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Capa: Fomand Comaccia Flee cap: csi pa Nol Sih Ceptosque Llane Meira Sars vido: Mena Say Martins Dados nteacionas de Catslogapo na Pusteagio (CF) (Camara Braslera do Livro, SP, Sasi) 1 espace de alors | Arion A, Aran 0). — Campinas, 8°: Paps, 2000 Bblograa ISBN 8500-05065 1. Anvopoogia wana 2, Cir 2, Eepagoetempe ~Aapenoe ance 4, Poca (Clincas socss) 3 ‘Scostogin urbana |. Arana, Aronia A an.2020 .c00.907.76 Ineicns para caalogo slotmatce: 1. Espa bana: Soilogla 807.76 DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA ‘© H.R. Cornacoa Livre Editor Lise, ~ Papirus E@tora “oletonae: (19) 272-4500 0 272-4594 - Fax: (18) 272-7578 Caixa Postal 796- CEP 19001-970 - Campinas - SP Bras. mai editor apis com.br— hips. papitus.com.or Proiida a eprodug oa ou parcial. Editor atic & ASDA. UM SENTIDO GLOBAL DO LUGAR Doreen Massey Vivemos em una época ~ costuma-se dizer — em que as coisas esto se acelerando e se disseminando. © capital esté pasando por uma nova fase de internacionalizaglo, especialmente em termos financeiros, Mais pessoas viajam com mais freqiiéncia.e para lugares mais distantes. Suas roupas sto provavelmente feitas numa variedade de paises que vio ca América Latina 2o suuleste asiftico, Seus antares consistem cle comida importada do mundo inteito. B, se tem um computador em seu escrit6rio, em vez. de abrir uma carta que, sob os cuidados dos coreios de Sua Mejestade, leva alguns clas para atravessar o pats, agora sto interrompidas pelo e-mail Essa vistio da época atual é constantemente encontrada numa ampla variedade de livros e jomais. Muito do que se escreve sobre 0 espago, 0 lugar ¢ os tempos pés-mocemos enfatiza uma nova fase do que Marx uma vez denominow “2 aniquilacao do espago pelo tempo", Discute-se ~ ou, mais usualmente, aficma-se ~ que esse processo atingiu um novo impulso, alcangou um estégio novo. Trata-se de um fendmeno que foi chamado de *compressio de tempo-espaco”. E a aceitago geral de que algo esse tipo esté acontecendo é marcada pelo uso quase obrigat6rio, na literatura, de termos e expresses tais como “aceleracio”, “aldeia global”, “superagio de barreiras espaciais’, “ruptura dos horizontes”, e assim por diante. Um dos resultados dessa situacdo € a crescente incerteza sobre 0 que quetemos dizer com “lugares” & como nos relacionames com eles. Como, diante de todo esse movimento e de toda essa mistura, podemos)\ manter algum sentido de um lugar locale de sua particularidade? A noso (idealizada) de uma época em que! Os lugares eram (supostamente) habitados por comunidades coerentes e homogéneas € contraposta fi Ese texto fi publiado originalmenie em Doreen Massey (1991) “A global sense of place”, Marxism Tadd, junto, p. 24-28, Reimpresso em Doreen Massey (1994, po. 146-156) “A global snse of place n: Massey, Doreen. Space, place and gender Onford: Polity, 1996, Tradugdo 4 Ped Maia Soares 477 fragmentacao e & ruptura atuais. Claro que a contrapartida é de alguma forma diibia: ugar" e “comunidacie” raramente tém coincidido. Mas, de qualquer forma, a saudade eventual de uma tal coeréncia é um sinal da fragmentacio geogrifica e da ruptura espacial de nosso tempo. E também, de vez em quando, tem feito parte do que dé origem a reacées defensivas e reaciondias — certas formas de nacionalismo, de recuperagio sentimenta- lizada de “herangas” saneadas e de completo antagonismo aos que chegam e aos “estranhos". Um dos efeitos de tais reagdes € que o lugar em si € a procura pelo sentido do lugar acabam sendo vistos por alguns como necessariamente reacionarios. 7 Mas necessariamente assim? Nao podemos repensar nosso sentido do lugar? Nao € possivel que o sentido do lugar seja progressista? Nao fechado e defensivo, mas voltado para fora? Um sentido do lugar que se adapte a ess era de compressio de tempo-espago? Para comegar, hd algumas perguntas sobre a compresstio de tempo-espago em si, Quem a vivencia, € como? Todos nds nos beneficiamos dela e com ela softemos dha mesma maneira? Por exemplo, até que ponto a caracterizagio popular utual da compresstio de tempo-espago representa uma visio ocidental, do colonizado:? O senso de deslocamento, que algumas pessoas tém ao ver uma rua local, outrora bem conhecida, agora cheia de importagoes culturais ~ 2 pizzaria; a loja de comida arabe, a agéncia do banco do Oriente Médio ~, deve ter sido sentido, durante séculos ~ embora de um ponto de vista bastante diferente —, por: povos colonizados do mundo inteiro, & medida que assistiam 3 importagio (talvez até fizessem uso) dos produtos da colonizagao européia, talvez britanica (cle novos meios de transporte a pé para creme), depois norte-americana, quando aprenderam a comer trigo, em vez de arroz ou milho, ¢ a beber Coca-Cola, da mesma forma como hoje experirhentamos enchiladas. Ademais, tanto quanto questionar a etnocentricidace da idéia de compressio de tempo-espago © a sua acelerago atual, precisamos entender suas causas: 0 que determina nossos niveis de mobilidade e influencia o senso que temos do espago ¢ do lugar? A compressio de tempo-espaco refere-se io movimento e & comunicaglo através do espaco, a extensdo geogrifica das relagdes sociais € a nossa experiéncia cle tudo isso. A interpretacio habitual é a de que isso resulta quase exclusivamente das agdes do capital ¢ de sua internacionalizagio crescente, Assim, segundo essa interpretago, € 0 tempo-espaco e o dinheiro que fazem 0 mundo girar — € nds girarmos (ou no) em torno do mundo. Sustenta-se que é © capitalismo e seu desenvolvimento que determinam nossa compreensio @ nosst experiéncia do espaco. Mas isso, com certeza, € insuficiente. Entre as muitas outras coisas que influenciam claramente essa experiéncia, h4, por exemplo, a raga € o género. O quanto podemos nos deslocar entre paises, caminhar & noite pelas ruas ou sair de hotéis em cidaces estrangeiras no € apenas influenciado pelo “capital”. Pesquisas mostram de que modo a mobilidade clas mulheres, por exemplo, softe restiigdes ~ de inimeras maneiras diferentes, da violencia fisica 20 fato de ser assecliada, ou de ser simplesmente obrigada a sentir-se “fora do lugar” — nao pelo “capital”, mas pelos homens, Ou, para tomar um exemplo mais complicado, Birkett (1990a), ao resenhar livros sobre mulheres aventureiras @ viajantes dos séculos XIX e XX, sugere que “agora se exige muitissimo mais da mulher para viajar do que em qualquer outro perfodo”. Os motivos que a autora oferece para esse argumento so uma mistura complexa de colonialismo, ex-colonialismo, racismo, mudlanca das relagdes de género e riqueza relativa. Uma explicagio simples em termos de “dinheiro” ou “capital” no serviria nem para comecar a entender 178 A questo. A aceleragao atval talvez esteja fortemente determinada pelas forgas econdmicas, mas no é s6 a economia que determina nossa experiéncia de espaco e lugar. Em outtas palavras e dlto de forma simples, ‘hd muito mais coisas determinando nossa vivéncia do espaco do que o “capital”. Além disso, naturalmente, 0 tiltimo exemplo indica que = “compressio de tempo-espago” niio vem cocortendo para todos em todas as esferas de atividade. Birkett (19906), novamente, dessa feita escrevendo Sobre © Oceano Pacifico: “Os jumbos permitem que consultores de computago coreanos visitem 0 Vale do Silicio como se batessem na porta ao lado, ¢ que empresirios de Cingapura cheguem a Seaitle em um dia. As fronteiras do maior oceano do munclo eso ligacas como nunca, E 0 Boeing une essas pessoas, Mas o que dizer daqueles ovos sobre os quais eles voum, em suas ilhas situadas oito quilémetros abaixo? De que maneira o poderoso 747 tar para eles uma maior comunhiio com aqueles cujas praias sto lavadas pela mesma Agua? f claro que no traz, O transporte aéreo pode permitir que os homens de negécio atravessem velozmente 0 ocean, mais 0 declinio concomitante do transporte maritimo s6 aumenta o isolamento de muitas comunidades insulares, Pitcaim, como muitas outras ilhas do Pacifico, nunca se sentiu to distante de seus vizinhos.” Em outras palavras, e de forma muito ampla, a compressio de tempo-espaco precisa de diferenciagao social, Nao se trata somente de uma questo moral ou politica envolvendo desigualdade, embora isso fosse motivo suficiente para menciond-la:trata-se também cle uma questio conceitual. Imagine por um instante que vocé esti num satélite bem longinquo € para além de todos os outros cexistentes; voce pode ver o “planeta Terra” & distancia ¢, de modo raro para alguém com intencdes pacifistas, esti equipado com o tipo de tecnologia que lhe permite ver a cor dos olhos das pessoas € os niimeros de suas placas de carro, Vocé pode ver todo © movimento € sintonizar toda comunicago que ocorra, Mais distantes Esto os satélites, depois os avides, a longa viagem entre Londres ¢ Téquio € o “pulo* entre San Salvador a Cidade da Guatemala. Uma parte disso € gente em movimento; outra, comércio lisico; outra, transmissio por meios de comunicagto, Hi fax, e-mails, cedes distibuidoras de filmes, fluxos e transagdes financeiras. Aproxime © olhar ¢ encontrar navios, trens e, em algum lugar da Asia, uma maria-fumaga subindo com dificuldade as colinas. Aproxime ainda mais o olhar ¢ veri caminhdes, cars e Snibus, e um pouco mais proximo, em alguma parte da Aftica, ha uma mulher caminhando descalga que continua 4 gastar horas por dia para buscar 4gua. Agora, quero discutir uma Unica coisa, © que se poderia chamar de geometria do poder de tudo isso: a geometria do pocler da compressio de tempo-espaco, pois diferentes grupos sociais e diferentes individuos Posicionam-se de formas muito distintas em relagho a esses fluxos ¢ interconexdes. Nao me refiro simplesmente & questio de quem se movimenta ¢ cle quem nao o fuz, embora essa questo seja um elemento importante; trata-se também do poder em relacio aos fluxos € ao movimento. Diferentes grupos sociais tém relacionamentos dlistintos com essa mobilidade diferenciacla: algumas pessoas responsabilizam-se mais por ela do que outras; algumas dio inicio aos fluxos e movimentos, outras niio; algumas ficam mais em sua extremidade receptora do que outras; algumas sio efetivamente aprisionadas por ela, Num certo sentido, no final de todo o espectro, encontram-se aqueles que estio fazendo o movimento € a comunicagio ¢ esto, de alguma forma, numa posigio de controle em relagio A mobilidade ~ os jet-seters, aqueles que mandam e recebem fax e e-mail, que panticipam de conferéncias intemnacionais, distribuem 479 filmes, controlam as noticias e organizam os investimentos € as transagdes monetitias internacionais, Esses sto 08 grupos realmente responsiveis pela compressio de tempo-espago, que podem de fato fazer uso dessa compressa e transformé-la em vantagem, cujo poder e influéncia ela com cexteza aumenta. Em suas extremidades ais prosuicas, esse grupo provavelmente abrange um bom ndmero de intelectuais e jomalistas ocidentais — aqueles que, em outras palavras, mais escrevem sobre a propria “compresstio de tempo-espago” Mas hd também grupos que fazem muito movimento fisico, embora ndio sejam de forma alguna “responsi- veis" pelo proceso. Por exemplo, os refugiados de El Salvador ou da Guatemala e os trabalhadores migrantes sem documento de Michoacén, no México, amontoando-se em Tijuana para fazer uma cortida talvez Fatal para atravessar a fronteira dos Estados Unidos ¢ ter a chance de uma vida nova, Nesse caso, expetiéncia do movimento e, na verdade, de uma confusa pluralidade de culturas, € muito diferente, E hi aqueles que vém da India, do Paquistio, de Bangladesh, do Caribe, somente para ficarem retidos numa sala de interrogatério do aeroporto de Heathrow. Ou — novamente um caso diferente - ha aqueles que esto simplesmente na extremidade receptora da “compressio de tempo-espago": uma pensionista num sofi-cama, no centro de alguma cidade deste pais, comendo peixe ¢ batatas fritas, prato tipico da classe operiria inglesa, comprado em um restaurante chinés de entrega em domicitio, assistindo a um filme norte-americano numa televisio japonesa e no se arriscando a sair depois do anoitecer. E, de qualquer forma, 0 transporte piblico foi cortado. Ainda um tikimo exemplo para ilustrar um diferente tipo le complexidade: os moracores das favel do Rio, que conhecem o futebol mundial como a palma da mao e se tornaram alguns de seus jogacores, que contribuem imensamente para a mésica global, que nos deram o samba e produziram a lambada, dangada por todos em clubes de Paris e Londres, e que, jamais ou quase nunca, estiveram no centro do Rio, Em certo nivel, essas pessoas so grandes colaboraddoras para o que denominamos “compressio cle tempo-espago”; em outro, sko prisioneiras dela Em outras palavras, isso € uma diferenciacéo social altamente complexa. Hi diferengas no grau de movimento e comunicacio, mas também no grau de controle e de iniciacio. Os modlos como as pessoas sto colocadas dentro da “compressio de tempo-espaco” sto altamente complicados ¢ extremamente variaclos. Mas isso, por sua ver, Jevanta imediatamente questdes politicas. Se a compressio de teémpo-espago pode ser imaginada daquela forma ‘mais organizada, avaliadora e diferenciada socialmente, entio, talvez exista a possibilidade de desenvolver uma politica da mobilidade e do acesso, pois parece que tanto a mobilidacde quanto 0 controle sobre ela relletem e reforgam 0 poder. Nao se trata simplesmente de uma questio de distribuigio desigual, de que algumas pessoas movimentem-se mais do que outras e que alguns tenham mais controle do que outros. Trata-se do fato dle que a mobilidade ¢ o controle de alguns grupos podem ativamente enfraquecer outras pessoas. A mobilidade diferencial pode enfraquecer a influéncia dos jf enfraquecidios. A compressio de tempo-espaco de alguns grupos pode solapar 0 poder de outros Isso est bem estabelecicio ¢, com freqiiéncia, observa-se na relaglo entre capital e trabalho. A capacidace do capital de percorrer o mundo fortalece-o ainda mais em relacio aos trabalhiadores relativamente iméveis e permite-the jogar a fibrica de Genk contra a de Dagenham. Ela também fortalece sua posiglo contra economias locais em dificuldades de todo 0 mundo, na medica em que essas economias competem pelo favor de algum investimento. 180 (Os 747 que transportam os cientistas da computagio sobre o Pacifico so uma parcela da causa do maior’ isolamento da illa de Piteaim, Do mesmo modo, toda vez que alguém ust um carro ~ ¢, portanto, aumenta sua mobilidade pessoal -, 20 mesmo tempo diminui o fundamento logico ¢ a viabilidade financeira do sistema de } transporte piblico—¢ assim também recluz potencialmente a mobilidace daqueles que depencem desse sistema, | Toda vez que se vai de carro a um shopping center, contribui-se para o aumento dos precos da loja da esquina | € até se acelera sua faléncia, E a “compressio de tempo-espaco" envolvida na produgio e na reprodugao das vidas cotidianas dos abastaclos das sociedades do primeiro mundo - niio apenas suas préprias viagens, mas os recursos que trazem consigo, de todas as partes do mundo, part abastecer suas vidas ~ pode acarretar conseqiiéncias ambientais ou promover restrigdes que limitario a vida dos outros antes de afetar suas proprias existéncias. Em outras palavras, precisamos nos perguntar se nossa relativa mobilidade e poder sobre a mobilidade ¢ a comunicagao aumenta 0 aprisionamento espacial de outros grupos. No entanto, essa forma dle pensar sobre a compressto de tempo-espago também nos faz retornar A questio do lugar @ de um sentido do lugar. De que modo, no contexto de todas essas muckingas tempo-espaciais socialmente variadas, pensamos sobre “Iugares’? Numa época em que, como se afizma, as "comunidades locais” parecem cada vez mais rompicas, quando se pode ir ao exterior € encontrar as mesmas lojas e a mesma misica de seu pais, ou comer sua comida estrangeira favorita no restaurante perto de sua casa — ¢ quando todos tm uma experiéneia diferente de tudo isso ~ como, entio, podemos pensar sobre a “local Ie"? Muitos dos que escrevem sobre a compressio de tempo-espaco enfatizam a inseguranga ¢ © impacto desordenado de seus efeitos, os sentimentos de vulnerabilidade que ela pode produzir. Alguns vio adiante ¢ sustentam que, no meio de todo esse fluxo, as pessoas precisam desesperadamente de um pouco de paz e siléncio~e que um sentido forte do lugar, cla localidade, pode ser um tipo de refiigio do tumulto, Entao, a busca pelo “verdadeiro” significado dos lugares, a exumagio de herangas, e assim por diante, interpretam-se como sendo, em parte, uma resposta 20 desejo de fixidex e de seguranca da identidade em meio a todo esse movimento mudanga. Um “sentido do lugar’, de enraizamento, pocle fomecer ~ nessa forma e sob essa interpretacio = estabilidacle e uma fonte cle identidade nao problemstica. Entretanto, nesse aspecto, o lugar e espacialmente local sio rejeitados por muitas pessoas progressistas como quase necessariamente reacionirios. Essas pessoas interpretam-nos como uma evasio, como uma retirada da (de fato, inevitivel) clintimica ¢ muclanca da “vida real’, que & 0 que devemos aprender se quisermos mudar as coists part melhor, Nessa leitura, o lugar € a localidade sio focos de uma forma de escapismo romantizado da atividade real do mundo, Enquanto o “tempo” € visto como movimento e progresso, 0 "espago” ou “lugar” é equiparado a imobilismo e reacao, Ha algumas sérias inadequagdes nesse argumento, Hé a questo de por que se supde que a compressio le tempo-espago produzira inseguranca. E preciso enfrentar - em vez de simplesmente negar - a necessidade las pessoas de ligagio de algum tipo, seja com o lugar ou com qualquer outra coisa. Contudo, € certo que hi, no momento, um recrudescimento de alguns sentidos muito probleméticos de lugar, dos nacionalismos reaciondrios aos localismos competitivos ou as obsessGes introvertidas com a “heranga’", Precisamos, portanto, pensar no que possa ser um sentido adequadamente progressita do lugar, aquele que seria adequado aos tempos globais-locais atuais e aos sentimentos e relagdes que esses tempos fazem emergir, e que seriam titeis ‘no que so, no fim das contas, disputas politicas muitas vezes baseadas no lugar. A questo € de que modo 184 mantera nogdo de diferenga geogrifica, de singularidade e até mesmo de enraizamento, se as pessoas o quiserem, sem ser reaciondtio. Annogio “reacioniria” de lugar descrita acima € problemitica de muitos modos diferentes. Um deles € a idéia de que os lugares tém identidades singulares e essenciais. Outro é a de que essa identidade do lugar ~ o sentido do lugar ~ se constréi a partir de uma hist6ria introvertida, voltada para dentro, baseada na sondagem do passado © 4 procura de origens internalizadas, trazendo 0 nome do Domesday Book.’ Assim, Wright (1985) relata a construgo € apropriacao de Stoke Newington e de seu passado pela classe média reoém-chegada (0 Domesday Book registra 0 lugar como “Newtowne (..) Ha tera para dois arados € meio (...) Ha quatro aldeias e 37 camponeses com dé2 acres", pp. 227 e 231) e contrasta essa versio com a de outros grupos ~a classe trabalhadora branca ¢ 0 grande ntimero de comunidades minoritirias importantes. Um problema particular dessa concepeio do lugar é que ela parece exigir um tragado de fronteiras. Ha tempos que os ge6grafos se exercitam com 0 problema de definir regides, ¢ essa questio de “definigio" quase sempre foi reduzida 2 tarefa de tracar linhas em torno de um lugar. Lembro que alguns de meus mais arduos momentos como gedgrafa foram gastos com relutincia para imaginar como se poderia tragar uma fronteira 20 redor de algo como as “East Midlands" ~ mas esse tipo de fronteira ao redor de uma rea distingue precisamente um interior de um exterior, ¢ pode ser facilmente uma outra maneira de construir uma contraposic2o entre “nds” € “eles” Contudo, se levarmos em conta praticamente qualquer lugar real ~ e, certamente, um lugar no definido a priori por limites administrativos ou politicos ~, essas supostas caracteristcas tém pouco valor real. Neja-se, por exemplo, uma caminhada pela Kilburn High Road, meu shopping center local. um lugar bastante comum, a noroeste do centro de Londres. Sob a ponte ferroviaria, a banca de jornais vende periédicos de todos 08 condados que ainda sfio chamados por meus vizinhos, muitos deles oriundos de li, de Irish Free State, AS caixas de correio da rua e muitas paredes vazias estio decoradas com as letras IRA. Outros espacos disponiveis estio cobertos, esta semana, com cartazes sobre um encontro especial de meméria; “Dez anos apos 44 Greve de Fome", No teatro local, apresenta-se Eamon Morrissey; no National Club, exibem-se os Wolfe Tones ¢, no Black Lion, esta o Finnegan's Wake, Em duas lojas lotéricas, vi o nome dos ganhadores cla semana: numa, ‘aparece o nome de Teresa Gleeson, na outra, 0 de Chouman Hassan, Caminhe em ziguezague, a partir da banca de jornais, cruzando a avenida quase sempre sem trifego, ¢ encontrar uma loja que, até onde me recordo, expoe saris nas vitrines. Quatro modelos, em tamanho real, de mulheres indianas, além de pegas de tecido. Na porta, um informe anuncia um concerto na Wembley Arena: Anand Miland apresenta Rekha, ao vivo, com Aamir Khan, Salman Khan, Jahi Chawla e Raveena Tandon, Em ‘outro antincio, para o final do més, est4 escrito “todos os hindus estio cordialmente convidados”, Numa outra banca de jornais, converso com o homem que cuids do negécio, um muculmano profundamente deprimico com 08 acontecimentos no Golfo, que guarca em siléncio seu aborrecimento por ter de vender 0 The Sun. No céu, ha sempre 20 menos um aviio ~ parece que estamos numa rota de v6o para o aeroporto de Heathrow e, quando 1. Cadastro das tras ingles datado de 1086, [N. do} 192

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