empreendimento ¢ dos métodos eriticos encontrando-se cefetivamente confirmada, © homem por abater ndo era mais o historiador- ret6rico, ainda que ele continuasse a brlhar, mas agora fora da corporacio; 6 erudito limitado tornava-se 0 modelo da outra (m4) mancira de eserever a hist6ria, A. representagio esquemitica tinha € ainda tem vida dificil fenquanto que 0s trabalhos histéricos, alimentadas pelas grandes pesquisas ‘monogréficas, provalecendo-se de uma cientificidade ainda maior, viam tomar-se pesado 0 aparato erudito. O debate encobriu, no entanto, uma evolucio mais secreta, ¢ de iim alcance bem diferente, a do préprio estatuto do documento, € no 0 artesio-historiador. A revolugio documental E se trata, de fato, de uma verdadeira “revolucao documental”, se nos permitirmos retomar a expressio de Jacques le Goff", revolucio tranqtiila e profunda, que prolengou as eonquistas histéricas do século XX. Essa revolugio faz positivista implicito da equivaléncia entre documento ¢ questio (formu- se em duas diregdes. Primeiramente, ao credo lar a questo, saber encontrar os documentos que respondem a ela), sucedeu a era da polivaléncia: em um primeiro momento, com uma prodigiosa bulimia intelectual, mostrou-se que ndo apenas as questées se desdobram até 0 infinito, mas também que virios tipos de documen- tos podiam responder a uma questo do historiador: documentos diver- sificades encontrados no caminho, mas também documentos que ele préprio constituia (a forma dos campos lids no cadastro moderno por Mare Bloch, historiador dos campos*), ¢ que vieram exigir novas com- peténcias do historiador. Posigio inversa mas conseqiicnte, um mesmo Conpeténcias 167 Gocumento vinha responder a um nimero diverso ¢ em todo caso, insuspeitado, de questdes. O documento tomava-se instével, mesmo se seu estatuto permane- cia privilegiado. Uma outra etapa devi se deitow por terra um outro credo positivist, relacionado ao estatuto do verdadero © do falso. Confrontado av letrado que mente, 0 documento de arquivos parecera, por muito tempo, possuir um valor intrinseco minimo (funci nal, é érido; repetitivo, esté sobrecarregado de f6rmuilas), mas garantia una testemunho mais seguro (0 autor no se representa para a posteridade). ‘Uma vez afastada a suspeita de falsidade, ele cafa bem, no caso de di lo bem. E era o caso de se confundir avtenticidade ¢ sinceridade, E também, dle se deixar de lado o essencial: ele proprio produto da histéria, ‘© mais modesto pergaminho rabiscado pelo mais simples dos copistas também é uma representagio, a conjungio de uma necessidade de escrito ¢ de normas de escriia. Nova dificuldade, portanto, no caminho do his- toriador. Nova riqueza também. Charles-Victor Langlois, confrontado aos textos literirios, observara que de fato a “mentira” estava em toda part. ‘Mas o que se tornara uma aporia (“todas as testemunhas mentem”) abria um novo caminho (“a mentira das testemuathas é reveladora”): ao deslo- car-se, o estatuto da “menti ser veneida quar " deslocava também a diregio da pesquisa No sentido estri, 0 “falso” tornava-se objeto de histéria, como revelador acerca do falsério, e nio foi que os estudos sobre a falsificagio de documentos ganharam novo impulso®, Mas para além das falsificagées, ¢ historiador era incitado a-uma “desmontagem” do documento (J. Le Goll). A critica, em seu sentido etimol6gico de otha, um olharfértl em questionamento, reencontrava seu lugar. Relativizando, no sentido forte do termo, as fontes, essa evolugio pAde levar a0 niilismo ¢ ganhar 0 “sentido deletério” que Lucien Febvre recriminava na erudigio inintli- gente: mas no € porque um documento mente que se pode fazé-lo dizer qualquer coisa. Mais amplamente ainda de que uma decifragio, trata-se da propria forma do documento ~ procedimentos de composicio, normas de apresentagio, formulirio ~ que, por sus vez, tomnou-se objeto de his- \éria, Desse modo, o historiador conquisto") um novo terrtério em que, OF a para s em parte alguma, na proporgio do que ests em jogo: a reapropriagiio, a0 mesmo tempo global ¢ licida, da fonte, ¢ isso no imbito de uma “histéria total”, de preferén de que, entre os medievistas, Jacques Le Goff e Pierre Toubert tornaram-se os defensores em 1977, 1 preciso, 0 centro encontra-se em soda parte e a circunferéncia, 168 PAssabos RECOMPOSTOS Ahonra recuperada das ciéncias auxiliares Essa dupla evalugio, do estatuto das fontes e do olhar lancado sobre elas, permitiu celebrer novas nipcias entre hist6ria e ciéncias auxiliares, a primeira descobrindo um novo objeto, as segundas vivificadas, vendo abater-se sobre clas um alimento conceitual ¢ no uma praga de gafanhotos. Os documentos de arquivos, em seu duplo estatuto de escritos ¢ de titulos, sio sem diivida aqueles que resistiram por mais tempo, tanto assim que, desde 0s anos 1950-1960, as operagbes estatisticas ¢ a magia informatica até poderiam dar uma, lusio de cientificidade beneficiadas pelos resultados de sua seriagio. No entanto, a ctapa foi importante por ter servido, melhor do que a hisi6ria positivista (que j4 prescrevia rasgar 6 invélucro das formulas para extrair 0 metal preciso do “fato”), para desmontar © documento, romper, portanto, com 0 respeito (com a preg ga) de seu leitor, Mas, no que concerne a certas irregularidades, 1 pata algar ao nivel de dado, objetivo e intangfvel, as informa- ges “‘retiradas” do documento, A arquivistica ¢ a diplomética intervém aqui. Louis Stouff deu uma bela ilustragio disso no caso arlesiano, para emonstrar até que ponto as pretensas evolugdes desviadas das séries poderiam estar desnaturadas pelo estado da documentagio, cla propria reflexo de vicissitudes posteriores (destruigées cegas) ou de uma organi- zago socioprofissional (métodos € divisio do trabalho no proprio carté- rio, relagio com os clientes): semelhante evolugio, pode, desse modo, arse ai simples passagem, na pseudo-série” estatistica, do registro detalhado de um tabeligo a outro’, Mas hé também um aspecto qualitative. Aqui ainda refreada pelo positivismo, a diplomética manteve, sem desenvolvé-la, toda a riqueza das atas para 0 estudo da expressio de temas ideolégicos fortes nos predim- inrich Fichtenau. Mais tarde ¢ mais dificilmente ainda € 0 proprio estatuto do ato es2rito que pode t se objeto de pesquisa, como Dominique Barthélemy 0 demonstrou no que conceme aos habitantes de Vendame (Loir-et-Cher) da Idade Média cen- tral’. E para retomar 0 ext dos na a sobre uma produc cartor sua quantidade e sua precocidade p n balizar a evolugio das formas, Competéncias 169 através de uma cronologia fina (aqui complicada, ¢ nisso reside a di- ficuldade, por uma variedade particularista das experiéncias); permitem igualmente ver que, em 1050, nao se redige um ato de venda como em 1120, nem como em 1180, perguntar por qué. De um periodo a outro, rio complexo entrecruzamento das gramaturas dos documentos © da pressio das necessidades (até mesmo da influéncia do tabeliao, perso- nagem cul iplomatista pie assim, ao servigo do historiador, observagies permitindo-Ihe explo- rar as informagGes (op¢io positivista); mas elabnia também um material hist6rico, em que a evolucdo das formas do documento toma-se um documento, revelador, no primeiro caso, da explosio dos intercdmbios do “renascimento” do dircito romano,com 0 aque este acarreta (e legitima) de mudanga do pader. Eno mesmo tempo, Jonge de acumular os conhecimentos, esses foram desfeitos. 0. ato cartorial per et um pouco pior (ou simplesmente um pouso levo, sobre seus contemporinces), 0 A paleografia deixou mais cedo de ser um catélogo de abrevia- fo das escrituras®, {g6es e de formas per Uma revolugio fc dade no foi mais concebida como um conjunto justapostos, mas como 0 produto de uma dinimi da pena detern notivel de leitura © de ensino das escritas diffceis (baixa Antiguidade, época moderna), mas também um requestionamento da concepgio das evolu- ‘ficas, portanto também, a mais loago prazo, do proprio estatuto a eserita, A pesquisa estava também methor aparelhada para atacar a questiio dos ateliés de escrita como manuscritos “pessoais” (autégrafos de , 0 correr iio da paleografia no que concere ao estudo do suporte m: do que a escrita propriamente dita, a disciplina nasceu toda aparelhada com novas curiosidades. Pesquisas pioneiras, realizadas, como para a 105 1930, j haviam estudado os modos de produgio ios, grificos ov ritos conservados, permitia compreender como as 1am reagido diante de duas necessidades lextos copizdas e sua reprodugio manus- ita em larga escala pare um piblico numeraso. Muito rapidamente, a 170. Passapos necomnosros codicologia respondeu a estimulagéo da histéria material do livro presso, multiplicando os estudos de ateliés de c6pia e de biblioteces, Aperfeicoamonto da arte, jf medieval, da catalografia dos livros, a codicologia voltou-se resolutamente para a hist6ria cultural. Nao se trata mais, om ligagio com uma hist6ria de arte concebida como uma hist6ria das obras-primas, de estabelecer o mapa dos “grandes centros” de es- crita e de estampa, nem de estabelecer sua filiagdo. Nao se trata mais, ou mio somenite, de fazer, em ligacio com a “ 1§ de obras literirias e doutrinais. O quantitativo serviu para o estudo da difusio e da circulagio dos manus- ist6ria das obras © das idéias”, 0 inventério dos manus critas; o qualitativo mais refinado, perseguindo 0 menor signo, permitiu compreender melhor as atitudes do possuidor de livros. Fantasia de colecionador ou passatempo nobilifrio nostalgico, a herSldica néo é mais absolutamente a auxiliar que permite descobrir 0 pessuidor de um manuscrito ou 0 comandicério de um vittal. O brasio é um “monumento” acerca do qual progressivamente se percebeu todo 0 peso simbélico. Sua lingua, seu lugar nas manifestagécs do parecer foram portanto intimamente penetradas. Vivificada pelas questdes da antropo- logia histérica (em particular a histéria das estruturas familiares) © da histéria cultural (seméntica, percepgio da cor, de que Michel Pastoureau faz a exploragio que se conhece"), a “ciéncia do brasio” se constituiu desse modo no mais como adjunta ocasional da critica, mas como uma disciplina, avtduoma, pois ela também trabalhava e renovava um corpus documental sobre a base de métodos especificas. Auxiliares ou fundamentais? Os cortes, sabe-se, no esto sempre onde se acredita. Lucien Febvre via ainda em Mabillon um grande “provedor de matéria-prima bbem no espirito de Charles Seignobos, no que esta pressupunha, quando no um procedimento em dois tempos (0 documento, depois a construgio), pelo menos uma reparticio de pap © das intervengdes (um erudito © um historiador). Por conta disso, entend pir muito alto: prazeres refinados da ¢ hist6rica”: uma formal .e de fato que alguns se percam pelo caminho, ou nio possam igo, dando voltas, psico- logicamente valorizantes, por natureza incomunicdveis. Ou que outros queimem etapas. Que as terceiros, enfim, sizam com muito esforgo todo. © caminho. Compreende-se também que se pense freqiientemente, & sobretudo na Franga, que uma edigio de textos no 4 um trabalho Competéneias 171 histérico, Nesse estado de coisas, muitas vezes deplorivel quanto aos resultados, as responsabilidades, 6 verdade, sio bem divididas entre os ‘que desprezam © os preguigosos. ‘Menos supletivas do que esclarecedoras, as cigncias auniliares justa- dem, por um lado corpus de dados e de técnicas de andises, por ovtco, “observagées propicias a alimentar a eflexio sobre oestatuto da fonte no meio produtor ¢ debaixo do olhar do historiador!". Muito conhecide pela arqueo- Jogia, onde suscitou virulentas polémicas, © problema de seu estatuto face a diseiplina histérica no scu conjunto pode parecer regulado por uma nova importagio terminolégica alema: as “ciéncias auxilisres” (Hilfswissens- entio um trabalho de depuracio, de eliminagéo das escSrias, mas um inventirio € uma histéria das modificazSes do texto, de suas variantes, © que complica certamente 6 trabalko do editor de textos, mar abre também caminho para uma histéria total da cultura escrita. Em direcao as bases de dados documentais ~ No dominio das fontes documentais, diversas tentativas ocorreram hé muitos anos para renovar as abordagens devido & informitica. Corpus restritos de docu- mentos sio captados no computador e geram questionamentos lexicais acerea do modelo praticado a partir do final dos anos 1970 por especia- listas de literatura, Pode-se assim delimitar muito rapidamente a data de aparceimento de uma palavra, estabelecer Listagem das formas dessa palavra, dos termos que Ihe estavam associados. Confrontado & documentagio em grande parte inédita do fim da Idade Média, o historiador pode doravante substituir por ficharios informa- tizados os fichirios realizados antigamente 4 mio. Na massa de séries homogéneas (atas de tabelio, contabilidade senhor etc.), ele pode escolher extrair as inform: cipais (nomes de pessoas, de lugares, estruturas de parentesco © de ali- anga, tipo de transagOes..). A informética traz significativas melhorias a L, rogistros fiscal consideradas como prin Comperéncies 181 esse trabalho tradicional: um ganho de tempo, se se procede a uma caplagio direta do documento; enriquecimento permanente de uma base documental, sem miisturar fichas € fichérios; uma grande facilidide de tratamento; a interconexio de bases realizadas a partir de fontes diferen- tes... Finalmente & possivel, a toda hora, “publicar" tudo ou parte dos dados acumelados, no papel, mas também, muito simplesmente, no disquete, © que é menos dispendioso e permite, além do mais, atualizé- los periodicamente. Obrigagdes ¢ dificuldades novas surgem ccntudo, quer se trate da diffcil questo da indexago das nomes de pessoas ou entio da padronizagio ¢ do interedimbio de dados entre usudrios®, Uma forma de retomno as fontes é, portanto, perceptivel nos his- toriadores, uma forma de renovatio, dir-se-ia na Idade Média. B rotvel que esse recrudescimento de interesse pelas fontes inéditas, mas tsmbém editadas, coincida com uma revolugio das téenicas de escrita, corserva- ‘cho, publicagio © questionamento dos dados. Um vasto campo encontra-se aberto para os editores’ de textos narratives como para os historiadores de arquives. Muito mais do que no passado, 0s historiadores deverdo trabalhar em equipe para levar 1 cabo seus projetos, Como a constituigio de vastos bancos de dados. Esse rorno as fontes nio por elas mesmas, mas a fim de fazer melhor a histéria, ou seja, de acordo com as palavras de Michel Foucault, a fim de “conferir estatuto © elaboragdo a uma massa documental de que (a sociedace) no se separa", manifesta uma dupla exigescia de inventividade ¢ de rigor: terd chegado a hora de uma nova ascese do texto? Notas Bibliographie de Ihistoire médigeale en France (1965 Balad, Pars, Pblicaions de fa Sorbonne, 1992. 1990), textos reunides por M. . Langlois C. Seignobos, troduction aux études historiques, Pris, 1898; redigho, Paris, Ed. Kimé, 1992. K. Pomtian, *L?houte des Annales" em, Nora (die), Les lewx de mémnoire, Ube Nation, 1, Gallimard, 1986, pp. 377-420, + M, Bloch, Les Caractéves originaux de Uhistoire rurale francaise, Psis-Osla 1931, ‘eedigio com preficio de P.Toutert, Paris, A. Coli, 1988; P.Touber, “Mare Bloch 182. Passapos aecomposros il dopo: a storia agraria ele Annales (1929-1985)", Quaderni storici, XXV, 1990, pp. 436.499, 2M. Bloch, “La vie de ssint Edouard le Confesseur par Osbert de Clare", Analecta Bollandiane, XL, 1923, pp. 5-131, reimpressio em ld, Mélanges historiques, Paris, 1983, t 2, pp. 988-1030; Les Reis thaumaturges. Enutes sur le caractére surnaturel cexuribué a puso 1924; nove edigio com wn prficto de J, Le Goff, Paris, Gallimard, 1983, ayale particulgrement en France et en Angleterre, Estrasbutgo, A constatagio no é nova mas nfo provacou verdadeirareagio nas universidades france- ‘2s, cf. as palavras de A. Vernet, “La publication des sources narcatives et litérires", em Tendances, perspectives et méthodes de Uhistoire médiévale. Atas do centésimo “Congres national des société savantes", 1975, Pars, 1977, pp. 193-213. *P. Gasnault J. Vézin (ed), Documents comptables de Saint-Martin de Tours 8l"époque ‘mérovingienne, Pats, CTHS, 1975 "*R Chartiore D. Rochs,"Le livre: un changement ¢= perspective" in J. Le Goffe P. Nora it), Faire de Uhistoire, Ih, Nouveaux objets, Paris, 1974, pp. 115-136. * Les Cartulirs. tas da mesa-redonds orgeizada pola Ecole ntionale des chrtes €0 GRD 121 do CNRS (Pais, 5-7 dezemtxo 1991), revnidas por O. Guyoteannin, L. Motellee M. Parss, Pais, 1993 (Mémoires et documents de Ecole des chartes, 39) 5. Genet (el), Standardisation et Ehange des bases de données historiquesy ste da tereers mese-tedonda internacional realizada no LISH (CNRS), Paris, 15-16 mio 1987, Paris, 1988. "M, Foucault, L'Archéolagie du savoir, Pais, Gallisard, 1969, p. 1, jo aR ni one HEN ‘cinco ‘A Historia Quantitativa Ainda,f Necesséria? ...., Jeaw-Yves Grenten Em histéria, 0 niimer foi por muito tempo uma das linguagens posstveis numa deserig&o que ndo aceita 0 aproximativo ou 0 subjetivo. Num tempo desacreditado, em: beneficio da narrativa’ou da andlise antropoldgica, a histéria quaxtitativa faz-se portadora de ambicdes diferentes, voltadas para a fermalizac&o ou a elaboragéo de novos instrumentos de investigagdo. ‘A histGria quantitativa ‘nio faz mais grande sucesso. Esté longs 0 tempo em que F. Furet poderia falar de seu papel dominante ¢ deisva capacidade de renovar a pesquisa hist6rica. A grande linhagem dos su- cessores de E. Labrousse, que soube instalar, nos anos 1960, 0 némero © a série no cerne da escrita ¢ de demonstracio historiadoras, nfo garantiu continuadores capuzes ou desejoses ae perpetuar a tradigéo quantitativa ou serial. Isso nfo quer dizer que o niimero tenba desaparecido dos livros de iiist6ria, longe disso, mas sua pritica € menos categorica do que antes. ‘Algumas constatagées editoriais comprovam-no; sejam elas 2s dificulda- des de uma jovem revista come Histoire et Mesure (publicada a partir de 1986) em promover abordagens estatisticas hist6ricas nova, ou o fato das Ultimas grandes teses de histéria econdmica serem pouco ou quase nada rantitativas. Daqui pra frente, o recurso 20 quantitativo deve ser justi- ficado; sua necessidade nfo 6 mais evidente. Quais sto as causas dessa diminuigio, tanto mais surpreendente que coincide com 0 desenvolvimento da microinformética que facilitou consideravelmente as operacdes téenicas ¢ acclerou os célculos? pre- ciso considerat a intervencio de muitos aspectos. Primeiramente, a fraca formagio matemiticn dos historiadores, evidenciada por se encontrarem disponiveis programas estatisticos dificeis de dominar. Além disso, a organizagao menos hierarquizada dos laboratérios ou dos contros de pes: wualitiria © individuslista do trabalho fazem com quisa ea di iw 184 Passabos RECOMPOsTOS que a coleta e a elaboragio dos dados sejam hoje menos féecis ¢ que, em todo caso, esteja fora de moda; esse tipo coleta volta-se doravante ‘ais facilmente para outras fontes, os textos em primeizo lugar (0 que abre, ali formalizagies quantitativas) jgualmente pura possivei Critica do paradigma “gatilaico’ Basicamente essa evolugio contemporinea de um desinteresse cerescente pela hist6ria econdmica, deve ser ressituada num contexto de crise, ou pelo menos de requestionamento, da explicagio histérica. O historiador privilegiou durante mvjto tempo ums representagio implicita do mundo que apresentava duas caracteristicas. A primeira cra que seu dominio de estutos organizava-se em miiltiplas totalidades econdmicas, sociais ou culturais. Trata-se, pois, de referenciar esses agregados pre~ existontes (classes ou categorias sociais, variaveis econémicas...); para isso, o critério quantitativo impée-se como 0 mais eficaz para identificar ¢ classi a idéia de agrogado ‘est associada, pelo menos implicitamente, a de homogeneidade. Além salagio dos diferentes conjuntos é imediata, uma vez que € moldada nas diversas escalas de andlise do sistema — do sistema mundo at. Ora, seu uso no causa problema, pois & monografia local — que tém cada uma seu luger, eabendo & macro-hist6ria, no entanto, um privilégio ou uma validade superior. Em outras palavras, essa visio hierarquizada permite resolver primeira vista a questio da relagio entre grandezas, 0 que atribui ao mimero um estatuto de linguagem: universal, 0 mais adequado para deserever o mundo hist6rico. ‘A segunda caracteristica € a inscri¢io pelo historiador de sua atividade em um paradigma de conhecimento muito mais amplo, c paradigma galilaico, para retomar a expresso de C. Ginzburg. Trata-se, no presente aso, de pensar o mundo histérico menos como regido pelas cis. O trabalho do consiste em fazer aparecer essa estrutura preexistente, ela também sus- leis do que por relagies estiveis entre vari istoriador cetivel, como 0 sao as totalidades, de um conhecimento cifrado ou de uma abordagem quantitativa, em razo da constincia dessas relagdes que petite supor relagses estaveis. Em suma, no mesmo movimento, supde- abor- se -uma forte cot icia do real ¢ uma adequ: degem quantitativa utilizada, ssa representagio implicita hi algum tempo modificou-se em pro- igfo acerca Iedes em que repousava a demonstragio em 19 sem intervalo da fendidade em razio do questionamento sobre a raziio da rein da proexisténcie dae tot Competéncias 185 histéria, Comprovam-no, sem divida, a critica do estruturalismo, de todo pprojeto formalista, mas também o sucesso de abordagens que abrem mao dda idéia de lei em proveito de uma sbordagem voltada para princfpios ‘organizadores mais flexiveis, como a de N. Elias. Mais ignificativo, talvez, pars compreender a evolugio recente, € 9 répido progresso da micro- ist6ria. Sob smultiplas formas, que hoje em dia ultrapassam o projeto italiano fundador da microstoria, a micro-histéria inverte a perspectiva hhistoriogréfiea. Trata-se menos, no presente caso, de sua preocupacio em ‘considerar 0 acontecimento ou a biografia revista como entidades histéricas essenciais, 0 que possibilitaia uma mé abordagem macro-hist6rica quan- titativa, do que a passagem do paradigma galilaico ao paradigma indicia, para ficar na terminologia de C. Ginzburg. Para seus seguidores, 0 dilema € o seguinte: “Ou garantir um estatuto cientifico fraco para cheger a resultados significativos, ou garantir um estatuto cientifico importante para chegar a resultados despre: Em outras palavras, os progressos da historiografia passam pela recusa do mito da objetivagio e do método cicntifico © pela accitagio do privilégio coucedido 8 interpretagio © & reconstrugéo a partir de vestigios e de indices. Jé ficou claro que a micro- hhistria esté distanciada do quantitativo; alids, a moldura ultralocal quase nfo o possibilitaria, Da mesma mancira, mais fundamentalmente, a preo- ‘cupagio dominante nfo 6 mais a busca de covicomitincias estiveis pela seriagic com finalidades de generalizacio, mas, 20 contréio, essa tltima € atingida paradoxalmente pelo individual, pelo viés do “excepcional nor- mal” ou pelo encadeamento dos pontos de vista analiticos. A singularidade reconstruida supera a regularidade descrita. Desse modo, nada pode estar mais oposto do que, de um lado, 0 quadro estatistico objetivando ‘quantitativamente os grupos sociais e sua tipologia ou o conecito de classes que define os limites desses grupos, ¢, de outro, a localizagio das redes internacionais que consttoem os contomnes imprecisos e nunca repetiveis, 4a relagio social eujas conteddo e substincia sio inacessiveis a uma abor- dagem conceitual ou tipolégica. No entanto, a cesura é completa entre 0 recorte do tempo hist6rico por intermédio de temporalidades preesta- belecidas (tendéncia secular, movimento longo, ciclo..), © que limita a investigagio desses movimentos pare cada época hist6rica, ¢ a reconstituigéo dos tempos vividos, de sua arquitetura prépria a cada enti dade estudada, dos quais resultam seriagSes temporais que sio também construgées progressivas, jamais previsiveis, verdadeiro desafio & re cia de constantes ¢ de relagdes imutaveis. 186 Passabos necoMPostos A tesposta A questéo-titulo que motiva esse a conta essa evolugdo recente, A transformagio do questionstio do histo ador, 0 deslocamento de seus centros de interesce e, mais ainda, do que cle admite como forma pertinente de demonstragio modificam 0 recurso a0 quantitativo e~o que Ihe esié consubstancialmiente ligado ~A formalizagéo. No entanio, mais do que nunca, a resposta deve sor positiva ou, para melhor dizé-lo, nunca talvez as condigées historiogréficas foram tio favordveis para dar a medida toda sua dimensio heurfstica, Desde entio 6 recurso ao niimero é a0 mesmo tempo pertinente, nc sentido mais amplo da palavra, ¢ legitimo, se ele se insere em um dos trés momentos seguintes que definem tantos modos de intervengio no seio da demonstragio ou da reflexio histérica, © primeito aspecto que justifica essa resposta positiva é do campo dda fungio de medida prépria ao uso do mimero. Essa fungao é a primeira a acorrer a0 pensamento, mas ela no daixa de causar problema. Efeti- ‘vamente, um dos fatores mais perniciosos (mas também mais exato) da desqualificagio do quantitativo em histétia foi @ confuséo mais das vezes implicita, entre a expresso de uma problem Jago ¢ a instalagio de um dispositivo estatistico (dados © método) do outro. Muitas vezes, 0 segundo pressupunha © primeiro ¢ 0 histo sqjiente, ¢ as achava ou demonstrava, sem nem sempre dar-se conta disso, o que estava contido no seu método como hip6tese implicita. A decomposiglo candnica os movimentos conjunturais para mostrar a validade da abordagem em termos de equilfbrio econdmico (ou demo-ccondmico) de longo prazo é ‘um exemplo bem conhecido. Para tentar fugir dessa armadilha, 6 neces- iio que nfo se finja gnoré-ta: 6 ela, ao contrério, que permite desvincular as duas formas legitimas da fungic de medida. Nom primeiro caso, a formalizagio quantit fa niio passa de au- xiliar, claramente submetida aos interesses histGricos expressos em outro lugar e numa linguagem prépria. Seu objetivo pode entio ser duplo: seja (© de fornecer respostas (em termos, muitas vezes, de invalidagio de hipSteses) para perguntas motivadas por uma problemética histérica ‘ampla, a nica capaz de dar um sentido a resultados quantitativos que no podem por si s6 adquitir uma significagdo; seja o de autorizar a formu- lagdo de perguntas ou a emergéncia de problemas que nao seria possivel estabelecer ou basificar-se fora da linguagem cifrada, Nao sio poucos os exemplos de semelhantes estudos que demons‘ram, na pritica, a perti- néneia do racioefni quantitative. Citemos, para o primeiro caso, o estudo a Competéncias 187 dos ofeitos de limizr, tio numerosos em economia ou em demografis, cuja localizagio é essencial, uma vez que modifica em profundidade a mica dos conjuntos ecol6gicos ow sociais. Ora, essa localizagio no tem interesse se nao se ultrapassa a simples demonstragio de sua existéncia para chegar a uma avaliagio exata que s6 pode cer cifrada. Um exemplo foi fomecido por B. Lepetit e J. F. Royer que mostraram que o tamanho das cidades é uma variével explicativa, “wm objeto da histéria”, do cres- cimento urbano, Trabelhando com cidades de mais de 5.000 habitantes em 1806, os autores mostraram a importancia do limiar de 5.800 habi- tantes que distingue dois: grupos estatisticamente robustos: abaixo, 0 dinamismo é fraco; acima, 0 tamanho, muito diverso, néo 6 mais um fator significacivo de diferenciagSo das taxas de erescimento, Sobre a signifi- cagio desse limiar, a estatistica é evidencemente silenciosa, mas ela abre pera uma interpretagio hist6rica que tem oportunidade de se exercer sobre tum objeto pertinente. Para 0 segundo caso, os exemy iroqiientemente a reflexOes te6 Jos interessantes dizem respeito is que nfo encontram justificativa his- ‘t6rica sendo com wma aplicagio numérica. As reflexdes de P. T. Hoffman. sobre a produtividade agricola francesa em longo prazo séo uma ilustra- lo disso. Seu estudo se baseit na andlise de 829 contratos provindos dos arquivos de Notre-Dame de Paris entre 1450 ¢ 1789, para construir um \dice da produtividade total dos fatores suficientemente s6lido do ponto de vista quantitative permitindo retracar uma evolugio de longo prazo mais confidvel do que a prdposta tradicionalmente apenas pelas dizimas. Essa abordagem é verdadeiramente nove em hist6ria rural por propor uma, medida da evolugdo de uma varidvel essencial pelo viés de uia indice construfdo a pattir de hipéteses econdmicas explicitadas (sobre a medida da produtividade dos fatores, em particular), o que permite ao mesmo tempo cio critica da sua validade ¢ atibuir-the uma significagdo ter uma aprecia hist6rica que poder ‘Um outro jovem historiador americano, J. L. Rosenthal, propoe ‘uma ilustragio dessa capacidade da medida de gerar quest6es interessan- er, segundo 0 caso, trivial ou inovadora, tes. Sou trabalho se situa na corrente instirucionalista da teoria econdmica, dos trabalhos de Douglass North, Duas questdes centrais 0 esiruturam: em que medida a moldura institu volvimento agricola no Antigo Regime, © as reformas oriundas da Revo- lugo simplifiearam significativamente ~ portanto melhoraram ~a estrutura Srieas a pa amplamente aberta is preocupagies nal que regula os direitos de propriedade freia 0 desen- 188 Passaoos nEcoMFosTos 40s diteitos sobre as propriedades tertitoriais? A partir do exemplo da drenagem na Normandia e da ierigacio na Provence, a abordagem quan- titativa mostra que nem a evolugio da tecnologia, nem a dos progos relativos podem explicar 0 fracasso agricola do século XVII. Por outro lado, um modelo formal da teoria dos jogos, concebido a partir de hip6- teses cocrentes com as realidades do século XVIII e alimentado pelos dados quantitativos pertencendo ao mesmo periodo, mostra que um sis- tema mal definido de direitos de propriedade, com custos elevados para litigios, era a0 mesmo tempo parte integrante da pr6pria estrutura do ‘Antigo Regime ~ portanto imrossfvel de ser reformado sem revolugio — € muito ineficiente no controle do uso da gua. Ao contrério, depois de 1820, irrigagio e drenagem se desenvolvem. Em um segundo caso, a invengio coneaitual situa-se, a0 contrério, na medida 2 no mais na expresso de um problema que se trata de abordar em parte pelo quantitative, Todos os trabalhos que se podem reagrupar sob a etiquete de “econometria retrospectiva” ~ eles se mul phcaram consideravelmente de uma década pra cf -, heranga da New economic history de R. Fogel, pertencem a essa corrente. © nimero esta no cere da operacdo histérica uma vez que a problemitica se elabora e exprime através do processo de medida que contém de mancira explicita todos os motivos da demonstragio. A principal tarefa da “cliometria” (no sentido préprio, é de efetivamente exprimir quantitativamente as corre- lagdes entre a evolugdo de grandes agiegades (poupanca, produgSo, von- Essa operacio 6 muito poderosa uma vez que permite ao mesmo tempo uma descrigfo cifrada completa de uma economia antiga e uma reflexio argumentada sobre a pertinéucia sumo...) cuja teoria preve a exist de hipéteses teéricas que nao é possivel testar mas avaliar empiricamente. Ela s6 tem, no entanto, um alcance metaférico. Trata-se, efetivamente, de 2 ficcio argumentada, mas passivel de revisio caso mudem-se os princfpios de inteligibilidade, que nfo se deveria tomar pelo real. A exata preciacio dessa histéria quantitativa no est, portanto, na aceitagio incondicional nem na recusa completa da formalizacio - duas atitudes que produzem 0 mesmo efeito de deserédito com relagio & histéria quan- titativa — mas ela deve levar a sério 0 dist iamento especifico criado izagio quantitativa. O que supde, por um lado, interro- -se sobre 0 modo de associar as aquisicoes e resultados da por essa probler nometria retrospectiva com diferentes abordagens, em que a distincia do real (que © historiador nunca alcanga) é diferente; por outro, multiplicar as modelos, Comperéncas 189 diferenciando as hipsteses te6: ¢, portanto, de uma validade melhor controlada. Somente nessas condigées sserd possfvel dar uma maior visibilidade a trabalhos tao notaveis, por exem- plo, como os de F Bourguignon e M. Lévy-Leboyer sobre a exonomia Francesa no século XIX, que mio suscitaram talvez o debate esperado. 6 para chegar a resultados cond cionais, ‘A quantificagio como formalizagio A segunda contribuigéo da histéria quantitativa reside na sua ca- pacidade de renovar a formulacdo intelectual dos problemas ¢ de propor ccaminhos originais — as vezes contra-intuitivos ~ para sua conceitua- lizagio. E claro que nos anciamos aqui do processo quantitalivo tra- dicionat que faz do nimero um simples indice de grandeza, con final dades de descrigio esatistica, A dimenséo formalizadora & que, 20 con- teirio, 6 central; em cettos aspectos 6 0 eas0, de fato, de uma mudanca de paradigma. E preciso distinguir dois de seus aspects. O primeto pode ter qualificado de formalizegio quantitativa, no sentido de que propse novos instrumentos para interpretar dads zeais; » scgundo é antes do campo dos modelos de reflexdo, pois sugere conceitos de andes dif rentes. Eis alguns exemplos: +A questio das temporlidadesilustra muito bem o primeiro aspeco. Viuese que a histérin quanttaiva tradicional baseava-se numa deeomposi- co estatistica que se tomox canéniea (@ do modelo Labrousse Braudel, poder-se-fa dizer) e acabou por impregnar todas as representagSes hist ieas do tempo. Uma evelugio diferente é entrevista, desde que ua outta abor- dagem em anélise das séries emporais ganhou impulso, primeiramente centre of estatisticas, depois entre os economistas, durante os anos 1980, ‘Trata-se, para ser suscinto, de interrogar-se acerca do estatuto da tendéncia, de decidir se ela é de fato determinista (0 que esti implicitamente suposto muitas vezes) ou se cla apresenta uma dimens: forte. A distingio é essencial, j4 que modifica a natureza da dinimica temporal, quer seja 0 estatuto do acaso ou 2 explicagio dos ciclos. Os novos. questionamentos dessa decomposicio, que se tomaré, talvez, ela também candnica, sio importantes como se pode verificar do lado da teoria econd- mica com o desenvolvimento-da teoria dos ciclos reais. Os historiadores aleat6ria mais eu menos ‘ainda nio trabalharam suficientemente com esses métods, excluindo cer- tos setores como a demogtafia histérica para os quais a natureza da din: mica temporal causa problema, mas revisé-s hist6rieas sio previs'veis, nlio somente quanto arguitetura das temporalidades mas também com a 190. Passapos necoMPosros introdugio de novas questdes bastante variadas sobre a dependéncia de muito Jongo prazo ou a influéncia do impacto de ura acontecimento brutal. Ai ainda, os problemas de interpretagio sdo numerosos — © os testes estat 1 revelam-se, nesse caso, pouco eficientes ~ ¢ s: falso con- siderar essas abordagens como supsriores ou mais verdadeiras do que as anteriores: sua periinéncia est em outro lugar, ou seja, na sua capacidade de deslocar questies e representagbes. 2—A formalizacio quantitativa assim concebida nao esti muito distante dos modelos de pensamento de que vamos falar agora. A diferenca € que, no momento, 20 menos, esses medelos se prestam pouco ou quase nada 8 aplicagio direta sobre dados histéricos. Ficaremos satisfeitos com al- gumas ilustragoes desse fato. A reflexio sobre as escalas tornou-se central nas ciéncias sociais €, como jé se viu, na histéria, com o debate micro/macro. A dificuldade em pensar essa diaiética acentua, ou que se trata de um falso problema, ou que € necessério deslocar os modelos implicitos de pensamento. Ora, esses tiltimos inspiram-se muitas vezes na ja clissica, com 2s nogbes de continuidade ¢ de encaixe de escalas. Desenvolvimentos mateméticos recentes acerca da geometria dos fractais demonstraram que outras repre- sentagGes ~ is vezes contra-intuitivas — da relagio entre grandezas sido vélidas. Se a invariancia possivel dos fenémenos em todas as escalas, do macro ao micro, 6 uma das contrib {bes mais conhecidas dos trabalhos de B. Mandelbrot, as outras conseqiéncias sobre a forte variabilidade da scala pertinente para apreender 0 desenvolvimento de um fendmeno ou, de um ponto de vista analitico, o cardter arbitrario das distingdes que sio ‘menos do campo da evidéncia ou apenas da I6gica do que da escolha de um observador, todas essas considerages novas sobre os efeitos do focal utilizado devem ser levadas em conta pelo historiados, menos para inva- lidar as antigas grades de andlise do que para multiplicé-las. Deve-se fazer 0 mesmo uso das reflexSes acerca da dinimica de e20s. Desse modo, a faculdade de certs processos a0 mesmo tempo simples ¢ bastante deterministas em engendrar formas temporais que apresentam todas as caracteristicas de um encaminhamento aleatério deve dar o que pensar. historiador encontra-se, muitas vezes, efetivamente 4 voltas com essa mesma dualidade, ou seja, os esquemas de andlise de contetido determinista e as observages rebeldes de uma ordenagio ples: deve-se resolver a contradigio associandy acasos imprevistes, que tormariam menos isiveis ura mecanismo bem determi do, ou se deve Competéncias 191 ‘supor que 0 proprio mecanismo encontra-se, ao mesmo tempo, efetiva- menie presente e invisivel? A pergunta nfo 6 trivial e autoriza uma argumentagio muito diferente para quest6es hist6ricas antigas. O mesmo acontece com as abordagens, methores conhecidas nas ciéncias humanas, entradas na avto-organizagio. Estas também propdem modelos tempo- novos que interessam a0 historiador. Nao deixa, de fato, de ser interessante observar que, em certas condigdes, um sistema de equacOes iferenc cclissica, pode dar explicagSes acerca das caracteristicas importantes do tempo hist6rico: por exemplo, por em evidéncia a existéncia das trajet6- ries de bifurcagio geradas de maneira end6gena, isto 6, privilegiar a mudanca em detrimento das continuidades, as regularidades no- doterministas de preferéncia 3s recorréncias estiveis. As dificuldades levantadas por essa abordagem sto nurerosas, seja cla a validade da descrigfio de um processo hist6rico por um sistemu de equagbes diferen- ciais ou a identificagio de trajetérias tedricas ( de suas bifurcagées) com os desenvolvimentos temporais reais). Mas esse 6 0 prego a ser pago pela renovacio das questBes. 0 ultimo aspecto pertence ao campo da epistemologia a0 qual as consideragSes precedentes j& nos tinham conduzido. E evidente que a ulilizagdo da medida para fins primeiramente heurfsticos, tendo em vista formular quest6es ¢ sugerir novas interpretagbes, suscita questées delica- das, nfo costumeiras pata o historiador. Com iss0, nio se corre 0 risco de mergulhar em um universo metaférico, de forcar o real em desenhos nio lineares, longo de conduzir apenas 20 tempo da dindmica analiticos, a seu modo muito coercitives? A dificuldade é real e forga a associar, mais do que antes, um pensamento acerca da validade das de- monstragdes 2 outro, acerca do contetdo. © proceso quantitative tem, no entanto, um outro interesse epistemolSgico, o de barteira para contro- lar 0 valor ou a forga do discurso histérico. Nesse sentido, € possivel invocar em seu auxilio argumentos similares aos utilizados para desvincular a hist6ria da ficgfo. Bfetivamente, a idéia de uma validagio por ela mesma da demonstragio hist6rice, como nas cigncias da natureza, est sentido clissico, ¢ o universo de Popper the é estranho, Apenas a multipli- Jade ¢ a convergéncia das demonstragSes so probantes. A validagio daf em diante eaduca, A hist6ria nfo pertence ao campo da prova no enas relativa, Nessa moldura, o i esse do quantitative é triplo. Primeiramente, ele constitui uma maneira entre outras de descrever um fendmeno: pouco importa aqui que esta soja considerada inferior ou 192 PassaDos necomrostos superior a escritas mais literdrias ou intuitivas, s6 conta 0 fato de tratar- se de uma descricio suplementar nao redundante. Em seguida, a andlise coniribui para defin . Se ela no idar por si mesma, pode eonferir uma plausibilidade variével as afirmagées propostas. Assim, sc é facil mostrar que mt posigdes de séries cronol6gicas sic possiveis, isso nao significa que todas 0 sejam, ov que tudas tenham a mesma pertinéncia quantitativa, Finalmente, © niimero — bruto ou elaborado — é uma referéncia, ou melhor dizendo, um indice, Do mesmo modo que um fragmento de texto ‘ou de um caco de dinfora, ele orienta a-int ‘20 campo do paradigma indicial evocado acima: desqualificar 0 paradig- ma galilaico nao basta, portanto, para el tivo. Somente as modalidades da hist6ria quantitativa mudam. Aposte- ‘mos: essa mudanga esté apenas comecando. © universo dos possiv: tas decom- 10. Nesse sentido, pertence jinar 0 recurso a0 quantita- sets A Arte da Narrativa Historica Feancois Hasroc Se um homem esclarecido se dedicaste a ceserever sobre as regras da histria, poderia observar ‘que um excelente historiador \ivee seja ainda mats raro do que um grande poeta. Fénclon Narrativa entre outras, a histéria singulariza-se, no entanto, pela relagio especifica que mantém com a verdade, pois ela ten, de faro, a pretensao de remeter @ um passado que realmente existiu. 0 que pode entéo, a partir dai, diferenciar 0 enredo hist6rico ¢ 0 earedo romanesco? A histéria conta? Néo, é Alain Decaux quem conta. Mas, ele néo tem representado para muitas pessoas, em nossas (clas de televisio, rosto ¢ 4 voz da histéria? Nao elogiavamos precisamente seus talentos de contador de hist6ria? Aliés, nfo costumamos ler, em historiadores pro- fi romance? Lemo-lo de cabo a rabo, livro universitirio, sério, ele foge ao suposto tédio do género, Nessa formula elogiosa, tio gasta quanto fre- qiientemente empregada, tudo esti contido no como: eu, que estou Ihe recomendando, a vocé, leitor nio-especialista, garanto-Ihe que se trata de fato de histéria ~ de acontecimentos realmente ocorridos, de um fendme- zo histérico verdadeiramente explicado, de arquives inéditos examinados, de, efetivamente, novos conhecimentos -, mas, ndo obstante ou além do mais, 0 livro pode ser lido: a montagem, 0 enredo, a escrita fazem com que voeg, leitor, possa mergulhar nele como numa obra de fiecio, entre- jionais querendo divulgar um livro de histéria, que este se 16 como um gar-se a0 prazer da leitura, instruir-se © divertir-se a0 mesmo tempo. Como um romance quer efetivamente dizer as aparéncias de um ss nJo um romank a servico da fiegao 0 detalhe que faz soar verdadeiro. Pelo como indica- , menos ainda um romance historico, pois este poe se que © leitor sai supostamente ganhando nas dois tabuleiros. 194 Passapos necoMPosros Entio a hist6ria conta? De modo algum, respanderdo esses mes- 10s historiadores profissionais, hé lugares para isso e hd muito tempo que a “hist6ria-narrativa” no € mais nosso caso. Reportem-se, portanto, 40s sarcasmos ditos por Lucien Febvre, nos anos 1930, a propésito da hist6ria-natrativa, “historicizante”, événemencielle ou “histria-bata- has"! E, melhor ainda, voces sabem que 2 histéria constituiu-se em disciplinas, na segunda metade do sécvlo XIX, optando, pavtada no modelo das ciéncias naturais, pela ciéneia contra a arte. Ciéneia de talvez desembocari na sintese e na libertaglo das leis. Lembrem-se das bjur- gacies reiteradas de Fustel de Coulanges ou das instrugdes minuciosas de Langlois e de Seignobos' Para cla, a narrative.é sinénimo de afetagao ou de ingenuidade (a crdnica medieval é ingéaua). No entanto, na série dos retornos anunciados a que nos acostuma- ram os thtimos quinze anos, nZo faltaram ner: o do accntecimento nem 6 da narrative. Com 0 titulo “retorno & narrativa”, 0 historiador Lawrence Stone levanton essa dificuldade até entéo imprevista, desde 1979, apre- sentando um pi observagio, ciéncia de anslise, leitora de docementos, que um di iro “demonstrativo das madangas operadas na moda historiadora”, Mas o que cle designava por narrativa ou narracio nao tinha sido de modo algum problematizado. Era somente uma “abreviacio cO- moda”, permitinds descrever um fendmeno de tomada de distincia com relacio as diferentes formas da histéria ciontifica até entio predominan- tes!. Descritivo talvez, 0 termo nio era, contude, neutto. Com mais seriedade, foi de um fil6sofo que veio a reflexio maior sobre a questio da narrativa (em sus relacio com a hist6ria) Em Temps et récit [Tempo e narrativa], Paul Ricocur, cioso de sondar © mistério do tempo, considera sucessivamente a histéria e a fiegio ¢ chega a conclusdo de que nio poderia haver bistéria sem elo, por ténue que seja, com a narrative? ilésofo, situando-se na tradigo hermenéu- tea, bom conhecedor da filosofia da histéria anglo-saxénica, Ricoeur transformou-se para esse fim no leitor cuidzdoso ¢ inventivo dos his- toriadores franceses contemporineos que, 2a insignia dos Annales, quiseram precisamente dar as costas 4 “histSria-narrativa”. Comecan- do por Braudel e seu Méditerranée, livio béssola dessa nova histéria. Com certeza, existe af uma aposta imporzante para quem diz que. ‘pariveis: como classificar, a seria a excecio ou manteria entiia um elo com 4 narrativa ou com uma forma de narrativs? histéria e narrativa no sio totalmente entio, essa histdria? F % Compecincias 195 Eclipse da narrativa Chegando a esse ponto, um balizamento histérico pode ser dil Quando se fala de rejeigio da narrativa por parte dos historiadores das Annales, 0 que se quer indicar com isso? Primeiramente uma po'émica instalada coatra a hist6ria positivisia entao dominante. Com 0 que se queria romper? Com a “hist6ria-narrativa” (ou historicizante ou évémen- tielle, sendo essas palavras praticamente sindnimas); mas nessa expresso desvalorizante, em nenhum momento, a narrativa enquanto tal foi proble- matizada. A histéria-narrativa é simplesmente a que poe em primeiro plano os individuos © os acontecimentos. Seu novo questionamento efe- tua-se debaixo da pressio das jovens ciéncias sociais, para quem o objeto da cigneia nfo é mais individuo, mas os grupos sociais, néo mais a seqiiéncia dos acontecimentos em sua superficialidade, mas 0 “fato social total”. Tornando-se econdmica e social, a historia entende com isso, 16 que Ihe diz respeito, contribuir para a construcao dessa nova ciéncia da sociedade sobre si propria. Passando do nacional (sua preocupagio maior durante 0 século XIX) a0 social, a histéria logo doixa de lado a narrativa das origens, a narragio continua dos faustas da nagio, pelo recitativo da conjuntura” (cla quantifica, consti6i séries, ergue quadros ¢ curvas). Nao ‘se contentando mais com a ordem da sucesso ¢ com o fio da cronologia (Subentendido apenas pela idéia de progresso), de mil maneiras, ela ‘compara, ciosa om fazer aparecer repetigSes © remaneseénciss. Em seu microseépio, 0 acontecimento nfo 6 mais “visivel", nio 6 mais legivel: por si mesmo ele nfo é nada, ou quase nada, ¢ a luz que projeta é totalmente tometa de empréstimo. O tempo com que ele trabalha niio é mais 0 do acontecimento, muito suscinto ¢ nfo significative, mas um tempo social também, que ciclos, conjunturas, estruturas e crises escon- dom. Com suas oscilagées ¢ seus movimentos de grande amplidao, suas camadas profundas ¢ suas lentiddes, esse novo tempo hist6rieo (que conduz para o longo prazo braudeliano) nao sabe 0 que fazer com 0 acontecimento ¢ com a hist6ria politica. Assim, a histéria proelama que, repudiando-o, abandona-se com isso a narrativa. F suficiente, pois, recu- sar o acontecimento ¢ 0 individuo para esce; 8 narrativa? Inversamente, € suficiente evocar 0 retomo do acontecintento € do individuo para con- ir pelo retorno da narrativa? Quando Lucien Febvre, refletindo sobre o objeto da histéria, con- “os fatos sfo fatos”, ele aproximava © historiador de histologista, lui 196 PAssaDos REcoMrostos {que s6 ve através da ocular de seu microscépio aquilo que ele “preparou” preliminarmente. Denunciando uma concep¢ao obsoleta da ciéncia (essa que » hist6ria posiivista invocava tendo permanecido em Claude Bernard), cle acreditava estar conduzindo a hist6ria para o lado da ciéncia viva, © de modo alguin, aproximando-a da nasrativa de fiegio. O historiador como 0 cientista, nEo como o rorianeista. Com essa f6rmula, Febvee nio pensava de modo algum em vé- de enredo. “Os fatos sio fatos” era um requisitério em favor de uma hist6ria mais cientfica ou verdadeiramente cientifica, um convite a pensar sobre suas condigbes de elaboragio (¢ a levar Péguy a mentir, recrimi- nando aos historiadores fazerem comumente hist6ria sem meditar nos seus limites © nas condigSes da histéria), mas, de nenhum modo, um questionamento sobre a escrita da hist6ria: sobre a narrativa. Depois disso, a histéria manteve e reformulou essa ambigio de mais cigneia (portanto, de mais real ou mais verdade), principalmente pelo uso da referéncia marxista ou, num plano mais téenico, pelo recurso a0 lo como um mestre computador. Sem tomar-se uma critica epistemolégica, a histéria mos- trou-se ainda mais ciasa das condigbes de sua producio ¢ mais consciente de que seus objetos mio eram dades nas fontes, mas produzidos: era preciso que ela primeiramento estabelecesse as perguntas, formulasse as hipéteses, construisse os modelos, muito mais do que contar 0 que se passara, Ao final de um artigo provocador ¢ famoso (“Le discours de histoire” [0 discurso da hist6ria), 1967), dedicado a examinar se algum trago especifico distinguia narrativa hist6rica e narrativa ficticia, a0 nivel des modalidades da propria narragio, Roland Barthes observ: a que “o apagamento (quand nio desaparecimento) da narragio na cigneia hist6- rica atual, que procura falar das estruturas mais do que das eronologias”, cera 0 indice de uma mutagio (“o signo da historia 6, daqui pra frente, menos © real que o inteligivel”), A expressfo & accitivel se aerescentarmos que © real, assim visado, encontra-se datado, ¢ & o do realismo ~ do romance lista -, concebido como imitacio do real. O inteligivel nfo é, portanto, oponivel sem mais dizer ao real, mas, simplesmente, a um certo real Sem querer jogar com as palavias, viu-se portanto a historia mo- na praticamente renuneiae & nastativa, sem nunca coloear a questo da ‘4 enquanto tal. Desse modo, em lugar de se falar de abandono, ia preferfvel, com Ricoeur, falar de “eclipse” da narrativa (1 mas, mas cla esti sempre presente e sera de outro modo visive!: 0 “re tomo"? = ¢ suas jlidades de pronto-para-pensar), Se prolnngarmos, Competéncias 197 ainda um pouco mais, a perspectiva historiogrifica, seria preferivel ento falar de uma ocultagio (de modo algum deliberada) da questio da nas- rativa, muito anterior ao combate das Annales contra a histéria positivista em favor de uma histéria social (o real & social), muito anterior também 20 combate, travado na segunda metade do século XIX, em favar de uma hist6ria nfo mais arte, mas cifnefa, mais preocupada em conhecer do que ressuscitar 0 passado, histéria, em todo caso, muito pouco évértentielle. ‘Onde © historiador, transformado em homem de arquivos, observa, esta- belece os fatos (como 0 filélogo estabelece um texto) © os expde sem pesquisa ¢ sem lustro: tais como sio. Historia e retérica Durante todo 0 tempo que, efetivamente, permanece operat6ria a distingio entre res gestae e historia rerun gestarum, as agbes realizadas por um Indo © sua narragio pelo outro, a questo da narrativa no se coloca. Ou, em outras palavras, é evidente que o trabalho do historiador, sou talerto, sua originalidade cum relugdo a seus predecessores, em re- sumo tudo aquilo em funcao do que um principe a ele recorreria decorre do seu dominio da arte da exposi¢io. Em tal regime de historizidade, a hist6ria pertence claramente ao campo da rei6rica, ¢ pode ser justamente definida, sepundo a férmula de Cicero, como opus oratorium masime. Ela € obra oratéria por exceléncia: © orator, 0 orador mas também @ homem politico, € 0 homem mais capaz de escrever. O que nao sigrifiea, de nenhum modo, que a hist6ria dispense a exigéncia de verdede; pelo contrério, ela se afirma com lux veritatis (luz de verdade). Existe todo um estoque de formulas famosas do mesmo Cicero que retomam € mitir essa vulgata helenistica até a época moderna, Corolério dessa defini trans- in 6 a concepeio, de Cicero também (e mais amplamente, helenistica), da histéria come “exemplo”: ela ¢ coletinea de cexempla ¢ “mestte de vida" (magistra vitae). Esse € 0 tema das ligbes da histéria, Almejando formar o cidadio, esclarecer o homem politico, ela dove também poder servir 8 instrugio do homem particular, Narrativa das, inconstincias da sorte, ela deve ajudar a suportar as viradas de sorte, © propde exemplos a imitar ou a evitar, Ele se toma desde entdo, de bom grado, “biografia": mais ciosa ainda do que ndo se vé imediatament, atenta tudo que Plutarco chamari os “si miragio, emulagéo, imitagio. os da aima’, brinca com o encsdeamen- tistéria filoséfica, quer dizer moral, ov sefa, esse espelho estendido em que cada ur, através dos retratos excovados, 19S PassaDos RECOMFOSTOS € as anedotas contadas, pode observar melho:. Com essa historia de finalidades mais éticas do que pol mesmo simplesmente, ci de Ciceto a Plutarco, cujas Vidas marearam de modo permanente, para além va Antiguidade, as maneiras de escrever ¢ us usos da histéria. ‘Assim, ainda no século XVIII, Cfeero e Plutarco so parafrase- ndido Traité des études (1726) do bade Rollin, onde a hist6ria 6 apresentada como a “escolha comum do , tendo em vista agir ¢ tornar-se icas, ou vieas, passou-se Ga cidade 20 Império Romano, ou ados e desvinculados, no muito Nessa perspectiva, mesmo a hist6ria pagi pode ser 4 partir do momento em que se the reconhece um valor de formagio para os principes primeiramente, mas também para os siditos, conti-la é lieito, aprendé-la & sti O conceito de Geschichte ou a histéria conhecimento de si mesma Ora, a segunda metade do século XVIII assistiré, na Alemanha iments, 20 abandono progressive desies topo! ¢ a expressio de um novo regime de historicidade. O tema da histéria magistra vitae, se ainda é retomado ritualisticamente, esvazia-se de sentido verdadeiro e a divisio res gestae] historia rerum gestarum: no parece mais pertinen- s séculos XVI ¢ XVIII a uma progressiva au- téria, que 0s filésofos e es histor ratificar formando € impondo pouco a pouco o conceito de Die Geschichte: a hist6ria no singular, a hist6rie 2m si, a Histériat. Daqui para frente esti caduco o dispositivo que determinava que houvesse, de um lado, os acontecimentos, os fatos ¢ gestos do principe por exemplo, te. Assistiv-se entre dores alemies vio tonomizagio da © do outro, sua exposicio, sua apresentagao, a narrativa que deles fazia a sua historiografia, Nao, hd uma histori processo ou processus, hist6ria progresso principalmente. Nessa nova fi la de Droysen, como o conhecimenio de si mesma. Sem davida, saiu-se do espaco da retGrics, que pressupunha a divisio res gestae) historia e onde a questio da carrativa enquanto tal no se stemoldgico sério. Tomando que evolui depressa: histéria moldura conceitual a hist6ria definie-se-: Imente, segundo a férmu- colocava, ou melhor, nio causava problema ep de empréstimo primeiramente a0 tribunal o as tonic de inquérito judicial, © historiador reconhecido como mesire em ar:ss oratérias, devia entio im- pressionar, mas sobretudo convencer seu audis‘rio, guiado por uma légica da persuasio. Do mesmo modo desfez-se 0 velluo tépos das licdes da histéria, Conpeténcias 199 Como ela poderia ainda continuar sendo exemplar quando, como observa Tocqueville confrontado as perturbagées da Revolucio Francesa, 0 passado io aclara m: 3 forjando entre campo de experiéncia ¢ horizonte dle espera, entre aquilo que se conheceu € 0 que se espera (ou teme)? A légica do progresso 6 quem determina que 0 exemplar 8 0 lugar ao ‘nico. O passado toina-se ultrapassado. © futuro, quando a distincia v: Mas com a hist6ria-Geschichte, a questio da narrativa, da narcagso nfo mais se coloca. Hi ocultacZo dessa dimensio: a histria em si mesma 6, nor hip6tese, res gestae e historia rerum gestarum no mesmo movimento, (6 acontecimentos ¢ saa narragio. Pois a hist6ria fala e, no limite, fala por si mesma. O bom historiador seria, justamente, o homem que se apagasse diante dela: nfo aquele que, a exemplo de Michelet, leva a falar, sobre- tudo nos seus siléncios, mas aquele que a deixa fatar, simplesmente. Entce a concepgio retérica da hist6ria © a pasigio é9 historicismo, hi lugar para estados intermedirios. Como Fénclon, com seu Projet d'un traité sur Vhistoire [Projeto de um tratado sobre a histéria] (1716). Propon- do A Academia que ela mandasse escrever tal livro, ele fornece suas linhas gorais ¢ € levado, nessas circunstincias, a esbocar sua propria concepezo da historia. Se comeca ressaltando o tema ciceriano ou estimulado pelas ligées da hist6ria, passa rapidamente da ret6rics & posta, comparando a histéria a0 poema épico (¢ citando, dessa vez, Hordcio). O historiador — prossegue — deve “vé-la inteiramente num s6 olhar.. mostrar sua unidade e rotirar, cipais acontecimen- tos que dela dependem”. Fénclon nao é, todavia, um historicista avant la Ietire ou um inventor da itstéria em si, tendo rela pr6pria seu comego ¢ seu fim (sua prépria visada, seu felos em linguagem atistotlica), Pois 0 que justfica 0 desvio pela poética 6, antes de tudo, o fato de se levar em consideragio o leitor. E para esse iltimo que o historiador deve fazer com que sua histéria parega “um pouco” com © pooma épico, tendo 0 evidado de “mostrar-Ihe as relagSes” © de “fazé-lo chegar ao desfecho”, Nesse aspecto ele se desvincula totalmente do erudito que “segue seu gosto sem consultar 0 do pablico” © acumula pigina atris de pigina os achados de sua “insacivel curosidade”®. A podtica 6, pois, também polémica, De resto ica, aproximando historiador € poeta, até cconcluit, com um sorrso sem divida, que usa execlente historiador 6 alvez 167 assim dizer, de uma 86 fonte todos os p Fénelon passa da ret6rica & po ainda mais raro do que um grande poeta. Essa abordagem postica, a hist6ria-Geschichte, proibiu, Mas para ela € a propria histér nem ignorov, nem por si mesma, que é épica. O 200 Passabos nECOMPOSTOS Mas,:a0 tornar-se a. Pretendendo ser dat. para frente ciéncia 0 apoiada em faios, cl 1 suas ambig6es, com Ranke, contentando- cewesen), Para sabé-lo ¢ dizé-lo era necessirio ¢ suficiente freqientar Iongamente os arquivos. O wie (como) ~ onde se abriga no entanto a questio da elabo- tha entdo por que ser ainda mais problema- izado, uma vez que a hist6ria convertera-se em conhecimento de: si wente, os séculos XIX e XX viram a afirmagio ea énfase pela qual comecamos;, representa uma dessas variantes muito flexive Mas, em todos 08 casos considerados, a narrativa nifo estava na ordem do dia. Exeeto por recus: tocava na questio da narr debate recafa no aconteci a, quer dizer, fa, mas simplesmente wa forma pi te, Paul Ricoeur, leitor de La Mé controu dificuldades em fazer aparecer no liv de uma narr Braudel age icias 0 cuidado de engei quase-enredo fer 0 foi nada disso, ou pelo 1ovo tipo de enzedo como conjugacio de estruturas, de cicios 1 ST Fa Sane és 201 ents. Tendo por corolino que o acontecimento nto é sempie, ov simplesmente, esse tesplandecer breve, limitado ao terceiro nivel, onde 0 acantona, contudo,. Braudel. Com fungdes diversas, 0 iento pertence a todas 0s, niveis e pode set mais, precisamente ‘do como “uma variante do enredo”. Tés magio'de que tejeitat to nio significa fazer desaparceer a narfativa (nem 0 acontecimento), mas transformé-los. A polémica arrebatava, como é normal, ¢ deixava de lado a epistemologia. O longo prazo ndo € 0 inimigo da, narrativa, simplesmonte. Assim, a histéria nfo cessou de dizer os fatos € gestos dos homens, ‘nfo @ mesma narrativa, mas narrativas de formas diversas. Da © de acontec! -se af uma nova confir- supostos ¢ as formas de empregg-los variaram sem divida amplamente, mas a interrogago acerca da narrativa (a narrativa enguanto tl), est, 6 rece ‘Tomaram-na possivel a saida ou © abandono da sso e progresso, ¢a reintrodugio do historiador ral lerrogagbes voltadas para o signo e a representagio. Também a pode ser tratada como (¢ no reduzida a) um texto. Voltamos entio a Barthes, com uma ov f6rmula provocante: *O para que surja a questo da narr esta simples per que € que eu estou fazendo 202 Passabos ntcoMmostos 20. Ricoeut, Temps et Ret, Pais, Le Seu, 1983-198, 3 volumes. A questo ental | 63 do tempo e de sua iepreentbilidade: 9 hstoriogafa x6 neupa, potato, sm Il ‘momento da pesquisa ¢ aafimagio de wm elo, mesmo minim, ene hisria © sarrativa, depend, ela msina da hipstseprinelpal, segundos qs no hi meios a on it um tempo pensado fora da natrativa. MUTAGOES > R. Barthes, “Le discours de I'histoite” retomado em Le Bruissement de la langue, Paris, Le Seuil, 1984, p, 183-166. * R. Koselleck, Le Futur passé. Contribution & la sémantique des temps historiques, trad. ft Tari, Ed. da EHESS, 1990; livro importante, inteiramente &s vollss com essa questo, ver especialmente pp. 42-53, * Essa breve aparigio do erudito é propfcia s indieat que entre a hist Ahistoria-Gesehiclit, e para essa ques campo da histéria erudita, i da narrativa que nos deupa, existe 0 vasto "F Ricoeur, Temps er Récit ti, p. 300, Ricoeur epera com as nogSes de enredo (muthos) © de construgio de enredo que toma empeestada & Podtica de Aristételes wolta-se a encontrar a posta, mas dessa vez apticada nfo mais & histéria como processo, mas & histéria como texte). t i um O Lento Surgimento de Uma Historia Comparada Henz-Grenaro Haurr Com uma tal tradicdo da historiografia, da politizacao dos dehates hist6ricos e da definigto especifica do mito fundador da Franca contem- pordinea, os estudos comparctistas no podiam se impor na Franca. “Apenias com a internacionalizagao da pesquisa e da vida universitéria, essa lacuna surge claramente. Como, na maior parte das declaragdes de principio sobre o trabalho hist6rico e as perspectivas de pesquisa, a mengao da histéria comparada ndo falta, podemos interpretar essa lem- Branca como um sinal encorajador para 0 futuro, studar paralelamente sociedades 20 mesmo tempo vizinhas ¢ con- temporfineas, constantemente influenciadas umas pelas outras,sujeitas em seu desenvolvimento, devido a sua proximidade ¢ a sua sineronizagio, & gio das mesmas grandes causas, ¢ remontando, a0 menos parcialmente, ‘uma origem comum.” Eis o programa que Marc Bloch propés jé desde 1928 para “uma histéria comparada das sociedades européias™, programa que cle ccomegou a realizar em suas obras sobre o campo ou a sociedade feudal? Sua proposta de inaugurar no College de France um ensino de histéria comparada das sociedades curopéias destinava-se a dar uma base institucional a esse programa cientifieo ambicioso. Este foi posto em surina durante muito tempo, e 36 recentemente a tomada de conse E assim que, num editorial que reafima seu projeto intecdisciplinar, a revista Annales Economies Saciétés Civilisations menciona também a exigéacia do ~comparatismo”, embora observando que sua “prtien continua a exce de uma lacuna nos trabalhos franceses fez seu caminho. fo". A recentissima revista Gendses, ela também, inclui em seu progra- ma a exigéncia de reduzir “nossas ins comparatista de que temos necessidade Provavelmente, © artigo de Mare Btcch teve mais efeito no exterior idades e... estimular a cultura {que na prépria Franga, As abordagens ¢ realizagées em hist6ria comparada 206. Passabos RECOMPOSTOS dos séculos XIX ¢ XX, de que vamos falar aqui, Séo raras na historiogratia francesa, Mesmo as Annales nio Ihe reservaram um espago adequado, como constata Lucette Valensi: “A préprin revista nfo apresenta uma rubrica regular sobre a hist6ria comparada, ¢ sou sumério permanecerd fiel as elassificagbes tradicionais, por seqiiéncias eronolégicas, por sreas geogrificas ou por setores disciplinares"S, Nas colunas das revistas de histéria francesa, os artigos comparativos sio a excegio. Isto nao significa que a historiogeafia francesa esteja feehada em si mesma. Como em outros pafses europeus, na Franca também se veri ficou uma internacionalizagio da discussio cientifica. Por ocasiio dos congressos e da composigdo de nimeros especiais de revistas cientifieas, a evolugio das historiografias estrange'ras 6 freqiientements levada em conta. Assuntos que ultrapassam os limites nacionais so colocados no programa da agrégation, © especial tas da hist6ria de outros patses eurcpeus so nomeados para cargos universitirios. Até mesmo a edigio francesa ~ por mais tfmido que seja seu esforco de tradugio ~ comegou ‘a treuzir algumas das grandes teses de histéria contemporiinea, originé- fias, € verdade, as mais das vezes, dos Estados Unidos. Os melhores trabalhos incluem também, em sua bibliografia, livos estrangeiros, ¢ jé se admite que é impossivel escrever a histéria da Franga dos séculos XIX © XX sem o conhecimento de ume rica produgio anglo-saxénica. A missio histérica francesa na Alemanha (Gottingen) ¢ a Escola francesa ‘de Rema, por sua parte, facilitam 0 acesso & cultura historiogréfiea alema ¢ italiana; todavia, seu eco entre os historiadores fianceses permanece limitado, Portanto, se um galocenttismo existe ~ ¢, de fato, existe, seria falso generalizé-lo © exageri-lot A histéria comparada na Franca: setores € limi Com efcito, a historiografia frencesa em sua totalidade no recusa a comparagio. Entretanto, esia é antes implicita que explicita. Os es- tudos locais ou regionais se referem freqiientemente a0 contexto nacio- nal: neles, este ou aquele problema nacional é analisado na configuragio que assume no interior de uma regido ou de uma cidade. Porém, os estedos que, partindo de uma problematica particular, comparam entre si ¢xemplos locais ou regionais sao extremamente raros"; as anilises regionais sio comparadas mais com on que com outras experiGncias regionais, ¢ a comparacio entre cidades ov rej sorte mga estribada numa tradigio universitéria mais anglo-saxdnica que francesa. A propria regio € freqiientemente um quadro cOmodo, um pretexto para executar um estudo, mas raramente um problema para ser aproximado das concepgGes © realidades espaciais de outros paises europeus*. tretanto, dois setores tém uma tradiga0 comparatista declarada: a demo- ‘grafia hist6rica © a hist6ria scondmica. Retomando os métodos de demografia, algumas obras procuraram confrontar modelos nacionais de eumento da populagio ou de urbanizagio, das taxas de natalidade e mortalidade. A Histoire de la population mondiale (Histérie da populagio mundial], editada por Marcel Reinhard, André ‘Ammengaud e Jacques Dupiquier, era um exemplo dessa abordagem, que inda existe’. Ao abandonar o plano nacional e privilegiar o quadro local © regional, a comparagio se tomou mais dificil e mais rar. Na media em que as pesquises incluem doravante o estudo das condigSes miltplas de produgio dos dados numéricos, ¢ integram 0s fatores socia de modelos nacionais e sua comparagio <2 tomaram mais aleat6rias. Essa concentragio de pesquisa numa eritica rigorosa das fontes e dos mecanismos demogréficos foi acompanhada de um estreitamento do quadro geogrifico". AS Annales de démographie historique [Anais de demografia hist6ries] dos dee titimos anos, com cxcegao de alguns artigos que eseolhem a escala nacional como base de comparacio, tém publicado sobretudo monografias limitadas a um muniefpio ou a uma regio. Portanto, a demografia hst6rica, na Franga, tem utilizado a comparagio — e continua a utilizé-la ~ mas com © objetivo de confrontar cifras globais. E bastante raro que explicagdes obtidas durante 0 trabalho comparativo se integrem numa reflexio sobre @ cevolugio demogrifica da Frange nos séculos XIX ¢ XX. ‘Como em outros paises curopeus, os estudos sobre o erescimento industrial tinham rapidamente alquirido uma dimenséo comparativa. 34, nos anos 60, o debate sobre a hipstese do take-off de W. W. Rostow, embora Timitado & justapos is", englobava diferentes paises europeus. Um dos pionciros da comparagio em hist6ria econdmica foi Frangois Crouzet que, depois de sua tese acerca dos efeitos do bloqueio continental sobre a economia britinica, confrontou a evolugio na Franga € na Inglaterra. Ao comparar as taxas de crescimento dos dois patses, Frangois Crouzet e Maurice Lévy-Leboyer encontraram provas do atraso industial da Franga, ¢ da influéneia nefasta da Revolugio de 1789 sobre sua arrancada ceonbmiea e industrial. Esses trabalhos se inscrevem na de uma ima e cultursis, a constructo de monografias nacio positiva da Revolucdo Francesa em vigor nos anos 208 Passabos nEcomrosros 69. Eles vao a0 encontro de abordagens americahas, que procuraram na estrutura social francesa e na mentalidade pré-industrial dos empresiri tum obsticulo ao crescimento econdmico ¢ & inovacio! ‘A idéia subjacente a essas interpretagies, a saber, que a Inglaterra trajetéria francesa, foi abalada no decorter da tiltima década. Com efeito, a atencdo se focalizou mais nas deve ser 0 modelo que permite me ccondigdes de erescimento existentes na Franca que nas cortespondéncias com 0 exemplo inglés. Nesse contexto, as pequenas empresas foram interpretadas menos como indieadores do atraso que como resposta is condigées particulares do mercado € do sistema de produgio em vigor na Franca. Foram sobretudo Jean Bouvier e seus alunos que se concentraram, nos caminhos franceses em diregio 20 capitalismo. A formulacio de Bouvier 6 categérica: “Toda nagéo 6 outra. A Franga nunca foi inferior nem superior a qualquer outra nacio legitimamente comparavel pelo avango do desenvolvimento, as dimens6es e niveis relativos deste, seus ritmos e velocidades. Nem inferior nem superior a Bélgica ou 8 Ilia, por exeniplo, Porque, a semelhanga de toda nagio e de todo Estado, a Franga foi naturalmente outra do que seus vizinhos”™, Essa abordagsm revisionista, que recusava qualquer modelo domi- nante ¢ coercitive, podia ser interpretada em dois sentidos: seja uma concentragio nas condi¢des especificas da Franca, comparadas com as dos outros paises europeus, seja uma insisténcia na légica interna da evolugio econdmica da Franga, livre de todo modelo exterior. Na hist6ria ‘econdmica, parece que prevaleceu a segunda interpretagao. E assim que ‘os artigos publicados na revista Histoire, économie et société so dedi- cados unicamente A Franca, sem a menor comparagio. Existem, no en- tanto, alguns indicios de uma mudanga de ética. Algumas contribuigdes freneesas a um recente coléquio internacional, consagrado a influéncia da jologia ¢ da pesquisa na evolucio industrial na Franga € na Alemanha, englobavam uma dimensio comparativa™ Essa mudanga é perceptivel em outros dominios, mais ou menos prximos. Entre os trabalhos recentes, ov em fase de elaboragio, cabe mencionar as publicagées de Patrick Fridenson sobre a estrutura de orga nizagio e a politica de pessoal nas grandes indistrias alemis ¢ francesas, os trabalhos de Etienne Frangots sobre a alfabetizagio e iconografias na Alemanha de Maurice Garden sobre a Franga e na a pesquisa promissor homeopatia nos dois pafses, os trabalhos em curso de Christophe Charlo sobre os professores universititios em Berlim e em Pati de Thierry Nadau Mutagées 209 sobre 0 ensino agricola nos dois ses, ou de Hervé Joly sobre os enge heiros de minas e os Bergassessoren... A comparagio ;co-alema é mais, ifundida que a com a Inglaterra, e isso é e2rtamente também resultado de a ¢ da agio do CNRS", Um exemplo animador de uma ahordagem comparativa ampla 6 0 manual de Jean-Luc Pinol, que trata da ‘vida urbana ¢ da cidade como estrutura na Alemanka, na Franga, na Ingls- terra e nos Estados Unidos, procurando estabelecer relagdes e referéncias. Ao contririo, Gérard Noiriel, animador de uma rede curopéia do histéria comparativa, promete uma comparacio no titulo de sua kltima obra, mas, nna realidade, permanece fechado nos limites da Franga'®, Persistem, toda- via, as reticéncias de fundo: duas grandes teses utilizaram a comparacio ’ ‘como principio de pesquisa © de explicacio. Joél Michel estudou os mi- neiros na Bélgica, na Inglaterra, na Alemanha ¢ na Franga entre 1890 ¢ 1914; uma das chaves de sua explicagio reside no municipio, que tem estruturas semelhantes nos quatro paises. Frédéric Barbier investigou a produgio, o consumo ¢ a distribuigio do livia na Franga ena Alemanha no século XIX", Pois bem —e é sintomético ~, passados oito anos, estes uma vontade polit dois trabalhos ainda nio esto publicados. Esta lacuna antiga € ainda mais surpreendente, porque algumas das condigées que, em outros lugares, favoreceram 0 desenvolvimento da hist6ria comparada, também se encontram reuhidas na Franga. Para co mecar, uma tradigio sociol6gica insistindo na importincia da comparagio cexistiv, sim, © muito cedo, Emile Durkheim constata nas Régles de la méthode sociologique [Regras do método socioldgico}: “O método com parative & 0 nico que convém & sociologia""S. E 6 melhor para deseobrir ccausalidades ¢, finalmente, também leis. Exemplos tirados de ciedades num estigio andlogo de evolucéo deve ajudar os socidlogos “a descobrir rlagbes gerais, leis verificaveis nas sociedades diferentes”. Por outro lado, a unicidade de um fendrzeno exclufa, para Durkheim, 0 trabalho comparativo e, por conseguinte, = anélise sociolégica: “A propti definigio da economia nacional exclui possibilidade de verdadei as lois cientificas, j6 que concebe seu objeto como nico e exelui a compara io", Embora Durkheim tenha feito reservas & concepedo de uma eiéncia Ivumana ageupando todas as ci sociais ¢ garantindo a primazia da sociologia, suas posigies foram, assim mesmo, interpretada como 0 im- perialismo de uma dis iplina que provoce¥a vivas reagSes, principalmente entre os historiadores. Era por isso que Lucien Febvro se opunha a0 “sociologismo” mais que Mare Bloch. 210. Passabos necomrostos Na Alemanha, a hipStese segundo a qual a histéria alema teria seguido um “caminho particular” (Sonderweg) capaz de explicar 0 nacio- nal-socialismo e sua vit6ria em 1933, provocou pesquisas comparativas. Na Franga também, particularidades nacionais se encontram cada vez mais situadas no eentro da pesquisa hist6rica, em parte no rastro do Bieentendtio da Revolugéo Francesa, O caminho especifico em direcio ao capitalismo na Franga jé foi mencionado. Maurice Agulhon, que afirma que a demo- cracia antecedeu 2 modemicade na Franga, insiste numa especificidade da Franga. Enfim, o inicio precoce, na Franga, da diminuigio da natalidade e da contracepgio pode ser considerado como um traco especifico da Franga, Eo que dizer, enfim, dos “lugares de meméria” nos quais a hist6ria francesa se condensa ¢ se reifica®"? Contrariamente & tradigio germinica, essas afirmagées nio buscam provas numa anilise comparativa, num olhar para além das fronteiras, mas se inscrevem mais num debate interno & Franga. ‘A hiistéria comparativa nfo encontra lugar nesse contexio. Enfim, tanto na hist6ria das relagdes internacionais como na his- téria politica, existem tradigdes de analise comparativa em outros paises europeus. Certamente, teses importantes anaiisaram a rede de trocas di- plomiticas, econdmicas, politicas ¢ culturais, mas, na tredicio de Pierre Renouvin, quase nunca tomaram a comparagio como objetivo, nem pro- curaram confrontar problemas que se apresentavam em diferentes socie- dades. Nesse contexto, coléquios franco-alemaes ow franco-italianos, assim como a série de encontros sobre as grandes poténcias na Europa no século XX, salientam mais a importincia de redes internacionais do que reais pesquisas comparativas®. A “nova hist6ria politica”, por sua vez, rolega a comparagio 20 capitulo sobre as relagSes intemacionais © se concentra no modelo francés. Este se encontra também no centro dos cestudos de hist6ria das mentalidades que sio dedicados aos fendmenos nacionais, regionais ¢ locais, renunciando totalmente a uma confrontacio com outras realidades nacionais, embora esta seja bastante promissora™, As razes de um atraso Quais so as razBes desso atraso da historiografia francesa? Os historiadores franceses respondem geralmente que 0 prdprio método comparativo é ‘ago. Com efeito, a comparagio nio deve ser confundida com certas sinteses internacionais tais como, por exemplo, a Histoire économique et sociale du monde (Mistéria econdmica e social do mundo], dirigida por Pierre Léon’, Ela nao se reduz tampouco & hisiéria das Mutagoes 211 relagdes entre paises™. Pode se exercer pelo menes em és diregSes. primeiro lugar, pode orientar a escolha das probleméticas ¢ das diretrizes de uma pesquisa, e permitir uma melhor definicao do campo de andlise. Com feito, os exemplos estrangeiros e as hisloriografias dos outros pafses poder ampliar 0 horizonte das problemiéticas. Em segundo lugar, monografias histrieas, quer sejam nacfonais ou regionais, podem con- frontar, numa introdugio ou num capitulo final, a evolugio particular com 4 de outros pafses, servindo-se da literatura secundaria. Neste caso, podem testar o valor das explicagées propostas ¢ ser obrigadas a uma eseritura mais analitica. Enfim, estudos partindo de uma problemética comum podem analisar estruturas, processos e mentalidades em duas ou mais sociedades, soja para acentuar diferengas, seja para encontrar analogias, de qualquer maneira, para ampliar a base documentéria e propor uma interpretagio das evolugSes baseada no conhecimento de realidades so- ciais, econdmicas ¢ politicas diferentes. E certo, a histéria comparada no oferece uma metodologia con- firmada. As perguntas que Lucette Valensi levanta devem, de fato, ser ropostas de novo a propésito de eada tipo € cada exemplo de compa- ragiio: “Como decidir que dois objetos so compariveis? Como compard- los? Que escala de comparacio adctar? E sobretudo, por que compa- rar"®57 E claro que existem também exemplos de més comparagdes. Mas temos numerosos exemplos de obras que, apesar de escolherem o caminho da hist6ria comparada, correspondem bem a alguns dos principios da escola histérica francesa: a histéria-problema, a reflexio aprofundada sobre as fontes e seu valor, a desenberta de abordagens e de visdes novas, ‘0 desencravamento das probleméticas ete. As dificuldades de uma histéria comparada mencionadas por certos autores franceses niio sio especificas da Franga, mas aparecem em todos os pafses europeus. A resistencia a0 comparatisma deve, pois, er motivos particulares. Pelo menos trés podem ser mencionados (numa boa tradigio francesa). 1 = A tradigio de histéria regional ¢ local da historiografia francesa, que foi no passado uma de suas riquezas, toma a comparagio mais dificil, mas no impossivel. Com efeito, esse quadro pode se revelar ideal para certo tipo de pesquisas comparativas, pormitindo comparar recortes, vis6es diferentes do espaco. Essa primazia do jonal e do local, no entanto, esti fortemente francesa. Ela tem também uma dimensdo metodolégi pais motivos do potico uso da comparagio deve ser procurado nums \basada nas condigées materisis e sociais da vida universitiria #7, Um dos princi- 4 212. Passabos RECOMPOsTOS cscritura da historia, que privilegia a individualidade historiea em relagie as probleméticas de importincia mais geral. O temor de que modelos te6ricos pudessem dcformar a leitura dos materiais hist6ricos se exprimiu ‘numa recusa de todo “sociologismo”. Contra este, colebraram-so os méritos da anilise de casos ¢ se considerou que © conhecimento hisi6rico progre- ditia por uma acumulagio desses estueos de casos. f assim que, jé em 1922, Lucien Febvre formula essa posicio, marcando distincia em relagio a Durkheim, mas também a Bloch: “Quando possuirmos mais algumas boas rmonografias regionais novas — entio, s6 enti, reunindo seus dados, com- pparando-os, confrontando-os minuciosamente, poderemos retomar a ques- to de conjunto, fazer com que dé um passo novo e decisivo — tenha éxito. Proceder de outro modo, seria partirmos, munidos de duas ou tr€s idéias simples e grosseiras, para uma espécie de ripida excursfo. Seria, na maioria dos casos, defxarmos de ver o particular, © individuo, o irregular, isto 6, em suma, 0 mais interessante”, Como a hist6ria comparada busca, além do caso individual, tracos comuns ou estruturas gerais, visa mesmo apre- ender os mecanismos de funcionamento de diferentes sociedades em sua importincia respectiva, ¢ se volta para casos diversos em busca de expli- cagées mais substanciosas para problemas ou informagées to estranhos que podem subverter a conceptualizacio habitual, ela esté longe da apo- logia de Lucien Febvre. Tanto em sua prética da pesquisa como em seu estilo universitério, a historiografia francesa se aproximou mais dos prin- cipios de Febvre que dos de Bloch. 2.— A maior parte dos paradigmas da histéria contemporiinea foi formu- ada no decorrer dos itimos cingienta anos, no em comparagio com outras nagbes, © sim em relacio com posicdes de politica interior. Ques- toes importantes como a Revolugio de 1789, 2 laicidade ¢ 0 marxismo, dividiram durante anos o mundo dos historiadores e orientaram a pesquisa histériea. Mesmo no momento em que as frentes politicas se dissolvem, clas continuam a exercer um podei definigdes da comunidade universita 3— Na Franga, a consciéneia de um “caminho particular” 6 ~ comparada com a que vigora na Alemanha ~ de outra natureza. Ela néio se origina do fascism, sim do papel da Franga revolucionsria, O debate nio se 's exatas que, na Franga, deram a0 “seul da revolugio” (Eric Hobsbawm) uma forma e uma irradia particulares, ¢ sim na natureza especifica da missio revolucionéria. A. ‘4 ov representativa, de valores iegivel sobre as classificagdes € as concentra na questio das condi Franga foi o exemplo da democracia dir Mutagées 213 tuniversais ou limitados 8 burguesia, © unicamen'e aos homens da produ- io capitalista ou aos de um mundo de pequenos produtores? Todas essas questies podiam ser discutidas num estrito quaéro nacional. Na medida ‘em que essa porspectiva se alargou, ela se interessou sobretudo pela influéncia da Revolugio Francesa na Europa ¢ no mundo. Com uma tal tradigdo da historiografia, da politizagio dos debates hist6ricos e da definigio especifica do mito fundador da Franca contem- poriinea, os estudos comparatistas no podiam se impor. Apenas com a internacionalizogio da pesquisa ¢ da vida universitiria essa lacuna surge claramente. Como, na maior parte das declaragies de principio sobre 0 trabalho hist6rico € as perspectivas de pesquist, a mengio da hist6ria comparada nfo falta, podemos interpre.ar essa lembranga como um sinal encorajador para o futuro. Talvez, nesse contesto, a exortagio de Marc Bloch adquica mais peso: “A histéria comparada, tornada mais féeil de se conhecer ¢ de se utilizar, animerd com seu espi ‘sem os quais ela nada pode, mas que, sem ela, a nada chegariam. Numa palavra, deixemos, por favor, de falar eternaments de hist6ria nacional para histéria nacional, sem nos compreendermos™. ito os estudos locais, Notas M. Bloch, “Pour une hist comparée des socids européentes", in Mélanges hisioriques, Pats, 1963, 1, pt9. Sobre a abordagen de Bloch, W. H. Sewell Je “Mare Bloch and the logic of comparative history”, History and Theory, 6, 1967, pp. 208-218; A. O. Hill, B. H. Hille (ed), “Forum Mare Bloch and comparative history", American Historical Review, LXXXV, 1980, p. 828.853; D. Romagnoli, “La comparazione nell’opera ci Mate Bloch: pratia eteoria, in P. Rossi (ed), La storia compareta. Approce e prospetive, Milo, 1990, pp. 110-128. Sobretudo HL Atema, A Barguitre (ed), Mere Block eujotrthul. Histoire comparée et sciences sociales, Pris, 1990, pp. 255-336 (em paticulay, 0 artigo de Maurice Aymard, “Histoire et comparsison, pp. 271-278) Ver estudo de R. Hilton, “Selgneurie rangaise et manoir anglais, Fifty years later”, in Atsma, Burguiéte, op. eit, pp. 173-182. 2 “Hisoir et sciences sociales. Ua tourmant ritique?”,Amales ESC, XLII, 1988, p.292 * Gendses, 1, 1990, p. 3 5 L Volensi, “Retour dOrient. De quelques usages ci comparatisme”, in Atsma, Burguitre, op. cit, ps 309. A excegio que coafiema a regra € 0 artigy de N. b 214. Passapos necourostos Green, “histoire comparative et le champ des études migratoites", Amales ESC, XLV, 1990, pp_ 1335-1350. * CL, por exemplo, virios némeros do Mouvement social sobte “Les nationalistions ‘Paprés guerse en Europe occidentale” (a. 134), “L'atelier et la boutique” (n. 108) ‘ou “Mémoires et histires de 1968" (n, 143). A revista Vingtidme Sidele também procura integrat 2 dimeasio internacional 7 As comparagies sistemiticas de evolugbes regionals so bastante raras: L. P. Moch, L.Tilly, “Joining the urban world; occupation, family and migration in three French cities", Comparative Studies tn History and H'story, 27, 1985. *P. Aygoberty, “L’histoice tégionale en France. Orientations politiques et méthodo- logiques du début du XIXe sidcle 8 nos jours”, in G. A. Ritter, R. Vieshavs (ee), Aspects de la recherche historique en France et en Allemagne, Gottingen, 1981, pp. 193-201 *M. Reinhard, A. Armengaud, J: Dupiquier, Histoire générale de la population ‘mondiale, Pais, 1968; ef. também J. DupSquier (€4.), Histoire de la population Francaise, Patis, PUR, 4 tumes, 1988-1991. "©, Perrenoud, “AuEnuation des eizes et déclin de a mortlte, Annales de ‘istorique, 1989, pp. 13-29; 3 Valli, “La mortal 8 long terme et changement de structure par sexe et par Age" émographie en Burope de 1720 1914: tendance ibid, pp. 31-54 4. Marczewski, Introduction & histoire quantitative, Genebra, 1965; W. W. Rostow (4), The Economies of Take-Off ito Sustained Growth, Londtes, 1963, pp. 119-138. # B Crouzet, De ta supériorité de Angleterre sur la Fronce: "économique et Vimaginaire XVlle-XXe sideles, Pats, 1985; id., “Les conséquences économiques de la Revolution. A propos d'un incdit de sir Francis dIvernois”, Annales histori: ‘ques de la Revolution frengaise, 39, 1967, pp. 12-217, 336-362; H. Bonin, “La Révolution francaise a-telle brisé esprit d'enteeprise?”, l'information historique, 47, 1985, pp. 193-204; M. Lévy-Leboyer, “Les processus d’industrilisstion: le cos Se TAngleterce et de la France", Revue historigue, 129, 1968, pp. 281-298. © P, O'Brien e C. Keyder, Economic Growl in Britain and France. 1780-1914, Londses, 1978; J. Bouvier, “Libres propos autour d'une démarche révisionniste™, in P, Fridenson € A. Suauss (¢4.), Le Capitalisme frausais XINe-ANXe sees. 1987, pp. 11-27, Blocages et dynamismes d'une croissance, Pai "¥. Cohen, K. 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Tacke, Hermann und Vereingétoris, Zwei nationale Symbole in Deutschland und Frankreich, tese de doviorado, Institut universitaire européen, 1992. aa Se 216 Passapos necommostas 3 P Léon (ed), Histoire €couomique et sociale du monde, 6 volumes, Pati, 1978-1982, = CE, entieanto, 2 abordayem promiscora e inovadora de M. Espagne, M. Werner (cl), Transferts cultures, Les relations interculwrelles dans Uespace franco- allemand (XVIMe-XXe sidcles), Pati, 1988. ™ L. Volensi, artigo citado, p. 311. * Cfo artigo interessante de R. Chantie, “Sciences sociales et découpage régional", ‘Actes de la recherche en sciences sociales, n. 35, 1989, pp. 27-36. > L. Febvte, ha Terre et l'évolution humaine, Introduction géogrephique & l'histoire, Paris, 1922 (1970), p.'92 € segs. M. Bloch, antigo citedo, p. 40, Este artigo ja estavs no prelo quando on. 17 (Getembro de 1994) da revista Genéses publicow o inleressantissimo dassié “Le ccomparatisme en histoire et ses enjews: exemple fronco-llemand”, com artigos de P. Schatiler, S. Kotte Th. Nadav, M. Espagne (pp. 102-121). $6 posso remeter 0 Ieitor para © mesmo. pots A Violéncia das Multidées: E Possivel Elucidar o Desumano? Dowinigue Juun O estudo das feridas da histéria, de suas paixdes ¢ de suas febres sociais, dos estigmas que estas deixam, ainda pode nos ensinar muita coisa sobre a relacio patoldgica que uma sociedade 1vantém consigo mesma, A estranheza perturbadora que emana dos fendmenos percebidos por nds (mas também pelos contempordneos) como insensatos revela as pergunias qu? © corpo social formula a respeito de sua prépria identidade € 08 perigos que tenia exorcizar segundo o registro préprio de sua epoca. A hiistéria da multidio constituiu por muito tempo um dos pontos cegos da pesquisa na Franga, ¢, muito provavelmente, esse atraso nio é Esbogaremos aqui apenas algumas etapas desse percurso, que & também uma reviravolta. No curso de um século, o olhar do historiador sso deslocou: os fantast mento suscitava no estudioso fechado em seu ga que a “animalidade” das multidGes em mos binete foram subs por uma andlise das légicds préticas que determinaram a agdo das mes- ‘mas, chegando a uma busca-das coeréncias que podem dar conta do que Alphonse Dupront chamava de “pritica do inexpivel”: trata-se de “re- conhecer com uma lucidez espantada, por vezes ferida, mesmo que isso dos nos choque, a organicidade de um mundo outro, coerente até no attoz, no anormal ou no esiranho”'. Em suma, 0 que denominamos hoje 0 “desumano”, 0 horror das massacres. também deve ser elucidado, (0s traumatismos revolucionérios que escandem a histéria nacional no decorrer do século XIX pesam fort no final do mesmo os pensadores das diversas disciplinas. Pouco importa que Hippolyte T Origines de la France contemporaine {0 te na anilise que empreendem 1e afirme, a0 encetar o capitulo revoluciondrio de seu ens da Franca contemporinea} sva obra alusdes aos debates con- (1878), que nio devemos procurar ¢ temporfincos: “E Florenca ou de Atenas (..] Estimava de evi coma se tiv c tido por tema as revoluges de -ais minha profiesio d histor:ador stenb soe sossooxa sop & eosyuy up oxSeaedord ep auqeg 9 ‘snsseur sep sor 009) $0 Seyu0d ep 95 BU soputa sos nodas apeparsos : ens puny ‘ofO|pIO0s WO nowOJsUEL os tuo ‘onb ‘erousaord ep openstSeur ‘opie, sogde urosafins soy] anb soxopeznoudiy op jop woo seSueyio se 9 saroy WW BUIAYY “,ax20Ur axdwas asenb woq op orqosorUt 2} OW|RUL aAIOAUDSOP a8 eur op oIqosoIW o ob tuo otto119) tin, 198 od "you 0 ered opSysodstpard ruin ony 9 “yao ap ages 14 steur & ‘opep ooajos wun op jopy vsoid ons od ‘9 vszoursy opSnjoaoy up onsojdxa y syuosap 9s w sewuosd axdwos #909 se ‘anBues op 9 owe ep In Sop ,aTURIQEA ZO, soustupSious,, woSosd oy] nb (oaod op equesoqos ep © owos) seuiZop sop oprites o soptodsde 2p 2 seupporoe1 op zedcout 9 sayep o19o199 0 ag zJeSe1q sopetjeqes Ou NO sguoduiso ou vias onb o ‘sasouadns sowusdso sou axe} wn jnisto9 ef ‘out sagSriado sexaqdinos 83 o1tEnD +, sosoFH1ad soono} ap oxynuN}, tun sevode souas9 |, 914996919 opSous ens 9p os0udioo1 oy u0> 0 woo ‘eindso & wos ‘sow8 somdgxd nas woo os-s0 teu, souexap s0 9 ‘,wwe1eqaq anb suawoy 9 9wo} Wa aonb sosoujnas,, soueyunf 9s “owe og -,oBeUNg}s9 op 2 andues op ‘soarou sop ‘019919 op yaavisut souou! Ogu opeisa op apuadap onb bo op opeyso wn, WES 9 “OVEUL Wop wn 9 BU OBZEI e A [7] sopeznmpur sepins sv “seossad se SUT SO O1Seiu09 Jod,, s9you un -openuoouasap s0¥u9 snos op ‘soupupenuos sosinduyy sojed a s1uaz000ut oBof ofad souquuow snas supor ‘woo no[foeA ‘overpawwt ap :e5aqeo vu epeadjod ojuoueyiqns stodap ‘soys0y no sepe ne gun jad. vpeouqua 5» OUND, UOIOUY op wy op eSensy ou sosgod sourgin sousteq, ‘sop o1spiado ou owsi[oouJe op sarwoosor9 sowayo sov oyuryfoutos sseysesed sop up wINNYA oWDD BsBOLEIF 9pEPa!OOS v vIUasoIdP onb ‘eo!potU vIO}PIOW Ey Jeuue v ojwenb omepasqo O24, *,,29} anb sodensa so axqos sod joqeD ‘9 ouupaso op wpesty vuIN woD ByEUI onb “ooLgD} ype SepIqaq sexino UIA ap 2 721208. asseifoa oiuador 9p aonb op: 8P br Up op ui jad opesadsexa SOLSOINOOM SoAVEsYY g1Z 612 s905mmpy ‘Wane TE TTT SOTOSHIMES OFITOND jon vinzor s1Aqazer] soBs09H ‘seyyyy Wids OvSIPNID juodsip soitoy 9p owunfuos ou wn afou 2punig, 77 ap s0jdwoxo opmsa nag “a1aqaya"] sofs00g 9 ‘vatsoIsty ovSejuoWNDOp ap vUI9}EWL Wo oWlssU op BIoUZIOURY e opuEyUL|gNs ‘Yog 2] ,sOINOP,, op eiompas oEsta & weseoy somyndod smyosas apepyeuores y y39% 'g ‘o¥ny 9p ‘eousod — opep 201 BU OpIytoD oyILI9P Op OPEPIND O wiaSaTE UIZUY Wo vlougUEUE ens aquemp sepiStpar seiou se exoqu9 — ou -eayos opStozmsut © opumuyd efoz wn 9p wordy ovsta y “o1UdtH © opHiomgns weracy $90} (SSB WE]DA—I JERIXDY OpMSD O CWO oLdEoIHUEAD E ONE, 1 wa SOroUTU Sop WaT :Ueyp ‘DpundosSozoa sop sietu se cyuasorde 9s ¥ sodsoxa ens ereaoxord vjourSosse Ufo ‘uTeA\ OxToutOTUO O vjouef wad ne ojq}Aaze09q] 9p SOrtoUTUT So ‘oRET ap OMDI9A9y 9p OZ CIP OP EYUCUE ‘bu sojussesse ap ose oofup uN noYIStOD 101I9q 2 ‘nopmso anb soaail 996°2 SEN “SeUW Sep ouo2I91 Ou 956 stuade eSucoye opSrodosd 9 ‘SofoUpfoIA wo wEIesOUTap %p ap souUL ‘seIESOIdO op sogder -soyyueat © xeiny uresop — SoHtourus sop sejenbep ovsenb wn ~ soaor8 sup sqeuojedsoxa seulo} 25 © apts} S01so8 sop eIotgjoIA & ojuenb ‘waffeayas "erodsy ‘esor08ta syeus o1ue) 9 onoi up vsanqed y “ositasip 0 9 01508 0 onus ojuousos9 joorod ens ovdipenuos jarus5soeul ‘Opmiosgos seu “empUNfUOD ep OL od apepltzqistos ens ‘sasore sop OBof 0 sopusaide jonsssod 9 122 sa8omyy Bing ep souoned Sata sfeu So v1 opsoge jossog o11949I ‘opmso ap 1alGo se,, :ureyosns s0yso sens 10d seja a1qos: oroes ov stide oonod ‘syoapuorssorduat 9 sejnpps0 ‘soarsindwyy -,soppoouypaus,.. 699502) sod soprayoauasop gf sewar so stunas @ 9p upow wy o7tt EIG0_V arpssozap exed opyanpen p tof sop a1Bojoyo%sq PT S6ST we jod ‘uog 97] oats, edeaso opu wpquier ossiq “eo0d9 up soiueupop sodngasasy soled epeuruiop aquowoy0} 9 s20pH sd v ‘Sous oWOD, wepeyyedie8 opSeiodsexa ep ‘vnu So9siug st9s ‘OMISISUAIOU nos “peply Jor oypudes nos sod, ‘opel, nosetu soyuot9|9 ap wsodu0> ROT OP UPI “jyS18UL WAN Ano no J9A WEYpaIoE sopuRDS iopepion way, “os1uyd ofed sepey ~191 y soIny op so21SoJ0a!sd sor apoio ens “epmyjosos op SOISOWNOORISOOVSSVE OTT i i 222 Passapos neconnostos diversificada dos participantes: trata-se de artesios © pequenos comer- ites, de prestadores de servicos nas vinhas, de granjeirus meciros, de lavradores ¢ moleiros, muitos dos quai tirios, mas também de burgueses do campo, is vezes na primeira fila dos insurretos'?, Com feito, atento longa duragio, Georges Lefebvre recoloca 0 Grande Medo na continuidade dos motins da pendria ¢ da luta secular contra ‘65 agambarcadores. No entanto, 0 que mais Ihe interessa € analisar de ‘modo preciso os vetores da informagia; reconstitui assim os itinerdrios dos piinicas, lncaliza sua irradiagio, e demonstra a inanidade da tese do “complé aristocr: lidade do fendmeno. ‘A pattir daf, 0 historiador é remetido para o problema essencial: segundo que légicas funciona 0 rumor? Quais tém sido seus canais (reunides de feira ou de botequim, mas também viajantes, padres, gendarnaria, mensageiros ou postilhdes)? Seguido que modalidade um rumor se deforma no curso da propagagio oral, ¢ como se di a apro- priacio? A andlise de Georges Lefebvre desemboca acsim na formag de uma mentalidade coletiva, na génese das representagbes, e ele pode ‘enti reconstituir a extraordindria complexidade do acontecimento, no qual vém se encaixar sentimentos ancestrais (meméria popular do an- tagonismo entre senhores ¢ camponeses, irritacdo em tempo de pentiria contra os privilegiados) e impresses forjadas recentemente pela prépria atualidade politica (papel das assembléias eleitorais e da redacio dos cadernos de queixas na construgio de um rei bem, preocupado em aliviar a miséria de seus stiditos, e na representagao coletiva de um tipo abstrato de senhor que se-opée as reformas). Portanto, nao foi por acaso. que a violéncia camponesa se sso props "5 no houve nem “mao invisivel” nem universa- frou contra os simbolos mais fortes da dominagao senhorial: castelos, titulos feudais, vapéis das justigas senho- riais, assenlos na igreja. Ao recusar as interpretaches. preguigosas, Georges Lefebvre levava pela primeira vez 9 leitor a compreender 0 evento que permanecera 0 mais enigmético da Revolugio Francesa. Nos iiltimos vinte anos, a renovacio dos estudos sobre as mul- tiddes se realizou em diregGes miltiplas. Nao se trata mais de interessat~ se apenas, como fizera no inicio dos anos 60 o historiador inglés George Rudé, a partir dos arquivos policiais, pela composi tides da Revolugio Francesa”: tais es j0 social das mul- < tiveram 0 enorme mérito de refutar definitivamente a lenda negra friam de un ‘oricade por Taine, mas so- iiplice fraqueza. Primeiro, so consideravam a multi Mutagies 223, em seu componente revolucionsrio, “agressive”, como na ocasiio dos motins, das revolts, das insurreigées; por outro lado, eliminavam outros tipos de multidées, como as presentes as ceriménias ¢ as procissées, ou , ow ainda as multidées convulsionérias que se cespremiam em Saint-Médard, “material fascinante para 0 psic6logo das multidées, mas de um interesse acessézio para o historiador”®, Em segundo lugar, eles repousavam num modelo teleolégico implicito, segundo 0 qual o movimento sans-culowte € 0 paradigma pelo qual se julga a maturidade de um motim: desse ponto de vista, os motins da fome do século XVIII, assim como a guerra das Ferinhas de 177: pertencem ao domini Finalmente, eles se bascavam no postulado de que existe uma adequacio rigorosa entre as palavras de ordem, as idéias © os objetivos dos mili- tantes sans-culoites dos clubs por um lado, ¢ os sentimentos € os inte- resses das multidées revolueionérias por outro®, Sem diivida, a relagio a “espontaneidade” ¢ da “inocéncia politica’2!, 6 muito menos simples, ¢ também ndo ¢ ceito que se possa deduzir té0 diretamonte a significagio politica de uma revolta a partir da simples composicio social de seus participantes. Uma primeira reorientagao da pesquisa consistiv, pois, em nao tratar mais os motins como comportamentos, “espasinddicos”, que res- ponderiam como que mecanicamente & fome © 2 mis pentria, mas sim em considerar como uma expressio politica propria os discursos e os gestas dos atores, que S40 animados pela conviegao partilhada de defenderem’os dit serem aprovados pelo conjunto da comunidade: comportamentos por muito tempo julgados “cesviados” ou “errdticos” tem sua construcio propria, ¢ estio ligados a sistemas de representagdes que exprimem os valores, as normas e as restrigdes sobre os qui repousar. Aquilo que se poderia denominar uma economia moral da ia nascidas da itos tradicionais e os costumes, ¢ de a sociedade deveria multidio estima o motim legitimo, desde que uma cesta ordem econd- mica ¢ social tenha sido rompida: o historindor ingles Edward P, ‘Thompson fez uma demonstragio magistral disso em relagio aos moti ingleses da fome no século XVIIES. O motim como desordem, e sim como um restabelecimento da ordem, uma pe: Yo € mais percebido 10 dirigida & autoridade paternal do rei em favor do bem comum, para © retomo ao justo prego dos nenticios. Existe, de fato, uma racionalidade propria das formas de agSes populares, que se funda nuna experiéncia plurissccular. 224 Passapos RECOMPOSTOS Esta anilise foi amplamente confirmada pelos trabalhos recentes do historiador americano Steven L. Kaplan: partindo dos mecanismos que regulam 0 mercado dos cercais sob 0 Ancien Régime%, ele se interessou pela recorréncia, ao longo do século XVII, do sistema de representagdes, profundamente enraizado na consciéncia coletiva, que infere a existéncia de um “complo de fome” (ou de grios fica interrompido por um periodo prolongado, imediatamente reaparece um’ mesmo modelo de percepgio, comum aos meios mais di- cada vez que © abastecimento normal do pio versos, dos mais modestos aos mais favore los: os ministros, os finan- cistas e seu entourage sao acusados de estimular um compld visando levar © povo a fome. Na visio popular, 0 governo nao exerceu o papel regulador que Ihe cabia, e deixou que se desenvolvessem as ilegalidades no comér cio (estocagens sceretas, exportagées ilicitas, até mesmo destruigio de gros). Recusando tanto a explicagio pela parandia coletiva de uma psicose alucinatéria, quanto a interpretago por uma patologia social, Kaplan mostra, 20 contrario, como a obsessio do complé, inscrita no mais profundo das “angiistias de uma sociedade proto-industrial ainda sujeit A tirania do trigo”, se desenrola logicamente no interior do sistema das representaces através das quais os atores percebem as estruturas econd- micas e as redes do poder. A obsessio da conspirago contribuiu muito para politizar o problema da subsisténcia e para dessacralizar a monarqui desatando 0 lago mistico que unia a pessoa do rei a scu povor. Aa k exame atento dos arguivos da policia ¢ da justi lo do grande exemplo dos motins provocados pelos gros, 0 parisienses no século XVII permitiu recentemente a Arlette Farge reconstruir com finura a légica das agdes ¢ dos discursos dos grupos capturados na rede da ordem repressiva, ou que procuram simplesmente o delogado do baitro, © res- tituir assim os modos cotidianos de racionalidade do povo*, Recusando partir de classificagées preestabelecidas ow de cat minadas, trabalhando diretamente sobre os documentos (cujos limites ela rias sociais predeter- reconhece, pois foi uma pri ica de poder que os fez nascer © que modela sva forma), cla faz entZo surgir das préprias praticas as regras de funcio- namento dus relagdes sociais, € opera, pela reconstrugio de trajetérias ia vez singulares, e também pela aten deslocamento das questées em relagio as teorias 10 a0 detalhe significativo, um alizantes, muitas vezes cogas. Da familia para a off a cidade inteira, ina, do bairra par autora recoloca os objetos das disputas, tensdes, conflitos que surgem entre casais ou amantes, operirios © pauses, bem como no meio de Mutagdes 225 multidées convidadas para os espeticulos outorgados pela monarquia (quer se trate das festas reais ou das execugGes piblicas) ou sublevadas em “emogi do discurso dos administradores da antiga monarquia, que dava & multidao set duplo rosto contraditério, multidio animal e impulsiva e multidio popular. Esta hist6ria er fragmentos permite & autora afastar-se ‘emotiva, capaz de dizer sua alegria ¢ de agradecer a seu soberano. Ao conte homogénea e monolitica, 6 possivel dis- tinguir comportamentos diferenciados, I6gicos, organizados, adaptados 0s lugares e &s circunstincias, sob a aparéncia da impulsividade; 0 que motiva a agio popular é uma “construgio de sentido fundada na leitura do que foi visto e percebido”?”. A anilise exemplar do caso dos raptos de criangas em Paris 6 uma demonstragio brilhante dessa visio. Em maic de 1750, corte 0 boato, na capitai, de que os homens do chefe de policia Berryer raptam criangas para levé-las no se sabe aonde; 0 motim eresce em diversos bai dossa vi 05, um oficial de policia é assassinado pela multidio, € seu eadiver 6 arrastado para a frente da residéneia do chefe de policia. Através do estudo minucioso dos testemunhos, relatos ¢ “lepoimentos, através da anilise precisa das formas da violéncia, dos gestos ¢ dos gritos, pode-se ler “o motim como um texto que os atores improvisam, embora |; 20 escolherem lugares, situagées, 20 de~ terminarem formas de represilias, os amotinados inventam, de epis6dio em cpis6dio, a significagio de sua revolta”*. Contrariamente & opiniio de Michelet, 0 motim de 1750 nao prenuncia as jomadas de 1789; cle exprime, em sua forma arcaica ¢ numa linguagem politica antiga, a irritagio popular em face da invasio crescente do Estado ¢ de sua policia na vida cotidiana, mas também a necessidade de restaurar os lagos de seguindo antigos roteiros [.. amor ¢ fidelidade que unem a nutoridade paterna do soherano a seu pavo: ‘como pode Luis XV ser um rei de vida se, novo Herodes, manda mas- sacrar os inocentes? Aqui também se trata, em realidade, de recompor uma ordem que foi destrufda: raptar criangas em nome da autoridade real 6, justamente, ferir 0 cardter sagrado da missio do monarea, O horror dos massacres No centro dessas reconstrugdes, 0 historiador enfrenta o que jus- tamente pode se apresentar como o mais irracional, o mais desumano: violéncia e seu cortejo de horrores. E preciso porém, para apreender-lives © sentido, nio aplicar aos fenémenos nosso prdprio sistema de represen- s5es, Lembraremos aqui somente dois livros recentes, que colocaram no sep eruo1 sopers uodso 10} opt sassessou sop wo8t0 © 9 PS up 9 oUI94 0 atgos as-s9}eq0 o MY “pean sapnd sopepruewinsap 9 soy “UY o[9I9 win anb sipaduy e opeurisap “owry 9p ou ui, tn oWIOD “XI soe op oUPLSe un 9p snied & © osina94 0 injoxo Osea winyuow wo 9 ‘oe o wed woSessed n ‘exau9y =p ojtowapeouosap o1idosd o seoMtdxa vied oannpoud souou ‘sosovsstt sop e1Sojo}i0w & s9pusoidiod exed osoroaad oyu So10}8 sop subuaio sep turaisys op 9 sosirosip sop oupuite 0 98 ‘onb apupioa a 1181 ovssos0 vain 9p 91 imbe ureios s{Bojodou joo se :snacq ap ossod up "0A tun 9 vjsoptuEUE a5 sejou anb eID% 1ou9y © 9 ‘scjp oqosae piso our ‘peznio op oxsind v ‘spyuns sexzond ‘sjod ‘ops ovitja1 9p sessond sy “eP1P9PT opepy vu snopnf 9 souyuow eyundo anb votjoquus vininsiso ep sozopevod sojuatio[o so ‘orSeinfitjuo> eaow ‘euina ‘aozynos osH19Ww oPUITeU oO anb ‘so}ouonny Sov souuoNE so magdo oab ogssaide ap stems so opus] ‘susuod ‘spiye ‘oapozes io}owoso opSeomtind ep viouguuy © eiounue 9 ‘wosduno sejo ougiolA vu snag op or1sjdsq op wSusoid easel ‘ors sod speosuage ‘eougoou ens anbsod 9 ‘saBaroy sop (culy ovSupide) vp sepeSonvouo ops seyutoucis9 se “aquowoitionbaly oP) ‘ag -sopeuta snoq lun 9p opSezyqeas tp wopi0 F woD onuostI¢aL ‘sjod ‘eaxetH vIOUg|orA y Te1odi09 ozonjoaut 0 qos nieaseur 95 onb osons)suou o s181ns 19203 9p “epeznoyosd opepi94 v sooosede sozey ap “opunw eumtue o sj9Asop op oxSuny © wig} seario[oo seulseya sy [eur op OBSeDWOU op [onILL tn opor ‘8souro ‘weuoyop so no wesn3iJSop so anb seorelu stoapsoumnut sep spa ne ‘sajouondny sop sopeziujueU sodioo sou jenys03 sory op sgavnny eonsjoid apepiya B umisunus sojo oub mijoueu [ei 9p sorsodsip soudls op o1uo190> ewoysie tun ‘e2ApTed CUIN OFS, LIOUDIOLA up soIsod sonidpid so srur ‘1s op owawessodesop um e ‘snag v opepriopy ens seungeos vied ‘jeduyy so 9 ‘sasoydaoa1 9 sosopejounua 92:19 oxsng eu ‘trodo onb jeyrow oyuoureuorouny wnt sovutano so ayjnrow sosopeoud sored aBo.ay op vongzo1d wioupuap & ajtoitos omy -sosorSyJo4 sorqumsip Let seasomyy jeznoty “qq ‘uosdng estoy WHOIS! 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Passabos RECOMPOSTOS Tiés séculos mais tarde, o assassinato ritual de um jovem nobre, torturado e depois queimado vivo a 16 de agosto de 1870 no local da feira da comuna de Hautefaye (Dordogne), na presenga de uma multidao de trezentas a oitocentas pessoas, que o acusa de ter gritado “Viva a Repi- blica”, fascinou por seu horror as imaginagdes contempordneas. Sua sig- nificagio permanecia um enigma, pois, como observava Gabriel Torde, “nenhum dos camponeses de Hautefaye que mataram a fogo lento M. de Moneys teria sido capaz, isoladamente, nio apenas de perpetrar, mas de querer esse abominavel assassinato”®, Retomando este dossié, rapida- mente esquecido pelos historiadores, para tentar compreender essa forma de erueldade, que se tornou estranha ¢ insuportivel para os homens do fim do século XIX, Alain Corbin explorou todas as pistas possiveis de explicagies. As noticias desastrosas da guerra, com todos os sinais, anunciadores da derrota diante dos Prussianas, esquentaram os espititos, num momento em que este vilarejo do Nontronnais nao s6 celebra a festa nacional do soberano (15 de agosto), como também conhece uma vida intensa de relagbes por causa da feira do gado. O infeliz Alain de Moneys. 6, de fato, uma vitima expiat6ria: ele paga a anslise politica Iicida enun- ciada impradentemenie alguns dias antes, em outro local de feira, por seu primo Camiile de Maillard, depois da leitura do jornal: “O Imperador est perdido”. Em 16 de agosto, Camille de Maillard compreendeu que era mell:or fugic rapidamente do local de feira. © rumor acusa Alain de Moneys de ser um “piussiano” que giitou “Viva a Repablica”, ‘Tratou-se, pois, de desmanchar um compl6, de queimar um “prus- siano” do interior, de prevenir uma catistrofe iminente, purificando a comunidade nacional (¢ nio mais apenas local) desse monstro estranho que € um nobre 20 mesmo tempo “tepublicano” ¢ “prussiano”. A fas- cinagio que exerceu 0 massacre de Havtefaye deriva da revelagio da distancia entre a sensibilidade j4 dominante no século XIX “e os com- portamentos camponeses, indiferentes modificagio dos limites do toleriivel”™, Em relagio & violéncia do século XVI, 0s ritos do massacre © 0 sistema sacrifical do suplicio se desfizeram: nasceu uma nova sen- sibilidade, espeticulo da dor ¢ do sangue derramado tornou-se into- leravel: permancce piiblico s6 0 espeticulo da execucio capital, que em Paris se destocou signifi tivamente da antiga “place de Greve” para a “barritre Saint-Jaeques”. No entanto, no houve supressio da violéncia, no século XIX, mas antes uma maior into! incia ao desvelamento da ctueldade coletiva: deseja-se exorcizar o “selvagem”, 0 “birbaro”, 0 Mutagées 229 “canibal”, precisamente porque é sentido ainda como préximo. Muito freqiientemente, a historiografia “destealizou” 0 sécula XIX, “seus massacres sfo pasteurizados” e “o sangue das revolugées cuidadosa- mente lavado", como se fosse preciso revobrir sistematicamente 0 hor- ror. Essa hist6ria “pudibunda e doce [...] decapita a histéria das repre- sentagies; desqualifica @ priori toda tentativa visando a ‘evolugio das sensibilidades coletivas; bloqueia a busca das figuras do horror e das priticas da crueldade”™. Ao contririo, o estudo exemplar do Village des cannibales [Aldeia dos canibais] restitui a coeréncia © a légica de um drama ~ um gesto politico ~ que foram deliberadamente renegadas pela sociedade ¢ ocultadas pela Repiiblica em seu inicio: 0 ‘massacre s¢ apresentava como o renascer obsceno de um outrora que parecia afastado para sempre. A este propésito, 0 estudo das feridas da histéria, de suas paixdes de suas febres sociais, dos estigmas que elas deixam, ainda pode nos ensinar muita coisa sobre a relacio patolégica que uma scciedade m consigo mesma, A esiranheza perturbadora que emana dos fendmenos pereebidos por nds (mas também pelos contemporineos) como insensatos, revela as perguntas que 0 corpo social formula a respeito de sua prépria identidade, € os alarmes que se propée conjurar segundo seu Iéxico proprio™. £ tarefa do historiador desatar, através de suas operagées, esta meada complex, € propor um sentido que nunca 6 estabelecide de uma ver por todas Notas "A, Dupront, Du Sacré, Croisades et pélerinages. Images et langages, Paris, Gallimard, 1987, pp: 222-224 “Taine, Les Origines de la France contemporsine, Pais, colegio “Bouquins”, edi ‘gdes Robert Laffont, 1986, I, p.314. > Ibid, p. 333, * Bid, p.341 * thid., pp. 178-179. * Di, pp. 342-343, 230 Passabos nscompostos * Bid, pp. 350351. * Tb, p, 562, * Sobre esses pontos, ef S. Barrows, Miroirs déformants. Refleions sur la feule en France éla fin du XINe siécle, Paris, Auber, 1990. "G6. Tarde, Les lois. imitation (1890), ctado por S. Barrows, op. eit, pp. 124-125, ".G. Tarde, L’Opinion et la Foute (1901), na edigio das Presses Universitaires de France, Paris, 1988, p. 67. © sbid, p. 163. ' Sobre Gustave Le Bon, cf. RA. Nye, The Orivins of Crowd Peychology. Gustave Le Bon and the Crisis of Mass Democracy in the Third Republic, Londres, Sage Publications, 1975. "G. Le Bon, Psychologie des foutes, Presses Universitaires de France, colegio ~Quadrige", 1963, pp. 19 625. "CEA. Hitler, Mfon Combat, radugio de Mein Kampf, Patis, Nowvelles Editions latnes, 1934, p. 51: “Assim como a mulher € pouco sensibilizada por racioefios abstrato, ‘experiment wma indefjnvel aspirago sentimental por uma alitude inteira ese subme- {e0 forte enquanto Gomina 0 fraco, a massa prefere o Senhor a0 suplicante, ese sente ‘mais tranilizada por uma doutrina que no admite outra junto dela nfo ser por ume tolerdneta iberal”. A respeito da influéncia verossimel da tradugio alema de Le Bon sobre Hitler, ef. A. Stein, “Adolf Hitter ve Le Bon", Geschichte in Wissenschaft und Unterricht Wl, 1955, pp. 362: 68 "M. Perrot, Les Owvriers en gréve. France, 1871-1800, Paris-La Haye, Mouton, 1974, "°G. Lefebvre, La Grande Peur de1789, preficio de Jacques Revel, Paris, A. Colin, 988, p. 65; pp. 120-141. "" Leia-se também o artigo de G. Lefebvre, “Foules eévolutionaaltes”, escrito igualmente «em 1932, publicado in Etudes sur la Révolution frensaise, 2,60. revista, Pars, PUF, 3963, pp. 371-372, /°G. Rudé, The Crom the F ich Revolution, Oxfcs, Oxford University Press, 1959, radugio francesa, La Foule dans la Révolution francaise, Paris, Maspeto, 1982 © G, Rods, The Crowd in History. A Study of Popular Distarbarzes in Prance and slant, 1730-1848, New York, John Weiley and Sons, 1964, p. 4 see ae Mages 231 3 pbid, p31 * G, Rudé, La Poule, op. city p. 226, Para uma erica de G. Rudé fC. Luwas, “The ‘ravid and polities in C, Lucas ed.) The Politeal Culture ofthe French Revolution, Oxford, 1988, pp. 259-283. ® E. P. Thompson, “The moral economy of the english crowd in the eighteenth century”, Past and Present, 8. 59, 197%, pp. 76-136, trad. fr in Gauthier © G. R. Ikni (dir), Le Guerre du blé au XVife siécle. La critique populaire contre le libéralisme économique au XVilte sidcle, Montceull, £4. dela Passion, 1988, pp. 31-92, 4S, L. Kaplan, Les Venires de Paris. Pouvoir et epprovisionnement dans 'a France ‘Ancien Régine, Paris, Fayard, 1988. 8, L. Kaplan, Le Compler de famine: histoire d'une rumeur au XVIIle side, Pats, A. Colin, 1982, Sobre a politizagio do motim do trigo sob a Revolugo, ea-se a arise ‘do papel das mulheres durante as jornadas revolucionstias de abril-maio de 1795 em D. Godineau, Citoyennes tricoteuses. Les femmes d peuple & Poris pendant la Revolution, Aixcen-Provence, Atinéa, 1988, pp. 287-354, % A, Farge, La Vie agile. Violence, pouvoire er soldaritésd Paris au XVlle sidele, Paris, Hachette, 1986. Thi, p. 296. % A Farge, J. Revel, Logiques de to foule. 'affaite des enlovements d'enfarts& Paris (1750), Patis, Hachette, 1988, p. 63. ™ essa a interpretagia de N. Zemon Davis em sus anslise dos ritos de vinci, Les Cultures du peuple. Rimes, savoirs et résistances au XVle sigcle, Paris, Avbier- Montaigne, 1979, pp. 251-307. SD, Crowzet, Ler Guerriers de Diew. La violence eu temps des troubles de reieion, vers 1525-vers 1560, Seyssel, Champvallon, 1990, p. 75. phi, p. 239, * Chollivio ecen cochon, Pats, Gallimard, 1994 te C. Fabre-Vassos, La Bétesingulire, Les juif, les chritions et le ™D, Crowzet, op cit, pp. 319-410. %D, Croweet, fa Nuit de la Sain- Barthélemy. Un réve perdu de la Renaissance, Pats, Fayard, 1994, p. 487. on orxaquco assau q “sonpy ‘sorolgo op “Os6r soue s0 0 * pu01g 904 ewisou 2p sasoiodiy sep pep, oxdope & 98 ‘oyfayo wx “ezoinseu Ep seioup!9 sejad sopeztn oF: sul SOE o¥Sepas WO 9pep! ap oxajdwioo opis win ses0dns noua nypdosna exyesoy poured spurs et 7 serSopoporour op 9 seuifipered op ‘so}9 9p osn o upr sHB[91 ap opossod wn v apoons oVeqap 0 ‘anbsod soveur epure 9 sersd-Jour © -Jworpes opssnasipar vwn ¥ epHowqns ‘opuas vi89 ‘oquopiaa souatt zaA Epes eyuasosde os onb 14 o1o{q0 op apepjordo ep aued ura vdnz0 ~ sejuaundv no si opSunsep ap sopow 2. 89 2 sopvounsop sop wo8mnSuy £ vind vpoaouos opi — opossod op sooo} sp sour no sowsapur ia onosfuor Q ‘s}v1908 sa10W sop svu0%a109 tw pum ‘sozu0f muna vwoms 190g seOSoWD sep O¥STNSUOD V sau j ! “4° aenasSyar aou9s ap soyaeaypay ws ',sonby su S91 -yse'sze “4 ‘S36 EH9D 3B "WD sset-Let Ud "PI07 c 121d “96t ‘2u8penoyy-so4a9y ‘Sued “2yoquue> s9p 380) 97 “UIQIOD Y we std 861 "P90 und sp SoLSOUNGON SOAVESV ZET 234 Passapos necomPosros se situa 0 imenso sucesso de um modo de organizacio dos fatos e das anilises, conhecido pelo nome de classificagio socioprofissional. F tomo dessa grade de leitura das realidades sociais, noutra apenas em aparéncia, surgiu um debate que me parece capital se quisermos compre- ender 0 ob vo do trabalho do historiador durante os sltimos anos. Accritica das categorias “socioprofissionais” Os estudos dedicados as so sdades do Ancien Régime, em parti- cular as sociedades urbanas, tém inicio freqiientemente com uma aprosen- ‘ago preliminar da populagio, de sua fisionomia social, de seus modas de produgio ¢ de suas hierarquias internas. Muitas vezes, essa apresen- tagdo toma dois caminhos que no se excl 2m necessariamente:.por um Indo, a descrigio de “tipos” representativos das diferentes ordens sociais (o nobre, o burgués, 0 comerciante), por outro, a classificago por cate- gori minho, tido como capaz de prestar conta globalmente dos caracteres fundamentais do espago uzbaro. A reparticao dos havitantes por setores de atividade podia, ao mesmo tempo, dar uma imagem das orientagé profissionais. Tem-sc dedo muita importincia a este segundo ca econdmicas da cidade (a industria, as manufaturas, os servigos), ¢ remeter itamente, ela desenhava 8 sua estratificagio social, j4 que, mesmo imp a cccala das hierarquias. Assim, o* quadros por proficsdes, tio froqiientes nas monografias francesas, se encarregavam de fornecer coordenadas senciais; num segundo tempo, uma andlise pormenorizada podia apli- car-se a aspectos mais particulares da vida social Um amplo debate, que remonta principalmente aos anos 1960- 1970, desenvolveu-se m tomo desses critérios, de infeio fundados uni- camente numa nomenclatura profissional; ora, esta foi se enriquecendo, aos poucos, com variveis sécio-econdmicas tais enmo 0 nivel de vida, © setor de atividade ou os vinculos de dependéncia entre as profissdes. Na Franga, 0 modelo foi tirado das grades estabelecidas pelo INSEE, euja potese inicial era precisamente construir Categorias em que a profisssio Ficasse emparelhada com © meio social Recentemente, as categorias socioprot ssionais foram objeto de ‘ofundas criticas, formuladas por socidlogos e demégrafos. Alain Desrosidres Laurent Thevenot, em particular, em Les Catégories socio- ‘ofessionnelles [As eategorias socioprotissionais] (Pais, 1988) rrogaram scbre 0 moda de elaboragio dessas classitivagses, questio- sando seu natural” © evocando © caminho indissociivel da iter Muagies 235 hist6ria francesa, que levou a definir os grupos profissionais como um instrumento de identificagio dos individuos. Estes autores sublinharam particularmente quanto essa forma de leitura era 0 resultado de um compromisso entre a vontade de conciliar uma pretensa continuidade da organizacio corporativa do Ancien Régime, ¢ 1 nogio, mais moderna embora vaga, de “meio social”, que em puiscipio remete a0 mesmo tempo a um estatuto ¢ a um modo de vida. Como Desrosiéres e Thévenot apontam, 0 inventor do termo “socioprofissicnal”, interrogado sobre a proferéncia que dava a esta expresso em relagio aquels, mais simples, de “categoria social”, respondcu: “Se tivéssemos escolhido essa palavra terfamos sido criticados por todos. A esquerda julgaria que nio eram verdadeiras classes sociais, ¢ a diteita gritaris, a0 contririo, que eram classes sociais. Ao contririo, com ‘socioprofissional’, ninguém disse nada”. Por tris desta pilhéria, entrevé-se um suténtico problema: sob a aparéncia de uma descrigio aparentemente acutta, a sirtese entre a profissio © 0 estatuto social delimita grupos segundo critérios compre- ensiveis para os pesquisadores, mas que nao correspondem accessaria. mente & experiéncia dos atores sociais. Entre os historiadores, a reflexo relativa a essas grades de lei- tura, suscitada por sondagens emp’ porém mais precoce. Jé no inicio dos anos 1970, certos pesquisadores comegaram a sublinhar a pouca eficécia dessa classificagio num domi- nio crucial, © da compsraezo, onde, justamentc, sua adogio deveria se mostrar particularmente itil. De fato, as categorias pareciam ineapazes de se adaptar A diversidade das situayes, que se apresentavam cada vez Assim, reuniam-se nos im, na realidade, pro- fissGes diferentes, mantinham relagdes diferentes com o sistema de produc de classificagio se mostrava forgado, inepto a levar em conta impor- tantes especificidades locais. Ao longo dos contraria a esses critérios “exteriores” se apesfeigoou, fundando-se em 1, Sou aspecto parcial: eles sm certos componentes funda as, foi talvez menos explicita, mais complexas ¢ irredutiveis umas as out mesmos compartimentos individuos que exe: am de um estatuto social diferente. Esse tipo anos seguintes, novas etapas foram vencidas: a critica duas oscens de consideragdes. Em primeies lugs negligenciam ou, no pior dos casos, ocu! mentais das socicdades que pretendem anslisar. Em seguida, pelo con inda nao foi provada. ‘geral quanto A maneira de deserever rio, eles “eriam” grupos sociais cuja ex: Delineou-se assim uma reflexio mai juouap tun J9000:03 ap OBEIUEA w A99H940 9p ‘SN yssod ogsiodsip eum 9p a1ueycy“,2ssa40 iu opow ap 9 — a1awiawonbayy ueopE solopELL AX 9 TIAX S01n998 Sop ojo a4s0 ‘onmYDNU, ojed opeyip 19 onSou essa eavzol onb ap osssons opeupsovsixe o oysenb ou susfeiuea sos uuounpsstyy woqly stwoHe99 0 ‘2xqej99 ojmoureysnf esgo CUM apmane wys9p ofdwoxs woq un 9 ou0d op Soz9A seu ZEy 95 on OEE -viso vipgtt op oxSou vudosd w ‘soxgisousoq “y opunog “soropesinbsod sop osa o esed sodnif ap opSnposd vu weooquiosop so pues un anb ost pur so anb wope% stout apeprun aun npranp thos 9 oda 0 ‘opmso ap o1afgo oxtenbug, sesoSinBasd orSou vw, yup ap oxouiptt sod 9 ogy 9 ‘son; omisonb pisq ‘odnu® ap smuouteyodwoo sap apepucdsip eye ‘2 apmpajoos ep jaazsneyd ovSeiuaseidar 9p opowy win ow0s opSe: oojo ab opSou eum vIso 9 ‘orey 9G “eHOSoWeo eUUsoU EP sosqOU SO Lez ebony opepiat 19s ojad sepningap st wo op opSeuep10 sdgsd & -o1g0s ett ioupisixe ons woo oyANU sodnoooid 9§ WHOS ‘SoI}NO EItOAUT OS 12]O0s S107 SO199 LIAWHSSIP and odwo} oWsoW oY ‘sojep ojwowmcduos 0 s9pusodusoo os vied sittouossa ‘ugcoueutid 9 ‘soauprodursiwos sop o1sidso ou soquosard weariso o1WeIUs -eoqysseyo ap a waps0 ap sooSuny sodwud soso w ry “vurgin ovdean onuap opiayuooo: sua win weaednso onb ‘sowcuomne steioos sodasB w9q ey tuvaeruasaidos seu ‘sogssyord spjpd ppeUtioy vypos9 Cp sO4soIUL OU SIO, -puzwa souode we}mpsuoo opu Ox0S 0 9 opepr e ‘ebuosseuDy e aiken ‘HOS up ‘ojduoxa tog ste bas v opSuaye opunysosd “epepunyosde wsrouew eu ap soWaLEND9p 30 pen woSewy x oqomspungoad wouongas [AX 01298 ou UOKT 21905 8140 bas wi sins wow, aren 20d epensnny ‘spn oP 198 HN yodxo souuenso of SOISOUNOOHY SOASSY 9ET 238 Passavos necourostos historiogratico atual. Ele tem abalado mi a0 caréter objetivo da anilise historic tas certezas apressadas quanto A linguistic turn: uma rentncia Esta reflexo, entretanto, chegou a resultados diversos. Por um lado, eertos trabalhos (cs de Natalic Davis sio o melhor exemplo) analisam © vocabulério dos atores sociais para compreender as interpretagdes € as pro Posigies relativas & estratificagdo social: esforcam-se por reconstituir os sistemas de sentido inerent2s as classifieagbes sociais do passado, sem so ccontentar em substitué-los as categorias socioprofissionais, mas examinando ssua génese, sua utilizagio eventual ou os conflitos dos quais se originaram, Aborda-se pois a estraificagio através de uma leitura atenta dos discursos, que a ela se referem, juntamente com o comportamento dos protagonistas Por outro lado, uma cortente histérica jf abundante proclamou a “dissolugéo do social”; ela rejeita raficalmense toda anilise dos eompor- tamentos do passado em termos que impliquem na consideragio da expe- jéncia dos atores e de seus intcresses (materiais ou outros). Neste caso, as andlises da linguagem no servem de ponto de partida para a exploragio dos processos sociais que a produziram. Pelo contrdrio, elas sio restritas, pois 0 essencial é a “construgio discursiva”, considerada como reveladora do universo cultural dos que 2 adotaram. Portanto, a linguistic turn (virada lingiiistica) volta a questionar seriamente a pertinéncia do social como contexto da andlise® apresenta-se mesmo, no espirito de seus defensores, como uma maneira de ultrapassar um determinismo sociolégico gue teria por de: ssiado tempo caracterizado os trabalhos histéricos. E importante observar que muitos desses trabalhios se ocupam de fendmenos ou correntes politicos. E que as explicagdes em termos “sociais” = que determinariam motivagoes ¢ interesses a partir da posigio dos indi- viduos na escala hierarquica — parecem restritivas, insuficientes. Ao con- lrdrio de uma étiea “ontolbgica” dos grupos © das classes, a abordagem lingiiistica se prope @ analisé-los como construcdes discursivas: atribui- se ao discurso a capacidade agregativa ¢ a faculdade de gerar a soli dade social que f m visivelmente aos simples interesses materiais, Assim a linguagem pode abstrair-se dos atores que 2 utilizam, Com cfeito, constataram-se freqiientemente rupturas importantes entre 0 ordenamento politico ¢ as condigses que a linguistic turn se desenvolveu num momento em que ando anglo anismo ¢ thatcherismo “populares” eriavam emba- is. Nao € por acaso saxOnico, num Mutasies 239 rragosos problemas de interpretagio para os historiadores da “nova esquer- a”, como observaram recentemente D. Mayfield e S. Thome®, Em outras palavras, a adesdo a ideologias que no correspondem aos interesses evidentes de um grupo determinado, legitima o divércio entre os “discur- 's0s” ¢ 0 plano do social. Opera-se entéc uma reviravolta completa em relagio a0 paradigma que se pretende corbater: no limite, 0s individuos desaparccem deste tipo de anilises, que concemem antes de tudo as construgdes narrativas. E sio os semidlogos, mais que os especialistas das ciéncias sociais, que se tornam a referéncia dos historiadores. Esta nova interdisciplinaridade merece um tempo de reflexio. Ela “se assemelha mais a uma renGncia do que a uma verdadeira convergéncia de temas ¢ de problemiticas. Se este tipo de trabalhos postula, como dissemos, a autonomia da linguagem, 6 devido 8 inadequagio dos instru- mentos de andlise dos historiadores para explicar, por exemplo, a distin- cia entte ideologia ¢ comportamento social. Uma visio mecénica e rigida a estratificagio, que faz corresponder interesses espeeificos aos diferen- tes papéis exercios pelos individuos, deixa de lado as discordéncias © as contradigies que surgem constantemente na anilise. Entrotanto, optands por atribuir &s tinguagens uma autonomia abso- Iuta e por negar-Ihes qualquer relagic com os eomportamentos, desiste-se de fato de enfrentar essas contradigées: coustata-se uma dificuldade sem procurar resolvé-la. O requestionamento das certezas diseiplinares — entre as quais, sem divida, os modos de descrigo e de intexpretagio fornecidos plas categorias socioprofissionais — se traduz por uma atitude globalmente passiva. Ou, em caso extremo, por uma forma de ceticismo, comum hoje ‘2 numerosos historiadores, quanto 3s possibilidades explicativas das eién- cias sociais, seus objetivos © sua apti jo para ter acesso a realidade. As identidades sociais: das trajet6rias individuais as solidariedades Todavia, as anilises linglifsticas poem conduzir a outras diregées. Nio somente elas ajudam a conceber 0 ¢ze foram no passado os critérios a estratificagdo social © a rediscutir os eritérios atuais do historiador, como também, dispensando uma atencé: wgens, permitem H nal funda sua legitimidade. critica as ling formular de uma maneira menos rigida 2 m« 19 de interesse, na q) como vimos, a classificagio sociopro’ Entretanto, & necessitio que o discurso petmaneca 0 ponto de partida, € no o resultado da pesquisa, De certa m=neira, é preciso reintroduzir na 240 Passanos necowrosros anilise os atores sociais que utilizavam essas linguagens. Esta acepgio do contexto, cada vez mais difundida entre os historiadores, & a que parece a mais rica em descnvolvimentos ulteriores. (duos, recompondo-lhes © percurso soci tentando reconstituir-hes as escolhas, ¢ pesquisador se interroga sobre 8 experiéncia deles ¢, por conseguinte, sobre 0 modo de formagio de sua identidade social. Esforga-se por desenhar seu horizonte, e para isso define seus interesses muito além da profisso ou do estatuto oficial. E ‘uma perspectiva que também parte da constatagio dos limites das ca- tegorias, mas que, longe d2 se traduzir por uma rendncia, se propoe a rediscutir os pressuposios ¢ a enfrentar as contradicGes das mesmas. Nao se trata tanto de negar o fato de os individuos pertencerem a ccategorias profissionai solidariedades e aliancas e, afinal de contas, grupos estiveis. Assim, a ruptura entre os “discursos” problema para o historiador, que nfio poderd livrar-se dele isolando cada um dos dois termos. Este problema nio consistiré apenas em reconstruir “o que as pessoas diziam”, a mancira como interpretavam 0 universo em que viviam, ou as ideologiss de que se nutriam, mas tombém em compreender como alguém pode, muitas vezes, pronunciar palavras em contradigio com seus préprios atos. Debrucar-se sobre o percurso dos individuos testemunta uma de ambigic. A nogio de uma vida social regida por normas exteriores, mas de examiaar como as relagGes sociais criam © os comportamentos vai constituir um 2 um comportamento que se define a favor ou contra essas normas, opde- 50 ume visto menos linear, porém mais capaz de explicar a relagio que une os individuos ao mundo em que evaluem. Pode-se ver o individuo como um ser racional e social que pretende atingir um certo niimero de codjetivos. Os impedimentos ¢ os limites de suas capacidades de escolha pendem essencialmente das caracteristicas de suas relagdes com ou- © dos Lagos de reciprocidade que a vida em sociedade thes impde. Por conse- n: inserevem-se na rede dos compromissos, das expectativas guinte, € 0 prdprio processo social que se situa no centro da anilise, © portanto as interagdes dos individuos em éiversos contextos sociais mais ue as simples instituigdes. instituigdes, 0 foco da andlise se desloca para processo ¢ as interagies. Resolve Das estruturas € das sim o que ica fundamental da in a etiar falsas unidades de andlise ~ 0 fato Se pensar mais em termos de unidades individuais que de sistemas de se considerou como uma ambigiiidade os membros da Ivy League (circulo das velhas universidades presi dos Estados do Leste) que, ragas a seu prestigio, podiam se permitir 0 oxo do conservadorismo. As turmas de hist 1 estavam sofrendo um processo de feminizaga joc a clientela. procur 1 obtsr uma apreciacio Se seu passado, Era preciso fommecer manuais ¢ estabelecer bibliogratias. Este exe' io revelou que, centte as ger ora haviam buseado uma experigneia nitidamente feminina, © pros cow sua redeseober reedigio de suas obras, vendidus em quanticade bem maior que a edigio ginal. Um exemplo significative na und anglo-saxanico é 0 de Alice Mutegoes 245 ‘Clark, entio relativamente pouco conhecida, Sua obra, The Working Life of Women in Seventeenth Century England (A vida das mulheres trabalha- doras no século XVII na Inglaterra] (1919), tomou-se um elissico nos anos 1970, ¢ forneceu 0 pano de fundo ao debate sobre a deterioragio da posigio das mutheres no capitalismo: 0 livro esbogava o retrato de ums vigorosa sulher ée lavrador, a qual tinha levado uma existéncia itil e produtiva que 4 naseente ceonomia de mercado havia destruido. A tese era sedutora ¢ se tornou uma das primeiras formulagGes gerais sobre a histéria das mulheres na so s submetidas a controle rigoroso ¢ modificagio por uma nova geragio de pesquisadores. Verificou-se que a propria A. Clark era uma soltirona da classe média com sélidas origens burguesas, euja visio era influonciads por iade, mas ~ ¢ isto 6 significative — tais generalizag iam ser ‘sua incapacidade de evadir-ss de seu papel de mulher soltcira enclausurada em casa. A vida de trabalho da muther do lavrador the parecia stil ¢ dindmica em relagio & sua propria situagdo, mas ela nfo se dava conta de que descrevia apenas uma infima minoria de mulheres, e que a camponesa Tevava uma vida sude mureada pela pobreza, afastada de qualquer sociedade ideal. Em resumo, A. Clark, apesar de sua formagio hist6rica ¢ de seu conhecimento do assunto, interpretava este assunto & luz de seus proprios desgostos, € escreveu assim um grande livro errdneo: grande porque for- neceu uma hipétese e algumas provas, mas talvez mais ainda forque seu questionamento levou uma nova geracio de historiadores do :rabalho a compreender melhor a vida profissional das mulheres ¢ sua posigio no mercado de trabalho, tanto na sociedade pré-industrial como na industrial, O espirito de pesquisa que se manifestava nos anos 60 era n0 mesmo tempo militante ¢ vivificador, Sua dirdmica impolia jovens pesquisadores ambiciasos a estender as investigagoes com téenicas cieniiticas que favo- reciam a profissionalizagio do campo de pesquisa. Se a histéria das mu- theres conheceu sua ais aparente na América, a Grii- Bretanha, a Franga ¢ os Paises Baixos 40 vinham muito atrés, apesar do apa res fazia parte, cada vez mais, de um amdlgama multidiseiplinar ~ os ccimento de portantes diferengas. Na Am 1,0 histéria cas mulhe- women's studies ~ em que Titeraturs, 2 antropologia, a sociologia © a m também filosofia represe! cl importante. Em numerosas universidades, os estudos sobre as mu!=2res foram incorporades aos pro- gramas universititios. Na Europa, © dessnvolvimento interveio no quadro tradicional das disciplinas, © coexistix com outros aspectos de processo histérico para reforgi-los ox completi-los. 246 Passapos rnscomnosros Certtos campos de pesquisa histérica se revelavam mais recepti- vos, mais acolhedores que outros. O reconhecimento das mulheres como tais incomodava freqieniemente muitos professores universitirios, que ‘inham levado tranqiilamente sua vida de historiadores constitucionais, politicos ou intelectuais sem refletir no desequilibrio do passado nem ereeber 0 que uma abordagem baseada na distingio dos sexos trazia para sua disciplina, Alguns viam nisso uma intriga feminista, e consi deravam pouco respeitavel 0 fato de se ocupar da hist6ria das mulheres. Os historiadores da familia eram mais favorsveis, ¢ 0 acento posto na demografia, componente importante da abordagem das Annales, que resultara também na constituigao do “Cambridge Population Group” na Gra-Bretanha, ajudava a entender a I6gica de tal evoluyio. Os histori dores da sociedade e da cultura, os que estudavam a criminalidade ¢ as priticas religiosas, também estavam receptivos ¢ prontos para integrar esta nova dimensio a suas anélises; sera que existe uma dicotomia entre comportamentos masculino ¢ feminino diante deste ou daqucle proble- ma, ¢, na afirmativa, por qué? A nova histéria cultural, lidando com a construgdo e a transmissio de idéias ¢ de atitudes expressas, por exem- plo, nos rituais, nas tradig6es ou nas formulacées dos textos, se dava conta de que as hipéteses sobre o papel dos homens ¢ das mulheres criticavam as questées de que cla se ocupzva. Nenhum documento, nenhuma imagem, nenhuma ceriménia ere neutra, e sim inclu‘a, qual- quer que fosse a sociedade, julgamentos de valor a serem decodificados = entre 08 quais os que diziam respeito aos papéis respectivos dos dois sexos — para interpretar sua significagio. As nogdes de um comporta- mento mais de acordo com um dos dois sexes podiam ser indicadores de distingio entre as culturas. O véu muculmano, por exemplo, era 0 tesumo de um conjunto de atitudes ¢ de crencas préprias 20 isi. Nas mios dos historiadores da cultura, 2 distingio sexual tomava- s¢ um instrumento analitico para ser utilizaco ao mesmo tempo que as distingbes segundo a raga ou a classe social. Tanto quanto as mulheres, cs homens se tomnavam entio 0 produto de um processo de aculturagio: nham pois sido fabricados ¢ nio tinham nascido assim. Seria artificial € exagerado isolar as mulheres, quando importava por em contexto ho- ‘ns ¢ mulheres, para perceber a dindn:ica cultural de uma sociedade. (Contra as pri is Fechadas dos women’s sr.cies, tal abordagem contri- buia para transformar a histGria das mulheres em gender history. E so- zente ¢m inglés que 0 “género” tem uma conota 10 sexual; teve que ser oe Mutagdes 247 importado para as Iinguas roménicas. A nogio de uma gender history que ‘se interessa pelo processo de definigéo tanto do masculino como do feminino numa sociedade particular, em lugar de uma historia dedicada apenas as mulheres, era amplamente aceitével, a0 mesmo tempo para um vvasto conjunto de historiadores de matéria social, econdmica e cultura, € para numerosos cientistas que se tinham consagrado inicialmente a arrancar as mulheres ao esquecimento. ‘J4/em 1984, numa importante colecao de ensaios, Michelle Perrot angava a seguinte pergunta: Uma histdria das riulheres € possivel? E ‘0 material contido no volume sugeria inevitavelmente a resposta: pro- vavelmente nfo, As mulheres viviam em fungio dos homens, suas vvidas eram freqiientemente pereebidas através de um prisma mascul © mercado distinguia os sexos: o trabalho dos homens ¢ o trabalho das mulheres eram avaliados diferentemente: havia profissoes de homem € profissées de mulher, assim como mercadorias cujo valor refletia a produgéo por um ou pelo outro sexo. A Igreja era outro espago marcado pela distinggo sexual: as mulheres eram excluidas da hierarquia secular, a vida religiosa regular tomava formas diferentes conforme a ordem ou a congregacio fosse para hon.ens ou para mulheres. Quando, no século XVIL, Mary Ward tentou constituir uma ordem de mulheres missionérias semelhante & dos jesu‘tas, 0 papado ficou airapalhado. Incapaz de as- sociar a Igreja a mulheres errantes, jogou-a logo na cadeia. A ampla obra social da Contra-Reforma que florescia na Franga, produzindo nio somente as Irmas de Caridade mas também centenas de ordens ¢ de ccongregaybes votadas ao cuidado dos dcentes, dos pobres © dos inva dos?, dotou a Igreja em scu conjunto de caracteristicas distintivas. Os historiadores da educagio se davam conta de que a educagio no era dada igualmente para os dois sexos, que seu conteddo mudava conforme ‘0s sexs para corresponder a0 que deviz convir a0 homem ou & mulher. Nas estatisticas eriminais, os eri cinco a seis vezes mais numerosos que ¢s criminosos do sexo feminino, ‘mas as mulheres eram vitimas de um criz-e violento mais freqientemente {que os homens. Quanto as condenagées. variavam para corresponder 20 {que era considerado como apropriado cada sexo. Por que a preocupa- ¢ que a sua clientcla? Por que 80% dos casos de bruxaria eram Je = -‘heres? s:s do sexo masculino cram de penal se prendia mais &s prostitu: Essas perguntas ¢ essas represent Ses favoreceram a metamorfose a histéria das mulheres numa gender i:scory, e fizeram do sexo um dos 248 Passabos RECOMPOSTOS temas de estudo dos historiadores do sociocultural. Ora, esta trans- formagio nio se fez sem debate. A gender history 6 a hist6ria das mulheres separada de qualquer programa feminista, menos militante, menos engajada do ponto de vista politico, ¢ portato mais objetiva? Ou se trata de um processo em que, mais uma vez, € atribuido as mulheres um pape! secundétio no discurso? E claro que gender nio é um conceito sem preconceitos. No responde necessariamente & preocupacdo prioritéria das feministas dos ‘anos 1960, que queriam dar as mulheres lugar que thes era devido no pasado ¢ explicar por que, muita: vezes, elas nfo figuram na histéria escrita. £ também provével que, sem a insisténcia militante das primeiras protagonistas da hist6ria das mulheres, talvez 0 sexo nunca fosse desco- trumento da andlise histérica. Um debate verdadeiramente pungente figura num dos diltimos nimeros da Irish Historical Review. Poucas mulheres se viram negar seu passado tio radicalmente quanto as irlandesas, que, sem excegio, foram riscadas da hist6ria; as instituigBes de distorcio historiogrifica. Uma obra inovadora recente, editada por Margares Mac Curtain e Mary O’Dows*, apresenta uma rica coletinea de ensaios, cientificamente inatacéveis, sobre diferentes aspectos da existéncia e das atividades das mulheres na poli- tica, no direito na gusrra, na religifo, na literatura © na educagio, bem como fa familia ¢ no trabalho doméstico. A presidente da Repéblica assistiu pessoalmente & apresentagio do volume. A publicagio cor tema experiéncia histérica vivificante num nivel que ia além da simples informagio. Dava as cientistas, is estudantes, &s leitoras irlandesas a cons- iéncia de pertencer a uma coletividade, experiéncia que as outras mulheres cidentais haviam conhecido mais de vinte anos antes. Revelava quanto restava por fazer, € algumas das potencialidades do que podia ser desco- Ora, em sua resenha de obras recentes sore a historia das mulheres irlandesas, David Fitzpatrick, historiador irlandés de grande valor, qua- [Sicava a hist6ria das mulheres de “gueto sombrio em que os homens © remerosas mulheres no se aventuram por medo ou por desprez0"’. Em resposta, Mac Curtain ¢ O”Dowd julgam que o estado atual da historio- cafia irlandesa di pouca latitude @ estudos destinados a tomar verdadei- jente cm coasideragio os sexos; 6 precis pois cominuar o empr ento, principalmente explorando os dominios em que ele pode entrar €2: colisio com a histéria nacional Mutagdes 249 Este debate € salutar. Ele nos lembra que o enriquecimento do ‘campo hist6rico pela introdugio da distingio social dos sexos se produziu ‘de modo desigual, segundo 0s contextos nacicnais mais ou menos recep- tivos. Provavelmente, tal processo poder ser um dia analisado com proveito. Com toda evidéncia, teve melhor éxito nos lugares ém que os historiadores nfo tiveram medo de novas perspectivas, ¢ também nio procuraram impor julgamentos de valor sobre o que deve ser um campo legitimo de pesquisa para um historiador. ‘Um grande coléquio organizado de dois em dois anos nos Estados Unidos, a “Berkshire Conference”, que atrai vsti dos dois sexos, constitui agora uma estrutura intemacional para conferéncias sobre a hist6ria das mulheres. As revistas especiatizadas jS remontam a mais, de dois decénios, ¢ seus nomes, tais como Feminist Studies, Signs, Pénélope, a revista italiana Memoria, ea recentissima publicagio Gender and History, revelam aiguinas Gas mudangas ocorrides. Outras revistas, como History Workshop, incorporaram como assunto permanente a histéria das mulheres. (s editores descobriram que as malheres compram livros sobre as mulhe- res. A casa editora Laterza, que havia encomendado a Storia delle Donne (Historia da Mulher}, realizada sob a diregio geral de Georges Duby ¢ Michelle Perrot®, estava pasmsida com 0 sucesso obtido por essa obra. Esse ‘monumento em cinco volumes prope abordagens muito divergentes no que diz respeito as mulheres ¢ a suas telagSes, tais como emergiram no decorrer dos dois dltimos decénios; apesar de seu titulo, a obra trata igualmente dos homens, das idéias sobre os sexos, das mentalidades, da maneira como os Europeus voncebiam sua vida de familia, seu trabalho, sua religido, e como viviam no interior dos horizontes mentais da vida cotidiana. Vinte anos aris, tal exercicio teria sido impossivel. S6 os mis6ginos obstinados podem ainda negar a evidéncia de um semelhante enriquecimento da histéria, Quem imaginaria hoje em dia uma histéria da teligiio © das priticas religiosas sem se referir & dis milhares de cientistas participagio diferente das mulheres ¢ des homens? Quem pensaria cm eseever uma histéria das indiistrias téxtcis sem evocar a mio-de-obra extremamente barata das operdrias, que permitiu a decolagem para o io dos sexos para explicar a crescimento, e quem esereveria uma his:’:ia dos modos de consumo sem levar em conta a procura divergente de cada sexo? Quem, em 1995, se debrugaria sobre a estrutura hist6rica <:+ migragies sem considerar as mulheres que permanecoram no lugar indispenséveis para a comunidade? 250 Passabos necoMrosros As perguntas deste género sio inumeraveis. Um exerefcio come- ado para tornar as mulheres conscientes de si proprias deu assim origem a conceptualizagio da difererciacic social dos sexas, que esté invadindo © conjunto da disciplina histérica. © que comecou por um assalto, pros- ‘segue ~ se completa ~ peta persuasio ¢ pela infiltragio. Notas +4. Gadol Keily “Did women have a Renaissance?™, in R. Bridenthal eC. Koonz (ed), Becoming Visible: Women in European Society, Boston, Houghton Mifflin, 2 ed., 1987, £C. Langlois, Le Cath ba femin ne au fen depois da Revolugio, in, Paris, Le Cerf, 1984, continua 0 estudo dessa * M. Mac Curtain e M. O'Dowd, “An Agenda for women’s history in Ireland”, fish istorical Studies, XXVIII, 1992. “Women in Early Modern Ireland, Dublin, 1991 *D, Fitzpatrick, “Women, gender and the writing of Irish history”, in Irish Historical Studies, XXVU, 1991, * A obra foi publicada depois em francs: Histoire des femmes, Pati, Plon, 5 volumes 1991-1992. Estéatualmente taduzida em vSrias Hieguas ‘cinco Depois de 1989, Esse Estranho Comunismo Marc Lazar Depois da queda do muro de Berlim, seria absurdo e perigoso votar © “comunismo” ao esquecimento. A novidade de uma situagdo politica inesperadla incita mais do que nunca a um esforgo exigente de compreensio de um fendmeno que é parte integrante da histéria européia, ¢ mundial. ‘Teria 0 comunismo se tomado, no sentido vulgar da expresso, uma lade de que a opinido piblica francesa fez alarde até 1991 quanto a0 fim do comunismo estava na medida do que este representara, 20 mesmo tempo, nas relagées interacionais © na tealidade nacional ', Mas a irreversibilidade das rupturas no Leste acabou ppor impor-se, © 0 comunismo é considerado como um caso arquivado. A desafeigio para com ele nio é apenas uma opinio politica, mas uma atitude de conjunto: o comunismo esté afuidando nas éguas frias da indiferenga, engolindo com ele cerca de um quarto do planeta, antes de tudo na China, mas também no Sudeste da Asia, na Africa ou em Cuba. Ami se interessa muito por um assunto que antes enchia paginas © pginas. Ocasionalmente, rompe-se o siléncio com a publicagio ruidosa de arquivos, como foi o caso recentemente com o livro de Thierry Wolton, que desencadeou novamente as paixdes em toro da figura de Jean Moulin?, com o de Arkadi Vaksberg, descrevendo a vida dos dirigentes comunistas internacionais em Moscou, cu com as Memérias “do super- espido soviético Pavel Soudoplatov"*. Es: busca do “sensacional”, ainda ‘mais impressionante porque, manifestamente, a realidade dos servigos de informagio soviéticos ultrapassa a fic¢e & qual nos acostumara um John Le Carré, no desmente a tendéncia fussamental; quase de um dia para outro, 0 comunismo, que obcecava nosso presente, foi rejeitado para um pasado aparentemente distante. meio das ciéncias humanas, «escapou a semelhante inclinagio. Assim, até uma data muito recente, numeroscs manuseritos de qualidade cenfocando © comunismo ou tudo que Iie esti ligado (0 mundo operirio, jad anb e opeporsos ‘opsuawyp e ‘oyunfuod op B10] sefno ‘Terpunus ojuowAoW wn 9p eAOPEUINNBO] 9 exopepuNy LIoUgLEdKO wT suo enb 9 *ZT6r ap auued w cyssmY vu vonpid wID oWsod ‘,onbinoysIOq osquntos,, 0 seunde sou IND “OLASOp 9p 9 OF5IEN ap b sop tun wpeo ‘Sopy sodnu@ ‘soquossoo ‘sooSeyj ‘sooSoey ‘seyouppuoy sujuv1 sezino wespuosuo onb “sowisyo op no sagsjo ap ‘seimdnz 9p ayunor seonswaioeieo sons op Bum 9 ‘spiry -sepsquntuo urese[s0p 9s anb soujodnis op ‘somowtaous op ‘9493109 ‘9p opepissoatp opus’ eusn ‘oy}oy> woo “aysyxq “areqap oM[9A, gSoussHENAOD ‘9p no oUstunteD wn ap ZeIEF as-2A9c] “oRSUIO|AxD op odlue> © opt Hop s1uoueraoid 301 wos op “suisid stuns} sonno 0 wsnoe 9 opepsoA v sep SOG, {sowstunwo> sop apeprssoap ‘wSuexy/ssun “soqSuouajuy se xeaouas ® ejnunss anb Q “(noIpinog 2, 80p opeSerequsasap ‘soiue onb op odor ou omsosuno119 puOA WN aap ze} OWISUNIHOD OYUENSD 9559p “edomg ew souout oped ‘orualuraozedesop 0 onb ereisuoa onb ‘ewesSoxd ‘o1uog “p.s8suada1 9p 9 Jopuosiduios op ven 98 9 “epeu opisajuose cia} ont yu © gO ap $9050 ssp opm 15 onus svossed sep saoSeSiy se ‘oss0at) opu as ‘SuoMOY, se opeunsogsu 1 Oproy!poul assaAN OLU OUISIUMUIOD Oo 9g ‘SomINE So 9 soudord js v opsope ap seusoy sens wrezyunsio 9s syenb sop OWIOI Wo s ‘soofonu sou ‘seSusi9 sens 9p opunuy ou ‘stattoy] $0 anus sooSefau op sopour sou nossed as onb op sou ‘sory Sop eHO)sty v sonsi089 op oqousoydunys yen as OPN “oduiay ossou sowssopusaidutos opt ‘nonjodiod os esjouru St se0Senyy ap BUOY ¥ gos OAISSasqO oUI0 ‘yspuure ep opuny syeu ou B-opur: 29s saonb ‘011939 woD “wpqise oso! odway ousou os stod 9 omow ‘noqe|duyy 9s opuo spe; soouoIsiy somauOW wa ‘sassuodus 9 sousodo oyeowesedso ‘sodmiz sosianip ap soipresso 9 seimjno ‘sso5ipen ‘somoweuodwos 9 wad opniso nag -(eSojoua mnopued uta) seuewny seI9 ‘wn equndns omsqummos" SOAOU JUABIGSOP 9p apEpI opSeoy|qnd vyso ‘soue zap urg -os1oSuenso ou 9 vSueRy eur epepnes o1uodt -ounrucun Joy opeprjun vino *,21uspumuniog ‘estao1 een ‘9p opepisioaiun, ¥ oyunf storsno oueydgig 9 [oBoury ayuuy sod oprSianp ‘ouistuntio> op wjBojorses ap 2 ‘9p sopmisa ap -esinbsod ‘soyuepmiso ‘sorossajo1d woo ‘euigysiantun vu ‘ajuasasd odio op e1igy ‘yeu sop win seyuasordor ap omuod ‘spept ja wn ‘san0p SIP eaIOpEpIIA ‘ep sonttawtaja sosorsard 4 yoy eUUn vysA8 OWS lod “opnine cyucssg “,oonqnd op ‘souottps sopuei® sod sopesnos opts tpi (oydutx9 100 ‘op opniso o ‘sous ojad wSuriy tu ay solscunoomi soavssvd 757 LABRE SG ODS (Alea | ‘Buin suge opiproap sod © sopues senp wo eIptaip 28 2p sopnise so ‘soue s1WIA sun pH “s}oIquIO] win ‘ouoWITeIO SOISOUNCORY SOQVSS¥y $57 | 256 Passapos necoMmostos parte de seus fundos até af inacessiveis para 0 pés-1944), faz com que, jé agora e num futuro préximo, o péndulo volte a se posicionar em direcéo 20 centro, no ponto de equilfbrio entre o politico e o societéri Com toda evidéncia, a possibilidade de acesso, segundo modali- dades muito variadas, as fontes, por muito tempo mantidas secretas, de numerosos partidos comunistas ¢ da Internacional comunista, inaugura uma fase radicalmente nova da pesquisa”. Assim, 0 debste entre escola totalitéria escola revisionista deveria mudar de natureza. Jé a perestroika tinha embaralhado as cartas. Nao existia mais uma verdade oficial, e a histéria se tomava parte interessada do debate politico que estava no ‘auge, Mas o fim da URSS, que seguiu o golpe de Estado fracassado contra Gorbachev em 1991, acabou de abalar as certezas das duas grandes historiografias existentes. Os pertidérios do totalitarismo revelaram-se incapazes de admitir a possibilidade de uma reforma interior do Partido € do regime, « os “revisionistas” viram se estilhagar seu famoso consenso centre o Partido e algumas fragées da sociedade. As duas correntes, embora negassem, foram finalmente fascinadas por seu objeto de estudo ¢ prisio- neiras de sua metodologia: ambas $6 podiam pensar o comunismo em sua perenidade, a primeira porque o acreditava quase que imutavel, a segunda pela preocupagio de demonstrar seu enraizamento no mais fundo das ealidadss sociais ¢ hist6ricas da Réssia. A superagio previsivel das disputas cientificas € auspiciosa. As primeiras pesquisas fundadas em arquivos delimitam melhor a especific dade € a realidade do projeto, da organizagio e do poder comunista. Os documentos do Komintern (que funcionou de 1919 a 1943), tanto da ‘orgnizagio como dos principais responsiveis. permitem analisar melhor a estratégia comunista, avaliar de porto © empreendimento mundial de subversio de um aparelho superorganizado, em que 0 centro (Moscou) tenta controlar os minimos detalhes da ativigade das diferentes segées rnacionais e dos militantes, dd um lugar fund:=:ental & doutrina, exige uma submissio completa de seus adcrentes, ¢ recorre a todas as priticas possiveis ¢ imagindveis para penetrar nas sociedades ocidentais. As bio- grafias dos dirigentes, cerca de 5.009 no cass do PCF, a quantidade dos relat6rios extraordinariamente dotalhados ¢ z:ecisos sobre 0 estado das forgas em cada pats, aprofundam 0 coaheci=cnto dos PC, ¢ em breve tempo renovario a sociologia do comuniss: do periodo entre as duas ‘2uerras, na espera da abertura mais completa 0s fundos do pés-Segunda Guerra Mundial ®, Mutagées 257 Inversamente, por trés da fachada monolitica dos partidos, desco- brem-se por vezes as rivalidades entre instincias buroeréticas, os engui- gos da méquina organizacional, os enfrentamentos internos no scio dos grupos dirigentes, assim como a dureza, a desconfianga ¢ a suspeigdo que reinavam quase sempre nessas altas esferas. O trabalho empreendido por alguns pesquisadores, como, por exemplo, Nicolas Werth, nos arquivos do partido sovi 0 totalitéria © as condigées de sua realizagio. A primeira ja € incon- testivel. Ela se caracteriza, especialmente nos anos 30, por uma violéncia ‘estarrecedora, uma brutalidade inaudita, uma vontaide efetiva de subverter de alto a baixo os quadros sociais existentes antes da Revolugio ¢ de arregimentar uma populagSo traumatizada. Os historiadores que desco- brem esses papéis cuidadosamente colecionados por uma burocracia ‘minuciosa, versio moderna ¢ hipertecnicizada daquela do Egito fara co, tém a senzagio estranka de explorar essas “pirimides” ou esses “pa- licios dos sonhos” descritos por numerosos escritores, como Ismail Kadaré, opositores do sistema comunista ¢ geniais visionérios™. Mas 0 {que transparece também nesta documentagio oficial, ¢ suscita uma quan- lidade de pesquisas especificas, é a dominagdo de um pequeno grupo de dirigentes todo-poderosos sobre 0 dispositivo central do poder; esta elite tende, por todos os meios — que se trata agora de explorar e de reconstituir (cepressio, corrupgio, mobilizagéo de uma pluralidade de redes, forma- elas) ~a estabelecer sou dominio, até as regides mais remotas sobre todos 05 grupos étnicos e sociais em decomposigio on em formagio®. Porque as realidades econdmicas ¢ soci complexas do que deixava pensar a propaganda oficial, e as resistencias a imposigo de uma nova ordem tomam uma grande variedade de cami nnhos*, Tanto que, em lugar de opor 0 social & ideologia ou a0 politico, 0 observador tenta, de preferéncia, apreciar sua interagio, a exemplo de ‘Alain Blum, que aplica a demografia k: URSS e restitui os ajustes = varidveis conforme as Repiiblicas ¢ 3s grandes zonas culturais ~ dos comportamentos vitais das populagées ciante da gigantesca ¢ inédita ten- tativa de remodelagem da sociedade e=:preendida pelo regime”. ‘Ainda mais fundamentalmente. na URSS, nos paises do Leste, ‘como naqueles em que houve poderos + PC que nio chegaram 20 poder central, se deveria progredir na coms:: ico, devia introduzir uma distingéo salutar entre a inten- rica nsio geral do que representou o comunismo como continuidde ¢ rup: n relagio & religifo, & utopia, as correntes culturais e politicas de cz2 hist6ria nacional, as estratégias 1258. Passapos RecomPosTos de insergfo na modemizagio, ou a busca de identidaite diy stores soci, Resumindo, trata-se de apreender 2 que necessidades sociais e culturais correspondin esse fendmeno. O que nao deixa de ser uma maneira de nos interrogarmos sobre nosso presente pas-comunista, Quem disso que o estudo do comunismo era histéria antiga? Notas "Yer, por exemplo, s sondagens de novembio de 1989 e setembrc de 1991, in Sofres, Liat de Vopinion 1997, apresentado por O. Duhamel ¢ J Jatt, Pari Le Seu 1991, 296 p., € L'Euat de Mopinion 1992, apeesentsdo por O. Duhemel e J. Safes, Paris, Le Seuil, 1992, 289 p. 27, Walton, Le Grand Reerutement, Pais, (i et, 199, AIM p. 2 A. Vaksberg, Hotel La, Les paris féves ou service de Tarernotionale communist, , Fayard, 1993; P, Soudoplatey, A. Soudoplatov, Missions spéciates, Pati, Le Seuil, 1994, 613 p. “ Dois exemplos entre autras: J.-P, Molinari, es Ouwriers communistes, Thonoa-les- Baits, L”Albatros, 1991, 367 pe M. Verte, La Culture owsrve, Saint-Sébastien, [ACL ition, 1988, 297 p.fnversameate, assinalemos, para nos congratelar com isso, publicagio de um sélido volume de G.-G. Moutlec © N. Werth, intitulado Ropporis secrets sovitiques, 1921-1001, La socitté russe dans les documents confidentiels, Pars, Gallimard. 1994, 676 p, bem como a excelente iniciativa editorial do Seuil, que anuncia wma grande colegio “Archives du communisme", ditigida por 8. Courtois © N. Wert * A revit Communiane, qu pales quatro wines pram, € ead por Age homme. Vero debate enteeV, Havel ¢ A. Michnik in G. Mink ¢ JC, Szurek (dit), Cet dtrange postcommmunisine, Rupture et trenstions en Europe cearrale et orientale, Pats, Presses du CNRS/La Découvert, 1992, pp. 17-48; os dossiés “Poids et enjeux des épura- tions”, La Nouvelle Alteriazive, 21, margo de 1991; “Les régimes postcommnistes ‘tia mémoire du temps présent”, La NowwelleAlternaive, a. 32, dezembro de 1993, “La justice du postcommunisme”, La Nowwelle Alternative, a. 35, setembro de 1994, ‘¢“Mémorial”, Les eahiers d'histoire sociale, . 2, primavera de 1994, 7, Havel, op. cit ps 8. © Un entretion avec JT. Desinl, Le Aone, 10 de margo de 1992, Mutagdes 259 °W. Metelowiteh, “La ‘sovigtiie™ apts fe putsch, Vers ne gurison?™, Pott, 1 18, 1992, pp. 7-20, Este artigo aotivel se apoia numa biblivgiafia exaustiva, © Numa literatuengigantesca, inicaremes agui apenas a obra de sintese mais recente de mais fil acess0: B, Badic, G. Hesmel, Politique comparée, Paris, PUF, 1990, 404 p. 1M, Ferro, “Y ati trop de démocratc en URSS?, Annales BSC, XL, 1985, p. $20. ™ Simplificamos excessivamente um dorvfaio de estudos particularmente rico, 20 {qual a cigncia politica em especial trouxe conteibuigSes que escapam a esta distin 1 A Kriegel, Aue originer du cacimunisme frangnis, Paris, Flammarion, 1969, 442 Le Systéme communiste mondial, Pacis, PUR, 1984, 272 pz Les Communistes {francais 1920-1070, Pavis, Le Seuil, ecu. 1985, 404 J, Girault, Sur implantation da Part communist fangais dans Venterdeus- guerre, Pars, Editions sociales, 1977, 347 p. Ente 08 tabalhos monogrétios Bobigny beliene {que ee inserem nesta fillagio, querernos assinalae A. Fovrea rouge, Paris, Editions ouvrityes-Presses de ls Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1986, 215 p. 1 Vera teorizagio que dela fazom R. Mart POF, Cahiers dhitace de IRM, a. 1981, pp. 8-42, € SWolikow, Le Pa ‘communistefrangais et Internationale communiste (1925-1933), tese "a"Etat", Universidade de Paris VIII, 1990, pp. 20-26 §, Courts, “Construction et déconstruction du communisme”, Communisme, n. 15-16, 1987, p. 52. A tuto de exemplos, numa predugio jf spor importante, vest “Communism frangals et soeigtés ouvedies", Communiane, a. 15-16, 1987; "Le communlsme frangais ot ses municipalités", Communiome, n. 22-23, 1990; J.P. Brunet, Saint- Denis, la ville rouge. Socialisme et communisine en banlieue ouvritre 1890-1939, Pris, Hachette, 1980, 462 ps M. Hastings, Halluin fe Rouge, 1919-1939, Aspects d'un communisme identtire, Lille, Presses universtaires de Lille, 1991, 438 ps G, Noirich, Longuy, Immigrés et proléteires, 1880-1980, Pats, PUR, 1984, 396 p. 1G. Noitiel, Les Ouvriers dans la société fransaise, XINe-NXe stele, Pais, Le Soil 1986, 321 p; Owwriers, owrigres, wn continent morcelé et sileneieus, Autrement, Janeiro de 1992, 220 pus 4-P. Terai, Destins ouvriers. Le fin d'une claste?, Patsy PUP, 1990, 275 p. Para um balango completo desses trabalhos, ver M. Laz, “Communism et histoire dv temps préeent”,comunicagio ao coléquio “Mare Bloch cet le temp present, 13-14 de junho de 1994, Paris, EHESS, sta a serem poblicada | | 260 Passanos récowrastos "60, Molinari, op. cit pe 20 24. Chesneaus, Le PC fun art de vive, Paris, Mautice Nad 1930, 212 p. 1 Scbre os problemas metodolégicas suseitados por esse E. Frangois nesta obra. vos, ver 0 artigo de 2°, Werth, “La transparence et la miooite. Les Sovigtiques & I recherche de leur passé", in Vingiéme Sigcle,n. 21, janeirosmatgo de 1989, p. 5-27. ® Sobre a apreciagio relativa 3 contribwigio destesarquives, ver especialmente S. Courtois, “Archives du communisme: mort d'une mémoire, naissance d'une histoie", in Le Débar, . 77, novemiorosdezembro de 1993, pp. 145-156, © a8 Fespostas de F. Bédarica, “Du bon usage de histoire dt temps présent” ¢ de P. Vidol-Naquet, “Tropes d'un méchant pamphléisite”, Le Débat 79, margo-abil Ae 1994, pp. 189-192; M. Lazar, “Communisme et histoire di temps prée nen tespeanay as eas ist sin Communsine, n, 32-33-84, 193; “Les communistes fl COT", Communisme, . 35-37, 1994; "Le PCF et Pternationale” in Coens Histoire de Vnstiut de recherches marsistes, a, $253, veriorinverno de 1992 © P. Buton, Les lendemains qui déchantent. Le Parti communiste francais @ la Lihération, Pats, Presses de Ia FNSM, 1993, 382 p, Ver, a este propésito, J. Rupnik, "Le ttalitarisme vu de I"ESt, (sob a diregso de G. Hermet, com a eolaboragio de P. Hassner¢ J. Rupnik), in Totaliarismes, Pais, Economica, 1984, pp. 43-71 % Ver, por exemplo, “Passé ct préscnt religieux en URS", Revue d’Eudes Comparatives Est-Ouest,n. 3-4, setembro-dezembro de 1993, 2 tas reflexes devem muito 3s conn sohve a URS e apreseatndas por WH revista en général et des archives russes dezemiro de 1993, pp. 127- ex dediendas 30 estate dag trabalhos lite © N. West senna a TPN WAN Went “De facets paiculin”, Le Debut, 0. 77, noverbeo A lum, Neitre, vivre et mourir en URSS, Paris, Plan, 1994, 273 p. sts A Arqueologia Conquista da Cidade ‘Henny Caunié & Manuet Rovo ‘Sea politica de conservagéo do patriménio, que a criagao de setores para pedestres ¢ a restauracéo dos centros urbanos e dos bairros antigos testemunham cada dia mais, parece fazer dos arquedlogos os interlo- cutores dos responsiveis pelo futuro das cidades, sua posig&o permanece ambigua, Testemnhas da formagito do subsolo atual das cldades, é dificil que cles participem de sua destruigio, em nome de outros interes- ses que no os do conkecimento hist6rico, mas também thes é imposstvel recusar completamente uma evolueao sobre a qual fundam a legitimidade de seu procedimento, A arqueologia no se interessaria mais pelo Belo? Ao vermos os restos que os arqueslegos expéem quando os muscus Ihes abrem as portas, fas vezes duvidariamos, Ela é pelo menos ainda “uma ¢ indivisfvel"? Ao percorrer 0s titulos das publicagies arqucolégicas, vé-se a disciplina se atomizar: arqueologia agriria, néutica, industrial, ambiental, “moderna”, “experimental”. A irrupgio das cincias exatas ~ matemitica ¢ fisica -, eas da natureza ou da terra ~ ¢ das téenicas de andlise ou de imagens q jcompankam ~ transtoou profundamente nos siltimos. Vinte anos a abouayem anqucolégica. A ayeometria, ainda engatinhando ‘nos anos 50, aproveiton amplamente esses avangos técnicos para oferecer { arqueologia de campo propriamente dita novos meio: de anilise.no estabelecimento das cronologias e no conhecimento dos ambientes de vida, © impacto desta especit teve por conseqiiéncia limitar 0 espaco da abordagem no terreno, fazendo da arqueologia 0 ponto de encoatro de ‘seu campo de estudo & longa duragio, Obrigada a recorrer a diferentes técnicas que nem sempre pode dominar, a arqueologia é levada cada vez mais a orquestrar resultados, cuja significagdo, freqientemente, s6 adquire todo seu valor depois de ultrapas- sada a estrita aplicagio a um perfodo determinado. Aparcceram assim 9 otueq-on0N, jornpos oqwenb jouos> sozopeorew sojue} sosine oys “opepyyequauinuotd ens o ‘apepisejnBuys ens sod *,sooj91s14, So1Sy1S9A SQ “opSeInp eBuo] eu SOLES -epjsuoo © opuenb ‘reideo sied sesnyuoo stow * ou sogSuisoytuew sens — oduioy onus yxy ures sto oyu on voySuasuos sy ‘sofue syeus opSednoo op st swjouggbesueo sep vuln, “ouegin optoa1 op sogéeniuoe no soQ5a | mnpen 98 ‘sosof81o1 ‘seaqu0s9 r ‘ouad op onfos anb ‘oquawajonsosop nag -oxbeanp eSuoj ep o1m teqe wei9zly ¥ osse001 ep no O}vOUMLAfOAUDSOP 9p sosU§ SENS OULIOSUOI soiuepunge sououl no stew! sorSyisoa wesexiop onb ‘seoyS9jouo1 sop ~euuea op b1}93 ‘opSiniisuo ens 10g “oebesnp eBuo] ep opmso op o1sdgxd ‘enyssoiio1 osygue ap odp ot eysoid 9s 05st opm ‘opepio ep fenre OpeIso “14 poole se qenb ¢ ob¢dso op euoBaie> wsropepion twin ‘sopsuyjop s ‘ovunfuco win ‘o¥ojganbse op soyjo soe ‘ezounieu sod 9 apeplo V odudsa ap a1o9dsa, ‘sogSesowo|Se sep jouisnput-pid opezyueqin oSeds0 op exBojoyiour © © ouyap anb ‘coonyun ou} ‘opepio ep eBojoonbre wa sojey sowos}ojo1d ‘opypusruo jour sonbyenb sejya0 ese “seucqin sestoo sep eiifojoonbre anb op oweqan ‘op wiBojoonbse seu voyrusis eurqin vyBojoonbse onb opuowuoqns anb joid eu wesjuooua 2s soffo|ganbre sososowny “oueqin eyBojoonb sooseu z9j anb woussjaou 0 sto ‘opbinsop ‘oduiay ‘obadsq, fwpquiey soya “wes os 2}89 ‘so01q70 sto9u9 onb soatn 92 s2980myy Sen + ompase Ow Op seUUH] Sv oWOD seoupsIAGNS 89 op sonbied ‘seiqo sv anb oued pad 9p ou a “eitopeu ap w19 [0 1u9p1 st onb oON op edosng eu 4 eyesfodor & anb 3 edoung eu Joy oA viqes 2s ‘o}ueIp wo vioSte op ‘onb 9 expsod 9 anb op apniyidie e sopuosidwos z0} soayspisiy sonus> sop ogSesni nusyp wroqNOS o5 OBL foduiO} O}AUE 9 ‘se 4020} sued wesjnqizuoo souswgUsy so;pa ‘sepeagp SOUININ SEN, ‘SolDupo soss0 op!Sua ‘anb sopepa|s0s sv supionja ‘sojuowntour so 438991990189 $0180) Sov Liq “e!ojoonbie op ont {Ia “9pepto op wpeu ‘ossy opmy wg “sajodgioou se 2 eq tn 9p o2No ‘odway wn 2p ajanbe ‘wnzof op o1s0 zeaestooud anb ap ojinbe se1dusoo ‘sopepissooou ‘sens 9p Joqes o¢ ‘equa wn Epes apuo opeasou wn 9p seo se nowesoide opepio & ‘softoqganbse so cued ‘oduior ovnw oqueang yomwawnuow og -ogbeinp eBuoj © ‘yenugey wio8e oud e ‘eproosede-wp20)“euegun Toqug cuin v se8ny wresopa0 “eyZoyoont yoIm © gos sop o1pous ‘eoisspyo 1d vyuoo wa 1049] op J0A9 99) SOUDUIQUOY so1sounonsy soavssvd 292 264 Pessanosnreamrostos: raga Navona? O papel da arqucologia urbana ¢ ir além de impress6es, remontar mais longe do que permitem fazer a geografia hist6rica e a histéxia do espaco edificado, aproximando os elementos que estio acima do solo dos que nele estio cnterradas. A singularidade do espago edificado, por sua repar , torna sensfvel, para quem nele circula, uma verdadeira hierarquia entre diferen- tes espagos urbanizados. Outros indicios sio perceptiveis através da densidade e da hicrarquizagio do habitat ou do tragado das tuas, Revelam a existéncia de um “parcelirio féssil”. A originalidade do procedimento arqueolégico recente reside entdo numa abordagem sem limite cronolé- Bico, que associa estreitamente os dados da escavagio, os da geografia histérica, 08 da anilise do espago edifie: eseritas. Nao se trata mais, como no passado, de «lar cont ri da paisagem url vere esterentipadas cidade antiga, medieval ¢ enfim moderna), mas sim da génese das cidades, isto é, dos processos de transformagio revelades pela acumu- lagio, pelo apagamento ¢ pela substituigdo das formas de ocupagio do solo. Neste sentido, a arqueologia urbana nio pode deixar de interroger- se a partir do estado atual do espago urbano, is primeiras 10 ou seu modo de construgi fem és imagen mui Palco ¢ stores Para o historiador, a cidade 6 o lugar da histéria, 0 paleo em que se desenrola a agio. Para o arqueslog de hist6ria, As duas abordagens sio menos complementares Uo que motivo para olhares diferentes, cujo objetivo comum, todavia, permanece 0 dé ‘compreender 0 papel e a evolugio ds soeiedades que se sucederam num ign, Mesa quando historiaton 4 ¢ sugjuentopers perearem ama fonte comum, sua aprecnsio dos fendmenos, seu enfoque, levat cidade, enquanto paleo, é objeto mesmo um muitas vores acre qu rcorteram a dois docunentosdistntes, Para ohistoriador, 2 cidade 6 6 lugar do poder, ds troca, da eulta,o lugar onde se exercem os confronts, as tenses © os confit, onde nasceu o mundo moderno. No pior dos casos, clase resume ao quadro de onde emergem monumen- tos como o frum ow a prefstura,cujo valor deriva interamente da fungSo aque exercem. Para 0 arqueélogo, 0 espigo urbano no se divide nem cronologieamente nem topograficamente; 60 revelador da evolugio lenta das sociedadesurbunas.£espago antes de ser monamento, o qu significa aque obedece a regs, a um processo de evolugio que deve ser possivel esquematizar, ainda que isso nunea tenha sido verdadeiramente tentado, Mutagtes 265 lum a seu modo, histo- © no qual as fungSes urbanas que apontam, ¢ riadores © geégrafos, concernem 4 totalidade das partes desse espaco. Se, por muito tempo, a arqueologia serviu aos historiadores para reforgar a teoria das passagens inscritas no espago urbano de uma forma de sociedade a outra, desde 0 Homo politicus da Antiguidate até 0 Homo ‘oeconomicus da Idade Média, por exemplo, esta nova abordagem esté atenta& profusio das situagSes particulares escondidas por este movimento de conjunto, as quais, de um certo ponto de vista, o tornam tio caduco. Paradoxalmente, procurar nfo favorecer desde o inicio nenhum perfodo fe nenhum lugar leva a colocé-los melhor em perspectiva e, por conse- guinte, a medir melhor aqueles eujo impacto sobre 0 desenvolvimento superou 0 dos outros. If se perecbe o enriquecimento, em qualidade ¢ em quantidade, dos fundas documentérins existentes, co crGpoes antigas ou 0 das muralhas do Baixo Império. Discerne-se também a abertura de novos dossiés, 0 da casa urbana, medieval ¢ modema, 0 do artesanato dos periodos recentes cic. Estes poucos excmplos estio longe de refletir a amplidio do campo explorado © a variedade la base documentéria, om quantidade como em diversidade dos assuntos ¢ das font logia urbana comegou a canstitui, ¢ que estimula a desenvolver outro tipo de questionamento, o da identidade das cidades atuais, ¢ isso através da rmultiplicidade das priticas reveladas por nossas fontes. Ao mesmo tempo, ‘essa pesquisa temiticas, regularmente alimentadas por novas deseober- tas, permitiram descnvolver um estudo da morfogénese das eidades. ‘Apesar de serem de um tipo um pouco particular, porque fundamental- manio urbano, os documentos que a arqueo- mente voltados para a gestio Futura do ps vvés da longa duragio. Nenbum dos volumes publicados até agora, na Suécia, na Inglaterra, nos Paises Baixos ou na Franca, pretende restituir a histéria das aglomeragGes em questo, 3 moda das colegées histéricas, que jf existem, © cujo objetivo é esse mesmo. O objeto desses novos estudos 6 estabelecer a ligagio entre sociedade © espago. Um exemplo conereto vai ilustrar o assunto: em 1973, M. Biddle, em The Future of the London's Past [0 futuro do passado de Londres}, constatava, a partir das fontes tradicionais, que se a Londres medieval se inserevia nos limites da aglomeragio antiga, nada permitia compreender ‘© que se tinha passado nas “eras sombrias” da alta Idade Média. Se nestes vine anos as escavagies arqueolégicas nio se tivessem liberado da 266 Passanos utcomrosros problemética habitual, o avango ser derar a questio a partir dos dados de escavagées periféricas permitiu a0 ‘mesmo M. Biddle em 1986, num artigo intitulado “London on the Strand”, propor a transferéneia da atividade da alta Idade Média para fora dos limites do recinto cercado por murallas. Semelhante deslizamento, que teria ficado invisfvel& luz das fontes histricas tradicionais, s6 se percebe colocando as questdes na perspectiva arqueolbgica. Assim se pode enfim explicar a dupla denominagao, hé muito tempo conhecida, da Londres da alta Idade Média, Lundenburgh ¢ Lundenvie: d¢ um lado, a cidade coreada de murathas, sede da administragio ¢ da elite, do outro, a aglomeracéo mercantil, que concentra as atividades © a populagio. Por sua pripria natureza, as fontes dos historiadores e dos arqueé- logos exprimem ritmos diferentes, c, por conseguinte, histirias paralclas. Reconhecé-lo ni € querer alimentar win debate esti sobre a antonomi ou a pretensa especificidade da disciplina arqueologica. Muito pelo con- trério, © impacto Ja arqueologia urbana sobre a cidade contemporinea pode fazer da arqueologia 0 ator mais ou menos voluntério de uma politica do patriménio, da qual se apresenta tanto como o refém quanto como 0 abonador. © arqueslogo na cidade Gestdo do patriménio urbano ¢ abordagem global sio, com efeto, a conseaiiéneia normal de semelhante procedimento, com toda a ambigti dade que cerea naturalmente a passa i do passado as opgées de urbanizaciv presente. 0 arquedlogo, pela natureza de suas observagies, deve ser capaz de produzir uma explicagio de conjunte dis muskangas veotiah 3 origem no tecido urbano. Isso si tempo em que sua abordagem se alarga, a sair dos lis conhecimento formal. A difusio de suas conclusbes, por pouco que faca 0 esforgo de tomné-las acessivcis 10 nio-especialista, o engaja de ‘uma maneira ov de ouira junto 20s urbanizadores contomporineos. Se 1 politica de conservagé 10 de sctores para pedestres ¢ a restauragio dos centrox urbanos ¢ dos bairros antigos interlocu- fo permanece das cidades, 6 dificil que cles participem de sua destruigio, em nome de outros Lica que ele © ubrigado, ao mi do patriménio, que a cri testemunham cada tores dos responsi ambigua. Testemunhas da form ais, parece fxzer dos arqueslogos o» cis pelo futuro das cidades, sua po: 10 do subsolo atu ‘Mutagées 267 0, mas também thes & impossivel recusar completaments uma evolugio sobre a qual fundam 4 legitimidade de seu procedimento. Hi, na cidade como no inferno, virios cftculos, e a competéncia do arquedlogo s6 se exeree num deles, 0 mais central, o da cidade pré- industrial. Em superficie, isso significa muito pouco em relagio & medida de nossas cidades contemporineas. Nos centros histéricos, o movimento pendular das roliticas de urbanizagio vai da reestruturagio A conservagio: fora se arrasa para reconstrui, ora se fixa restaurando. Mas & fora desse espago muito reduzido que, com algumas excegdes, se decide realmente 0 desenvolvimento da cidade, nas ZAC (zones d’aménagement concerté) {zonas de urbanizagio combinada] da periferia outras ZUP (zones a turbaniser en priori) (zonas a seren uthanizadas em prioridade). Rrxiste a ei m passadlo urhano que se revela como um todo homogéneo em suas condigdes de instalagio durante cerea de dois mi- Ténios, até meados de nosso século; em seguida, outra histéria urbana, bem recente, com a idade de meio século, que no tem nenhuma ligagto com esse passado terminado ¢ antiquado. Durante dois mil anos, com 0 {inico recurso da energia animal, os habitantes modelaram pouco a pouco as cidades. O urbanismo neoclissico é uma fachada que néo abalou as estruturas topogrficas nem ultrapassou as avenidas. No séeulo XIX © no comego do século XX, as cidades inistéricas conheceram sobretudo exerescéneias. Quaisquer que tenham sido, os meios utilizados ficaram modestos, na eseala urbana. E preciso, claro, excluir algumas das grandes cidades pré-industiais, mais marcadas que as outras, como Bordeaux ou Nantes, mas o grosso da armadura urbana conservou, até uma data recente, tuna fisinnomia de cidade pequena, ‘As politicas brutais do pos-guerra deixaram de existi, é certo, acabou-se"com a produgio do espaco em hipercentro, mas nele se injeta agora conservacio, isto , representagio urbana ~ vocés sabem como 6, as ruas tortuosas da Idade Média — das fachadas e da galeria comercial no subsolo, insidioso ressurgimento da produgio de espaco. Podemos hoje estar certos de que a cidade hist6rica, de origem antiga ou medieval 6 um lugar de consumo, tal como esté integrada, enquistada na cidade contemporinea. Rétorna 8s fontes? Em todo caso, aqui nos encontramos ‘bom longe da cidade, lugar privilegindo da troca, da reflexio, do com- promisso. Quando conhecemes um pouco 0s recursos locais, ficamos fespantados, assombrados, com 0 cariter pré-fabricado, serial, © por | } OHNOWELLSHL, : © es Sopepio sep woBested AI + %p oonod 1 oonod eiopode 98 anb oxbeziuuoyun ¥ woo aIUinosuen SoIsouMCORSOUVSSVA 992 | uM A MemGria Viva dos Historiadores Ewresuisra com Pierre Vitan* Pierre Vilar é um dos mestres da historia francesa do século XX. Pela primeira ver, ele se entrega ao jogo da entrevista. Ao longo de uma vida que se confunde com o século, reflete com paixdo e probidade sobre o sentido de uma profissdo que une a compreensio exigente do tempo presente & observacdo das miiltiplas dimensbes do passado de nossas sociedades. ‘Nama época em que os historiadores sio frequentemente solicita- dos a darem sua opinio (autorizada?) sobre qualquer tema de atvalidade, rio € de se admirar que Pierre Vilar - um dos maiores historiadores franceses deste século ~ permanega desconhecido do grande piblico, Diante da refiexio apressada ou do espeticulo, ele sempre deu pri 4 um debate intelectual que nio deixou de suscitar, com paixio, Probidade. Dentro do mundo universitiio, nunca ocupou posicéo de ppoder. Foi por seu magistério, na VI segio da Ecole pratique des hautes éiudes, na Ecole normale supérieure e na Sorbonne, que Pierre Vilat foi um extraordinsrio estimulador de vocagées de historiadores. Sem divida porque permanecen fiel a0 ensino da histéria como problema ¢ cuidou de ‘armar seus ouvintes de rigor metodolégico: “O excesso de preocupagio metodolégica na pesquisa”, esoreve no preficio de La Catalogue dans VEspagne moderne (A Catalunha na Espanha moderna} (1962), “seré sempre preferivel & auséneia de preocupagio”, E continua: necessirio dar aos jovens historiadores um minimo de famil a economia, a demografia, a soeiologia, que dive de andlise © os preservatia também de entusiasmos mui dominavam ainda amplamente a hist6ria politica e diplomética. ‘Trés tragos fundamentais caracterizam sem divida 0 procedimento intelectual de Pierre Vilar uo[Oeu 0 ‘opts nb ewajqord >s889se ZBUO|DOIeG 9p JOpas oF SaqUapuRDSap Sa[eA SOU 1X9) EAN win nojersur 9s owoa :jeueq s200%ed wipod onb oisanb warn zepnIs9 uoafuewaq uoqly wos ‘soyouury sep odinbo wy ‘sopeusuisnyua uad 0 opeatiqnd 10g oye18098 esvSowon opuo — amazipdng apmusow aoa up onb wis o1nx9 oWwalwour ou “6Z61 ap tHE ON no ‘e1s0) ¥ 9 wotoy o asiua sagdnjar 98 9p 2acisngy joud soss9p oyunfuoa ojod swssos0% -ssoxdt © wueaup Sou anb ‘ourdoos owge9 owsoUl loging ww ‘epepin ‘oyzey as onb up seonstiaigeieo sens woo wn pea suosoide sou anb sopesSpo8 so twpqurey wesg “0 ‘eamynozse v woo ‘onb opsop fons ens 9 searuDp) sogSejar St ou19} v 9 wowo4] 0 asiuo ssgSe[ar se axqos soruetsodua 29HOS worUIXEPY “eHZoj029 rp ‘epour wu o}AUE ofoy‘orLMOP ON “TENE fopunus 9189 sopusside wieyzey sou anb sojesi9s9 so wie19 "BO .LT6r ‘wo nossed os onb Q,, eatwuniiod ou pf ‘sour pT no Ef setiode wt ‘opuead “|eme opunw 0 eso eawssozauy aut anb O “opessiga® wzs 9 Soper nt oIOuIeD EpLANp wos onb O “O€-SZ6T soUE sou soussqen snow oye ap fofoRE Ney (gpa7j09 ban 09 vsoouvsf vifosSopsossty » zaf ‘sajeuuy sop satopopun sop njonbup stodop ‘onb sasaatio4f souop -P101sHY ap jouoradaox9 ovSvi98 pum 9p wspA ELpwoW 9 apuodUponrD 9 MA 10398 eyuNpeID up EWaqoasap y os out anb 105 now qu o1sp39u subav vss9 naan somos © owog ‘voupsodu soyuos 0 ‘omnags a1sop stodap oanod opraseu opus 0€61 sour sou ELT Omura, bie -auuoo op ypamuedasut 9 o1asoid op awtadix9 orsttoaidiuos © anb 9 omy @ eymes3 9 eounu peaouss apepssoysnD vss 901 OP noe 9p 0 cnpos sonbyenb w outoa tag ‘easnge oF mnbso sonbyenb ‘sing02ry 9p seago ‘euin woo seit sepuo9. no oreqap anb syeer ‘oqwexsu0y ‘awtoutsjuesssout opefopeip wor 1 equoyed seusoy e yuouwyeas apnfe anb oxdez12001 ‘2H 9p asontaxed OFuo] oUt “opyIMbpE ossoay fowos ~ sey argos ogxoyer © ‘130091 0 opuesnoas 9 “apupsxo| pISIW| ep sorvadse So Sopo} ap vHO9 sup Op\ foouprsiy| oujeqen 0 sepung ap ovordnooaid w SOISOUNCORY SOAVSSVG 227 274 Passapos ascomrostos pensaram que eu me havia intoressado pelo problema catalo por ser eatalio ~ de fato, nasei em Frontignan, no Héraull, Braudel ~ ¢ isto me lisonjeava = me comparava a Lucien Febvre e sua paixio pela Franche-Comté, ou a Henri Pirenne e seu interesse pela Bélgica, Comigo deu-se © contrtio: foi or nio ser catalio que fui impressionado pelo catalanismo, Eu fora Catalunha para propor um problema quase puramente econdmico, e perce- nal bera que isso me levava a propor um problema na Com efeito, a primeica coisa que as pessoas me diziam, fossem elas dda classe alta ou camponeses ou operiios, era: nds somos catalies. Iss nar sobre um problema que, ‘me impressionou, e eu comecei a me ques iemente, nio era geogrifico. Era econdmico? Até certo ponto. Ao ira catala, cu tinha visto e entfevistado pessoas que liga vam o fato industrial ao fato eatalo: porque nés somes 0s \inicos indus- triais da Espanha, diziam eles, a Espanha nos olha de certa maneira, nés olhamos 2 Espanhs de outra maneira. Mas entio, esse fenéimeno eatalio, desde quando existe? Desile 1910, com a publicagio de um‘liveo funda- mental, La Nacionalitat catalana, de Prat de la Riba? Desde 1906, data o primeiro congresso da lingua catali ~ era minha data de nascimento, Por conseguinte isso me divertia? Ou entio desde 1892, com as Bases de Manresa, isto é, a primeira formulagio politica do eatalanismo? Foi assim, remontando cada vez mais longe no passado, que, finalmente, me tornei historiador, e pratiquei o que sempre cliamo, em duas palaveas, de histéria retrospectiva, Isso me permitia voliar auras, eontanto gue nunea esqueces- ficas de um fa nicas do outro; como quesides de lingua, de se as condigées materiai era possivel entio colocar outras questi colonizagio etc. A partir de certo momento, Nesse sentido, as Annales tinham inaugueado muita co! par-se a0 mesmo tempo das condigies materials, geogrdficas e técnicas vi mais que uma éniea das coisas, observar em que medida essas condigbes intervém na or nizagio social e, a partir da or politicos, fendmenos de poder, fendmenos de nacionalidade... com a con: mnizacio social, ver surgirem fendmenos dicdo, bem-entendido, d € um pouco ambieioso querer fazer da histérin uma ciéneia universal, mas foi assim mesmo. que eu a concebi inicialmente, Uma vez que, partindo de interrogagées geogréficas, © senhor encontrou a historia, quais foram seus guias nesse caminko inesperado? Gostaria de esclarecer, Quando eu esta qiientava muito os historiadores. No tempo da preparagio da agrégation, c 86 tratar disso tudo em conjunto, Bem sei que ‘ole normale, f4e~ i Testemunho 275 tinhamos formado 0 qué’se chamava entio um “soviet; éramos quatro, Henri-Irénée Marrow, Alphonse Dupront, Joan Bruhat © ex mesmo, per sonalidades e interesses muito diferentes: Brubat, comunista militante © especialista do movimento operirio, Dupront, ura dos construtores de uma histéria do sagrado coletivo, Marrou, catélica, historiador talentoso de santo Agostinho e da Antiguidade tardia. Tinhamos organizado isso de ‘maneira inabitual. Cada um de nés devia expor, nfo @ questo que co- nhecia melhor, mas a que dominava menos, cabendo aos que a eonheciam bbem corrigir, adaptar a exposicdo. Assim, me acontecou trabalhar, durante tus ou quatro semanas, na questdo do Sacerdicio e do Império, sob 0 olhar vigilante de Henti-Irénée Marrou e de Alphonse Dupront, 0 que constitui uma lembranga francamente original... Portanto, a hist6ria nao me era totalmente estranha, Uma vez em Barcelona, descot falar de modo muito vago de questdes econdmicas. A Catalunha poss uma indistria no século XVIIL. Esta era documentada por arquivos ex- tremamente precisos, como livros de contas que registravam escrupulo- pidamente a necessidade de niio samente, por exemplo, 0s saléiios. Foi nesse montento que descobri Ernest Labrousse', depois Francois Simiand (por intermédio de Labrousse)%, Earl J. Hamilton, que trabalhava na questio dos pregos na Espanha desde © séeulo XVI, © mesmo antes. Encontravasme entio diante de outra a de favor a ecintction intervie na hist6ris, 0 que necessidade imprevista também me pareceu essencial. Lembro-me de ter discutido sobze tudo isso com wm homem que desempenhou um papel politico na Espanha, Carlos Pi Sunyer, que foi sucessivamente secretdrio da federacdo t€xtil, depois, com a Repiblica, prefeito de Barcelona, deputado, enfim ministro, um dos grandes perso- nagens durante a Guera Civil. Por interesse, ele escrevera livros de hist6ria econdmica, sem dhivida fragmenticios, porém excelentes. Quan- do, muito mais tarde, o reencontrei, em Carats, confidenciou-me que meu livro the revelara a possibilidade de falar de economia em relagio aos séculos passados, de ligar a economia & geografia, como as relagbes, contre a terra e as instalagbes humanas, as questées hidriulicas, sobretudo de tomar essas questdes como um todo. Foram esse desvio pela economia © minha posigio de estrangeiro que me levaram a colocar os problemas de maneira diferente daquela como os catalies tinham o habito de trat los. Um catakio, que mais tarde foi ministro da Saide na Espanha, gostava, de fazer alusio a primeira aula minha que ouvira na Ecole des hautes ~suoo b|-21 ureiopod anb ‘seis}wiotio39 so o seistan{ so :opymnsuoo EY ‘ounu ‘Krung ‘A Jod o1gdusy opunSog ou epesn vjooso ‘sapmyp sommoy sop anbywad 2023 vp ovSas JA Vy “Ont 0 10} sopmp somoy sap moog v yenb op ouopuege umn sode ‘nuge 98 o1eqap 0 onb ~ eotioquuis wrep mun ~ g96T -oodse win eavwoy opssnosip y ‘Sorouinsut so 0 sopepjnoutp sewinje extsquosus stvasa0 sop opSejnouio © onb arduos ‘sourxosd ounut tesa seu0%se20 eipod vj9 anb seyjonos se ‘o1ueHUO TAX 01n998 ou eusow v ojourerexo 298 eypod ox -9uo29} sata, © ‘ossnoxge titg “reqop ostopeps9a tun ogy 0 ‘eaoodsiod 3p 0 olginqea0R 9p opisonb en er9 :opsOatsop wo WHEALIsS OL Sofa omjgosay-ezosa0u-o1of9 ogSejnonse © exod sewuare osjooid io “eSuedy vu IIAX ©1n99s ofed eatssosoiut 9s anb ‘ossnosger] ered ‘suspio 2p ope} Yotusnoyy exed foompuunt o1yy wa opm op some 3 uniG0s 0 ‘soSque sopouied sop vistyeasipow ‘orpncy.) oq m1eq “oqURSsOr sep 2100 op nop owHBaH O sIUYFOP we {qonbe ows soossnasip seumnSye w s19J0r as extonb JoyUDS 0 zonteL, “oySipexjuos wo eavyso oyu ‘oued @ vAeiso 1s, Sep wowoy wn eo opu wpquiey juordng seu §,,,woSensuy 9 9p stodop “05H ‘onb “wosdng "ye our -ongoy “wenrd lure syour opowr ap sesued tureavsnoord onb sozopevoysty vyavy ofdwos ‘oprpusjus wag -seuraiqord ‘S0880 JH MOSIP 14 0 voUunt ‘Sossa1Suoo sou ‘s ayred eavoly seUH “eATs0qeIOI 2f9 “eptagp twos 1,s2/DImy sep ejoaso,, ¢ juauuTea! vrouDtod opt ‘soss9%9 -uoo sassou joded opuesS win eatwuosoidos ‘oyspniuoo op ‘nb “ossnouqery] “syouoyoeuroyur sossasSu0o sopucs3 sop wreacdionsed wounu ‘jopnesg, stodap ‘osaqad “oreqop o1) oprany 123 soared our opt ‘ossip sesody. ‘wn oprunar eyun no _,OUsHTepND},, 0 21908 LAT oyumwarsey, i 09 1) Sossa “ESSMd wIoeWO|dIP vjod wpesduoo opis sesnto se no soupisiUIUN sop opssooNS ® wo BLDisy Y Wonb eied sojonbe s0por epuie eaey sepy “ojunfueD nas wo soUDLUgUS} SO eaeieouD onb EHOISIY ‘9p 01949 0 oonod wos ou 210089, annoy stew! ‘uedeuog op eipenbso up oxdinnsap up ojduroxe o eater 91g gS9Aspt9A 0p sojod osod opss wy 9p gu anb o ‘anb oss} sod 3 \dxo ‘ougsiuos ov Joperioisiy o sew ‘sosour souxoad taessed os tea onb 0 s9qs sowtopod ‘ovu onb apron aonb 01939 ng “Jenye oWwawow ou tonyjod eu ouo> ‘sesi09 sep apeps radu! © sinj)so4 wo aIs}st09 ‘wory eizip ‘euorsty © {,¢61 Wo sewIIJUOD OFA UOIY puoWAEY op so1ny $0 9 svanpuioydip soot nSutu onbsod ‘soqous}ag ap eHoIsty up vy293 ozagey onb wap oye) wn ' o1uouwe}o1 oFD0sse SU OBN “epesttoauD opt 89 opepotsdosd wn 9p *yELT 9 OZLT 981U9 ‘SEIKO se OpUEpMsD vaEISO No “RIC, “St sogSeuntye sod no ‘eyuedsq ep osseooid ojad ‘oudeu v a1gos sas anbsod seroupisyuoa sey © wicNs}sse sogfeye> suonof Somnus tsapnip SOUSOWNCOYSOAVSEVE 942 | 1 as citncias humanasesociais cereando-se de etn6logos,psicdtogos, ingtis- tas ete Assim, os historiadores no ignoreriamessascidncas, que Ihes so necesséris,eestas, por sua vez, adquirriam um pouco de esptitohistrico, Desse projeto intelectual nasceu, em 1947, a VI segio. A concepgio de Febvre se manteve, penso eu, durante uns bons vinte anos. Entre nela em 1951 ~ dois anos ap6s ter sido expulso da Espanta ~, 20 mesmo tempo que Jean Meuvrct © Charles Bettlhei, e, por iniciativa de Lucien Febvre, Femand Braudel, Emest Labrousse e Georges Lefebvre. Eramos eno vinte 1 trnta, etihamos a impressio de estar crando algo. Mas a partir de certo ‘moment, as egncias humanas ¢sociis vizinhas ganharam tanta importin- cia Gue, finalmente ~ sobretudo a partir da presidéncia de um aio-histo- riador, Mare Augé, um grande etndlogo, para quem a histéria é provavel- mente @ menos segura, a menos cientifica das ciéncis socinis.-, a Ecole se tomou uma espécie de encilopédia das ciénciassociais em sua total dade, onde a histriando teve mais pape de diego, nem como ensinada nem como ensinante. Iss, 6 claro, no esta desprovido de sentido: signifiea que, na evolugio das vnciassocias, e mesmo em geal, a histéra nfo tem absolutamente mais o sentido de dirtriz, ou de sintese, que, por exemplo, Lucien Febvre quisra the dar. Talver os grandes debates se desenvolvessem nos congressos his. ‘ricos internacionais, onde se enfrentavam sistemas ou escolas? Nos eongressos, eu nunca percebi realmente escola, nem mesmo escolas nacionais, Nosso método consista sobretudo em propor grandes ‘questées. Eu acompanhei, em geral, os grandes debates sobre as nacio= nalidades. As longas apresentagdes dos congressos so muito instrutivas, mesmo para os estudantes, porque nelas as pessoas explicavam 0 que tinkam procurado, 0 que quseram fazer, examinavam as objegées que tinham sido feta... Alm disso, a eada cinco ou dez anos, esses congres- 0s ofzreciam atualizagées neste ou naquele dominio. Mais que uma comuzida¢e interuacional de historiadors, existiam reagrupamentos por especialidades, freqientemente em torno de grandes especialistas, que todos nés admirévamos. E esrto que o papel representado por um Hamil- ton no dominio da hist6ria dos pregos ou da histéria da Espanha foi considerével. Os lagos que podiamos manterficavam ratito individuas. E af que aparece a situagio muito paradoxal do historiador. certamente um trabalhadorsolitério, Mas no é mais solitio na medida fem que so inteessa por uma questio: um cerlo mimero de pessoas se Feagrupam entio, em forno dessa questio, em torno daqucle que traz eerta | } i { ! i ‘Testemunho 279 Iuz... No 6 uma escola que se forma entdo — eu nio gosto dest: palavra, como no gosto do termo “escola das Annales”. Muito simplesmente, 0s histoiadores se cncontram entre si segundo as necessidades que cles préprios sentem. 1 faz quince ou vnte anos que ou nio freqiento mais assiduamente a comunidade dos historiadores. Antes, meu grupo de tra- batho foi 20 mesmo tempo a Ecole des hautes études, de Lucien Febvre, 6 a escola que chamarei, por exemplo, “Estrutura/conjuntura”, em torno de E. Labrousse. Naqusle momento, éramos suficentemente compactos «© produtivos para que todo mundo pudesse compreender de que se tratava, Desde entfo, tornou-se extiemamente fragmentado. O senhor pensa que pessoas como Febvre, de um lado, eLabrousse, do outro, nos anos 50-60, propuseram um modelo de trabalho que do- rminou além de nossas fronteras ajudaram a wnficar o trabalho his- torico, em escala internacional? [isso estou intcirament de acordo. Exprimicei apenas uma reser- va: Febvre ou Labrousse no devem ser vistos simplesmente como homens que exereiam uma dominagSo sobre estruturas, digamos, mate- ou universtéias. Insistirei noutra coisa: as pessoas se agrupavam em toro dees, nfo porgue eles estivesscin na mds, mes porque ~ permita-me um pastiche de De Gaulle ~ nés tinhomos uma cert idéia da hist6ria. Era isso que, apesar das diferengas considerdvels que podiam existir ene pessoas como J. Meuvret,P. Goubert ou eu proprio, fziaasolidez de nosso grupo, aque consttufa uma verdadeiracomunidade de trabalho, unida pela mesma concepeio da histéria 0 historindor e 0 aconteciménto 0 senhor desconfia dos “acontecimentos”. No entanto, um certo nimero de acontecimentos importantes néo imprimiram uma marca profunda em sua vida de homem e de historiador? E evidente; & impossivel,sobretudo quando se é 0 sentir 0s “acontecimentos”, Coloco a palavra entre aspas porque, 6 Sbvio, ‘0s acontecimentos io de dimensio muito diferente, Ter vivido na Espanha ~ num pais que mio era 0 meu ¢ onde, por conseguints, eu podia observar os acontecimentos com ceria distincia ~ durante a RepSblic, ter vivido 2 preparagio da Guerra Civil -deinci a Espanha desde os primeiros dias do confit ~, tudo isso nio podia deixar-me Porque eu via chegar as outras grandes acontecimentos que levaram & istoriador, 280. Passabos neconnostos Guerra Mundial. Nio serfamos historiadores se nio formulissemos para 1nés mesmos as perguntas suscitadas precisamente pelos grandes “acon. tecimentos”, os que abalam as condigdes gersis de uma nagio, de um continente ou do mundo. 0 cativeiro também me tornou muito sensivel aos acontecimentos; foi um periodo durante © qual vivemos os acontccimentos dia a dia. Eu estava em Nuremberg; gozdvamos Is de uma espécie de quase-liberalis- os Alemies se julgavam dofinitivamente vitoriosos. Tinham reunido 10.000 oficisis de todas as nagées. Quando a guerra comecou no Leste, fomos transferidos, porque comegavam a chegar prisionciros. Prisioneiros: isto significa, neste caso, mulheres, criangas, velhos que: ‘orriam em torno de nés. Fomos entéo instalados na Poténia, nfo muito longe de Dantzig; depois, bruscamente, por acaso, eu fui transferido para 0 Tirol. Mais tarde, quando a guerra atingu a tia, e a frente de batalha subju novamente para 0 norte, fomos deslocados do Tirol até 0 meio da Austria; enfim, quando a Hungria comegou a ser invadida, fomos envia- dos para Hannover. Devo dizer que, se jamais seguimos os acontecimen- 40s, foi certamente nesse momento, porque deles dependia nosso destino. F. Braudel declorou que, durante sew cativero, sua concepcio da “Tonga durasio” o ajuou, entra as dificuldades do presente, a conservar 4 esperanca no futuro: os acontecimentos eran apenas a superficie enga- rosa de uma historia que devia tevar & derrota de Hitler ‘Também estou de acordo. A histéria io pode se desenvolver sem a estabilidade a muito longo prazo de um cero ninero de fatores. Somente, “longa duragio” 6 uma ralidade varivel, eo resultado depende do tempo due as pessoas Ihe concedem. Na escala humana, isto 6, para si mesmo, 56 se pode, obviament, contar com os acontecimentos. $e, 30 contri, se procura considerar 0 destino da humanidade, é coisa bem diferent. De fato, 0 eativeiro me permit desenvolver minha reflexdo sobre 4 histéria eequanto discfplina, De duas mancirs. Uma, confrontando-me om a histria tal como ela era vista por meus companeitos de cativeiro, «ue representavam uma boa parte da sociedade francesa, dos professores Primérios até os grandes aristocrats, ou 208 maiores finanestas ~ pode- se dizer as classes dirigontos? -, com exclusio das classes popslares, visto due se tratava de um campo de oficiais. Outra, ensinando a meus compa- nheiros. Com efeito, cadsi um procurava ensinar aquilo em que se sentia mais slido, Tive, por excmplo, uma aula de Georges Vedel sobre o dicito internacional O ativeizo me mosttou assim aquilo porque se incressavam Testemunho 281 ‘meus companheiros: quando cu Ihes falava da Espanha, alguns se Ynte- ressavam pelo aspecto pitoresco; ours perguntavam: “Afinal, o que se ppassou na Espanha enquanto voeé Is esiava?"; outros enfim gostavam de pensar que a Espanha tinha sido um grande pals catélico, ou um grande pafs de colonizagio. Em lugar de ter como interlocutores estudantes — espirtes jovens -, como quando estava no ensino secundério, ou especia- listas, como quando estava em ambientes de historiadores ou de geégrafos, cu descobria as curiosidades, os interesses de pessoas de todas as catego. ras, sso consttuiu uma verdadcira ligfo. Depois da Segunda Guerra Mundial, o que foi que marcou sua reflexdo de historiador? Evidentemente, tivemos a impressio de que © mundo se dividia ‘em dois: procuravam mostrat-nos face a face dois mundos que se des- truiriam reciprocamente, de um Iido © comunismo, de outro ~ nfo se dizia 0 eapitalismo, pois ninguém procurava pensar o fenémeno com ‘esse nome ~ 0 Ocidente, o fendmeso ocidenta!, a civitizagio ocidental... Confesso que isso me irrtava um pouco. f evidente que n6s viamos, esse momento, tudo que fora apesiado, antes da guerra, nessa divisie ‘entre um mundo comunista ¢ um mundo no comunista, todos os dramas ue isso pudera provocar, pois, até a declaragio de guerra de 1939, tudo fepousara, no espirito dos ditigentes ingleses e franceses, ¢ de certos dirigentes americanos, sobre a avaliago do que era, 4 ndo era, pro- veitoso para a Unido Soviética. De tanto colocar a questao nesses ter- mos, tinham acabado por nos ariastar num face a face com Hitler Mussolini, ¢ toda a Europa simpatizante do fascismo... Tendo vivido isso, eu me perguntava para que dramas — até 0 afrontamento atémico? ~ este mundo doravante dividido om dois nos arrastaria. A descolonizugio desempentioi wm papel inportante em sua reflexdo? ‘Sim © nao. Confesso que nio esperava por ela. Mas, a0 mesmo tempo, pareceu-me tio importante cuanto os fendmenos revolucionsrios. ‘Andei pensando nisso nests sltimos tempos, porque se tem falado muito na desintegragio do impétio sovidico. Se, nos anos 1925-1930, a n6s, alunos de Demangeon, especialista do império britinico, a nés, testemu- thas da Exposicdo colonial de Pars de 1931, tivessem dito: “Daqui a trinta anos, nfo havera mais nem império francés nem império briténico” teriamos todos dado uma gargalhads. E, no entanto, foi o qie se passou. AA descolonizagio foi para mim uma espécie de boa surpresa, mas tam- bbém, muito rapidamente, uma grande decepgio, Porque a colonizagio, © vpn soyuss 0 anb Ws i20 v mBvas ossmyny wo9 noSopoIp 1aoa1yy vd op29 oI na] 4oWUDS S02 raped wo — 01 puowsoyy woo nosogep wo9 aunosip ap ‘soyunzia svi no 0 wiDéDan anb sasoporiorsty sop wm ‘our ow pepyeion vp oySqure y idiosip so woo sagSvyo4 sspuow ap opyp 40198 © 9p 0510)89 win sozey 249 se onb ores 9 sfod ‘opeu mo nop vounu oss] “syuvujesey w10 ur] op opSou v ‘Sejougto seu seu reiford win wnwos ‘9p 9 eimai ap ‘sesaugI9 9p sa10s W]‘sogsnyf seumNS[e opep ueYUN SoU an ap opSou v tro seSuey opyaqosoy uy -sayoud ‘owuatwow opeurw optiogord eisoy no sear ‘eons woo ogtt oj9 onb sozep a4] vied sopzes som aquawpesmy 129 9p wpeu sourn}soqU09 Ogu anb op orxojard ssnos vqioxd yu9A OPW ZeAIOSOr 12 Yang “opepinses ens wsed AOHIOA wn vpLD orp 0s osst sopy “soyunf 31 sourvy “soo rus ON “Tom199901, ‘ioure nue w19 9} wiez0y sebuepntt ‘owod jer sutoqiog t seatost0g 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SVUILLNOWL om Os Caminhos da Polifonia Jean Bourier Arunowart Virwant Como 0 conjunto dos cientistas, os historiadores também estiio se tornando uma comunidade mundial, Mas estaréo, com isso, falando a ‘mesma lingua? Como conciliam a embigéo comum de explicar o devir das sociedades humanas ea especijicidade reivindicada, tanto das so- ciedades como das culturas? Na evolugio recente da pesquisa hist6rica percebem-se algumas ‘grandes tendéncias. Uma hist6ria ainda fortemente dominada pelo ponto de vista nacional, visando legitimar, ou mesmo exaltar o Estado-nacio, ccedeu amplamente lugar, pelo mundo afora, a uma hist6ria mais temética, dedicada as formagées ¢ as dinimicas sociais!. Em lugar de justapor térias fechadas em si proprias — empreendimento ainda recentemente dofendido por alguns historiadores alemSes ou amerieanos, em nome do american exceptionalism ou do Sonderweg (caminho espectfico) ale- ‘mio? =, 0s historiadores se esforgam cada vez mais em compara a partir de determinados objetos produzides por especializagées set diversidade das experiéncias hist6ricas, além das fronteiras pol culturais. Cada pais guarda, sem divida, questdes que Ihe sio espect ficas, incompardveis, embora essenciais para a apreensio de sua propria hist6ria, tais como a Guerra de Secessio ou a partlha da india em 1947. Mas essa especificidade nao € 0 tinico terreno no qual os historiadores evoluem. Existe mesmo um consenso no sentido de se considerar a exacerbagio do sentimento nacional, muito mareada em certos patses que conseguiram recentemente a independéncis, como prejudicial & pesquisa hist6rica, sem se recusar por isso a realidade dos limites na- cionais. Assim, F. Braudel,. procurando esclarecer seu propésito na introdugio a L’Identité de la France (A identidade da Franga], tenta combinar duas abordagens opostas, uma que recusa a “expropriagio”, 0 “aniquilamento” da hist6ria nacional, ¢ outra que considera o espaco nacional somente como um “sctor do destino do mundo”?. mnyo9} 98 SouOpELLOISI, aupuod sjeuo}seu sooSipen sy svonpid se 9 Su2gao1 1109 soxopetoisty so onb wa wine syed os1x0 OBN, qeguntay oBue[eq wn 39205 © at (6261) 20208 19 somoy Kivi quonog ¥ (6061) foun & b ‘seis ap ogSu108 vac yayos no ‘oSpysaog pro, ‘bsad ap sgnans0U 0} 109 wsouiey ¥ owt0d sod epiStarp ‘so5aud soy pio sup syeuoroe -royuy sossaifuoo sosjatutid s0 ons :steuorommsut stew wews04 as s995e]94 dep soe Ef “SOKT WO YDOIE "W werd! “5 9p nyunwary vu souguessd se epurur eon 2H ‘op no “G28T-LE8E wa sogouig of ses ‘opepyfou outi09 ‘soatyyondsa semesord op opssyusumn © esed 8 109 SOP ap ogSejeisuy x ‘saxopesinbsad ap sorquigasoqur so ‘soinbo| {nu v owod ‘Jaded wa woyuedwosop wipquier ‘ootp ydso syour ‘souatuguay SosING -oUfeqEN nos to ojUDTUDILOpIA? ‘opSro}unos 2p SojatH SoxoU ap OWwaLUID2IUdE o ‘SONp}AEpUE SOP soup indwonoo sapepa!o0s sessow oP sep emioge uojsuen sopuel8 se 9s-seung wapod opt soz0pr id ,ovSezquowrey,, esso ‘ayed ura “reo4idxo [OEP ont 9 CEN, sqour opsusssdiios wun znposd 9 9 se]eoso sung no svansodsiod sens 30% fog summon i © seu epus fur ued S004 In9 sosedso ap ontop seperoqe|a seaneyosdsoqur 9 sean sossaooud tiosg 99 On9WOsOI9 0 ‘oxSeZAWOPOLN mit SeJooye9 wsn294 ‘sHe190s sazo}e sop sogSeyuasauda! se 100 B89 “S01 9p somuowiesy jojo}oos B 9 e1Bo] 919 seINO Sep SopUtA soporpiu 9 ‘4 snerf wo ‘oxSope w, ‘09-0¢ soue sop rouscoap sooSeunoy sep ‘oujowd "un opfoousoy HILO OWOD “Sept LL a “9p souai so owioa fofoau syesnypno S005 ‘ods ou sowuowte0} p oeds9 wn ‘oquouHeatssoxoxd : nptioa ap o1Asop ap 9 apepiqeu "PE99} eloiso wis} v onb wos ‘Hmuoosatoe as Lue 2, AUES Sonottaows so 9 sodns8 50 ‘sopepatics sep opSezuapour opSeziueqan 19W099 OluowHafoAUDSeP O ‘SooypITOWp sou AM © 9puo sosjed so sores ops ayruupente Snbiod wise ® ‘Sor0peL1sHy op opeprunuod ewan ‘SeifoIH0%) sep ype tied ‘sfoy wes9p5 x sae espe sunu09 assoroHH ap sOnHe9 2 seoNFtoGouM ‘seporgts "19801 ‘ajuousoosdto01 opt evSo1s03sn senp arto ‘onto sop “40 “eperodsouy seyun os odutoy onnut aqueanp aonb ors wn sod ajuowaqua294 epealas Dog Heron uattonvoo eva ys85uenu op oxsonb wun seuads 9 Panag or, Rou ner pay eysEANTY BH ig Tne 2 i PI 180s eysoisiy v ous eSuasopip w ‘souL aIUIA PHL, SOLSOINCO SOOVSS¥G ZOE 304 Passabos Récomrasros indiferentes as diversas cigncias sociais © aos outros modelos hist Etificos, até as discusses dos anos 70 que, com a criagio de novas revistas como Quaderni storici ox Societé € Storia, levam a novas propostas ‘metodolégicas ¢ a0 abandono do paradigma historicista’. Até 0 debate suscitado pela publicacio, em 1961, da obra de Fritz Fischer sobre 0 imperialismo alemgo e seu papel no desencadeamento da Primeira Guerra ‘mundial, 2 historiografia alema, que, no entanto, fora muito inovadora darante 0 século XIX, foi dominada por uma tradigho conservadora, a da escola prusiiana de Droysen ou de Treitschke, que valorizava o papel do Estado, a histria politica, institucional e diplomética, ao mesmo tempo em que minimizava a responsabilidade alema nos grandes dramas do século XX’. Insularidade ainda mais surpreendente porgue, no mesmo momento, ‘em numerosos paises, « histéria vinha se integrando cada vez mais nitida- mente no mundo das cincias sociais. : Finalmente, os grandes debates atuais passam dificilmente de um pais para outro. Nascida nos Estados Unidos no infcio dos anos 80, a “virada linghistica” que, sob o impacto da andlise textual, do movimento feminista ¢ dos trabalhos, entre outros, de J. Derrida, levou a uma eritica 4a hist6ria social e propos uma “nova histéria cultural”, mal est come- gando a encontrar um cco na Gri-Brotanks, © permanece ainda muito marginal na Franga'. A micro-histéria italiana, uma das inovasSes metodolégicas importantes dos anos recentes, no conhece na Franca mais que um sucesso limitado, enquanto inspira trabalhos nos Estados Unidos ou na Alemanha. O sucesso da nogio de “lugar de meméria” entre istoriadores franceses nio foi suficiente para sensiblizé-los, por ‘exemplo, para 0 debate paralelo suscitado na fndia em tomo do caso da mesquita de Ayodhya, construfda no século XVI, num lugar que a tradigio hinduista considera como 0 do nascimento do deus Rama; 0 caso, que ctistaliza os conflitos entre hindus © mugulmanos, obriga, no entanto, a reconsiderar, além do contexto indiano, questées importantes como as formas da prova histérica, a construgio da tradigio e da meméria coletiva ou a formagéo da cultura popular’. Assim, mesmo a vanguarda dos his- ‘oriadores permanece um grupo fortemente segmentado. A hist6ria “vista de baixo” Um dos paradigmas mais fecundos de nosso séulo é, sem contes- tagio, a hist6ria “vista de baixo"; esta inversio de perspectiva, que instala, no centro das preocupagées dos historiadores, nio mais as elites, que Frontciras 305 governam ¢ agem, ¢ sim a massa dos anénimos, deu lugar a formulagées muito diferentes, nas intengSes, nas argumentacSes ou nos objetos, inclu- sive as famosas “Perguntas de um trabalhador lendo” de Brecht. Se os livros de E. P. Thompson sobre a classe operiria inglesa, ou os de M, Bakhtin sobre a cultura popular, tém slimentado a reflexio, tornando-se foferéncias fundadoras", a auséncia de programa cu de manifesto funda- dor favoreceu, de fato, uma aproprisgio multiforme, adaptada a diversi- dade dos contoxtos ideol6gicos ¢ eulturais. A expressio de histéria “vista de baixo” surge nos anos 50, em historiadores da Revolugio Francesa ou do movimento operirio, tis como G. Rudé, A. Sobdul, E. Hobsbawm, R. Cobb ou E. P. Thompson; ela remete, todavia, a uma pritica historiografica que remonta 20 comego do séeulo, com a Histoire socialiste de la Révolution Frangaise (Historia socialista da Revolugio Francesa] de J. Jaurts, e que se desenvolveu através dos trabalhos de A. Mathicz sobre a “vida eara” durante o Testor, ¢ mais ainda de G. Lefebvre sobre os campoueses ¢ os medos coletivos"!. Nio se ffata de um movimento unificado: Inglaterra, ela nasce em torno de uma histéria operdria (labour history), fortemente inspirada no marxismo; nos Estados Unidos, ela deve mais a uma sociologia nio marxista ou a0 populismo da new lef; na Franga, ea se situa no prolongamento de uma hist6ria s6cio-econémica originada tanto das ligbes de E. Labrousse como da corrente das Annales. A partir daf, a histria “vista de baixo” se aplica a objetos diversos: retoma os trabalhcs dos foleloristas para produzir uma hist6ria das “culturas populares”; enrquecida pelas contribuigdes dos an- trop6logos, dedica-se & vida material, & rligito e & magia & sociabilidade © lis festas, © acaba se imiscuindo num grande nimero de pesquisas. Ela volta, entretanto, a suas aplicagées originais, quando historiadores dos antigos paises colonizados se esforgam em continuar a descolonizagio no terreno intelectual, deseavolvendo uma histéria que thes seja prOpria, Seu encanto reside, pois. em sua capreidade de responder a problemas levan- tados em contextos nacionais muito diferentes. No fim dos anos 60, no Japio, aparece uma série de trabalhos sobre 1 vida social no campo; scus autores, ertieos 20 mesmo tempo do pasado imperial, da modernizagio, da burocracia ¢ das categorias historiograficas ocidentais, pretendem promover uma histéria etnogrifica do povo (minshushi), em que 0s camponeses sotiam a expressio da autenticidade japonesa antes da influéncia ocidental; a pesquisa, realizada localmente, quer ser uma “histria sem nome préprio", atenta 8s realidades da vida \ | 306 Passapos RECOMPOSTOS cotidiana'®. O mesmo interesse pelos grupos dominados anima os historia- ores indianos reunidos, no fim dos anos 70, em tomo dos Subaltern studies: mas seu projeto nao tem por objetivo reencontrar uma “alma in- diana”, desfigurada pola experiéncia colonial. Eles querem restituir as classes subalternas, tanto rurais como urbanas, um lugar como stores na intmica do movimento nacionalists, analisedo até entio segundo dois ppontos de. vista, um politico — limitado aos partidos constituidos, a seus chefes o a suas negociagSes com o poder colonial -, 0 outro econdmico, de origem marxista. Para ele, “clitisma” e “economismo” sio duas abor- dagens insatisfaérias, ¢ o que & pior, “produto ideol6gico da dominagio britdnica na india”"*. O estudo local ou regional dos breves momentos de apatigfo dos dominados enquanto individuos, de sua ligagéo com o direito ocidental ou a medicina, de suas relag6es com a burocracia oy A policia, desemboca numa andlise das mutag6es complexas de uma sociedade sob wana sions souvaziaun sa.0pon0isiy sO -MSNONE Antony, covSesamisoq 9p oosr wn ‘wuEIOWY voyRUDID apepluNWoD y sioa oe uOIsH (9%9 40d gy 018 muapond) *oayest od “2 3 Bngzuip 5, wee annodsiod se wHIeqnG, ‘SECA gy “Ix “wyes8ors01s apap IV mos wo sSunyy“soppnes ‘2 Jo S200 WOE UO, “E4ND “A yy soisusnoom soavssvg O1f = 312 Passanos recomPosros A medida de um crescimento Durante toda a primeira metade do século XX, 0 corpo dos historiadores nos Estados Unidos aumenta bem devagar. O nimero de membros da American Historical Association (AHA), na época_a m importante sociedade profissional do pais, passa de 2.700 em 1909 para 3.500 em 1939, para 3.800 no fim da Segunda Guerra Mundial?, A Profissdo ¢aiimentada por uma reserva de jovens com diploma de Ph. D. (Goutorado, que varia entre 100 © 200 por ano, até o inicio dos anos $0”, Nesse mundo estivel ¢ relativamente pouco dinimico, o paradigms donsinante permaneceo dahistéria politica e diplomatic, & bem verdade que alguns jovens revolucionsros dos anos 20 e 30, influenciados por idsias vindas da Europa, preconizam uma New History, rclatvista, wm tanto esquerisa,inspizada nas cifncias econdmicas, Mas na época da Segunds Guerra Mundial exo eomego da Guera Pra, este poqueno grupo, Sempre minortiri, desaparece quase por completo diane'do triunfo de uma “histtia de consenso” do tempo de Eisechower. ‘Tudo mudou radcalmente, no entanto,nas dvs Uécadas que seguem © acesso de John Kennedy & presidénca, A chegada as ests superiores ds enorme geragio do pés-guera, a expansio econdmica americana semn precedents, o impacto da cottids espacial sobre o sistema académico~ de infeio sobre as cigncas nturais, mas também, finalmente, sobre as outros foculdades -, todae esses mudanges produzciy um desenvolvimento extraordindro das universidades americanas. Em vinte ¢ eineo anos, © riimero de estudantes de todos os niveis nos cclos superires passa de $ 8.12 milhaes, ¢ © ndimero de insiuigées universtras atinge mais de 2.700%. No mesmo periouo, 0 corpo de historiadores parece aumentar em rogressio geomérica. Contam. 5.700 membros da AHA er 1950, 9.400 em 1960, 18.500 em 1970, Para satisfazer & demands, as usinas de doutorados trabalham em tempo integral, tanto que © nimero anual de fovos Ph, D. em histéra se quintplica no espago devin anos: de 200 300 por ano nos anos 50, 560 em 1965, 1.075 em 1970, 1360 em 1973. Infetizmente para os joven, «eriagao de novos cargos pra por volta de 1975, ¢ se manifesta uma crise de superpovoamento académico em que centenas de historiadores, homens e mulheres, ficam desempiegados. Apesar disso, no fim dos anos 80, a produgio de doutorados se estabiliza num nivel ‘mais ou merios constante de 600 a 700 por ano, cifta ts vezes mais clevada que em meados do século. Fronteizas 3:3 Deixando de ladé o problema das admissdes o das promogées depois de 1975, essa verdadeira explasio demografica de historiadores, essa trans formacio dramética na escala da profisso — ena pirdmide das idades de sous membros — exeree sem dGvida uma influéncia sobre a mancira como se ‘concebe © como se pratica a histéris. Em primeiro lugar, o aumento éo ‘nimero de historiadores formadas se associa estreitamente a uma alta prod- sosa do nsimero de publicagdeshisticas. Essa alta, ali, cresce ainda mais pela concorréncia entre jovens candidatos, que lutam pelos empregos ¢ pe 2 titularidade num “mereado de compradores” e num sistema de “publicar cu pperecer”, que reina nas universidades americanas. Assim, a produgéo anust de livros de hist6ria foi multiplicada por dois e meio, entre meados dos ancs '50.¢ 0 fim dos anos 80: de menos de 2.000 até cerea de 7.000 obras por are, por exemplo, sobre a histria dos Estados Unidos ¢ dos paises da América’ Com a explosio de novas revistas (como veremos a seguir), a produgio de antigos se desenvolveu, provavelmente, ainda mais depressa. De resto, cs

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