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DOMENICO LOSURDO Stalin Histéria critica de uma lenda negra Com um ensaio de Luciano Canfora Tradugdo: Jaime A. Clasen & Editora Revan Copyright © 2010 by Domenico Losurdo Edig&o original: Storia e critica di uma Jeggenda nera — Carocci Editore S.p.A. 2008 Todos os direitos reservados no Brasil pela Editora Revan Ltda. Nenbuma parte desta publi- cago poderd ser reproduzida, seja por meios mecfnicos, eletrdnicos ou via cépia xerogréfica, sem a autorizagao prévia da Editora. Tradugdo Jaime A. Clasen Revisdo da tradugdo Giovanni Semeraro Revisdo Roberto Teixeira Capa Conforme desenho da edigo original de Carocci editore. Impresstio e acabamento (Em papel off-set 75g ap6s paginagao eletrénica em tipo Times New Roman, 11/13) Divisio Gréfica da Editora Revan, CIP-BRASIL - Catalogagao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros - RJ 189s Losurdo, Domenico, 1941- Stalin: hist6ria crftica de uma lenda negra / Domenico Losurdo; com um ensaio de Luciano Canfora; tradugao de Jaime A. Clasen. - Rio de Janeiro - Revan, 2010. 2° edigao, margo de 2011. 384p. ‘Tradugao de: Stalin: storia e critica di una leggenda nera Inclui bibliografia e indice ISBN 978-85-7106-411-9 1. Stalin, Joseph, 1879-1953. 2. Chefes de Estado - Chefes de Estado - Unido Soviética - Biografia. 3. Unitio Soviética - Histéria - 1925-1953. L Titulo. 10-5411. CDD: 947.084 CDU: 94(47457) 20.10.10 05.11.10 022398 Sumario Prefacio: A virada na histéria da imagem de Stalin 9 Da Guerra Fria ao Relatério Kruschiov 9 Para uma comparatistica em todo campo 15 1. Como precipitar um deus no inferno: 0 Relatério Kruschiov 19 Um “enorme, sombrio, caprichoso, degenerado mostro humano” 19 A grande guerra patridtica e as “invengdes” de Kruschiov 22 Uma série de campanhas de desinformagiio e Operagao Barbarossa 24 O rapido delineamento do fracasso da guerra-relampago 28 A falta de “bom-senso” e “as deportagées em massa de populagdes inteiras” 35 O culto da personalidade na Rissia de Kerenski a Stalin 41 2, Os bolcheviques: do conflito ideolégico a guerra civil 47 A Revolugio Russa ¢ a dialética de Saturno 47 O Ministério do Exterior “fecha as portas” 49 O fim da “economia do dinheiro” ¢ da “moral mercantil” 55 “Nao fazer mais distingio entre teu e meu”: o desaparecimento da familia 63, A condenagio da “politica dos chefes” ou a “transformagio do poder em amor” 65 O assassinato de Kirov: complé do poder ou terrorismo? 70 Terrorismo, golpe de Estado e guerra civil 75 Conspiracao, infiltragio no aparelho estatal ¢ “linguagem esépica” 78 Infiltrago, desinformagio e apelos & insurreigio 83 Guerra civil e manobras internacionais 86 Entre “derrubada bonapartista”, “golpe de Estado” ¢ desinformagao: 0 caso Tukhatchevski 91 Trés guerras civis 95 3. Entre século XX e longa duracio, entre histéria do marxismo e histé- ria da Russia: as origens do “stalinismo” 99 Uma catéstrofe anunciada 99 © Estado russo salvo pelos que apoiavam a “extingo do Estado” 104 Stalin ¢ a conclusio do segundo perfodo das desordens 107 Utopia exaltada e prolongamento do estado de excegio 109 Do universalismo abstrato & acusagao de traigio 114 A dialética da revolucao ¢ a génese do universilismo abstrato 117 Universalidade abstrata e terror na Riissia soviética 121 O que significa governar: um atormentado processo de aprendizagem 125 4.0 andamento complexo e contraditério da era de Stalin 131 Do relangamento da “democracia sovittica” & “noite de Sao Bartolomeu 131 Do “democratismo socialista” ao Grande Terror 139° Do “socialismo sem ditadura do proletariado” ao atarraxamento da Guerra Fria 141 Burocratismo ou “fé fervorosa”? 144 Um universo concentracionério rico em contradigdes 151 Sibéria czarista, “Sibéria” da Inglaterra liberal ¢ Gulag soviético 159° O universo concentraciondrio na Russia soviética eno III Reich 161 Gulag, Konzentrationslager e terceiro ausente 166 * © despertar nacional na Europa oriental ¢ nas colénias: duas respostas contrérias 170 Totalitarismo ou ditadura desenvolvimentista? 174 5. Recalcamento da histéria e construgao da mitologia. Stalin e Hitler como monstros gémeos 181 Guerra Fria e reductio ad Hitlerum do novo inimigo 181 O culto negativo dos herdis 184 O teorema da afinidade eletiva entre Stalin e Hitler 187 O holocausto ucraniano como equivalente do holocausto judaico 198 A carestia terrorista na hist6ria do Ocidente liberal 205 Simetrias perfeitas e autoabsolvigGes: antissemitismo de Stalin? 209 Antissemitismo ¢ racismo colonial: a polémica Churchill-Stalin 214 Trotski e a acusagao de antissemitismo a Stalin 217 Stalin ¢ a condenagio do antissemitismo czarista enazista 220 Stalin e 0 apoio a fundaco e & consolidagio de Israel 225 A virada da Guerra Fria e a chantagem ao casal Rosenberg 230 Stalin, Israel ¢ a comunidade judaica da Europa oriental 233 A questiio do “cosmopolitismo” 237 Stalin na “corte” dos judeus, os judeus na “corte” de Stalin 242 De Trotski a Stalin, do monstro ‘semita’ ao monstro ‘antissemita’ 245 6. Psicopatologia, moral e historia na leitura da era de Stalin 247 Geopolitica, terror e ‘paranoia’ de Stalin 247 A ‘paranoia’ do Ocidente liberal 253 Tmoralismo ou indignagao moral 256 A reductio ad Hitlerum e as suas variantes 263 Conflitos trégicos e dilemas morais 269 A Katyn soviética ¢ a ‘Katyn’ estadunidense e sulcoreana 274 Inevitabilidade e complexidade do jufzo moral 277 Stalin, Pedro o Grande ¢ 0 “novo Lincoln” 278 7. A imagem de Stalin entre histéria e mitologia 285 As diversas fontes histéricas da atual imagem de Stalin 285 As vicissitudes alternadas da imagem de Stalin 287 Motivos contraditérios na demonizagio de Stalin 293 Luta politica emitologia entre Revolugdo Francesa e Revolugio de Outubro 296 8. Demonizagao e hagiografia na leitura do mundo contemporfneo 301 Do esquecimento do segundo perfodo de desordens na Riissia ao esquecimen- to do Século das humilhagées na China 301 O recalcamento da guerra e a produgao em série dos monstros gémeos de Hitler 307 Socialismo ¢ nazismo, arianos e angloceltas 311 A Nuremberg anticomunista ¢ a negago do principio do tu quoque 315 Demonizagio e hagiografia: o exemplo do “maior historiador modemno vivo” 321 Revolugdes abolicionistas e demonizago dos “brancéfagos” ¢ dos bérbaros 324 A histéria universal como “grotesca vicissitude de monstros” e como “terato- logia”? 327 De Stalin a Gorbatchov: como acaba um império — de Luciano Canfora 335 Bibliografia 351 Indice de nomes 373 Prefacio A virada na histéria da imagem de Stalin Da Guerra Fria ao Relatério Kruschiov Manifestagdes imponentes de pesar acompanharam o desaparecimento de Stalin. Enquanto ele agonizava, “milhdes de pessoas apinbaram-se no centro de Moscou para prestar a Ultima homenagem” ao lfder que morria. Em 5 de marco de 1953, “milhdes de cidadios choraram a sua perda como se fosse um luto pessoal”.! A mesma reagio verificou-se nos recantos mais remotos do imenso pats, por exemplo, numa “pequena aldeia” que, assim que fora informada do acontecido, caiu num luto espontaneo e undnime.” A “conster- nagao geral” difundiu-se muito além das fronteiras da URSS: “Nas ruas de Budapeste e de Praga, muitos choravam”.’ A milhares de quilémetros do campo socialista, também em Israel a re- agao de pesar foi geral: “Todos os membros do MAPAM, sem excluir nin- guém, choraram”, e tratava-se do partido ao qual tinham aderido “todos os primeiros lideres” e-“‘quase todos os combatentes”. A dor juntou-se o medo. “O sol se pés” - foi a manchete do jornal do movimento dos kibbutz, al Ha- mishmar. Tais sentimentos foram por algum tempo compartilhados por re- Presentantes de primeiro escalao do aparelho estatal e militar: “Noventa ofi- ciais daqueles que tinham participado da guerra de 1948, a grande Guerra de Independéncia dos judeus, uniram-se numa organizagio clandestina armada filo-soviética [senao filo-stalinista] e revoluciondria. Destes, onze se torna- ram depois generais ¢ um tornou-se ministro, e agora sio honrados como pais da pétria de Israel”.* No Ocidente, nao foram apenas os dirigentes e os militantes dos parti- dos comunistas ligados 4 Unitio Soviética que prestaram homenagem ao lider desaparecido. Um historiador (Isaac Deutscher), que era um fervoroso admirador de Trotski, escreveu um necroldgio rico de agradecimentos: a ; Medvedev (1977), p. 705; Zubkova (2003), legendas anexadas as fotos 19-20. 4 Thurston (1996), pp. Feito (1971), p. 31. * Nirenstein (1997),

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