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HOWARD S. BECKER METODOS DE PESQUISA EM CIENCIAS SOCIAIS "TRADUGAO MARCO ESTEVAO RENATO AGUIAR REVISAO ‘TECNICA MARCIA ARIEIRA Quarta Edigéo EDITORA HUCITEC ‘Sao Paulo, 1999 CAPITULO 1 Sobre Metodologia A metodotogia é importante domais para ser deixada aos metodélogos. Por meio desta pardfrase trivial, quero expressar ‘uma distingao que ficara mais clara quando eu definir o8 termos. A metodologia 0 estudo do método. Para os socidloges, presu- ‘me-se que seja estudar os métodos de fazer pesquisa sociolégica, de analisar o que pode ser descoberto através delas e 0 grau de confiabilidade do conhecimento assim adquirido, e de tentar aper- feigoar estes métodos através da investigagao fundamentada e da critica de suas propriedades. Pode-se dizer que a metodologia assim definida é assunto de todos os socidlogos, uma vez que eles participam na realizarao de pesquisas ou na leitura, critica e ensino de seus resultados. Isso certamente é verdade. Porém, temos cursos de metodologia que alguns sociélogos ensinam, mas nem todos. Temos uma Segio de Metodologia da Associagdo Sociolégica Americana A qual al- guns socidlogos pertencem, mas nem tados. Em suma, alguns s0- ciGlogos séo metodélogos, mas outros nao sio, o que significa dizer que em algum sentido institucional a metodologia nio é assunto de todo socislogo, a despeito de que devesse sé-lo ou néo, ou de na realidade sé-lo ou nao. Surge entéo a questo de determinar se 0s metodélogos — os guardides institucionalmente aceitos da metodologia — lidam com o espectro pleno de questées metodo- logicas relevantes para a sociologia ou se lidam com um subcon- junto nao aleatoriamente selecionado (como eles poderiam dizer) destas questocs, ‘Obviamente eu levanto essa questo porque acredito que eles 18 SOBRE METODOLOGIA nao Tidem com o espectro pleno de questées com que deveriam lidar, Em vez disso, eles tentam influenciar outros soviélogos para que adotem certos tipos de método; ao fazé-lo, deixam os prati- cantes de outros métodos sem 0 necessério aconselhamento me- tadolégico © nao conseguem fazer uma anslise adequadamente plena dos métodos que eles de fato consideram, Nao estou fazendo este julgamento severo com 0 objetivo de confronto. Estou menos preocupado em provar que os metodélogos causaram danos do que em aperfeigoar a prética metodolégiea por meio da remogiio de algumas das barreiras atualmente nao investigadas entre a metodologia e a pesquisa Primeiro abordo a questo dos limites da metodologia conven- cional, demonstrando (0 que pode ser ébvio) seu carter predo- minantemente proselitizante. Entdo considero modalidades alter- nativas de diseurso metodolégico, inclusive algumas que, se fos- sem mais comumente usadas, poderiam aperfeigoar nossa mestria metodolégica, Finalmente, diseuto algumas questées importantes de método que padecem, neste momento, de falta de investigagao ‘metodolégica sustentada. CIALIDADE PROSELITIZANTE Embora alguns renomados metodélogos ¢ fildsofos da ciéneia acreditem que a metodologia deve se dedicar a explicar e aper- feigoar a pratica sociolégica contempordnea, a metodologia con- vencional em geral nao faz isso. Ao contrario, ela se dedica a dizer aos sociélogos 0 que deveriam estar fazendo e que tipos de método deveriam estar usando, ¢ sugere que eles ou estudem 0 ‘que pode ser estudado por estes métodos ou se ocupem em ima- ginar como 0 que querem estudar pode ser transformado no que pode ser estudado por estes métodos. Chamo a metodologia de especialidade proselitizante por causa desta propenséo muito for. te dos metoddlogos a apregoar uma “maneira certa” de fazer as coisas, por causa de seu desejo de converter os outros a estilos de trabalho apropriados, por causa de sua relativa intolerdncia com o “erro” — todas estas caracteristicas exibindo a mesma con- viegdo autoconfiante de que “Deus esta do nosso lado” que esta associada as religies proselitizantes. Que forma de salvagdo a metodologia vende? © que eles pro METODOLOGIA COMO UMA ESP! SOBRE MBTODOLOGIA 19 em como caminho apropriado para uma ciéneia melhor? Os de- talhes variam e de fato demonstram uma tremenda quantidade de culto da novidade. Em certo momento, pode nos ser assegurado que somente através do uso de concepgdes experimentais estritas em condigoes controladas de Iaboratério podemos obter proposi- 80s cientifieas rigorosamente testadas. Um ano depois, uma ou- tra pessoa nos urge a prestar uma atengao mais euidadosa aos nosso procedimentos de amostragem, do contrario nossas con- clusdes acabario por ser inaplicdveis em qualquer universo maior. Alguns lamentam a ineapacidade dos socislogos de repro- duzir estudos anteriores, e outros recomendam um uso mais ex- tensive de modelos estatisticos de inferéncia causal, “path ana- lysis, modelos matematicos, téenieas eomputacionais — cada ‘uma dessas opgdes tem seus eampedes. Por baixo desta aparente diversidade, pode-se discernir facit- mente um padrao comum: uma preocupacao com métodos quanti- tatives, com a concepgio @ priori da pesquisa, eom téenicas que minimizem a chaneo de obier conclusdes nao confidveis devido a variabilidade incontrolada de nossos procedimentos. Seria exees- sivamente extremo dizer que os metodslogos gostariam de trans- formar a pesquisa sociolégica em algo que uma maquina pudesse fazer? Acho que nao, pois os procedimentos que eles recomendam tam todos em comum a redugao da area em que o julgamento Jhumano pode operar, substituindo este julgamento pela aplicagao inflexivel de alguma regea de procedimento. Esta substituigio é certamente recomendivel, pois nio se pode ter uma ciéneia quando se permite que proposigdes sejam feitas sem outra garantia que ndo a de que “parece ser assim para mim’. ‘ais afirmagoes estdo notoriamente sujeitas a todo tipo de in- fuéneias estranhas, sobretudo a racionalizagao do desejo. E as proposigées geradas por procedimentos mais cientificos podem, ainda assim, estar sujeitas a estas influéneias em qualquer ponto onde 0 que deve ser feito nao for especificado. Portanto, um pro- cedimento de amostragem plenamente especificado, a semethanga de uma maquina, 6 methor do que a amostragem por eotas, que deixa & escolha do entrevistador quais homens brancos de meia- * Opton-se aqui pela manutengio do termo em inglés por ser de uso cor- rente na producao brasileira em Sociologia e Kstatistica (nota da revisora) 20 SOBRE METODOLOGIA idade ele entrevistard, e portanto a mercé de quaisquer biases* nao aleatérios que possam afetar o que o entrevistador faz, com o perigo de que estes biases tenham uma correlagao com atitudes em estudo, Se um entrevistador, temendo a rejeicao, escolhe pes- soas “legais”, e se este “ser legal” estiver correlacionado a atitudes politicas liberais, por exemplo, o procedimento de amostragem indo especificado pode produzir resultados distorcidos, o que nao ocorreria quando se utiliza a amostragem probabilistica, Portanto, a atividade da ciéncia como maquina tem muito a recomendé-la, eliminando todo tipo de tendéncias incontroladas. Mas, como se sabe muito bem, é dificil reduzir a ciéneia a tais procedimentos estritos e a algoritmos plenamente detalhados. Diante desta dificuldade, podemos optar entre dois eaminhos pelo ‘menos, Ao invés de insistir em procedimentos mecénicos que mi- nimizam 0 julgamento humano, podemos tentar tornar as bases destes julgamentos tao explicitas quanto possivel, de modo que outros possam chegar a suas préprias conclusées. Ou podemos transformar nossos problemas em problemas que possam ser re~ solvidos por procedimentos tipicos de uma maquina. Ou podemos decidir nao estudar os problemas que nao possam ser transfor- mados da maneira acima, sob a alegagao de que é melhor aplicar nossos limitados recursos em problemas que possam ser manipu- lados cientificamente. De maneira geral, os metodélogos contempo- rraneos escolheram o tiltimo eaminho.! Poderfamos considerar a opgao deles como razoavel, nio fosse pelo fato de que a maioria dos sociélogos ativos em pesquisa nio a aceitam. As pessoas que fazem pesquisa sociolégica muitas ve- zes aceitam e até mesmo defendem a tendéncia geral dos meto- preferncia, inclinago, vies ete. Entretanta,optamos por deixar o coneito SOBRE METODOLOGIA 21 délogos de demandarem métodos mais “rigorosos”. Porém, elas nao aceitam a recomendago implicita de n&o fazer © que néo pode ser feito desse modo rigoroso, Embora respeitem as reali- zagdes dos metodélogos, respeitam outras realizagdes também. E estas outras realizages sao concretizadas com métodos pelos quais a metodologia convencional, por nao chegar a aprové-los especificamente, fez pouco no sentido de formular, criticar ou aperfeigoar. Permitam que eu proponha um teste simples para aquilo que Richard Hill denominou de “relevancia da metodologia’.® Pode- ‘mos pegar o presidente da Seco de Metodologia da ASA para representa os socidlogos cujo trabalho metodolégico € particu- larmente respeitado, 03 verdadeiros portadores da tradigdio me- todologica. E podemos pegar os livros que receberam um dos trés mais importantes prémios de sociologia conferidos regularmente — os Prémios Maclver, Sorokin e Mills — para representar tipos de anélise sociolégica geralmente considerados como dignos de atengao. Quantos dos métodos usados para produzir livros ven- cedores de prémios poderiam ter sido aprendidos com 0 estudo dos métodos associados aos presidentes da Segao? As Tabelas 1.1 ¢ 1.2 dao a lista dos presidentes da seco desde sua fundagao em 1961 e dos ganhadores dos prémios principais desde as suas diferentes datas de uigdo. Sem caracterizar 0 trabalho do presidente da segao em detalhes espeeificos, pode- ‘mos dizer com seguranga que todos eles foram associados a tra- batho metodologico do tipo restrito que deserevi; métodos de “sur- vey”, andlise estatfstica, amostragem e 0 uso de modelos mate. miticos. E claro que, ao estudar tais métodos, alguém poderia ter aprendido a produzir algum dos livros veneedores de prémios: American Occupational Structure, de Blau e Duncan, Delinquency Research, de Hirschi e Selvin, o estudo feito por Hollingshead ¢ Redlich chamado Social Class and Mental Iliness, demonstrando que 0s metodélogos nao sao totalmente privados de reconheei- ‘mento em seu préprio pais. Porém, muitos outros vencedores de prémios usaram métodos aos quais nossos mais venerados me- todologos haviam dedicado pouco tempo. O ponte central aqui 2 Richard J. Hill, “On the Relevance of Methodology”, Et Al, 2 (vero de 1969), 26-9 22 SOBRE METODOLOGIA nao é que os métodos recomendados pelos metodélogos séo ruins porque produzem relativamente poucos livros vencedores de pré ios, (Um boato persistente sugere que 0 preconceito colaborou para manter este mimero baixo.) Quero dizer apenas que alguns métodos que eles geralmente nao discutem ou recomendam tam- bem produzem trabalhos de alta qualidade. ‘Os metodélogos desprezam particularmente trés métodos usa- dos pelos vencedores de prémios, Eles raramente escrevem sobre ‘a observagiio participante, 0 método que produziu Justice Without Trial, de Skolnick, e Asylums, de Goffman. Eles raramente es- crevem sobre andlise histériea, o método que produziu Wayward Puritans, de Erikson, e Work and Authority in Industry, de Ben- dix. E eles raramente eserevem sobre o gue poucos de nés per- cebemos como sendo um método — a costura de diversos tipos de pesquisa e materiais disponiveis e publicos que produziu Black Bourgeoisie, de Frazier, Todos os trés métodos permitem que julgamento humano opere sem ser cerceado por procedimentos ‘algoritmicos, embora todos eles permitam a apresentagao integral das bases deste julgamento necessério para satisfazer as exigen- cias cientificas, Tabela 1.1 Ganhadores dos Prémios Socioldgicos Principais Prémio Maclver 1968 Barrington Moore, Jr., The Social Origins of Dict torship and Democracy 1967 Kai T. Erikson, Wayward Puritana 1966 John Porter, The Vertical Mosaic 1965 William J. Goode, World Revolution and Family Pat- terns 1964 Samuel N. Eisenstadt, The Political Systems of Em- pires 1963 Wilbert E, Moore, The Conduct of the Corporation 1962 Seymour Martin Lipset, Political Man 1961 Erving Goffman, Asydums 1960 A.B. Hollingshead e F. C. Redlich, Social Class and Mental Iiness 1959 Reinhard Bendix, Work and Authority in Industry 1958 E. Franklin Frazier, Black Bourgeoisie SOBRE METODOLOGIA 23 Prémio Sorokin ses eter Bl ¢ Oss Dudley Duncan J, som Andrea ‘Tyree, The American Occupational Structure Prémio Mills sees 1268 Ee Lebo, Tals Corner Travis Hci e Hanon ©. Sain, Delinquency Research. 7 1001 rene H,Sklnick, Justice Without Tria 1366 David Maia, Dtnguney and Drit Robert Boguslaw, The New Utopians Defendo, entao, que os metodélogos nos deixaram em falta, porque, em seu esforgo para reduzir as fontes humanas de erro, ignoraram 0 que muitos socidlogos fazem e acham que vale a tena fazer, Es, portant ignoraram probleme mevodologicos extremamente importantes, que afetam até mesmo os métodos que eles recomendam. Quando os metodétogos aplicarem seu ta: lento ao espectro pleno dos problemas que nos afligem, fazendo uso de um espectro pleno de téenicas analiticas, a metodologia atingird, para os sociélogos que fazem pesquisa, aquela utilidade que deveria sempre ter tido Tabela 1.2 Presidentes da Segdo de Metodologia, Associaedo Sovioldgica Americana 1968-69 Hanan ©. Selvin 1964-65 Peter H. Rossi 1967-68 HLM. Blalock, Jr. 1963-64 Sanford Dornbusch 1966-67 Richard J. Hill 1962-68 Herbert Hyman 1965-66 Robert McGinnis __1961-62_Leslie Kish MODALIDADES DB DISCURSO METODOLOGICO A pura descrig&io técnica constitui-se na primeira ¢ mais pri- mitiva forma de texto metodolégico em socilogia. Tais textos na verdade nao séo mais do que tratados sobre “como fazer”, des- crevendo o que homens priticos da nossa disciplina consideraram formas tteis de fazer pesquisa, Tais formas podem ser descritas de modo mais ou menos ligico, mas nao surgem a partir de quais- quer anélises particularmente profundas do problema em ques- 24 SOBRE METODOLOGIA tao. O problema, ao contrério, tem sido visto como de ordem préi- tica, algo em relagdo ao qual alguma evisa precisa ser feita para que a pesquisa possa ir adiante, O autor descreve algo que ele tentou e descobriu que “funciona”, qualquer que seja o significado que a isto se atribua. ‘0 que eu incluo nesta categoria ficard suficientemente claro em breve, quando descrevo os outros diferentes tipos de texto metodolégico. Porém, alguns exemplos podem ser uteis. Eles po- ddem ser encontrados em textos sobre todas as variedades de mé- tados usados pelos socidlogos. Por exemplo, as inovag6es téenicas nna manipulagdo de notas de campo qualitativas propostas por Geer e por mim mesmo representam uma tentativa de solugio para um problema que vinha perturbando 0s pesquisadores de feampo ha algum tempo, ¢ para o qual a maioria deles jé havia triado esquemas préprios.? Do mesmo modo, muitas téenicas de andlise de “surveys” ou de sua realizagao no campo sio descritas em trabalhos deste tipo TTalvez o fato de que a descrigdo técnica nao aparega freqiien- temente na literatura publicada, mas seja passada de boca em boca, como uma espécie de tradigao oral, signifique alguma coisa. Uma ver que este tipo de material técnico freqiientemente tem pouca ou nenhuma base légiea ou teérica, parece ser de algum modo excessivamente eru para ser publicado. Os professores di- zem a seus alunos de pés-graduagao como lidar com o problema, considerando a coisa toda como parte da “arte da sociologia”, Ou colegas que trabalham na mesma area podem passar dieas sobre formas uiteis de procedimento. Quando estes materiais chegam a encontrar caminho do prelo, so muitas vezes denegridos como coisas de “livros de receitas". ‘Menciono a descrigo téenica porque esta forma chi de eonhe- cimento 6 provavelmente a precursora de um enfoque mais sis- tematico da metodologia que chamamos de analitica. Os textos analiticos procuram descobrir a légiea inerente & pritica conven- cional, a fim de reduzir aquela prética a um conjunto defensével 3 Howard S. Becker e Blanche Geer, “Participant Observation: The Anal ysis of Qualitative Field Data’, in R. N. Adams e J. J. Preiss, Human Or. anization Research: Field Relations and Techniques (Homewood, IN: Dorsey Press, 1960), 267-88 SOBRE METODOLOGIA 25 de regras de procedimento. O metodélogo analitico pressupée, com efeito, que se um ntimero significativo de socidlogos faz uma certa coisa de uma certa maneira, eles provavelmente chegaram, depois de cometerem erros, a um método essencialmente correto, o qual precisa ter a sua estrutura logica desvendada agora. Ao desven- dar esta estrutura, poderemos selecionar o que é logicamente ine- rente ao método e 0 que esta vinculado a ele apenas por circuns- tancias ou costume, e pode ser ignorado sem riscos ou, melhor ainda, ser feito de modo mais sensato e util. ‘A metodologia analitica surge a partir da insatisfagao. O so- ciélogo pode achar indigno para seu status de cientista trabalhar segundo regras convencionais de bom senso. Seus métodos talvez, ndo funcionem tao bem quanto ele gostaria que funcionassem Ele pode comecar a explorar a légica subjacente ao que esta fa- zendo em funsao de simples curiosidade intelectual ou porque alguém atacou esta logica De todo modo, a metodologia analitica caracteristicamente as- sume a forma de perguntar o que os socislogos reais fazem quando pesquisam e depois tenta ver que conexao légica pode ser esta- belecida entre as varias etapas do proceso de pesquisa. Ao per- funtar por que as coisas sdo feitas de uma certa maneira, ela desenvolve uma deserigao logieamente defensével do que antes tal- vez. houvesse sido apenas uma eoletanea de pritieas costumeiras Podemos entao aperfeigoar a pratica eotidiana, concebendo ativida- des de pesquisa segundo o que deveriam ser, a fim de que desem- penhem o papel adequado no método, conforme a andlise dele feita Por exemplo, a insatisfagao da “escola de Cohimbia” eom 0 uso convencional de testes de significancia estatistica provocou uma reavaliagao profunda dos objetivos que estes testes supostamente deveriam estar atingindo e de como estes mesmos objetivos po- deriam ser mais bem atingidos. Em seguida a estas discussdes, 08 socislogos desenvolveram varios testes novos e potencialmente mais titeis, especificamente concebidos para lidar com os dados disponiveis para pesquisa sociolégica. Ao invés de usar testes de- senvolvidos para dados com caracteristicas bastante diferentes — porque nao havia nada melhor disponivel e supunha-se que algum teste deveria ser usado —, 08 socidlogos possuem agora uma ampla variedade de testes ¢ medidas logicamente defensé- veis. Este avango se concretizou porque os analistas penetraram 26 SOBRE METODOLOG! muito profundamente na questo central — qual seja, o que um teste supostamente deve fazer — para, af sim, desenhé-los de modo a que tivessem maior probabilidade de atingir estes obje- tivos.t ‘Do mesmo modo, Lazarsfold, Hyman ¢ outros sistematizaram ce racionalizaram a arte da andiise de surveys, ao desenvolverem, ‘partir do que era pratiea comum, as diversas maneiras pelas quais uma tereeira varidvel influencia a relagao entre duas va- ridveis, ¢ explicarem as conclusbes que se pode plausivelmente tirar nos diversos casos assim explicitados, Esta autoconsciéncia aumentada permite o desenvolvimento de outros métodos como tuma extensdio da Iégiea criada para dar eonta do que foi feito no passado.® ‘A altima expresso soa um pouco desconjuntada, mas quero que fique claro que a Tégiea que acabard por ser “revelada” em tal busca analitica pade nao ter estado presente de fato, mas pode ter sido lida dentro do que jé foi feito no passado. No desenvol- vimento da sociologia, provavelmente nao faz diferenga se a ex- plicitagdo analitiea de um método 6 fiel ao que se propde expli- Citar, ou se este objeto foi usado simplesmente como um tram- polim para uma produgdo mais imaginativa, O teste mais sério “0s prineipais documentos na controvérsia do teste de significancia sao: Hanan €, Selvin, “A Critique of Tests of Significance in Survey Research “American Sociological Review 22 (oatsro de 1957), 619-27; Robert MeGinnis, “Randomization and Inference in Sociological Research”, ibid. 23 (agosto de 1998), 408-145 Lesile Kish, “Some Statistical Problems ia Research Design", ibid. 24 Gunho de 1959), 329-38; e Santo F. Camilleri, “Theory, Probability, ‘and Induction in Social Researeh", ibid. 27 (abril de 1962), 170-8. Ver também ‘ohan Galtang, Theory and Methods of Social Research (Nova York: Columbia University Press, 1967), 858-88; Thomas J. Duggan ¢ Charles W. Deane, Common Misintorpretations of Significance Levels in Sociological Journals" ‘The American Soetologist J (Tevercivo de 1968), 45.6; Robert F. Winch e Do- hald T. Campbell, “Proof? No, Evidence? Yes. The Significance of Tests of Significance", The American Sociologiat 4 {maio de 1969), 140-3; e Denton E, Morrison ¢ Ramon E, Henkel, The Significance Test Controversy: A Reader (hieago: Aldine Poblishing Co,, 1970). Leo Goodman, Herbert L. Costner, Robert J. Somers ¢ Robert L. Keik tém sido particularmente ativos no de senvolvimento de novas medidas de associapo ¢ de maneiras de testar sua Significancia. Uma apresentacao sistemdtien destas téenicas pode ser encontrada em Herbort Hyman, Survey Design and Analysis (Nova York: Free Press, 1955). SOBRE METODOLOGIA 27 6 saber se 0 seu resultado de maior utilidade para os sociélogos em atividade do que o que existia até entao. Ha alguma virtade, porém, em fazer com que um relato analitico de um método sejafiel. Pode ser que, no curso da andlise, o analista, a fim de simplifiear e obter um fechamento légico, elimine alguns trasos do método mais antigo que ele nao consegue encaixar em sua légica, mas que sao, ndo obstante, de grande importéncia pr tica, Na realidade, muitos dos problemas que os sociélogos enfren- tam em suas pesquisas podem surgir em conseqiiéncia das espi- nhosas dificuldades que foram postas de lado em nome da elegfncia ¢ do fechamento analiticos. E certamente verdade, como veremos, que muitos problemas importantes realmente nio so abordados nos textos atuais de metodologia. Esta situasio pode ter-se mate- rializado porque os metoddlogos analiticos estado ansiosos demais para obter elegancia logica e dispostos demais a sacrificar em fungio Aisso detalhes do que os socidlogos habitualmente fazem. (Qualquer pessoa que compre um veleiro de segunda mao nunca deve jogar fora nenhuma das bugingangas que encontrar dentro dele — um. prego, um pedaco de madeira ou o que quer que seja — porque indubitavelmente acabara descobrindo que cada uma delas estava Md por um motivo, que o proprietério anterior as usava para fazer algo de importante. Pode ser que nao fosse a melhor maneira de realizar o trabalho, ¢ provayelmente se poderia comprar um ar: tigo manufaturado para fazé-lo methor (ou igualmente bem), mas 6 servigo precisa sor feito, e voed nfo se atreve a jogar nada fora até que saiba que servigos cada uma delas realizava e erie uma cira de fazer cates servigos. A analogia com a metodo- logia analitica pode ser aqui bastante estrita.) ‘A dissecgao analitica de métodos, eontudo, tipicamente se eon- centra em apenas algumas etapas da implementagao real de um método, aquelas que melhor podem ser assimiladas ao modelo algoritmico mecanico. Quais sao as varias maneiras de relacionar trés varidveis contidas num questionério de um “survey”? Qual a melhor maneira de escolher 03 entrevistados num “survey”, a fim de obter um grau étimo de generalizagéo? Porém, surgem outros problemas na implementagio destes métodos que nao po- dem ser reduzidos deste modo, problemas que envolvem a propria interagao do pesquisador com aqueles que estuda, ou do pesqui: sador com seus colegas ¢ assistentes, que derivam do contexto 28 SOBRE METODOLOGIA social no qual qualquer operagao de pesquisa tem lugar. Estes problemas sao igualmente permedveis a andlise, mas a andlise nao deve confiar apenas na légica da andlise de variaveis ou na teoria da probabilidade e abordagens similares. Deve, ao invés disso, incorporar as descobertas da prépria sociologia, tornando 08 aspectos sociolégicos e interacionais do método parte do ma- terial submetido a revisdo analitica e légica. Podemos chamar tal enfoque para a metodologia de socioldgico. Alguns exemplos podem tornar este ponto mais claro. [As fraudes cometidas por entrevistadores sempre foram um problema sério para diretores de organizagdes de pesquisa que produzem “surveys”. A andlise légica que se segue a um “survey” simplesmente pressupse como verdadeiro que as entrevistas es- pecificadas no desenho amostral serdo realizadas, e que seus re- sultados serdo enviados de volta A organizagio. Sabe-se, todavia, que um certo nimero de entrevistadores falsificard suas entre- vistas, preenchendo horérios e guias de entrevista com respostas imaginarias para entrevistas que nunca foram realizadas. Como praticos homens de negécio, os responsdveis por “surveys” eria- ram regras de bom senso para definir o problema e métodos pra- ticos de lidar com ele. Por exemplo, uma certa proporgio da amos- tra pode ser reentrevistada, ou, pelo menos, pode-se verificar com cada um dos respondentes se uma entrevista de fato foi realizada. Periédieos e organizagSes neste campo ocasionalmente publicam trabalhos ou realizam simpésios sobre como lidar com o problema, € as respastas dadas so praticas e nao tedricas. Eles nao obtém Justificagao a partir de nenhuma analise Iogica do problema." ‘Uma andlise légica provavelmente néo adiantard muito. Uma abordagem mais direta do problema, incorporando uma metodo- logia sociolégica, foi proposta por Julius Roth.” Ble sugere que © Ver a mesi-redonda “Survey on Problems of Interviewer Cheating”, In ternational Journal of Opinion and Altitude Research 1 (1947), 98-106; Her- bert H. Hyman et al, Interviewing in Social Research (Chicago: University of Chicago Press, 1954), 241-2; e Franklin B. Evans, “On Interviewer Cheat- ing’, Public Opinion Quarterly 25 (primavera de 1961), 126-7. Um exforgo Anterior mais toérico € 0 de Leo Crespi, “The Cheater Problem in Polling”, ibid. 9 (outono de 1946), 431-45, T Julius A. Roth, “Hired Hand Research", The American Sociologist 1 (agos- ta de 1968), 1906, SOBRE MBTODOLOGIA 29 encaremos 0 problema da fraude cometida pelo entrevistador como um exemplo de um fendmeno sociolégico muito conhecido, normalmente chamado de “restrigio da produgio”. Quando tée- nicos ou profissionais especializados usam trabalhadores relati- vamente sem especializagio para fazer o trabalho comum de uma organizacao, os trabalhadores ficam muitas vezes mais preocu- pados com gerar a aparéneia de terem feito aquilo que se espera que eles fagam do que em de fato atingir quaisquer metas que 08 profissionais possam ter estabelecido para eles. Portanto, os trabathadores de fabrica ficam menos preocupados com as metas xlobais de lucro ¢ eficiéneia da organizagao do que com a maxi- rmizagdo de sua prépria autonomia. Conseqiientemente, eles ma nipulam seu trabalho para fazer com que parera, aos olhos de inspetores e supervisores, que eles esto trabalhando 0 maximo que podem o tempo todo, mesmo que estejam acumulande quan- tidades significativas de “tempo livre” para seu préprio uso. Nada na sua situagao de trabalho faz com que seja importante para les que a organizagao seja Tucrativa e eficiente; tudo eonspira para fazer com que seja do interesse deles maximizar sua propria ‘trea de atividade discricionsria,* Roth argumenta que estes entrevistadores que fazem a parte do trabalho “bragal”* caracteristico de “surveys” se comportam exatamente desta maneira. Eles nao perdem nem ganham se 0 “survey” for menos preciso ou menos cientifico do que deveria ser; mas ganham se obtiverem 0 maximo de renda com 0 minimo de trabalho. Bles ganham, além disso, quando evitam tarefas que hes parecem, a despeito de qualquer fundamentagao que tenha sido desenvolvida por seus superiores, tolas ou sem sentido, Deste modo, eles evitardo realizar entrevistas quando for dificil consoguir res- pondentes que concordem em ser entrevistados, quando as pergun- tas que eles fazem parecem nio ter sentido, ¢ assim por diante. Em suma, Roth sugere que o problema da mé-fé do entrevis 80 eatudo eléssco deste fendmeno na industria & de Donald F. Roy, “Quota Restriction and Goldbricking in a Machine Shop", American Journal of So- ciology 67 (abril de 1952), 427-42. * No original, egwork, “trabalho de pernas”, para representar um aspecto ppenoso presente no trabalho dos entrevistadores de “survey” que «a neces: fidade de fazer a pé 0 perourso entre aa wnidades da amostra e, frequente- ‘mente, fazer as entrovistas de pé (nota da revisora) 30 SOBRE METODOLOGIA tador é essencialmente um problema comum a majoria das or- ganizagées hierdrquicas, qual seja a tentativa dos escaldes infe. Tiores da organizaydo de maximizar sua autonomia e poder de decisdo. A solugdio para o problema, dentro desta visio, nao é ‘uma supervisdio mais severa, mas sim vincular a motivagao dos trabalhadores as metas da organizagdo, na medida em que isso seja possivel. Roth sugere diversas inovagées na organizagao de pesquisa que poderiam atingir esta meta, e, portanto, suposta- ‘mente diminuir a taxa de mé-fé ou fraude. Este exemplo demonstra os tragos essenciais de uma andlise metodolégica sociolégica. Analisamos o sistema de interaglo no qual o problema surge, exatamente do mesmo modo que anali- sarfamos qualquer outro sistema de interagdo. Perguntamos que categorias de participantes estdo envolvidas na interagao, quais sto as expectativas de umas em relarao as outras, que sangies existem para cada categoria de participates utilizar em suas tentativas de controlar © comportamento das outras eategorias envolvidas. Localizamos o problema metodolégico no comporta~ mento das pessoas que participam deste sistema, perguntando 0 que, nos padrées recorrentes de interagio, faz com que as pessoas fagam as coisas que nos trazem dificuldades como cientistas. ‘Roth na realidade lida com apenas uma parcela do sistema de interagao total no qual se insere a mé-fé ou fraude do entrevis- tador. Podemos prosseguir perguntando, por exemplo, quais e3- racterfsticas organizacionais espectficas de “surveys” sao especi- ficas a tal ponto que os entrevistadores podem cometer fraudes sem que seus resultados sejam visiveis no documento que pro- duzem. Porque os supervisores nao reconhecem uma entrevista forjada simplesmente ao olhar para ela? Porque eles precisam, em vez disso, confiar numa verificagdo posterior com os respon- dentes? Tal investigagio nos conduziria a questées que dizem res- peito & natureza hierdrquica das organizagdes que desenvolvem pesquisas do tipo “survey”, e nos levaria a perguntar, por exemplo, como faz Roth em outro trabalho, porque o trabalho cientifico Dasico é encarado como algo que pode ser feito por pessoas que nao tém treinamento.? Uma série de perguntas interessantes so- © Julius A. Roth, “The Status of Interviewing", Midwest Sociologist 19 (dezembro de 1956), 8-11 SOBRE MBTODOLOGIA. 31. bre a organizagio da pesquisa surge aqui, ¢, realmente, podemos ver que uma explorasao plena do problema da mé-fé do entre- vistador nos levaria a uma investigagao profunda da sociologia de pesquisas de tipo “survey”, uma tarefa que niio empreenderei gui Este exemplo mostra também que podemos, pelo menos as ve- zes, nos basear em resultados relacionados a organizagao social ji existentes na literatura sociolégiea. Temos apenas que usar ‘nossas imaginagses sociolégicas para ver que o problema que est ‘os interessando, por mais que isso possa parecer téenico num sentido estreito, de fato pertence a uma classe de problemas bas- tante conhecida na pesquisa socioligica, neste caso a classe de ‘uses empreendidas por subordinados para preservar sua auto- nomia, As vezes a andlise de um problema metodolégico nos ajuda a ver tragos gerais de organizagdes que ainda néo estao registrados na literatura socioldgica. Por exemplo, ao considerar 0 eterno pro- blema do bias na pesquisa, achei itil introduzir um trago de es- truturas de estratifiearao que, tanto quanto sei, néo foi apontado anteriormente na literatura, "9 Os cientistas sociais geralmente véem 0 problema do bias como uma dificuldade técnica, a ser superada através de métodos mais estritos ¢ rigorosos de pesquisa. Parece, porém, evidente que, mes- ‘mo que sejamos cada vez mais cuidadosos em relagio aos proce- dimentos de amostragem, a construgao dos questiondrios © aos métodos de observacao e registro dos dados de campo, o problema do bias continuard a existir. Vamos, entao, abordé-lo como um problema da organizacao social de pesquisadores e daqueles que eles estudam, ao invés de v2-Io como uma questao a ser resolvida através de uma técnica eada vez mais rigorosa e diseiplinada. Quando surge a acusagdo de bias? Se tomarmos como um exem- plo do problema os estudos organizacionais que provoearam tais Acusagdes, acabaremos por descobrir que a acusagao é feita pelas Bessoas que administram a organizagio estudada, refletindo a sua insatisfagao com um relatério de pesquisa que dé um erédito substancial a visao da organizagdo a partir do ponto de vista de WDiseuto o problema mais amplamente em "Whose Sides Are We On ‘em Sociological! Work: Method and Substance. ° 82 SOBRE METODOLOGIA seus subordinados. As pessoas que administram a organizasdo normalmente expressam sua queixa da seguinte maneira: “Vocé tem andado eseutando as reclamarées destas pessoas que estao hierarquicamente posicionadas mais abaixo na organizasdo ¢ pa- rece levi+-las a sério. Parece que voce niio compreende que eles nao sabem a histéria toda, e que ha boas razées pelas quais fa- zemos as coisas das quais eles se queixam. Vocé passa a imagem de que eles estado certos ¢ nés errados”. - [As queixas das pessoas que administram organizagdes, devi- damente compreendidas, revelam a sociologia esseneial do bias ¢, particularmente, deixam claro que o bias jamais seré eliminado com o aumento do rigor metodolégico, pois a queixa essencial nao tem nada a ver com o rigor com o qual nés reunimos nossos fatos, mas sim com o ponto de vista que parecemos estar assumindo. Simplificando o enunciado acima, uma caracteristica da estrutura de qualquer organizagao estratificada que 08 representantes co- muns da sociedade rotineiramente atribuem maior credibilidade a histéria contada por aqueles que a administram do que as his- t6rias daqueles que esto nos niveis inferiores na hierarquia. Esta hierarquia de credibilidade parece-me ser um trago caracteristico de todas as organizagées hierdrquicas. O socidlogo provoca a acu: sagio de tendencioso sempre que diz alguma coisa que nega a legitimidade da hierarquia de eredibilidade. Ele s6 pode evitar este tipo de acusagao assumindo 0 ponto de vista dos membros de nivel superior de uma organizagio da forma como é apresen- tado, 0 que representa elaramente uma forma de bias tao séria quanto a outra, além de ser vista como tal pelos subordinados. Ele também nao pode evitar esta acusagiio sendo neutro e apre- sentando ambos os lados da histéria, pois, quando ele toma a iniciativa de eontar a historia do ponto de vista dos subordinados, viola a hierarquia de credibilidade e portanto ser necessaria- mente acusado de bias, Esta andilise nos diz como evitar fiear de um lado ou de outro inconscientemente. Na medida em que sabemos o que estamos fazendo em vez de fazé-lo ao acaso, podemos dizer que temos como evitar 0 problema, Porém, na medida em que 0 problema surge a partir da nossa preocupagilo com as acusayées feitas pelas pessoas estudadas, jamais conseguiremos evité-lo, ‘0 ponto a enfatizar neste exemplo é que, ao empreender uma SOBRE METODOLOGIA 33 andlise sociolégica de um problema metodolégico, podemos fazer ‘uma pequena descoberta relativa a teoria da estratifieagio. Neste easo, nao havia nenhuma teoria previamente concebida para lidar com 0 problema, mas foi possivel criar uma classe teériea de fe- nomenos de interagao social na qual pudemos colocar o problema do bias, a fim de obter uma maior compreensiio sobre ele, Acestratégia basica de uma andlise sociolégica de um problema metodolégico, assim, consiste em ver a atividade cientifiea eujas caracteristicas metodoldgicas estao sob investigagio exatamente ‘como verfamos qualquer tipo de organizagao da atividade huma- na, Esta estratégia leva, é claro, a uma ligagéo muito direta com 1 sociologia da ciéneia, mas se diferencia da sociologia da ciéneia por se coneentrar nos problemas de método, quer eles surjam das utividades pratieas de sociélogos quer das andlises légicas do que fazem. Muitos problemas de método, hoje em dia raramente sub- 1metidos a investigagdo metodolégica, podem talvez ser mais bem bordados deste modo. ALGUNS PROBLEMAS DE METODO NEGLIGENCIADOS Um traso muito mareante da especialidade da metodologia para uma pessoa que nao é metodélogo é seu foco numa quanti- dade relativamente pequena de problemas, escolhidos dentre to- dos 08 problemas de método que os socislogos na realidade tém que enfrentar. Enquanto os sociélogos em atividade no campo ocasionalmente escrevem artigos sobre os problemas especificos. de metodo que surgiram durante seu proprio trabalho, o grosso dos trabalhos especializados em metodologia lida com problemas de amostragem, métodos de inferéncia estatistica, construgao de escalas e coisas afins. Em virtude do conjunto restrito de questoes sobre as quais este trabalho tem-se concentrado, ele implicita- mente tem pressionado os socidlogos a considerar estas como sen. do as questoes importantes de método, e as solugées propostas igualmente como sendo os estilos de trabalho aprovados. Este 6 um desdobramento infeliz, pois tem freqiientemente im- pedido que as pessoas com dom para o trabalho metodolégico se coneentrem em outros problemas cujas solugies sao igualmente vi- tais para nosso empreendimento comum. Isso fortaleceu mais ainda fa crenga quase inconseiente da maioria dos sociélogos de que alguns 34 SOBRE METODOLOGIA problemas podem ser abordados de maneira “cientifiea”, enquanto outros problemas — nao importa o quanto sejam importantes ou interessantes — devem ser jgnorados por enquanto, até que criemos ‘métodos suficientemente rigorosos, ou enfrentados de maneiras que se baseiam na intuigdo e outros dons que ndo podem ser transmni- tidos. Se nao existe um eonjunto estrito de regras e procedimentos ‘aprovados, ou nao faea 0 trabalho ou entao qualquer coisa serve. Nao temos necessidade de ficar empacados nestas alternativas pouco palataveis. A seguir, sugiro alguns problemas com os quais (0s metodélogos deveriam lidar, dou uns poucos exemplos de como estes problemas foram examinados ocasionalmente e, em parti- cular, sugiro que a aplicagio da metodologia sociol6giea pode ser vantajosa na abordagem de muitos deles. A lista néo é exaustiva nem sistemétiea; ela lida com problemas em relagdo aos quais minha responsabilidade ¢ apenas parcialmente verdadeira, pois no teria tomado consciéneia deles se ja ndo tivessem sido objeto de alguma atengéo, Oferego-os como sugestdes do tipo de coisa que deverfamos estar examinando.™ Insereao. Um problema que aflige quase todos os pesquisadores — pelo menos todos aqueles que tentam estudar, por qualquer ‘método, organizagées, grupos ¢ comunidades do mundo real — 6 se inserir: conseguir permissdo para estudar aquilo que se quer estudar, ter acesso As pessoas que se quer observar, entrevistar ou entregar questiondrios. O problema ¢ perene para os prati- cantes de observagao participante, que habitualmente tém que negociar a questo novamente a cada vez que entram numa or- ganizagio, pois sera a primeira vez que algum sociologo 0 tera feito.!? Até recentemente, isto ndo havia sido tao prioritario para 31 Gideon Sjoberg ¢ Roger Nett publicaram recentemente A Methadalory for Sociad Research (Nova York: Harper ¢ Row, 1968), livro que assume em fpranile parte 0 ponto de vista aqui expresso, como também The Research Act, de Norman K. Dentin (Chieago: Aldine Publishing Co., 1970) ‘a Numerosos relatos deste processo e seus problemas podem ser encon trados em Philip Hammond, organizador, Socfolagists at Work (Nova York: Basie Books, 1964) e em Arthur J. Vidich, Joseph Bensman ¢ Maurice R. Stein, organizadores, Reflections on Community Studies (Nova York: John Wiley, 1964), Eneontra-se uma discussao pioncira do problema em Burleigh Gardner e William F- Whyte, "Methods for the Study of Human Relations ‘eiologicat Review 11 (agosto de 1946), 506-12. in Industry", American S 0B BTODOLOGIA 35 ‘8 que usam métodos de “survey”, em grande parte porque eles, vinham tidando com agrogados « no com grupese,portanto, en- frentavam problemas de recusa individual ao invés de recusa de krupo, ou porque eles habitualmente usavam os mesmos ambien- tos para administrar seus questiondrios (normalmente escolas, € muitas vezes escolas em que ensinavam), de modo que tinham ‘ncesso direto ¢ privilegiado aos respondentes. 0 problema foi recentemente trazido a baila outra vez por pes- ‘auisadores que utilizam “surveys’, devido a um interesse reno- ‘do de varios grapos nos possiveis efeitos de se permitir que os ‘questionérios fossem administrados indiseriminadamente a estu- duntes ¢ outros grupos de informantes “cativos”. Alguns conser- vudores (inclusive alguns que estao no Congresso) se sentiram ofendidos com a prética de se fazer perguntas pessoais a estu- sluntes sobre seus sentimentos em relago a seus pais, suas pro- prias atitudes ¢ experiéncias sexuais e religiosas e outros tépicos «iue 0s leigos geralmente enearam como pessoais. Ocasionalmen- to, sistemas escolares se recusaram a permitir a entrada de um bpesquisador, em conseqiiéneia da pressio conservadora sobre 0 Consetho Diretor da escola, Do mesmo modo, agrremiagaes de es- ludantes como a Students for a Democratic Society e a National ‘tudent Association fizeram eco as preocupagées de uns poucos cientistas sociais de que talvez os dados ndo sejam sempre tio confidenciais quanto prometemos, ou sejam usados para fins que ‘os estudantes que os forneceram no aprovariam; e 0 uso de téc- hnicas experimentais enganadoras criou o problema do responden- ls “esperto” que age deliberadamente de forma a nao confirmar ‘oque ele supde que seja a hipstese em teste. Talvez sejam também vivenciadas dificuldades pars o financiamento da pesquisa. O que ji temos é uma consciéncia crescente da parte de individuos © krupos de que, afinal, ninguém precisa cooperar com as pesquisas de ciéneias sociais.'* O problema da insereao, portanto, tem uma hova e erescente importancia. 36 SOBRE METODOLOGIA De qualquer modo, a questio de se conseguir permissio para conduzir um estudo tem reeebido pouca atengao na discussie me todolégica séria. O que existe na literatura trata, na maior parte, da questao da étiea, de que promessas é licito fazer para as pes- soas que voce se propde a estudar, a fim de ter acesso a clas, ¢ fem que medida vocé est4 comprometido com estas promessas."* Hughest®, por exemplo, contribuiu com algumas discussées es- larecedoras sobre a negociagao da pesquisa, e diversas pessoas nos fizeram narrativas bastante detalhadas de como eles agiram para “se inserir” em casos especificos."® A matéria-prima para 0 inicio de uma anilise séria da questao esta disponivel. Isto me parece um problema prioritério para uma metodologia sociolégica, Precisamos investigar estes casos nos quais 0 acesso foi conseguide facilmente e aqueles em que se provou dificil ou impossivel. Precisamos saber que concepgdes os membros de or- ganizagdo tém sobre o trabalho dos cientistas sociais e seus eft tos, como a questio de permitir ou nio que sejam realizadas in- vestigagdes de ciéncias sociais esti relacionada a distribuigéo de poder numa organizagio, e assim por diante. Podemos achar in- teressante também estimar o efeito — sobre as nossas teorias — do fato de que, de modo goral, estudamos apenas aquelas orga- nnizagdes que nos permitem acesso e nao estudamos aquelas or- ganizacdes que 86 podem ser estudadas quando recorremos a sub- © Causing Unrest Among Student Crities of the Effort to Study bid, 160-1, © tentrevistado objeto caperta” 6 deserito em Martin ‘On the Social Peychology of the Psychological Experiment: With Particular Reference to Demand Characteristics and Their Implications" American Paychologist 17 (outubro de 1962), 77688. "ft Ver por exemplo Arthur J, Vidieh e Joseph Bensman, “The Springdale Case: Academic Bureaucrats and Sensitive Townspeople”, in Vidieh, Bens- man € Stein, op. cit, 313-49; Joseph R. Gosfield, "Field Work Reciprocities fn Studying a Social Movement’, in Adams e Preiss, op. e., 99-108; Kai T Brikson, ‘A Comment on Disguised Observation in Sociology”, Social Prob lems [4 (primavera de 1967), 366-73; ¢ o8 artigos de Fred H, Goldner, Joan W. Moore, Richard Colvard ¢ Pierre L. van der Berghe In Gideon Sjoberg, Ethies, Politics and Social Research (Cambridge: Shenkman Publishing Co, 1967) 1S Byerett C, Hughes, “The Relation of Industrial to Genersl Sociology", Sociology and Social Research 41 (maxgo-abril 1957), 251-6. Cr Vidich, Bensman ¢ Stein, op. cit, € Hammond, op eit Only Tas Protests" 1. Ome, SOBRE MBTODOLOGIA 37 orfiigios para nelas penetrar. Este erro — que muito adequada- mente pode ser chamado de erro de amostragem — pode ter dis- lorcido muitas de nossas teorias; por exemplo, pode ter contri- Indo para a predilecao substancial dos cientistas sociais por teo- rins de consenso ¢ nao de conflito. Uma vez que tenhamos alguma compreensio sociolégica da rolagao entre pesquisadores e sujeitos potenciais de estudo, talvez possamos elaborar métodos analitieamente apropriados de ga- nnhar acesso aos grupos em estudo. Enquanto isso, a primeira lividade na ordem do dia ¢ provavelmente continuar a acumular nurrativas de sucesso ¢ fracasso, examinando-as em busca de in- dlieagdes para uma compreensdo tedriea abrangente. Prevengdo de Erros. Os soeiélogos vem hai muito tempo procu- mundo dedicadamente fontes de erro em seu trabalho, Seguindo i diregao fornecida pelo trabalho classico de Mergenstern, On the Accuracy of Economic Observations'?, David Gold e eu compila: mos uma longa lista de salvaguardas conhecidas contra os tipos conhecidos de erro. Os sociélogos descobriram muitas fontes de wrro tanto em seus dados quanto em suas andlises, ¢ assim eria- rum maneiras de evité-los ou advertiram outros praticantes para que levassem em consideragao estes erros ao apresentar suns con- lusdes. E instrutivo examinar os periédicos correntes com uma ista de tais erros diante de sie ver em quantos casos a salva- stuarda conhecida nao foi usada, ¢ o erro conhecido cometido quan- tlo poderia ter sido evitado Como exemplo, me parece ter sido agora indubitavelmente de- nonstrado que os padrées de resposta — tendéncias a dar res- postas num certo estilo (aquiescente, socialmente desejavel, ¢ as. xim por diante) sem realmente considerar o contetido do item de ititude sob investisagio — explicam parte da variagao nos re- multados obtidos em escalas de atitudes que nao usam mecanis- mos especialmente desenhados para evitar estas tendéncias. Ain- n assim, os socidlogos continuam a usar escalas de atitude que iio tomam precaugoes relativamente téo simples, embora sua uséneia signifique que todos os resultados de tais estudos sao duvidosos, porque parte da variagao pode ser atribuida a variaveis 7 Oskar Morgenstern, On the Accuracy of Economie Observations (Prin- ‘eon: Princeton University Press, 1950), 38 SOBRE METODOLOGIA de “padres de resposta” e no a variaveis postulados pelo estudo ‘A questao interessante, evidentemente, & porque 0s socidlogos ‘nao usam as salvaguardas metodolégicas dispontveis. Esta ques- tio é claramente um tépico na sociologia da ciéncia, pois para respondé-la terfamos que saber, também, porque aqueles que uti- lizam as preeaugées que os metodélogos inventaram 0 fazem; por- tanto o que estamos realmente buscando € o sistema de controle social na ciéneia, na medida em que cle afeta diretamente o tra- balho cientifico cotidiano em si, Que tipos de sangoes operam para fazer com que aqueles que usam tais téenicas 0 fagam, e como estas sangdes nao sio utilizadas quando as técnicas néo so usa- das? Como a ciéncia, supostamente uma operagao autocorretiva, se organiza institucionalmente de tal forma que sistematicamente as eorregdes no sao feitas?”® Estudos institucionais de organizagGes cientificas so eviden- temente necessarios aqui. Porém, além disso, alguns tragos bé- sieos das organizagses sociais tornam problemética a operasio da ciéneia como um mecanismo autocorretivo. Garfinkel” sugeriu que as incontaveis decisées que um cientista precisa tomar 20 criar e organizar seus dados sfio em principio sujeitas a um tipo de incerteza, As regras que supostamente governam a tomada destas decisdes —e me rofiro aqui a decisdes simples, tais como fem que categoria codificar certo dado — néo podem ser extraidas de maneira tao precisa que fica com que néo exista sempre um ‘aso que niio pode ser resolvido a partir delas, e que, conseqiien. temente, terd que ser decidido om bases ad hoc. Algumas das 18 Ver B. M, Bass, “Authoritarianism or Acquiescence?", Journal of Ab- normal and Social Prychology 51 (1955), 616-23; e A. Couch e K. Keniston, “Yeasayers and Naysayers: Agresing Response Sot as a Personality Variable”, ‘bud. 60 (1960), 151-74, "9 Cf Thomas 8. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions (Chicago: University of Chicago Press, 1962), Warren Hagstrom, The Scientific Com: ‘munity (Nova York: Basie Books, 1965); e Charles S. Fisher, “The Death of ‘a Mathematical Theory: a Study in the Sociology of Knowledge", Archive for History of Exact Sciences 3 (1966), 137-59, ¢ “The Last Invariant Theorists 1 Sociological Study of the Collective Biographies of Mathematical Special- ists", European Journal of Sociology 8 (1967), 216-44 26 Harold Garfinkel, Studies in Ethnomethodology (Englewood Clifs, NJ. Prentice Hall, 1967) SOBRE METODOLOGIA 39 vuriagdes nos nossos dados nao serao assim conseqiéneia do ea- rater da coisa que supostamente deveriam medir, mas sim um roflexo da nossa incapacidade de aplicar nossas regras e defini- 008 da forma tao precisa e automaitica como dizemos ser capazes «ly fazer. O cientista em atividade, que sabe todo 0 tempo que Drratica tal tomada de decisdes ad hoc, pode generalizar esta ati- tude para muitos outros problemas que enfrenta, Se perguntar- ios aos sociélogos porque eles nao fazem um uso maior das sal- ynyuardas metodolégicas disponiveis na literatura, podemos ou- vir-a resposta de que “da muito trabalho" fazé-lo, ¢ que, de qual- quor forma, a longo prazo nio faz muita diferenga, porque os ‘orros ou 840 pequenos demais para terem alguma importincia, om contrabalangam um ao outro. Morgenstern demonstrou que estas tltimas assergdes nio so vordadeiras para dados econdmicos,?! e nao hd razdo para acre- ditar que os dados sociolégicos sejam em algum sentido diferentes wate aspecto. Porém, a nogéo de que “da muito trabalho" utilizar todas estas salvaguardas merece maior investigagao. Claramente, tuxlos coneordam que existe um certo montante de “trabalho” que vile a pena fazer em relagio aos dados, mas que, do mesmo modo, ‘vxiste algum ponto além do qual a pesquisa nunca serd realizada por eausa das salvaguardas utilizadas. Como homens praticos, ‘ socidlogos sabem que precisam conseguir fazer seu trabalho, «70 fazem, Quais sio os fundamentos sociais de tal erenga? Uma possibilidade 6 que a sociologia, em comparagao a algu- nas outras disciplinas, é bastante cortés. Compare as controver- ins tao gentis encontradas nas eartas para o editor da American Sociological Review com as altereagées de punhos cerrados que oeasionalmente tém lugar nas paginas de The American Anthro- pologist. (Pode ser também que os cientistas sociais amerieanos nejam excessivamente polidos, se comparados, por exemplo, com 08 britanicos, e portanto a sociologia é polida porque é dominada pelos americanos.) Nao sei porque somos tao polidos, mas 0 fato que somos, ¢ em conseqiiéneia detestamos dizer que alguém ignorou uma’ salvaguarda importante, (Como exemplo, acho que 6 verdade que, embora muitos tenham ficado chocados com a re- cusa, por parte da “escola de Cohimbia’, de usar testes de signi- 2 Morgenstern, op. cit 40 SOBRE METODOLOGIA ficancia, este senso de ullraje s6 encontrou 0 caminho do prelo depois de muitos anos de reclamagées entre drinques nas con- vengées.) ‘ma outra fonte da relutancia por parte dos soeilogos em se preocupar com salvaguardas metodolégicas pode ser a dificuldade de se reproduzir a pesquisa sociolégica. Ninguém poderd jamais estudar exatamente 9 mesmo grupo que uma outra pessoa estu- dou pois, no mfnimo, ele tera mudado no espaco de tempo entre 0s dois estudos, e quaisquer diferengas podem ser atribuidas a isso. Da mesma forma, quando as pessoas estudam duas organi- zagdes do mesmo tipo (como, por exemplo, duas Bscolas de Me- dicina),® as diferengas nas earacterizagdes resultantes podem ad- vir de qualquer diferenga dentre uma grande variedade de fato- res, dentre os quais a questo das salvaguardas técnieas é apenas tum, De qualquer modo, torna-se bastante dificil demonstrar em estudos substantives que o fato de nao terem sido tomadas as precaugdes aconselhadas fez alguma diferenca. (Portanto, 0 que devemos concluir da diferenga entre as caracterizagdes de Tepo2- tin feitas por Osear Lewis e Robert Redfield?” E uma diferenga entre as pessoas? Entre suas teorias? Entre detalhes de sua téc rien?) ‘De qualquer forma, a reluténcia dos socidlogos em usar as sal- vaguardas metodolégicas é uma outra questio basica para um metodslogo sociologicamente orientado. Escolha de estruturagdes. Um problema sério que se coloca para aualauer investigador sociolégico que desejar estudar um grupo fou comunidade é a escolha de uma estruturagao tedrica que orien te a sua abordagem. Uma organizagao ou grupo pode ser visto de muitas maneiras diferentes; nenhuma delas ¢ a certa, mas nenhuma é errada, elas so simplesmente alternativas e talvez complementares, Como se age para realizar esta escolha? Atual ‘mente, confiamos no gosto pessoal; escolhemos a estruturagao que 2 Ver a discusedo om Samael W. Bloom, “The Sociology of Medial B cation Some Comments on the State of Fil, Mibank Memoriol Fund artery £8 abil de 1085), 145-84 es ulvrt fed el, Tepito (Chicago: Unversity of Chicago Press, 1890) Oscar Lewin Life in a Mexican Village: Tepostn Restudied (Urbanas Uni- tersity of inal Press, 1951) SOBRE METODOLOGIA 41 nos parece ter mais afinidade conoseo, e quem vai contestar? Oca- rionalmente alguém sugeriré que a escolha deve ser feita com ‘longao para o acumulo de resultados de pesquisa em uma drea ou um tépico, mas tais sugestées geralmente passam desperce- bidas, Ninguém escothe sua estruturagao apenas porque contri- huiré para um corpo de conhecimentos crescente, por mais que inno seja desejavel Areferéneia classica sobre este problema, ¢ a tinica que conhego quo 0 examina seriamente como um problema metodolégico, 6 ‘The Little Community*4, Neste livro, Redfield nos mostra muitos pontos de vista a partir dos quais podemos estudar a pequena omunidade camponesa: 0 ecoldgico,o biogrifico, e assim por dian- tu, Ble desereve com grande pereeprao e sabedoria o que ganha- ‘mos com cada escolha e que perdemos ao fazer cada uma das ‘scothas. Provavelmente este tipo de trabalho analitico é 0 que mais necessério neste momento. Seria interessante também, uber © que realmente influencia as escolhas feitas, mas parece. me ser mais importante para nés, como socidlogos ativos, saber que estamos escolhendo quando de fato escolhemos. Pressupostos ocultos, Sob este subtitulo, neste momento, tenho upenas um exemplo, 0 qual, todavia, parece ser importante. Ha ‘guns anos atrés, Sterling? demonstrou que os periédieos expe- rimentais de psicologia nunca publicavam resultados negativos (into é, resultados em que nao havia nenhuma diferenga entre tum grupo experimental © um grupo de controle) e quase nunca publicavam reprodugdes de estudos anteriores. Ble usou estes dois fitos para fazer a seguinte demonstragao. Suponhamos que um ciontista tenha uma idéia de hipstese a ser testada, Concebe um experimento para testé-la, e os resultados encontrados séo nega- tivos. Ele nio publiea o artigo. Os cientistas subseqiientes tém ‘1 mesma idéia e passam pelos mesmos procedimentos com 0 mes- 10 resultado. Contudo, uma ver em cada vinte tentativas, ocor- rordo resultados positivos com um nivel de significdncia de .05 24 Robert Redfield, The Little Press, 1955). ® Theodore D. Sterling, “Publication Decisions and thetr Possible Effects ‘an Inferencos Drawn from Tests of Significance — or Vieo Versa’, sournal of the American Statistical Association 54 (margo de 1959), 30-4. Pommunity (Chicago: University of Chicago 42. SOBRE METODOLOGIA apenas por acaso. O vigésimo cfentista, 0 qual obteve estes re- sultados positivos casuais, publica seu trabalho. Uma vez que quase ninguém reproduz resultados publicados, © que ele relata continua sem ser questionado. Desse modo, toda a literatura da psicologia experimental pode estar cheia de resultados que ocor- reram exclusivamente por acaso, ou, pelo menos, que tais resul- tados esto presentes na literatura em alguma proporcae agora desconhecida, Varios psicélogos argumentaram comigo que outros fatores, que evitem este desfecho inconveniente, podem muito bem estar em acdo, Nao obstante, a andlise de Sterling torna claro um pres- suposto importante por parte daqueles que usam testes-padréo de significdincia, um pressuposto que exige para sua justificagiio ‘um enfoque sociolégico do problema metodolégico, O pressuposto, 6 claro, é que todo estudo que testa uma hipdtese tem uma pro- babilidade igual de ser publicado e figurar na literatura. Nao se encontrd este pressupasto entre 0s lstados nos textos estatisticos que explicam 0 que pressupomos quando computamos um qua- drado qui, mas é um pressuposto que fazemos, e que ¢ importante. © pressuposto da probabilidade igual de publicagao é impor- tante precisamente porque, como demonstram os niimeros de Sterling, é sistematicamente violado. Quaisquer que sejam os de ‘mais fatores que possam facilitar ou dificultar a publicagao de tum artigo, o fato de seus resultados serem positivos ou negativos 6 claramente uma caracteristica crucial que afeta o destino das publicacdes. As probabilidades de publicagao nestas duas categorias, Tonge de serem iguais, sao zero para uma categoria e algum niimero foncontravel nos registros editoriais para a outra® De qualquer ‘modo, 0 edileulo estatistico da probabilidade de conseguir um dado resultado depende, para sua utilidade no desenvolvimento de infe- réncias sobre a validade de uma hipétese, da estrutura social que circunda 0 envio e escolha de artigos para publicagao. Nao consigo ver imediatamente qual é 0 andlogo desta pres- 28 Erwin Smigel e H. Laurence Ross apresentam alguns dados sobre esta ‘questio num artigo sinda nio publicado, analisando dados sobre as préticas Gaitoriais da Social Problems. Ver também 0 modelo matematico proposto fem Arthur L. Stincheombe ¢ Richard Ofshe, “On Journal Editing as a Prob- abilistic Process”, The American Sociologist 4 (maio de 1969), 116-7. SOBRE METODOLOGIA 43 uposigao oculta dos usuarios de testes de signifiedncia em outros tipos de estratégias metodologicas, mas parece claro que aqui te- ‘mos uma area onde muito trabalho util pode ser feito Desenvolvimento de hipéteses. A maioria dos livros sobre mé- lodos de pesquisa comeca sugerindo que nés ja temos uma hips- lose. A questio diante de nds é como esta hipétese pode ser tes- tada da melhor e mais eficiente maneira. Tal apresentagio dos problemas de método deixa de lado uma fase crucial no desen- volvimento de qualquer trabalho de pesquisa: 0 proceso através, do qual adquirimos a hipétese a ser testada, Esta infeliz omissio fiz com que esta fase pareca ser bastante féeil de realizar — dlispensando, portanto, preocupagdes — ou parega ser feita atra- vés de algum procedimento mistico nao sujeito a andlise Nenhuma das duas possibilidades é verdadeira. O desenvolvi- mento de hipéteses ¢ um procedimento complexo, mas que pode or explicado de tal forma que outros possam realizé-lo também. Geragdes de socidlogos tem conseguido, de alguma maneira, de- xonvolver as hipéteses que acabam por testar. Como eles o fazem? A mitologia cientifica diz que as hipdteses devem ser obtidas dodutivamente, a partir de um corpo de axiomas, teoremas € co: rolérios. Dizer isso no muda muito problema, pois podemos nompre deduzir um grande mimero de hipsteses a partir de qualquer conjunto de axiomas e teoremas. Ainda temos que scolher dentre as possiveis deducdes aquelas especificas a se- rem testadas. 0 procedimento através do qual os sociétogos desenvolvem hi- péteses encontra-se agora consideravelmente no reino do saber \éenico informal, aprendido através de conversas easuais e outros ineios similares. Tem sido discutido mais abertamente no que diz respeito aos estudos de observacio participante, pois na abser- vagao participante tem-se tanto a oportunidade quanto a neces- tidade de desenvolver hipsteses depois que ja se comegou a coletar dados. A maioria das outras técnicas exige que 0 pesquisador pelo menos finja ter algumas hipéteses razoavelmente bem for- tmuladas antes de comegar (embora seja do conheeimento comum que a maioria dos hipéteses nos trabalhos de pesquisa foram de- xenvolvidas durante a andlise, e nao antes dela), Na medida em que 08 agentes de campo transformaram num principio de seu método que as hipsteses tém que ser formuladas no curso do tra- 44 SOBRE METODOLOGIA batho em si, passaram a ter autoconsciéneia em relagio a0 pro- bblema e tentaram dizer alguma coisa sobre ele. E a partir deste contexto que Glaser e Strauss desenvolveram seu relato da des- coberta teérica.”” (O desenvolvimento de hipéteses é um problema metodolégico ‘que claramente exige um enfoque analitico. Temos que examinar 6 folclore, os macetes e os truques que as pessoas usaram com éxito, as narrativas pessoais disponiveis, e ver que estrutura lé- gica podemos elaborar que nos permita desenvolver procedimen- tos mais sistematicos. Um exemplo deste tipo de analise que tenho em mente pode ser encontrado nos trabalhos de George Polya, que desenvolvew diversos métodos para conseguir boas idéias e descabrir maneiras de prové-las a partir de sua prOpria experién- cia de pesquisa matemética.”* Talver alguns deles também sejam titeis para a sociologia, mas espero que o objeto de pesquisa da sociologia seja suficientemente diferente para que outros métodos possam ser encontrados também. Particularmente, me parece que, uma vez que o objeto de pes- quisa da sociologia é a vida social na qual estamos todos envol- vidos, a capacidade de fazer uso imaginativo da experiencia pes- soal e a propria qualidade da experiéncia pessoal de alguém serao contribuigSes importantes para a capacitagao téenica dessa pes- soa, Como agir para traduzir experiéncia pessoal em hipoteses fou, em outras palavras, como usamos esta experiéneia para dar forma as hipéteses desenvolvidas de outras maneiras? Muitas so cidlogos aconselham seus alunos a lerem romances, nem tanto pelo seu valor literdrio quanto pelo relato “etnogrfico” sobre vi- rios aspectos da sociedade que eles muitas vezes contém. Alguns sociélogos (muitas vezes os mesmos) aconselham seus alunos “circular” na sociedade a que pertencem, a penetrar em muitas 27 Barney G. Glaser ¢ Anselm L. Strauss, The Discovery of Grounded Theory ‘Stategies for Qualitative Ressarch (Chicago: Aldine Publishing Co, 1967), Para na abordagem mais formal do mesmo problema, ver Robert Dubin, Theory Building (Nova York: Free Press, 1969) e Arthur L. Stincheombe, Constructing Social Theory (Nova York: Harcourt, Brace and World, 1968). 2 George Polya, Mathematics and Plausible Reasoning (Princeton: Prin- ceton University Press, 1954). Blumer, op. ci, também sugere a necessidade ‘de considerar estas fases iniciais do processo de posquisa como parte de nosse metodologia SOBRE METODOLOGIA 45 partes dela ¢ a conhecer muitos tipos de pessoas diferentes em muitos ambientes sociais diferentes. Provavelmente um destes dois conselhos é suficiente para os fins protendidos. E qual é 0 fim pretendido? Em parte, ajudar-nos a evitar que estruturemos hipéteses tolas; Galtung argumenta que os socidlogos latino-ame- ricanos freqtientemente alimentam hipéteses patentemente fal- nis sobre outros grupos sociais, em grande parte porque a estru- lira social da sociedade latino-americana ¢ de tal ordem, que ‘oles nunca tiveram nenhum contato pessoal com os membros des los grupos, e, portanto, sao capazes de alimentar nogées esdri xulas acerca deles.®® Uma outra virtude da experiéncia pessoal ‘umpla (seja ela reunida através de leituras ou da participagao direta) € que torna disponivel para nés um vasto estoque de pos- Miveis analogias. O papel do racioeinio por analogia como meio de sugerir hipsteses exige explicagao, a qual poderia trazer & cons- ciéneia vérios procedimentos que podem ser reproduzidos, os dquais so usados por muitos hoje em dia sem que eles saibam muito bem o que estao fazendo, Outro problema que podemos examinar sio 0s critérios pelos ‘uais distinguimos hipéteses “boas” de “ruins”, A maioria dos so: ciflogos tem um senso intuitivo de que algumas hipsteses sio melhores do que outras em sentidos vagamente definidos, ¢ eles certamente agem de acordo com esta intuigao ao escolher hipé- loses a serem exploradas. Eles acreditam que algumas hipsteses “fancionardo”, e que outras nao, qualquer que seja 0 sentido que déem a este termo. Entre os critérios de uma boa hipstese que vom a mente imediatamente: uma boa hipétese 6 aquela eujas, vuridveis estado presentes na situagdo em estudo, ou, se for isto © que se busca, variam o suficiente para que a influéncia dos valores diferentes que elas podem assumir seja suficiente para demonstrar um efeito. Uma boa hipétese, mais uma vez, é aquela ‘que parece organizar muitos dados, aquela & qual podemos vin- cular outras sub-hipsteses que fazem uso de outras parcelas dos noses dados, deste modo aglutinando as vérias hipéteses que tulimentamos em um todo mais amplo. Uma boa hipatese ¢ aquela, __ 3 Johan Galtung, “Los Factores Socioculturales y el Desarollo de la So- ciologia en América Latina’, Reviste Latinoamericana de Soctlogta 1 (1965), 72.102 46 SOBRE METODOLOGIA ‘que néo entra em choque com quaisquer dos fatos que temos & nossa disposigao. CONCLUSAO ‘Nao tentoi compilar uma lista completa de problemas metodo- légicos ignorados. Poderiamos tentar realizar isso através de uma andlise ldgica das fases envolvidas na pesquisa sociolégica, uma ‘andlise que seria, contudo, baseada nas fases que 08 socislogos na realidade atravessam, na medida em que possam ser derivadas da experiéncia de pesquisadores na pratica.2” Poderfamos simul- taneamente abordar aquelas dificuldades vivenciadas pelos pes- ‘quisadores como problemas praticos, tentando encontrar seu ca- riter genérieo e seu lugar em algun esquema légico. Precisamos, de qualquer modo, continuar a acrescentar a este inventdrio de problemas, nao mais ignorando aqueles que nao podem ser convenientemente enfrentados de maneiras conven- Cionalmente “rigorosas”, Nao resolvemos ou nos livramos de um problema ignorando-o; fazendo-o, apenas deixamos que seus efei- tos operem sem serem observados ¢ criem dificuldades desconbe- cidas para o nosso empreendimento cientifico comum. Se fizermos frente aos nossos problemas de método e de técniea com uma ‘combinagao de andlise logicamente rigorosa e de compreensio sociolégiea da pesquisa como um empreendimento coletivo, talvez possamos finalmente criar uma ciéneia vidvel. 3 Ver Blumer, op. tt Sumdrio Apresentagdo, Gilberto Velho . 5 Introdugao: Métodos de Pesquisa . 9 Capitulo 1: Sobre Metodologia : a Capitulo 2; Problemas de Inferéncia ¢ Prova na Observagao Participante . : 41 Evidéncias de Trabalho de Campo. . 65 A Historia de Vida ¢ 0 Mosaico Cientifico... 101 Observagio Social e Estudos de Caso Sociais 117 Falando Sobre a Sociedade... cee 185 Estudo de Praticantes de Crimes e Delitos.. 163, Capitulo Obe: Or eapitulos 1 a 5 foram extratdos do livro Sociological Work: Method ‘and Substance; os capttulos 6 e 7 do livro Doing Things Together.

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