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Primeiros contatos, primeiros olhares Procuramos, neste trabalho, apresentar 5 primeiros olhares cinematograficos sobre © que hoje chamamos 0 outro. Primeiros olhares, ap6s os “primeitos contatos*. primeiros encontrosfilmicos, pois na maioria ddos casos os primeiros contatos com outras culturas, exéticas, sio anteriores a0 registro cinematogrifico. Desenvolvendo a metéfora do primeiro contato, pareceu-nos interessante ‘eunir os mais antigos filmes que testemunham esta descoberta do outro — este ouiro, ver- dadeiramente contatado pela primeira vez, através de uma disciplina nascente, a antropologia de campo, cujo advento € contemporineo ao nascimento do cinema. Mas 0 ouiro se deixa “tomar’ no sentido da tomada cinematogrifica? Pode-se duvidar da observacao destes primeiros olhares que lhe s8o dirigidos. De fato, 0 que estes primeiros filmes nos mostram € o. semelhante. © outro, percebido pela re- feréncia de si, em que “os sortisos, os gestos, 2 comida, 0s jogos* sio metodicamente filmados; mas a complexidade das culturas foge a este olhar de hipermiopia: ir olharlonge mas de tao pero ()) a ponto de s6 peiceber 0 que & semelhante, sua prépria sombra refletida.: na tela. “Como represento a vivencia do outro: como um tipo de duplicagao da minha.” Foi preciso, assim, esperar a chegada dos verdadeiros pesquisadores de campo para que a observacio prolongada, o companilhar do cotidiano misturados 20 distanciamento, tornassem possivel uma representagio do outro isenta de etnocentrismo O que estes olhares nos ensinam € que nio existe cultura incomensurivel e incompreensivel ao autéctone, ao nao-nativo © que a imagem pode, nestes casos, desempenhar um papel determinante ¢ Permitir 0 acesso a complexidade cultural dos outros. O obsticulo maior neste apreensio do outro é, de fato, 0 sentimento de in- Quietante estranhamento que invade, por vezes, 0 observador confrontado a surpreendente familiaridade dos outros, retorno do semelhante para além das diferengas.* Mas, trata-se af de um outro verdadciramente irredutivel e que nos condena a ficar definitivamente “estranhos 2. nds mesmos”? Um olhar histérico — hist6rico de um olhar Em 22 de abril de 1882, Etienne Jules Marey, professor de histéria natural no Collage de France, publicou na revista La Nature um antigo relativo a0 surgimento de uum estranho aparelho: “consegui construit, nas dimensdes de um fuzil de caga, um aparelho que fotografa doze vezes por segundo o objeto que esté na mira.” 0 fuzil fotogrifico nascia ¢com ele a cronofotografia que, pela primeira vez, autorizava a produgio de imagens do movimento, verdadeira antecipacao do cinema, movimento de imagens. fst pea pina Calne, Sesalng oo Fe 8. item Alguns meses mais tarde, em 1883, um jovem alemao, geédgrafo de formacto, Franz Boas, embarca para o Amtico canadense, a Terra de Baffin. Durante quase dois anos, Boas vive com os Inuit: “eu bem vi que tanto ‘como nés, cles amavam a vida, uma vida dura, que a natureza Ihes parecia bela, que 0s sentimentos de amizade se enraizavam no corago do esquimé e que apesar da vida rudimentar, comparada com a vida civilizada, ‘esquimé é um homem como nés (...) Depois de longa ¢ intima estadia com os esquimés, foi com pesar e tristeza que me separei dos amigos do Arico." Este estudo inaugura a pesquisa antropolégica de campo: © pesquisador sai de seu escritrio ¢ vai a0 encontro do outro, ali compartlha de seu cotidiano, condigdo, a partir de entio, sine (qua non da observacao ctnolégica. Nasce a antropologia moderna. Em 1888, Boas publica Toe Central Eskimo, em que relata sua “expedicio” No mesmo ano, EJ. Marey termina de construir 0 cronofotégrafo com filme mével ¢ apresenta, na Academie des Sciences de Paris, a primeira banda de fotografias, verdadeira base do cinematégrafo, ¢ Emile Reynaud cria o “Teatro ético” utilizando uma banda fina e perfurada, inovagio de- terminante. Nos Estados Unidos, ainda em 1888, Thomas Edison patenteia 0 fondgrafo elrico, utiizando rolos méveis de cera ¢ a companhia de G. Eastman coloca @ venda as primeiras bobinas de celuldide que substituem as bandas em papel nos aparelhos Kodak-Eastman. Em 1889, William K.L. Dickson, s6cio eT. Edison, desloca as perfuragées do centro para as bordas do filme. Quatro pares de perfuragio permitem, enfim, 0 transporte ripido e regular do filme. Associando fondgrafo clétrico de Edison um prot6tipe de projetor emitindo as imagens numa placz de vidro, com dimensbes reduzidas, W.KL Dickson realiza, em 6 de outubro de 1859, 2 primeira projeco de um filme falado com 2 ajuda do kinefonégrafo. Dois anos depois, T. Edison fabrics © primeiro kinetoscdpio, aparelho que permite a obtencio de imagens animadas. vistveis gracas a uma luneta. O registro des imagens realizadas com a ajuda do kinetégrafo sobre o filme de celuléide 17 mettos, a0 ritmo de 48 imagens per segundo, permite uma “projecio” breve, de 6 segundos. Em seguida, esta duracio chez a aproximadamente um minuto. Em 189% Edison industrializa a fabricacto do kinetoscépio ¢ inaugura, em Nova York. 2 primeira sala aberta a0 piiblico com umz dezena de aparelhos, o kinétoscope parler Buscando ampliar esta rede de distrbuics de imagens animadas, Edison constr6i = ‘West Orange, no subtirbio de Nova York. primeito estédio de filmagem. De fa somente as tomadas realizadas nos estidi ‘com boas condicdes de luminosidade (uz solar ¢ luz artificial combinadas) poderiam: garantir uma qualidade aceitavel para difusio. Foi neste estidio, batizado de “Bhi Maria’, que W-K.L. Dickson filmou, em 185 as duas bandas para kinetosc6pio intitula Indian War Council e Sioux Gbosts Dan: Estes dois documentos consiituem, 20 que parece, as primeiras imagens em movimento consagradas 20 outro, no caso, 0 indi americano. Se € inegivel que 0 projeto ce Dickson nao tem uma preocupaczo antropol6gica, também nao é menos verdace que Indian War Council ¢ Sioux Gbos: Dance constituem © primeiro testemunho “filmico” sobre 0s indios Sioux. De imediato, este primeiro olhar revela a complexidade deste duplo encontro, dramatico, entre 0 Ocidente e os amerindios. Se 0 titulo Indian War Council é, deste ponto de vista, bem claro, Sioux Ghosts Dance é mais ainda. De fato, Ghosts Dance ou Spirit Dance € a denominacio usual de tum movimento religioso carismatico, nascido em Nevada, no ano de 1889. Jack Wilson, profeta amerindio, Paiute, dizendo-se investido de uma miss4o divina, langa um movimento cristio evangélico obtendo enorme sucesso junto as populagdes amerindias, principalmente aps 0 massacre do célebre chefe Sioux, Sitting Bull, e de seus duzentos bravos, em dezembro de 1890. O fato de pertencer ao movimento e a pritica da oragdo se exprimem pela Ghost Dance. Longe de representar uma “auténtica-danca- sioux-vinda-das-antigas-idades’, este primeiro documento testemunha 0 choque entre dois universos culturas ¢ seus efeitos, sendo, deste ponto de vista, um documento antropoldgico. Os dois documentos encenados em estidio, foram “filmados” em 24 de setembro de 1894, dia da tomada de tum produto particularmente adaptado 20 mercado dos kinetoscépios: 0 espeticulo de Buffalo Bill. Este divertimento consistia, depois de 1883, em uma turné, pelas pracas piblicas, de Wild West Rocky Mountain and Prairie Exhibition que se transforma no Buffalo Bill's Wild West Show. Neste més de setembro, 0 célebre William Frederick Cody, Buffalo Bill, que se apresentava no Ambrose Park, no Brooklin, foi convidado para ir a West Orange ¢ toda a trupe ld se instalou WL Dickson, coma ajuda do kinetégrafo, registra Buffalo Bill fazendo uma de- monstragio de tiro ¢ decide aproveitar a wes cons, wos eats presenca dos Sioux ¢ da trupe para “filmar” Indian War Council e Siowe Ghosts Dance: Dai 2 presenga de um cartaz anunciando Buffalo Bill... no Angulo inferior dircito da imagem de Indian War Council Estes primeiros documentos sio, assim, uma verdadeira reconstituigo, com indios verdadeiros, das sfalsas-verdadeiras” dangas Sioux...0 espetéculo 120 ar livre seri filmado alguns anos mais tarde pelos operadores de Edison quando estes ji dispéem do equipamento adequado. No final deste més de setembro de 18, ‘Antoine Lumiére, de passagem por Pari, assiste & demonstrasio de um novo aparelho recém- chegado dos Estados Unidos, um... kinetoscdpio Faison Seduido cle ade um exerapr € o leva pa Lyon onde seus ios, Auguse ¢ Lous Lume, buscam uma forma de projetar as bandas inetosodpias,‘notamas, meu ido € eu, que seria interesante masz ra tea € para 0 piblico cenas animadas que reproduaisem com fieidade objetos personagens em movimento.” um deseo par tihado por EJ. Morey que perseguia o aperfeigoa- mento de seu conofetSgafo, consnindo um pro- jetor conofetogrfico. Foi, mito provavelmente, com 2 ajuda deste cronofoiSarafo (do tipo D), que ético Féloclouis Regraut, membro da Socété a'Anthropologe de Pats, 3 ajudado por um de seus amigos, Charles Comte, ausistenie de EJ. Marcy, realizou uma série de cronofotografias sobre uma ceramista oulove.® Durante a Ex- posigio do Champs de Mars, em 1895,” FL Regnault realiza séries > de cronofotografias, tanto no local da exposicio como no laboratério de E,.Marey. 3) etssaphonpushe fio rasecgishie', Allein de iad Sagoo tive ‘s Consett fou tween dr "sae, coger savor dy oe bend 85 Uae Numa comunicagdo a Société d' Anthropologie de Paris, ele apresenta uma série de “cronofotografias étnicas” doando-as a instituigio, mas fazendo questio de assinalar que “estas cronofotografias foram executadas em 1895 no laboratério de E.J.Marey” ‘A mesma informacio foi relatada no artigo da Revue Encyclopedique? consagrada 4 “Des attitudes du repos dans les races humaines" Regnault escreve: *n6s realizamos, no laborat6rio de EJ.Marey, a fotografia de trés negros no momento em que s¢ agachavam: © Ouolof ¢ o Peul tm as pernas obliquas, préximas da vertical, enquanto que o Diala, do pais dos rios tem as pernas mais curvas ¢ mais proximas da horizontal” (si). Estes trabalhos de Regnaullt traduzem bem suas preocupacées: cestudar 0 que mais tarde Marcel Mauss chamou de “as téenicas do compo”. Mesmo que Regnault tenha utilizado, efetivamente, a cronofotografia, € dificil consideré-lo 0 autor do primeito filme etnogrifico ainda que tenha proclamado, vérias vvezes, 0 interesse do cinema para a etnografia, chegando até a propor a criacio de museus audiovisuais de einografia, associando as fontes. do cinema do fondgrafo."” Foi no final do ano de 1895, em 28 de dezembro exatamente, que aconteceu a primeira sesso pUblica do “Cinématographe Lumiére”, em Paris, no subsolo do Grand Café. Este aparelho, aperfeicoado por Louis Lumiére, reunia trés fungdes: o registro das imagens animadas, a revelagio das imagens positivas € a projecao. “E uma mecinica leve, robusta, manipulada por uma simples manivela, transportavel como uma valise’.” Auguste Lumitre organiza 2 exploragio comercial do aparelho que alcanga, rapidamente, grande sucesso. Entre a enorme producao da companhia Lumiére, cujos operadores tinham ‘como tinica regra “abrir as objetivas para 0 i ee mundo’, os primeiros documentos ¢ sagrados a0 ouiro, a série Ashanti, séo primeitos filmes que colocam em cera cs africanos aum contexto “tradicional” Relativamente ‘tradicional’, pois a filmagem foi feita em Lyon (!) durante a exposics abril de 1897. Nesta ocasiio, dent “tradigio® colonial de “dar a ver", un: Ashanti foi reconstituida no parq exposicéo, uma ninharia para os opera da Companhia Lumiére, cuja sede ¢: yon. Mais de uma dizia de filmes foram realizados nesta ocasiio sobre temas desde 0 inicio, sio reconhecidos atraentes a0 piblico, como Le repas des négrillons (sic) que lembra 0 Le déjeuner a bébé ou outro mais ex6tico como o Défié de la tribu ou Dance du féticheur. Estes filmes, sem pretensio etnogri mostravam o interesse em testemunhar. vés de um determinado ponto de vista, 0 = ex6tico colonial tio divulgado — que chez: 4 constiuir um género, 0 dos exotica — ¢ ‘os operadores Lumitre vio relatar “ao-m inteiro” ¢ que alimentario, em seguic atualidades Pathé Nos Estados Unidos, os oper: de Edison nao ficam atrds, cobrindo, também. este setor da producio. Buck dance e dance sio, provavelmente, do mesmo de Indian War Council e Sioux Dance. Tem 0 mesmo cariter religioso. sio rodados in situ e colocam em amerindios que, contrariamente aos Sioux d companhia Buffalo Bill, nio se deixam le pelo espeticulo enquanto espeticulo. Este cuidado com a verdade es bastante presente em alguns dos opersderes de Edison como JHWhite, que films Eaglz Dance, Pueblo Indians e, possivelmente, Wand Dance, Pueblo Indians, em 1898. Eniretanto, esta busca da “verdade” s6 € explicitamente formulada na filmagem da série Indian Snake Dance Series in Moki Land, pela Companhia de Edison, num acordo com o Bureau of American Etbnology que determina que 0 “objetivo da filmagem (era) o de representar os trabalhos, as distragdes ¢ as ceriménias dos Pueblo outras tribos. O trabalho tinha por finalidade a obtencio de registros absolutamente figis das atividades indigenas para uso dos futuros estudantes. O resultado, “apesar dos acidentes com os aparelhos, foram vitoriosos”, resultando na realizagio de cinco filmes, em 1901: Panoramic View of te Moki land, Parade of the Snake Dancers before the Dance, The March of the Prayer and the Entrance of the Dancers, Line-up and teasing the Snakes © Carrying out the Snakes. ‘Ainda que 0s fichdrios da Biblioteca do Congresso mencionem “lugar de filmagem desconhecido", podemos avancar, gragas a uma fotografia de Ben Wittck, realizada em 1897, que foi no Walpi Pueblo (Hualpi[sic)), no Arizona, que a série foi rodada Entretanto, os documentos de Edison tanto quanto os de Lumiére pertencem, em geral, A categoria de “diversdes exéticas*. Assim, 0 operador J H. White, responsdvel pela série Indian Snake Dance, de 1901, filma em Honolulu, Havai, em 1898, Kanakas Diving ‘for Money, tema atrativo, pois ji existiam Coolie boys diving for coins, de Warwick, 1900, produzido na Inglaterra, Baignade de Négres (sic), Lumiére, 1897 ¢ Baigneurs faisant des sauts périlleux dans l'eau, Mexico, Lumiére, 1896. Os primeiros filmes etnograficos, pensados como documentacao audiovisual para a pesquisa de campo, foram tcalizados durante a Cambridge University Expedition to Torres Straits. Organizada por Alfred Cort Haddon, zodlogo de formagao, esta “expedicao”, moderna quanto & concepcio de trabalho em equipe, tinha por objetivo a do- cumentagao de todos os aspectos da cultura dos aborigines das ilhas do estreito de Torres, entre a Austrilia ¢ Nova Guiné Entre seus membros, a equipe contava com C.G. Seligman (antropélogo cujos trabalhos marcaram profundamente as pesquisas oce4nicas ¢ suscitaram as de R. Fortune ¢ B. Malinowski) ¢ W.H. Rivers, que concluiu, nesta ocasiao, o método de transcrigdo dos sistemas de parentesco até hoje utilizados. Mas a originalidade deste empreendimento de A.C. Haddon residia, também, na mobilizac3o das novas tecnologias da época, 0 cinema € 0 fondgrafo, a servigo de pesquisas antro- polégicas. Apesar dos diversos problemas técnicos, de conserva¢io principalmente, A.C Haddon voltou a Cambridge com virios filmes docu-mentando a produgio do fogo ¢, so-bretudo, as dancas cerimoniais ™ Nascia © verdadeiro filme etnografico € a exploragao dos documentos audiovisuais, coletados durante a pesquisa (A.C-Haddon também realizou registros sonoros), enriqueceu os dados, permitindo a publicagao de seis volumes.'® © sucesso da Cambridge University Expedition to Torres Straits foi tal que contribuiu para a ctiago de cadeiras em antropologia (‘the effective institutio- nalization of social anthropology was the og ae "ime tga ead bop fey siete Tee Frere 092% oii Pen us ‘Sire ‘work of the later anthropological generations- Haddon and Rivers at Cambridge, Seligman and then Malinowski at the London School of Economics")"® e fundou a metodologia de pesquisa de campo. A notoriedade de Haddon, organizador da expediio, fez com que recebesse a visita de numerosos colegas que partiam para o campo. Entre estes, Walter Baldwin Spencer, originariamente botinico e zoélogo em Oxford, tendo seguido os ensinamentos de E.B.Tylor. A etnografia, que até ent&o s6 era bobby, 0 levou a aceitar a proposig’o de Tylor de classificar a colegio etnografica que Pit-Rivers doava & Universidade.’” Foi, entretanto, enquanto professor de biologia que W.B. Spencer foi para a Universidade de Melbourne, na Austrilia. W. Baldwin Spencer encontra durante uma ‘missio na Australia Central, em Alice Springs, um representante genial, F Gillen, que para enfrentar a solidi “cultural” aprendeua lingua dos aborigines Aranda, junto aos quais empreendeu uma verdadeita pesquisa antropolégica. W.B.Spencer, fas- cinado pelos trabalhos de Frank Gillen, abandona a biologia pela antropologia ¢, em colaboragio com este, realiza uma pesquisa de campo extremamente sofisticada junto aos aborigines da regido cujos resultados sio publicados em 1899, The Native Tribes of Central Australia. De passagem pela Inglaterra na época da publicagio, Spencer encontra Haddon em Cambridge e, aconselhado por este, retorna 2 Austrilia levando na bagagem um cine- matégrafo Warwick ¢ varios metros de filme. Com a colaboragio de Gillen, Spencer realiza varios filmes sobre as ceriménias dos aborigines. Somente no ano de 1901 ele filmou mais de mil metros, cuja maior parte desapareceu por conta das péssimas con- digdes de conservacao. $6 uma infima parte dos filmes originais pode ser salva ¢ € encontrada no National Museum of Vietoria Entre os documentos filmados em 1901, restaurados ¢ copiados em 16mm, figuram: Kangaroo Ceremony, Tjiingalla Ceremony, Udnirringita Ceremony, Sanke Ceremony, Women’s Dance, Eagle-Hawl Ceremony, Sun Ceremony ¢ uma ceriménia nao iden- tificada * Infelizmente estes documentos em grande parte declarados “exclusivos’ dos aborigines, nio circulam mais Em 1903, A.C_Haddon recebe a visita de um colega da Universidade de Viena, professor Rudolph Poch. Médico de formasio, R.Péch estudou etnografia ¢ antropologia na Universidade de Berlim, onde freqientou os setores africanos € ocednicos do Museu. Péch opta, assim, pela antropologia ¢ organiza uma ‘expedicio" 3 Nova Guiné. Durante sua entrevista com Haddon, destacado especialista em pesquisas sobre a Oceania, Péch assiste & projecio dos filmes realizados por Haddon na Cambridge University Expedition to Torres Straits. Convencido por este do extraordindrio potencial oferecido pelo cinema no quadro da pesquisa antropol6gica, Péch adquire uma mera ¢ volta para Viena. Viaja, assim, para ‘ova Guin€ no inicio de 1904, instalando-se na parte noroeste da Papouasie, zona sob dominacao colonial alema e visita o arquipélago de Bismarck. Se os trabalhos de Péch so, em grande parte, voltados para a antropologia fisica, os dados etnograficos recolhidos por ele constituem as primeiras descrigées das varias populacdes costeiras ¢ das hautes-terres. Poch roda mais de dois mil metros de filme; desses, quase mil duzentos esto inteiramente deteriorados pelas mis condigées de estocagem. Registra, também, virios cantos, contos ¢ peas musicais com a ajuda do fondgrafo Edison. Os filmes salvos foram restaurados por iniciativa de Paul Spindler, do Departamento de Antropologia da Universidade de Viena.” Retornando a Viena no inicio do verao, de 1906, Péch faz um relato de sua missio em Papouasie. A Academia de Ciéncias, bastante impressionada, lhe confia outra pesquisa em outra colénia alema, a Africa do Sul. Durante mais de trs anos (1907-1909), Pach investiga o Kalahari, onde realiza uma série de estudos antropométricos. Este trabalho, profundamente marcado pelas questdes “raciolégicas” da época, constitui, entretanto, a primeira pesquisa de campo sobre os busbmen (bosquimanos). O antro- pélogo observa ¢ registra,” nem sempre compreendendo, a vida cotidiana dos bushmen e certas ceriménias rituais (dangas). No entanto, foi preciso esperar mais de cingiienta anos para que pesquisas como a do Harvard Kalahari Research Group, iniciadas por J. ¢ L. Marshall,?* desvendassem esta cultura e sua complexidade. Na mesma época, Joseph X. Dixon, originério de Nova York, pastor batista na Filadélfia e fotdgrafo amador, recebe financiamento do mecenas Rodman Wana- maker para organizar uma “expedicao fotogrifica” junto aos indios Crow. Dixon, acompanhado de seu filho Rollin ¢ de outro fotégrafo, James Barlet (Applegate Krouse S., 1990), chega na reserva Crow, em Montana, em julho de 1908. Seu projeto era realizar um filme, Hiawatha, em suporte de nitrato € colorido a mo, hoje inteiramente desintegrado, s6 restando o script e algumas fotografias de acompanhamento, 0 filme, um aos comarcs, reatnos Dates sucesso, foi, durante anos, projetado nas ‘grandes lojas de R. Wanamaker, em Nova York ¢ Filadélfia. Foi durante a estadia junto aos crow que os Dixon filmaram, paralelamente a Hiawatha, cenas da vida cotidiana e das dangas Crow. Eles reconstituiram, assim, a célebre batalha de Little Big Horn, com os indios crow € nao os Sioux mas, com dois batalhdes da cavalaria da armada.” J.K.Dixon faz varios filmes sobre os Crow, em 1909, 1913, 1921 € os Sioux, 1913, mas sua obra fotogrifica, centrada nos amerindios, tidos como grupo em extingao,> domina largamente suas realizagdes cinematogréficas. Este tema, extinglo dos amerindios, marca todo o periodo ¢ serd, também, retomado por Th. A. Edison. Esta virada do século é, assim, 2 época das grandes “expedigdes”: de Haddon, Péch ¢ Dixon. Em 1908, a Fundacio Cientifica de Hamburgo organiza uma ‘explora; Pacifico. Durante mais de dois anos, 2 equipe de especialistas coordenada pelo professor HTischner, que dispunha de seu préprio barco, pesquisa as ilhas da Micronés arquipélago Bismarck, ainda sob dominacio colonial alema. Neste caso, s6 uma parte dos documentos filmados foi salva. Os filmes,* que constituem os primeiros documentos cinematogrificos sobre estas populzeées tém por tema, sobretudo, as dancas e atividades técnicas como a cerimica, a produsio do fogo por friccdo ou a tecelagem. Parece evidente, na leitura dos textos que os acompanham, que 2 démarche dz equipe era mais “exploratéria® que antropolégica. As danas filmadas nfo so, com 2lgumas excegtes, re-situadas no contexto cultural © © espectador de hoje partilha da mesma ignorincia que 0 explorador de ontem *nio conhecemos nada de especial sobre a de tae 19039 enepaphn, ine geo Parse oon avg Se verge Sh et eg eltertundetiche adden a ies ee land nde essa wines td Ue ai eee drt bea pen 08 pine nade Prevaso sudee ender elgg own faa i La significagio dos aspectos da danga’. E 0s julgamentos de valor so muitos: “todos os povos primitives sio dancarinos mais ov menos fandticos € dentre estes os habitantes das ithas do Pacifico nao ficam, certamente, em tltimo lugar. A danga esté no seu sangue € cles ndo deixam escapar nenhuma ocasiao de a praticarl"** Na mesma época, em 1909, 0 professor R. Neuhauss du Museum fir Volkerkunde de Berlim, efetuava uma série de trabalhos sobre os Kate, na Nova Guiné, sob dominagao alema. Os filmes” tratavam dos mesmos temas, preparacao dos alimentos € dangas, tal como os documentos relatados por T. Koch-Griinberg ¢ H. Schidt de Guyane.” A maior parte das atividades sio filmadas através de pedidos. Isto € bem evidente nos documentos de Tischner ¢ de Neuhauss explicito no texto de acompanhamento de Koch-Grinberg : “O chefe Pita de Koimé- lemong organizou em agosto ¢ setembro de 1911 duas festas em nossa homenagem. Nesta cocasiio, ele chamou convidados de muito longe, mais de mil pessoas, inclusive mulheres e criangas. Duzentas pessoas participaram da danea. A maioria era de Taulipang, de Makushi e de ‘Wapischana (sic)"” Dentre estas “expedigbes", a de William Van Valin, por conta da University of Pennsylvania Museum, com financiamento de R. Wanamaker, foi incontestavelmente a mais Jonga. Durante os seis anos passados no Alasca (1912-1918), W. Van Valin filmou a vida cotidiana dos Inuit de Point Barrow (cidade mais ao norte do continente americano) e, aproximadamente na mesma época, um jovem, explorador, Rober Flaheryy filmava, também, seus primeiros ensaios no Artico. Os filmes de Van Valin constituem 2 colecao Tip Top of the Earth: Artic Alaskan Education Series, que obteve grande sucesso ilustrando as conferéncias proferidas pelo autor. Enquanto estes realizadores esti no campo, € langado em 1914, no cinema Casino, uma grande sala de Nova York, um filme bastante atrativo In the Land of the Head Hunters. Este novo género de filme, bem recebido pela critica, alia uma estética cuidadosa & precisio etnogrifica, na mise-en- scéne de uma epopéia Kwakivlt (amerindios dda costa noroeste do Pacifico). Nada de muito impressionante quando se sabe que 0 realizador nao € outro que Edward S. Curtis, fotégrafo reconhecido e que, nesta data, jé tinha publicado nove dos vinte volumes de uma obra fotogrifica considerivel. Era not6ria a qualidade, sem par, do sew trabalho fotogrifico sobre os grupos amerindios (Apache, Navajo, Pima, Papago, Qahatika, Mohave, Yuma, Sioux, Hidatsa, Mandan, Cheyenne). Cutis, que jf tinha realizado dois curtas, um sobre os Navajo ¢ outro sobre (0s Hopi, decide realizar um filme de ficedo com os Kwakiutl. Depois de passar cinco stages compartihando a vida cotidiana dos Kwvakiutl da ilha de Vancouver, se convenceu de que tinha um tema ideal para realizar seu projeto. Segundo ele, de fato, os Kwakiutl viivem nas “the only villages where primitive life can still be observed. Their ceremonics are developed to 2 point which fully justifies the term dramatic. They are rch in mythology and in tradition. Their sea-going canoes possess the most beautiful lines, and few tribes have built canoes approaching their size, Their houses are large, and skillfully constructed. Their heraldic columns evidence considerable skill in carving." Mas se o tema se presta particularmente 2 uma mise-en- scéne, a qualidade do filme deve bastante & solidez da pesquisa etnogrifica de Curtis e seriedade de seu informante predileto, George Hunt, que também foi o informante de F Boas O enorme sucesso da obra fotogeéfica de Cunis fez sombra a seus filmes? De fato estes caem no esquecimento e s6 reaparecem 2 partic de 1972 com a cépia restaurada ¢ sonorizada por Bill Holm ¢ George I. Quimby Jn the Land of the Head Hunters. Nos anos 40, G. Quimby, ja diretor do Departamento de Antropologia do Field Museum de Chicago, descobre uma c6pia de nitrato de tum filme nao identificado. Reconhecendo 0 estilo de Curtis, ele se empenha, em vio, em restauraro filme. Em 1962, G.L.Quimby, ainda diretor do Departamento de Etnologia do ‘Thomas Burke Memorial Washington State Museum, em Seattle, encontra B.Holm especialista, com pesquisa de campo sobre ‘os Kwakiutl, ¢ os informantes ¢ “atores” de Curtis. Quimby e Holm decidem salvar o filme definitivamente. As técnicas de restauragio jf sto mais eficazes. A cépia “original” € enfim restaurada. Holm projetao filme nas cidades Alert Bay, Port Hardy, For Rupert, Tumour Island, lugares das filmagens de Jn the Land of the Head Hunters. Para seu espanto, constata que os Kwakiutl cantam espon- taneamente os cantos que correspondem as ceriménias rituais que aparecem na tela Holm decide assim, sonorizar o filme com a ajuda deles e de um jovem engenheiro de som, cineasta, David Gerth. Fazem uma transferéncia para suporte em 16mm, duplicando uma a cada duas imagens afim de poder projetar o filme em 24 imagens por segundo (0 original foi filmado em 16 imagens por segundo), Gnica cadéncia que permite a sonorizaglo. Gragas ao esforco de raneosconenros, maunos vanes Holm € Quimby, o filme de Curtis renasce com o titulo de In the Land of the War Canoes. Teri C. McLuhan realiza, em 1977, um longa-metragem sobre a obra de ES. Custis, Tbe Shadow Catcher: Edward S. Curis and the North American Indian, a panic do diio e das nowas nio publicadas de Curtis ¢ de seus trabalhos sobre os Navajo, os Hopi ¢ os Kwakiutl ‘Ao mesmo tempo que Robert Flaherty tealizava suas primeiras explorades geol6gicas no Artico canadense € que Curtis, inicia seu estudo de campo junto aos Kwakiutl, um jovem militar brasileiro, Candido Mariano da Silva Rondon, empreendia a colossal missio que havia aceitado comandar: instalar linhas telegrificas do Mato Grosso 20 Amazonas. Depois de 1890, a implantagio de linhas telegraficas, qualificadas como estra- tégicas, prosseguia abrindo clareiras na grande floresta onde viviam os indios. Rondon abre passagem, elabora a cartografia estabelece contato com grupos indigenas O génio deste homem, embebido da cultura do final do século, que mescla humanismo € positivismo,™ o leva a adotar uma ética de ‘primeiro contato” com os indios, que expressa, admiravelmente, como “morrer, se for preciso; matar, nunca! Pacientemente, Rondon € os seus avangam, por vezes, sob as flechas que mataram varios de seus colaboradores e, finalmente, os contatos s80 estabelecidos. Paralelamente ao seu trabalho de engenheiro, Rondon se dedicou a uma meticulosa etnografia dos grupos indigenas entre os quais viveu longos meses: Ariti, Nhambiquara, Quépiquiriudte, Parnauite, Tacuatépe, Umutina, Pirarra, Pianacotd, Rangu-Piqui, Maiogom, Xiriana, Urumi Ariquéme, Jaru, Urupi.* Rondon recolhe ile (20, sistematicamente 0 vocabulirio de base, os sos € costumes, a demografia’” assim como numerosos objetos para 0 Museu Nacional do Rio de Janeiro, ditigido por Roquette-Pinto, antropélogo que participou a diversas misses ‘em sua companhia. Em 1907, Rondon recrutou um fot6grafo para documentar os trabalhios das linhas telegrificas mas, também, fotografar as atividades cotidianas ¢ 0s rituais dos indios. As condigdes climiticas no eram muito propicias e os resultados foram decepcionantes, Em 1910, Rondon chama o Major Luiz Thomaz Reis para ser 0 fot6grafo oficial da comissio e em 1912, cria-se o servigo cinematogréfico da comissio. Major Reis parte, assim, para a Europa — Londres ¢ Paris — com o objetivo de adquirir o equipamento necessirio.® Além de varios aparelhos fotogrificos (Graflex, Globus, Kodak), ele traz um cinematégrafo Debrie, manivela, tripé, varias objetivas (35, 80, 135mm) e todo o equipamento de revelagao ¢ cépia, sem esquecer. de sete mil metros de filme Lumitre Tropical. A epopéia cinema- togréfica da Comissao Rondon come¢a. Durante vinte oito anos, LT. Reis filma os indios, meticulosamente, no quadro das atividades etnogrificas da comissio. Em 1913-14, Reis realiza o primeiro filme sobre os indios Pareci e Nhambiquara. Este documento, Os series de Mato Grosso, aparece nas telas em 1915. Considerado pela imprensa como ‘um acontecimento cinematographico de primeira ordem’,® o filme, em geral apresentado por seu realizador, conhece um enorme sucesso no Rio de Janeiro: mais de vinte mil espectadores, em cinco dias. Em Sio Paulo, as salas dos cinemas Polytheama ¢ Theatro Guarany ofereceram metade da receita 20 Servigo de Protegao aos {ndios, cujo presidente era Rondon. A aparigio, na tela, de alguns indios nus provocou indignagio entre os milhares de catélicos,”? aniincios distribuidos nas salas.” apesar dos Foi em 1916, depois de varios meses de campo entre os Bororo, que LT. Reis filmou uma série de atividades como a festa Jure e um ciclo cerimonial finebre.** Descreve as diferentes etapas dos funerais com um raro senso ético ¢ evitando filmar as cenas que poderiam ser mal *sensacionalizadas’, consciente de que “com co cinema, uma arte que como todas as outras passa por miltiplas modalidades, quanto m perto acompanha as inclinagdes ¢ 0 gosto do piiblico, 0 que € horrivel é que agrada; tanto mais bérbara € uma cena tanto melhor para tonificar os nervos gastos das nossas platéias, vidas do sensacional’® As diferentes daneas, 0s tituais do Marido, do Toro ¢ de Aidje, so filmados aliando precisio etnografica e concepgao estética. A realiz sustadoramente moderna, a ci 8 panoramiques que segue o dancarino, interpretadas ow pintado com urucum ¢ decorado com penas simbolizando a pantera no momento que a danca fecha o ritual finebre, sio extraordind n divida com Rituais ¢ fosias Bororo, LT. Reis realza o primeiro filme etnogréfico verdadeiro. 14 onde seus predecessores se contentavam em fazer imagens animadas com uma cimera fixa registrando uma série de fotografias, Reis filma utilizando todas as possibilidades que Ihe oferece 0 tipo de material de que dispo: ele escreve com a camera. Antecipando Flaherty, ee evela e copia os filmes no lugar da filmagem apesar dos insetos que, por os. vezes, se aglutinam na pelicula. O filme, nfelizmente acompanhado de seqiiéncia sobre o pantanal, a cag2 2 pantera ¢ as cataratas do Iguacu, sai com o titulo de De Santa Cruz. Novamente bem acolhido pela critica, o filme € igualmente projetado em Nova York. L.T. Reis € convidado por Theodore Roosevelt, que conheceu em sua expedigio a0 Mato Grosso, ¢ profere, em 1918, uma série de conferéncias no Carneggie Hall. Totalmente desconhecido dos antro- pélogos ¢ ignorado pelos cinéfils,¥o filme cai no esquecimento da mesma forma como seu autor desaparecera a sombra de Rondon. Na mesma época, 1914-19, Martin Johnson, realizador do filme Jack London's Adventures in th South Seas langado em 1912, continua a filmar no Pacifico Sul. Realiza, Principalmente, © primeiro documentério sobre o Vanuatu, na ilha de Malekula. Este filme faz parte da série On the borderland of Civilazation, género ficcao, @ qual per- tencem Frivolous Fiji (C. Outing, 1920), Pearls and savages(F. Hurley, 1921), Fit Fire walkers (S, Driver, 1924) ou War Dance at Beqaa (colegio A.K. Coomaraswamy, 1925). Neste contexto, pode-se com- preender como Nanook of tbe Norib, de Robert Flaherty, langado em Nova York no final de 1922, provoca uma verdadeira Tuptura ¢ cria um género particular: a etnoficgdo. Flaherty inventa um processo narrativo construindo o discurso em imagens com a ajuda da cimera. Assim, rompe com seus predecessores. De fato, exceto Curtis ou Dixon que optam pela reconstituiglo, ¢ de Major Reis, que tenta montar seus do- cumentos a prise de ove, a imense maioria dos realizadores se contenta, em geral, em projetar os documentos brutos colando-os, simplesmente, um apés outro. Flaherty alia © conhecimento da linguagem cinema- togrifica com o intimo conhecimento do objeto tratado. ‘unos cons, maios unas ‘Mas para realizar Nanook, teve que dar tempo ao tempo ¢ enfrentar alguns riscos. Apés anos na prospeccio de minas para pequenas empresas, R.J. Flaherty* é ‘empregado, em agosto de 1910, por William Mackenzie, diretor de uma grande empresa de Toronto, por conta de quem vai efewuar uma série de misses no Artico canadense, uma delas com a duragio de dezenove meses. Em agosto de 1913, Flaherty parte para uma ‘nova prospeccio na baia de Hudson. Algumas semanas antes de sua partida, W. Makenzie the diz: *Por que ndo leva uma destas novidades, uma cimera cinematogrifica?” € Flaherty responde: “Comprei uma, mas $6 tinha idéia de usd-la para tomar notas durante nossa exploracio. Partimos para um pais interessante, veremos pessoas interessantes. Nao pensava em fazer um filme para passar em sala de cinema. Nao conheso nada de filmes."* Munido de uma cimera Bell and Howell, de uma grande quantidade de filmes ¢ de um laboratério portatil, ele parte para o Antico. Sua estadia deveria durar quinze meses. Depois de cinco meses de co- habitagao com os Inuit, ¢ jé conhecendo seu modo de vida, Flaherty, bloqueado pelo inverno, comega as filmagens: “a construcao dos iglus, a conjuracdo dos espiritos, as dangas, as cagas a foca foram filmadas na luz do dia, em fevereiro e marco’.”’ De volta 20 Sul com uma grande quantidade de filmes, as ilhas Belcher cartografadas e prospecladas (uma delas tem hoje scu nome), Flaherty realiza uma pré-montagem dos documentos. Mas ele se da conta que estes nao estio bem construidos ¢ que faltam certos planos; parte outta vez para o Norte, no verio de 1955, pasando 0 inverno ¢ retornando na Primavera de 1916. £ assim que Flaherty mostra seus filmes ¢ faz. uma primeira c6pia esseescinsie 38 (ethene gn np pls. 6 cast ¢ seenarspuni Tat ee ois 6, 8 cde de is isivcareesurace basque tne. fata 1903, te Bondan Ca ot do bal & Chene etes) lunbia grondos Uteseoca Cee te epee, Peas, eres her Ber rua we tbepbn detacadetjrisen, erent Faery Sopety, np fuse inden 2 “tenn 2 Naat ofthe sonance of the Golden sais, oats ey, eager ae» Seppoune, 186 lOc Le de trabalho, ainda incompleta. Afobado para pér em ordem o filme, deixa cair uma brasa de cigarro no negativo que pega fogo ¢ desaparece na fumaga. Queimado quando tentava apagar o incéndio, Flaherty passa varias semanas no hospital A projegio da cépia incompleta teve lugar na American Geography Society ¢ no Explorer's Club em Nova York. Diante da reagio do puiblico, Flaherty “constata que deve trabalhar de outra maneira’.® Durante aproximadamente quatro anos, ele procura financiamento para seu novo projeto, até 0 dia em que encontra um representante da companhia Révillon Fréres, vendedores de roupas de pele em Paris, que accita ajudar na realizagio do filme. A companhia financia a expedi¢lo até um dos postos de troca € tratamento de peles, Port Harrison, na costa da bafa de Hudson. Flaherty parte, enfim, com duas cimeras Akeley, um tripé com cabega giroscOpica, um laboratério para revelare fazer Cépias, uma enorme quantidade de filmes € ‘um projetor! Comega assim a filmagem do que se tornari Nanoole um filme de fics0, no qual (8 Inuit desempenham o papel de si mesmos, habilmente colocados em cena por Flaherty gragas 20. excelente conhecimento da cultura Inuit ¢ 2 conivéncia autorizada pela longa estadia com os protagonistas. Nasce 0 método Flaherty: paciente construcao de telagdes verdadeiras com aqucles(las) que sero os atores do filme; lenta elaboracto que permite, através do compartilhar do cotidiano dos outros, alcangar suas concepgdes de mundo a fim de buscar restituir, pela imagem, o existir de um cacador de focas Inuit, de um chefe Samoan, de um pescador das ilhas Aran ou de um jovem Cajun do Bayou. Gragas a este método, proximo a ‘etnografia de campo, Flaherty conseguiu produzir, muito bem, efeitos da realidade que levam 0 espectador a mergulhar na “vida- real". Mas, segundo cle, “one often has to distort thing to catch its true value’, Produzi sentido com as imagens, recorrendo & directo dos atores, mesmo indigenas, foi o que tentow tum jovem engenheiro de pontes no Niger, em 1946-47; durante longos meses Jean Rouch filma em 16mm, sem tipé, a caca tradicional do hipopétamo pelos Sorko.** Progres- sivamente ele aprimora as técnicas de filmagem que vio balangar 0 cinema etnogréfico: € 0 advento da camera participante e do “cinema verdade’. Nos Estados Unidos, Richard Leacock ¢ Robert Drew introduzem a living camera fazem os primeiros ensaios de registro sincronizado do som, uma técnica igualmente experimentada por JRouch desde 1951. John Marshall empreende ‘uma filmagem sobre os bosquimanos do Kalahari®? e de volta a Harvard inicia a montagem de The Hunters,em colaboragao com Robert Gardner, que filma Dead Birds, em 1961. O filme etnogréfico transforma-se em antropologia visual

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