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FEVEREIRO 2008 Actualidade Andlise e Doutrina Lucro tributavel e contabilidade na jurisprudéncia dos tribunais tributarios superiores Norma Internacional de Contabilidade [NIC 32] Instrumentos financeiros: divulgacao e apresentaco Jurisprudéncia Juros moratoérios Juros indemnizatérios Oposicao de julgados Unido Europeia Espanha Lucro tributavel e contabilidade na jurisprudéncia dos tribunais tributarios superiores 1, AS NORMAS DE CALCULO DA BASE TRIBU- ‘TAVEL COMO NORMAS DE INCIDENCIA Cabe a0 direito tsibutivio, por imposigio do princi- pio constitucional da legalidade dos impostos, definir a base tributivel de cada tributo, Esta definigio poderia, em teoria — quando tal no contendesse com o mes- ‘mo principio da legalidade —ser realizada através de um) conceito simtético que taduzisse uma manifestacio de capacidade econémica. Poderia coneeber-se, por exem- plo, um imposto cuja base fosse definida como estando formada pelas mais-valias provenientes da venda de de- terminados bens, ov pelos rendimentos de capitais, ow pelo valor do patriménio herdado. Conrado, conceitos como 0s referidos nfo possuem as caraceristieas necessirias para serem uailzados, sem mais, 1a definigio da base wibutivel dos impostos, fundamen talmente porque, enquanto conccitos jutdicos, sio de- ‘masiado vagos ~ so conceitos jusdicos com um elevado gau de indeterminacio. E assim, 20 defini a base tribu- tive, © direitofisal tem de precisar mais estes conceitos" Dito de outro modo, o direito fiscal nfo pode limitars cestabelecer que 0 imposto reeai sobre o rendimento, mas tem de dizer o que deve ser considerado rendimento part efeitos do imposto; no pode limitar-se a estabelecer que ‘o imposto reca sobre o valor do bem imével, tem de dizer ‘oque deve see considerado valor do bem imével para ef tos do imposto; ee. E, como se disse, uma necessidade ‘que decorre do easicter indeterminado dos conceitos em causa, quando utilizados coma coneeitos juridieos; uma necessidade que decorre, portanto, de uma inadequacio ‘essencial dos mesmos conceitos para servirem como defi- nico da base tributivel, A fim de precisar estes conceitos,o discito fiscal po- * CIE — Centm de Lnvestigaio Jaiico-Heonémica dh Facaldate de Dirvto da Universidade dv Poros IPD ~ leaseno Poliéenico de Dragana dria ainda, em teoria, recorrer a uma formulagio mais complesa do conceito abstracto, afinando os seus con- tomos. Diria entio, por exemplo, que 0 imposco recai sobre “o rendimento entendido na acepeao de acréscimo patcimonial, segundo a teoria de Schanz-Haig-Simons, corrigido pela exelusio das expectativas”, Mas esta de finicio, que porventura seria correcta do ponto de vis- te da cigncia econdmmica, seria afinal tio indeterminada, quando tansposta para 0 plano da aplicagio do diteito (ic, enquanto conecito juridice) como o simples con- ceito de “rendimento”, Continuatia a ser uma definicioy aio aceitivel do ponto de vista do prinefpio da legal de, porque o seu grau de indeterminagio niio permititia considerar suficientemente tipificado o facto tributivel. ‘A técnica que 0 direito Fseal desenvolveu, no sen: tido de obser definigdes da base tributivel adequadas: 0 principio da legaldade, consiste em estabelecer te- ‘gras precisas parm o cileulo da base tributivel. Entio, por exemplo, depois de estabelecer que o imposto recai sobre as mais-valias,a lei diz. que a mais-valia se ealeula “suberaindo o valor de aquisieo do bem, corcigido pelo coeticiente de desvalorieacio monetitia egalmente esti palado, a0 valor de realizagao”. TTorna-se dbvio, mas importa sublinhar que, através estas regeas de cileulo, lei fiscal esté ainda a definir base tributivel, No exemplo, o destinatisio da norma fica.a saber que a base do impostoé Formads, ealmen pela diferenca entre 0 valor de realizagio na aienagio de tum bem ¢ 0 valor de aquisigio actualizado pelo coe ciente de depreciagio monetitia, o que é uma definicio mais precisa, com um maior grau de determinabilidade?, do que o simples conceito de mais-valis.H ielevane para a determinacio em conereto da base tribucivel, que aquela diferenca traduza efectivamente uma mais-valia em sentido econdmico. ‘Neve senda, SALDANHA SANCHIES, JL, Conesio de Ren memo do IRS, Fix °7/8, 20, 34. 2-CASALTA NABAIS,, Dale fndametal pg input Addis Cann, 198, p68, REVISTA FISCAL Fevers | 2008 7 No caso da tributacio do Incro de uma aetividade ‘empresarial, & também isto 0 que normalmente acon- tece, A lei do imposto determina que a base tributivel & formada pelo lucro (coma acontece no artigo 3°, n° 1-a) do CIRO) e pode mesmo refinar um pouco mais 0 endo que este lucro consiste “a diferenca entre 0s valores do patriménio liquide no fim € no ini cio do periodo de tibutacio”, optando entio por ur conceito de rendimento-aceéscimo (como acontece 20, artigo 3°, a* 2, do CIRC). Mas como esta é ainda uma definigio demasiado vaga, que nfo tpifica suficiente- mente o facto triburivel, a lei estabelece em setuid ‘um extenso conjunto de regeas sobre como se determi 1a 0 lucro para efeitos de aplicagio do imposto. Mais uma vez, devemos sublinhar que estas tegras de cileulo nio sio simplesmente deduzidas do concei- to de luero e, por conseguinte, nao tém um valor me- ramente declarative em relacio & norma definidora da base, mas tém um valor constitutivo, pois definem ex: novo aspectos parcelares da base tributivel. Assit, por cexemplo, a norma segundo a qual as amortizagdes para efeitos fseais sio calculadas sobre o valor de aquisicao determinado a0 custo hisiérico, implica que a base do imposto é formada por um lueeo no qual no se tem «em conta 0 efeito da inflagio sobre 0 valor das imobi- coneeito,d lizagdes. Como facilmente se entende, um Iuero que tenha em conta este efeito no é menos Iuero do que 0 primeizo, mas é apenas outro luero. 2, UMA ESPECIFICIDADE DO IMPOSTO SO- BRE O LUCRO: A CONEXAO COM A CONTABILI- DADE COMERCIAL ‘Temos, pois, demonsteado que as normas sobre como se determina o lucro, nos impostos sobre 0 ucro empresatial, sio normas que definem a base eributivel ,nesse aspecto,estio até abrangidas pelo principio da reserva de lei 'No caso especial dos impostos sobre o lero em- presarial, porém, a regulaglo do eileulo da base & acompanhada de um elemento normativo especifico deste tipo de impostos, ¢ que esti relaionado com a particular complesidade do coneeito de lcro de uma actividade empresarial ¢ do seu processo de determi- nagio. Com efeito, 0 direito iseal, nio s6 em Portugal ‘mas na generalidade dos ordenamentos jurdieos, tanto fos sistemas romano-germinicas como nos sistemas de “common law", nio tem conseguido aleancar, de forma auténoma, uma regulagio exaustiva € a0 mesmo tempo efieax do processo de determinagio da base ti- 8 REVISTA FISCAL butivel nos impostos sobre os luctos empresariais. 0 {que nos permite dizer que, no caso dos impostos sobre o lucto, a técnica que consiste em enunciar regess para © cileulo da base tibutivel nfo se mostra suficiente ‘quanto i regulagio da determinacio da mesma base tributavel. Para colmatar esta insuficiéncia, 0 direito fiscal re- corte entio a um outro instrumento de regulagio que consiste em estabelecer uma certa correspondéncia en- tre, por um lado, a dererminaga0 da base tributivel por outro, a contabilidade comercial eas eontas annals comerciais Esta cortespondéncia, como adiante se demonstes- ‘i, pode assumir variadas Formas e, consoante a forma ‘que assuma em cada situagio, teri um determinado feito na quantifieagio da base tributivel. Considere- -se um primeiso exemplo, propositadamente muito ples. Se a norma fiscal determina que a amortizagio fiscal nto pode exceder a amostizacio feita na contabi- lidade comercial no mesmo exercicio, ¢ se esta amorti- zagio comercial & de 10, a amortizagio fiscal nfo pode set 12, mas pode ser 8. Se a norma fiscal, 20 contritio, dlispuser que « amortizagio fiscal € necessotiamente {gual 4 amortizagio comercial, a amortizagio fiscal nto poderi ser 12 nem 8, mas tem de ser igual a 10. Sio, portanto, duas formas diferentes de correspondéncia centre a determinagio da base tibutivel e 2 contabili- dade comercial. ‘Uma vez. que, como fica também demonstrado, forma que reveste a mencionnda relagio entre a detet- rminagio da base tibutivel e as eontas anuais comer- ciais influencia a quantifcagio da base tributivel, tam- bém ela nio pode deixar de ser definida pela lei fiscal, por forca da principio da legalidade, Por isso dizemos que se trata de identificae a relagio normativa (ie. jui- 3- Verse neste cod o Asia do Supeeno Taal Adminis si de 3700, prc. 2 250 44 Tr “cntaiidide comets” « “contr comers dein de exer ico", queemos designe 4 contd de bse e as conta de fen de esc debra sic © pach ds cumpiment ir dporgdes (41s comercial, mm religion conte de i de earl, este i ma ‘cera talgio as donsina porcgsea no send d= as designe corn paengo", numa adesto & terminoogia uaa pelt dona ern © faa (eg SALDANHA SANCHES, | Ls Evi de Dine Cina ¢ Fi Coimiva Eors, Comb, 200 "A Quanicagi da Obrnas0 “Tein, Cok de Cia ¢ Tis Fin 173, Cetzo de Estos Feel Lisho, 195, pp 240s) Noentant,robrena pars guano ‘ts fala com sdoutina alm ellis, entendemo ge 0 tn "alae" pando weal em porns pide const uma fs ‘ke confusn, pelo fice de “balan”, ao sso comeblisseo pores, ‘signa apenas uma pega dae conta de fim de eerie. Trtadose presente de um puleaco descinada tanto 2 juss eon a economse fae, prefer, eve cas, 0 erm “eons anus” ou "Ae fim be Fevereiro | 2008, dicamente regulada) estabelecida entre a determinagio da base tribucivel ¢ a contabilidade comercial Apesar disso, sio poucos os ordenamentos juci- dicos em que encontramos wma norma expressa que defina esta relagio com a precisio que o principio da legatidade exigiria. Normalmente, para determinar a norma que regula aquela relagio em determinado ordenamento, torna-se necessirio conjugar diversas disposiges legais. Em quase todos 0s ordenamentos, 1 jurisprudéncia tem um papel decisivo na definigao da norma, quando no é a sua principal fonte. Em muitos casos, ainda, 2 norma é em grande medida conformada 2 pactie da pritica administrativa, em in- sanavel contradigio com o principio da legalidade dos impostos. 3. A DEPENDENCIA-PREJUDICIALIDADE, Centrando-nos agora sobre as formas possiveis que pode assumir a relagio entre a determinagio do hucro tsibutivel eas contas anuais comercinis— ie. as contas de fim de exercicio elaboradas e aprovadas nos termos; «para dar cumptimento as disposigdes da lel comer- cial - comegamos por referir um aspecto que deve ser cexcluido deste campo, Referimo-nos fi remissio que dizeito fiscal fz, quando o fxz, para o diteito contabi- listico comercial. Eo que encontramos, por exemplo, 108 artigos 17°, n° 3-a), € 98°, a” 1, do CIRC que nos dizem que o lucro tributivel & determinado com base ‘numa contabilidade elaborada de acordo com a disci- plina da contabilidade comercial Estas normas operam um reenvio sormativa, 0 qual, como é sabido, é um instrumento de técnica le- tislativa, “através do qual o legislador ordena que uma norma incompleta seja completada através de outra norma ou parte de outra norma’, Bste aspecto & de uma grande importincia em toda a problemitica da re- fgulacio da determinagio do lucro teibutével, mas nao & sobre ele que se debruga a presente reflexio. O aspecto que pretendemos analisar neste momento € apenas 0 da relagio entee a determinacio do lucro tributivel eas contas anuais eomerciais concretas, i. 0 acto juridico ateavés do qual se fixaram, para os efeitos do direito comercial, 0 valor do patriménio e os resultados da cexploragio de uma empresa num determinado ano. Quando existe uma correspondéncia obrigat6ria, as rias formas que esta relacio pode revestir siroam- se, em geral, dentro de uma modalidade genérica que se pode designar como dependéncia-prejudicialidade®. Uma relagio de dependéncia-prejudicialidade pode ser escrta como uma regea segundo a qual a5 valoragbes (em sentido amplo, absangendo tanto a qualifcacio dos factos econdmicos, como a respectiva imputagio temporal, como a atribuigio de um valor monetisia) sealizadas nas contas anuais comercinis, que sejam con- formes com o dircito contabilistico comercial © que, além disso, sejam compatives,ie., aceitiveis de acordo com a norma fiscal, devem ser mantidas para efeitos fiscais, 0 mesmo & dizer, na determinagio do luceo tri- butivel” ‘Atzavés de uma anilise comparada e hist6riea des- te principio nos ordenamentos nos quais o mesmo se consagrou mais cedo e se encontra hoje doutrinalmen- te mais sedimentado, podlemos concluir que o prinefpio assenta em dus finalidades prineipais, sem prejuizo de se poderem verificar ocasionais desvios em relacio as mesmas: i) a prova de que os juizos valorativos dis- cricionarios, através dos quais 0 empresitio calcula 0 lnczo teibutivel, corresponcem & verdade e alo visam apenas minimizar ou diferira tribueagio; e ii) a garantia de fo distribuigio de quaisquer lucros antes da sua sujeigio a imposto. 4, VARIANTES DA RELAGAO DE DEPENDEN- (CIA-PREJUDICIALIDADE Uma relagio normativa entre a determinagio do lucro teibutivel e as contas anuais comercinis do tipo referido representa sempre uma restricio da libeedade dos administradores da empresa no que diz respeito & quantifieagio do lucro tributivel, ma medida em que as opgies de valoragio (continuando a usar o termo valoragio no sentido amplo anteriormente fixado) que faz na contabilidade comercial 0 vinculam, sendo por isso prejudiciais ou preelusivas, em relacéo ao cileulo do luceo tsibutivel. Os administradores ficario assim divididos entre o seu interesse de, no Ambito das re~ laces de direito privado, mostrar o melhor luero « a melhor situseao Kiguida que cabem dentro de uma ima- gem verdadeira¢ justa, e de, n0 plano fiscal, revelarem ‘© menor luceo possivel. A “verdade das contas” situar- 5 KARPEN, H-U, Die Verneiuog als Mitel der Gesetagebunsnech+ rik, Wille Grates, Beri, 1970, 29. (60 temo é orgie usin iiana, oad fl propsto pr FAL- SITTA, G, It ane rice dle npr Gils, NERO, 18S, 5 Sobre 6 tema da dependénca do eicok co hr rbutvel er lac & contabliade commercial de verse em Porn, CASTRO TAVARES, “Ty "Ds relagcle dependne parcial ene 4 comaiade e 0 dest fel determinagio do sendment tabi dos pessoas cleus slumasceflener ao nel dos este", CTE, 2 396, 1904 7 KNOBBE-KEUK, B, Bilsnsand Unterachmens-steurzecht ed, ‘Ott Sein, Colona, 1993, p18, REVISTA FISCAL Fever | 2008 9 se-d no ponto considerado de equilibrio pelos préprios administradores. ‘A cegra geral de dependéncia-prejudicialidade com- porta variagdes, as quais tém como efeito, umas vezes, alivias, outras vezes, intensificar a mencionada restei- fo da liberdade dos administradores na quantificagio do luceo fiscal. Dentro das formas mais intensas de dependéncia- prejudicialidade est aquela em que o direito fiscal exi- ‘ge uma coincidéneia entre a valoragio ow a qualificacio comercial ea valoragio ou a qualificacio fiscal, 20 a mo tempo que dita a sua propria regra de valoragio ou ‘qualificagio, em diserepincia com a norma comercial ‘Quando esta situagio se verifies, para cumprir 0 requi- sito de eoineidéncia, o contsibuinte vé-se obsigado a adoprar as normas de valoragao © qualificagio fiscais também na contabilidade comercial. Ocorre entio 0 fendmeno designado pela douteina ialiana® como he- tero-imtegragio do direito comercial pelo dircico fiscal, significando que a lei fiscal passa a ser também fone de direito comercial material. ‘Um pouco diferente da anterior & a situagio em que a lei fiscal estabelece normas de valoracio espe- cinis com o caricter de beneficios fiscais e de uilizagio facultativa, exigindo como condicio da sua wtlizagio que as mesmnas valoragdes vantajoses sejam adopradas Di-se nesta situagio um inversa, que também ocorre fendmeno de dependénci fa situacio anterior, mas porque as normas de valo- gio fiscais sio normas que conceder um beneficio fiscal, sendo, pois, normas dispositivas, a dependéncia, inversa € neste caso um énus para a utlizagio facul- tativa de uma vantagem fiseal, ¢ no a consequéncia incvitivel de uma norma injuntiva, De um modo ge- ral, tem-se assistido nos diversos ordenamentos, era especial nos ilkimos vinte anos, a uma tendéncia para serem adoptadas formas menos restitivas de depen- déncia-prejudicialidade. Por exemplo, e sem preten- dlermos ser exaustivos sobre esta matéria, em vitios omdenamentos nos quais existiu tadicionalmente uma dependéncia-prejudicilidade “Forte”, foram retira- das do Ambito deste principio as situagies referentes a beneficios fiscais. Assim, por exemplo, se a norma tributivia, com 0 objectivo de concedes um beneficio fiseal, determina que, para efeitos de cdleulo do luezo twibutivel, & dedutivel um custo superior a0 custo real {exemplo de uma norma deste ipo é a que prevé a possibilidade de deducio de custos de “amortizagio acelerada™), a norma excluiri esta valoragio fiscal do Aimbito da dependéneia-prejudicilidade™ Ao regular o cileulo do lucto tributivel, o diteito iscal estabelece, como ji se disse, eritérios prdprios de valoragio, qualificagio © imputagio temporal dos fac- tos econémicos. Fi-lo porque no pode —por razdes ‘que aqui nio podem ser exploradas mas que se pren- dem com as caracteristicas proprias do direito conta- bilistico comercial — deixar a quantifieagio da base tributivel totalmente dependente de uma remissio pura e simples para o mesmo direito comercial. Estes critérios fiscais, embora possam assentar, parcialmente, ‘10s mesmos principios fandamentais que regem a con- tabilidade comercial, podem considerar-se Sempre em ‘alguma medida em antinomia com as normas contabi- listicas do direito comercial, pois ha sempre um cee- to ndmero de solugies possiveis segundo a disciplina comercial que no sio admissiveis segundo as normas fiscais, ou vice-versa A fim de conciliar as duas diseiplinas, © dircito fiscal pode estabelecer um mecanisma de corzeceio extracontabillstea. Este mecanismo de correccio extracontabilistien € apenas aparentemente simples, levantando na peitica, devido 4 ambiguidade das for- mulagies legais, delicados problemas de intexpretacio das normas, dos quais 0 primeiro é desde logo deter- minar os easos em que a norma fiscal de valoragio consente ser aplicada através de um ajustamento ex- tracontabilisico, Os ajustamentos extracontabilisticos levantam pro- Dlemas, em segundo lugar, quando se trata de articular este mecanismo com o principio de dependéncia-pre- judicalidade. Por exemplo, no IRC, as amortizagdes formam uma area em que, de acordo com a pritica ‘mais do que com uma norma perfeitamente expeessa, se admite a actuagio do meeanismo do ajustamento extrz-contabilistco, Mas é também um campo no qual rexe o principio da dependéncia-prejudicalidade, neste caso até por forea de uma norma expressa (0 artigo 1°, 1°3, do Decreto Regulamentas n° 2/90). © mecanismo das correcedes extracontabilisticas = que corresponde a uma pritica administrativa de aptirimento do lucto tributivel e é despravido, por na tureza, de um contetido normative — tem, entio, de ser cntendido, em eada ordenamento, em aeticulagio com 4 norma em vigor nesse ondenamento sobre a corres: pondéncia entre a determinagio da base tributivel e as contas anuais comerciais. BTALSITTA, Gop ct. Ht 9 Sabze a alien demas snsgct com benefice: fees, FREL ‘TAS PEREIRA, MH, Fvald, lens, Carbs 2005, 0.373 10 o exo do ae 19% 9° daca Ley dl Ipasty sabe Soi dhdes espanol 10 REVISTA FISCAT. Fevercin | 2008 © principio de dependéncis-prejudicialidade pode, por exemplo, ser recortado do seguinte modo: nna determinagio do lueto fiscal, iio podem ser con- siderados custos superiores nem proveitos inferiores 20s considerados na contabilidade comercial, Poder, fo entanto, ser considerados custos inferiozes e pro veitos superiores aos incluidos na contabilidade co- mercial, quando a norma fiscal de valoragio permita estas diferentes valoracdes'!. Este é um principio que poderi ter a sua origem no direito italiano, e que sig- nifiea que o Iuero a tsibutae pode diverge do Iuero ‘comercial “in melivs” mas nto “in pelus™ Assim, se a norma fseal estabelece que o limite maximo de um ‘eusto, por exemplo, uma amortizacio, & de 100, e se, 1a contabilidade comercial, foi inscrta uma amorciza- io com um valor de 150, 0 valor comereial poder ser mantido para efeitos comerciais, sendo ajustado a0 eritério fiseal, para efeitos tributivios, atavés de uma corteegio extracontabilistia Se nto for peemitida esta variagio extracontabilis- tica, entlo 0 contribuinte seri obrigado a adoptar 0 crtésio fiscal também no plano das relagGes de direito privado, o que se traduziri numa hetero-ineegragio do direito comercial pelo dircto fiseal e num fendmeno de dependéncia inverse. No entanto, para que nko exista hetero-integeagio € no se produza dependéncia inversa, é necessério mais do que permits, num determinado exercicio, 0 ajustamento para menos de um custo, ou 0 ajusta~ mento para mais de um proveito, no mesmo exercicio. E necessério que, num exercicio posterior, se permita 20 contribuinte efectuar os ajustamentos simétricos, autorizando-o a incluir no lucro tributivel custos su- periores, ou proveitos inferiores, aos considerados na contabilidade comercial do mesmo ano. Pois se, por cexemplo, na contabilidade comercial, 0 contribuinte amortizou o bem em cinco anos, quando para efeitos fiscais 86 pode amortizar 0 mesmo bem em oito anos (porque é este © periodo minimo de vida iil admiti- do pela norma fiscal), sendo o ajustamento feito por correcgio extracontabilistica durante 0s primeiros cinco anos, nos tltimos trés exercicios, a amortizn- 4gio fiscal seri superior 4 amortizagio comercial, que Entio, para nfo se traduzir em hetero-integeacio nfo implicar dependéncia inversa, a norma fiseal poder precisar que nio podem ser ineluidos no Iuceo tributivel: i) custos superiores aos custos in- eluidos nas contas comerciais do mesmo exercicio ou de exercicios anteriores; il) e que a incluso de proveitos reconhecidos nas contas comerciais no pode ser diferida para efeitos fiseais, mas pode ser antecipada's, Esta forma de dependéncin-prejudicia- lidade mitigada pressupde, portanto, que, no Ambito da correspondéncia entre a determinacio do lucro triburivel e a contabilidade comercial, os exerci nfo sejam considerados em total autonomia, 5. ANORMA DO ARTIGO 17° DO CIRC A partir das breves nogdes que ficaram expostas, é Ficil coneluir que 2 parea regulacio contida no ar- tigo 17° do CIRC € manifestamente insuliciente para cobrir todos os aspectos da relagio normativa entre a determinacio do luero tributivel e a contabilidade comercial. A expressio “determinados com base na conta lidade” (artigo 17°, n° 1, in ine) sugere um principio geral de dependéncin-prejudicialidade. A expressio “eventualmente corrigidos nos termos deste Cédigo”, [por seu turno, aponta no sentido de alguma forma de mitigagio do principio, A formulagio utilizada em al- guns locais da le, 0 precisar que a norma se aplica es- pecificamente & determinacio do lucro tributavel (x cs artigos 18", 21°, 22", 24°, c, em particular, 33%), ind cea que tis normas sio especiais em relagio as normas; contabilisticas do dircito comercial, o que corroboraria a hip6tese de um principio de dependéncia-prejudici lidade mitigado, Porém, jf noutros locals da lei encontramos f6r- ‘malas que apontam aum sentido posto. Por exem- plo, a formulagio do artigo 26°, sobre valorimetria de cexisténcias, sugere que a norma fiscal se destina a ser aplicada a valoragio das existéacias também na con- tabilidade comercial, 0 que, a ser assim entendido ¢ aplieado, seria um easo de hetero-integragio do direito comercial pela lei fiscal. Cabe, assim, & jurisprudéneia dos eribunais trios superiores um papel terminante na defini¢io da norma vigente no ordenamento portugues sobre a tribu- lagio normativa entre a determinagio do lucro teibut vel ea contabilidade comercial. A esta luz, assinalamos em seguida © que nos parece seem alguns passos im- portantes dados pela jurisprudéncia no recore relagio. 1 mbm este principio hoe ctmsagealo oo ago 19" da acral Ley dt Impucso sole Sociedade espanol © no aig 1097 do wx mle dle impose st ed alan, 12GALEOTTI-PLORL, M.A, Aye fb dls poi nis Ric Datos Coereiih in. 6, 974, 9. 96907 13 et sgn acta do dito espanol, consagea no ari 19%, 3 da Ley del Impuest sobre Sia REVISTA FISCAL. Feverio | 2008 11 6, © PRINCIPIO DA “CORRECGAO SIMETRI- oe Neste sentido, merece ser apontada em primeiro lugar uma decisio em que © TCAS™ reconheceu € aplicou o principio da correecio siméutica dos balan- cos", com base no principio da justiga. No caso, © contribuinte havin deduzido num exercicio (1991) um custo (eelativo a IVA) que correctamente deveria ser incluido no valor de aquisigao de determinadas imobi- lizagdes e deduzido com as amortizagaes eespectivas 20 longo do periodo de vida dil dos mesmos bens. No exercicio de 1991, 0 contribuinte declarou, por tanto, um luceo tibutivel inferior ao que devia ser declaeado, Mas nos exercicios seguintes, a0 nfo in- cluir 0 valor do IVA nas amortizagies das imobiliza- ces, apreseaton um luceo eeibutivel superior 20 que deveria deelarar, A Administeagio Fiscal pretenden it apenas 0 Tucro inalterado o lucro tribueivel dos anos seguintes. A consequéncia deste procedimento seria que 0 contri- buinte seria tibutado duas vezes pelo mesmo lucro, no valor correspondence Aquele custo euja imputacio se cortigia. O tribunal eatendeu, invocando o princ pio da justiga, que, sem alterae 0 fuera tsibutivel dos exercicios seguintes ~ ie, sem efectuar uma correccio simétrica ~ a administragao fiscal nto poderia aleerar © lucto do exereicio de 1991 © aspecto aqui tratado tem relevincia pata o tema da relacio entre a determinagio do lucro tributével e a contabilidade comercial. A manter-se o principio dese- shado nesta decisio, de futuro, sempre que a ndmini teaglo fiscal entender alterar a impotacio temporal de tum custo, tee de ter em conta o efeito dessa alteracio outros exercicios, que tanto poderio ser anteriores: como posteriores a0 da correceio inicial, ¢ slterar 0 lucro tributivel eorrespondente a todos os exercicios afectados pela alteragio, independentemente de, con- siderando cada exercicio em separado, existir uma cor- respondéncia com o Iuero evidenciado nas contas co- merciais. Assim, no enso, se tivessem sido corrigidos os valores das amortizagGes nos exercicios subsequentes 1991, isso significaria que se estariam a admitir, para esses anos, valores de amortizagio nfo evidenciados na contabilidade comercial. Teremos aqui uma mitigacio do principio de dependéncia-prejudicialidade, No caso concreto, 0 reconhecimento do lucro pasa «efeitos fiscas seria antecipado em relagio 20 momento do reconhecimento do mesmo lueto para efeitos co- merciais. Mas podem-se verificar siroagées em que @ alteragio importe um diferimento do reconhecimento do lucro para efeitos tributitios, em relagio a0 mo- mento do reconhecimento do mesmo lucto para efei- tos comerci 7. O REGIME FISCAL DAS PROVISOES PARA ‘CREDITOS DE COBRANGA DUVIDOSA NA JURIS- PRUDENCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES 7.4, REGRAS FISCAIS DE COMPETENCIA TEM- PORAL Em matésia de provisdes para créditos de cobranga duvidosa, dispde 0 artigo 34°, a* 1, do CIRC que “po- dem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisdes que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercicio possam ser considerados de cobsanga duvidosa e sejam evidencis dos como tal na contabilidade”, Comece-se por obser- var que ni se contém aqui uma norma expressa de de- pendéncia-prejudiciaidade, Com efeito, uma tal regra, aplicada a esta situagio, significaria a impossibilidade de deduzir para efeitos de céleulo do lucro tributével qualquer provisio que nio tivesse sido deduzida tam- bém para efeitos de edleulo do luero comercial quan- do, segundo um entendimento praticamente unénime, 1 exigéncia do artigo 34°, n” 1, do CIRC de que os exéditos sobre os quais se constitui a provisio devem estar “evidencindos como tal na contabilidade” se re- fere nio a constituigio da provisio nas contas comer ciais, mas apenas & qualificagio do cxédito como sendo de cobranca duvidosa. Assim, a aplicagio da regra de dependéncia-prejudicialidade a esta situagio, com a consequente exigéncia de constiruigio da provisio nas contas comercinis, nfo poder apoiar-se senio, exclusi- ‘vamente, no artigo 17°, n° 1, do CIRC. Por seu turno, 0 artigo 35° do CIRC estabelece re- {gr08 muito precisas sobre a competéncia temporal da provisio por créditos de cobranga duvidosa. A fim de subirair 0 jufzo sobre a competéncia temporal da pro- ‘visio a uma avaliagio subjectiva da verificagio do risco| de incobrabilidade, a norma tributiria fixa regras que traduzem a presungio da verificagio do risco e de um certo geau de sisco, em fangio da ocorréncia e da du racio da mora por parte do devedor". ‘Tem sido objecto de controvérsia a questio de sa- ber se estas regras sobre a competéncia temporal ds provisio por eobranga duvidoss podem em algum caso 1 AecTCAS de 21.62003,pros-n*3616/01, 15 Importamos © tema silizdo na doutina frances (DAVID, C LATOURNERIE, M-A, POUQUET, Oe PLAGNET, B, Les Grands ‘Aves dela Jusspradence Fae Sey Pass 88, p30, 16 Nese sentido, Aeduho TCAS de 21.201, “Sonat”, proc a rmis;02, 12 REVISTA FISCAL Fees | 2008

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