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14. A CHAMADA ACUMULAGAO PRIMITIVA® J vimos come © capital produz a mais-valia e come a maisvalia produz um novo capital. Mas a acumulagao do capital pressupde a mais-valia, como esta pressupoe a pro- dugao capitalista, e esta, por sua vez, 2 concentragio nas maos dos produtores de mercadorias de massas consideraveis de ca- pital ou forga de trabalho, Todo esse movimento parece, as- sim, mover-se num circulo vicioso, de onde nao podemos sair a no ser pressupondo, anteriormente & produgio capitalista, uma acumulagao primitiva que seria no o resultado, mas 0 ponto de partida By mode de produgéo capitalista. Essa acumulagao primitiva desempenha na Economia Poli- tica quase 0 mesmo papel que o pecedo original na Teologia. ‘Adio comeu a maga, e © pecado cai scbre todo o género hu- mano, Explicam-nos a origem dessa acumulagao através de um conto reportada a um passado longinquo. Certa vez, faz muito tempo, havia uma elite laboriosa, inteligente e, sobre- tudo, econémica, e, por outro lado, um bando de preguigosos que esbanjavam o que tinham ¢ 0 que nio tinham em festas farras, A lenda do pecado original nos conta, é verdade, que o homem foi condenado a comer seu pao com o suor de seu rosto; mas 2 histéria do pecado original econémico nos ensina que alguns escaparam dessa pena. Mas pouco importa. Sem- pre terd sido que os primeiros acumularam as riquezas enquan- to os.cutros, finalmente, para vender s6 tinham a propria pele. E desse pecado que data a pobreza da grande massa que, a despcito de todo o seu trabalho, continua a sé possuir a si mesma para vender; e a rigueza de alguns, que cresce sem cessar, ‘ainda que hé muito tempo cles ja pararam de trabalhar, Na historia real, a conquista, a servidio, o mortici- nic e a pilhagem — numa palavra: a forga bruta — desempe- thar, como se sabe, o papel mais importante. Na doce Eco- nomia Politica sé se conhece o idilio. O direito e 0 trabalho foram sempre os unicos meios de cnriquecimento, com exce- a0, naturalmente, do ano em curso... Na realidade, os mé- todos da acumulagao primitiva nada tém de idilicos. * Vol T, cap. 28. 172, © CAPITAL A relagio capitalista supde a separagiio entre os operdrios e a propriedade nas condigées de realizagdo de seu trabalho. Desde que a produgao capitalista se torna independente, nao se satisfaz em manter tal separacio; ela a reproduz numa escala sempre maior. O processo que cria a relago capitalista nao pode ser, assim, seno 0 processo que estabelece a dissocia- Gao entre o operdrio e seus meios de trabalho. A acumulagio dita primitiva é, portanto, esse processo de dissociagao entre 0 produtor e os meios de produgéo. A cstrutura econémica da sociedade capitalista origina-se da estrutura econémica da sociedade feudal. A dissolugao desta Ultima liberou os elementos constitutivos da primeira, O operdrio nao podia ter a livre disposig&o de sua pessoa sendo depois de que deixou de estar pres a gleba como servo de outro. Para se tornar livre vendedor de forca de trabalho e levar sua mercadoria onde quer que hotwesse mereado para ela, precisava também se livrar da dominagio das corporacées, dos regulamentos sobre aprendizes ¢ oficiais, de todas as pres- crigdes que embaragavam o trabalho. O movimento histérico gue tera os produtores em asilariados aparese, poi, le um lado, como sua libertagao da servidao e da coagao cor- posativas é este 0 aspecto que os historiadores burgueses véem. las, de ‘outra parte, esses recém-emancipados so se_tornam vendedores de si mesmos apés terem sido despojados de todos os seus meios de produgao e de todas as garantias.de exis- téncia que lhes ofereciam as velhas instituigdes feudais. Essa histéria de sua expropriagfo se acha inscrita com letras de sangue e de fogo nos anais da humanidade. Os capitalistas industriais — esses novos potentados — tinham que desalojar, além dos artesdos das corporagbes, os senhores feudais possuidores das fontes de riqueza, Désse ponto de vista, seu triunfo se apresenta como o fruto de uma luta vitoriosa contra a poténcia feudal e seus privilégios revol- tantes, bem como contra as corporagdes € os entraves que colocavam ao livre desenvolvimento da produgo ¢ & livre ex- ploragac do homem pelo homem. Mas os cavaleiros da in- dustria s6 puderam desalojar os cavaleiros da espada explo- rando fatos dos quais estes ultimos nao exam em nada respon- sdveis. Eles se elevatam por meios tao vis quanto os que usaram os romanos emancipados que se tornarzm senhores de seus velhos senhores. O ponto de partida desse desenvolvimento que produz o assalariado como o capitalista foi a escravizacao do trabalhador; a evolugio se deu com a transformagao dessa escravizagio atra- vés da substituigio da exploragio feurlal pela exploracao capi- A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA 173. talista. Nao precisamos ir muito longe compreender esse processo. Ainda que as primeiras manifestagdes da produgio Capitalista se déem j&, aqui ou ali, nos séculos XIV e XV, em algumas cidades do Mediterraneo, a era capitalista sé data, de fato, do século XVI. Por toda parte onde se instala 0 ca- pitalismo, a serviddo jé tinha sido abolida hd muito tempo, e a Idade Média, cujo fasto fora marcado pelas cidades soberanas, jA estava empalidecendo. Na histéria da acumulagao primitiva sao particularmente importantes as épocas em que grandes massas humanas séo repentina e violentamente despojadas de seus meios de sub- sisténcia e jogadas ao mercado scb a forma de proletdrios privades de tudo. Todo o Proceso repouse sobre a expro- priagéo do produtor rural, do camponés. Descreveremos tal processo na Inglaterra, A servido ja tinha desaparecido, de fato, na Inglaterra, no fim do século XIV. A grande maioria se compunha entio, € mais ainda no século XV," de camponeses livres, que produ- ziam aulonomamente, quaisquer que fossem as aparéncias feu- dais escondendo sua propriedade real. Nos grandes dominios senhoriais, 0 bailio de outrora, servo ele proprio, ja tinha sido deslocado pelo arrendatario independente. Os trabalhadores assalariados da agricultura ¢ram, em parte, lavradores que aproveitavam seu tempo livre para trabalhar para os grandes proprietarios agricolas, « em parte — esta pouco numerosa om termos relatives ¢ absolutos — de assalariados propria- mente ditos. Mas, na verdade, mesmo estes tiltimos eram tam- bém lavradores livres, j4 que, além de seus saldrios, recebiam morada e terra com quatro acres ou mais.°* Além disso, eles dividiam com os lavradores propriamente ditos a utilizagao dos bens comunais, onde pastavam 0 gado, retiravam a lenha, os combustiveis ete, Em todes os paises da Europa, a produgio feudal se caracterizava pela divisio do solo entre 0 maior néimero possivel de individuos. O poder dos sewhores feudais ‘nao repousava — ¢ isso eles tinham em comum com todos os soberancs — no montante de suas rendas, e sim no mimero desses idividuos, e isso dependia do mimero de lavradores que cultivavam por sua propria conta. Ainda que o solo inglés, depois da conquista dos normandes (1066), tenha side repar- tido em enormes baronatos, dos quais as vezes um sé englo- bava até $00 dos antigos dominios anglo-saxées, cle permanecen ° Macaulay, Histérla da Inglaterra, 10 ed., Londres, 195¢, vol. I. pags. 333-334. °° 1 acre = céren de 4.000 metros quadrados, 174, OQ CAPITAL semeado de pequenas exploragdes e com muito pouco dos grandes dominios senhoriais. Esta sitvagtio, acompanhada do notavel impulso das cidades que distingue o século XV, engen- drava a riqueza popular, mas excluia a riqueza capitalista, £ na Ultima ter¢a parte do século XV e nos 20 primeiros anos do XVI que vemos os primeiros sintomas da revolugdo que gerou os fundamentos do modo de produgio capitalista. Massas de proletarios completamente despossuidas foram jo- gadas no mereado de trabalho pelo licenciamento dos “séquitos” feudais que atravancam inutilmente os dominios e as mansdes, Ainda que o poder real, produto ele mesmo da evolucae bur- guesa, com medidas viclentas precipitou a dispersio de tals séquitos a fim de apressar seu poder absoluto, ele nao foi o linico responsdvel, Os senhores feudais, que faziam absoluta oposigao aos seis e ao parlamento, criaram um proletariado bem mais numeroso ao expulsar pela forga bruta os camponeses das terras que estes possuiam com os mesmos titulos feudais que eles, ao se apropriarem dos bens comunais. A arrancada se deu rimeiramente na Inglaterra com o impulso das manufaturas gee 2 conseqiienie elevagio do preco da ld. As grandes guerras feudais tinham devorado a velha nobreza feudal; a nova, filha de seu tempo, via no dinheiro o poder dos pederes, Sua divisa foi entao: Transformagao das terras cultivadas em pastagens. Harrison (em sua Descrigdo da Inglaterra) expde como a expropriagao dos pequenos cultivadores arruina o pais, Arrasava-sé ¢ deixava-s¢ cair em ruinas as habitagdes dos cam- poneses e as casas dos operdrios. “Quando se consultam os inventarios de cada mansao senhorial, vé-se que inumerdveis casas e pequenas exploragées desapareccram, que o campo alimenta bem menos gente, que muitas vilas estio em deca- déncia; ¢ verdade que outras prosperam... E muito poderia- mos dizer sobre as cidades e vilas destrufdas para dar lugar 2 pastagens, sé ai permanecendo a morada senhorial.” As lamurias dessas velhas crénicas séo sempre exageradas, mas exprimem fielmente a impressio produzida subre os contempo- rineos pela revolucéo das condicées de produgio. © legislador se deixou assustar por essa revolugio. Em sua Histéria de Henrique VII, Bacon escreve: “Por esta época (1489), lamentava-se mais € mais a transformagao de terras cultivadas em pastagens, onde alguns poucos pastores cuidavam de tudo; © as fazendas arrendadas por um ano, ou por um tempo dado, ov por uma vida, foram transformadas em bens dominigis. Ora, a maior parte dos homens do campo vivia nessas fazendas, Dai resultou a decadéncia do povo, e das cidades, das igrejas, das dizimas... O rei e 0 Parlement usa A CHAMADA ACUMULACAO PRIMITIVA, 5 ram de maravilhosa sabedoria para samar esse abuso... To- maram medidas contra tal usupagdo dos bens comunais, que provocava o despovoamento, e contra a extensdo das pastagens que a seguia de perto e produzia os mesmos efeitos.” Lim de- Gheto de Henrique VIL de 1489, proibia a destruigao de qual. quer morada de lavrador que estivesse lignda « uma posse de elo menos 20 acres de terra, Decreto de Henrique VIII rea- firma tal proibicdo. Dizia, entre outras coisas: “Muitas terras arrendadas e grandes rebanhos, sobretudo de ovelhas, se acumu- lam nas maos de alguns proprietérios; dai a renda da terra ter aumentado, mas a agricultura esta em decadéncia, as igrejas © casas destruidas, enormes massas populares deixadas na impossibilidade de sustentar suas familias.” A lei ordena, as- sim, a reconstrugéo das fazendas e fixa a proporgao das tersas cultivadas e das pastagens. Um decreto de 1533 se queixa de gue certos proprietérios passuam 24.000 ovelhas e ordena o Jimite de 2.600. (No seu livro Utopia — aparecido em 1516 — Thomas More fale do pais bizarro onde “os carneiros co- mem os homens .) Mas as lamentagoes do povo e toda a série de leis publi- cadas desde Henrique VII, e isso durante 150 anos, contra 4 expropriagio dos pequenos cultivadores, resultaram em nada, No século XVI, a Reforma e 0 confisco colossal de bens eclesidsticos que a seguin vieram dar um novo e terrivel im- pulso & violonta expropriagio das massas do povo. No momento da Reforma, a igreja Catdlica era proprietaria feudal de uma grande parte do solo inglés A supressio dos conventos jogou os habitantes de suas terras entre o proletariado. Quanto aos bens eclesidsticos, foram na maior parte dados gratuitamente a vidos protegidos do rei, ou entao vendidos por pregos irrisérios a especuladeves, fazendeiros, burgueses, que reuniram suas exe ploragdes ¢ expulsaram em massa os antigos rendeiros que lé viviam ha geragdes. E, sem dizer uma palavra, confiscou-se a parte que a lei garantia sobre os dizimos eclesiasticos aos lavradores jogados & miséria. Ns ultimos anos do século XVII, 2 classe dos camponeses independentes (a Yeomanry) era mais numerosa que a classe dog ‘arrendatérios. Ela tinha-se constituido na forga principal de Cromwell, € no proprio testemunho de Macaulay ela tinha um aspecto bem favoravel em contraste com os fidalgotes be- berides e sujos e seus lacaios, os curas rurais, cuja fung&o era encontrar maridos para as criadas engravidadas pelo senhor. Os assalariados rurais eram ainda nese época co-praprietarios dos bens comunais. Pelo ano de 1750, 2 classe dos camponeses independentes ja desaparecera e, nos ultimos anos do século 6 O CAPITAL XVIII, ndo existiam mais tragos da propriedade comunal dos agricultores, Apés a restauragdo dos Stuarts (1660), os proprietarios ru- rais realizaram legalmente uma usurpagio, que se completou em seguida no continente sem outra forma & processo. Abo- liram a constituigdo feudal, quer dizer, descarregaram sobre 0 Estado seus deveres tributaries, “indenizando-o” através de impostos sobre os camponeses ¢ o resto do povo, reivindicaram como propricdade privada, no sentido moderne do térmo, bens sobre os quais eles sé tinham direitos feudais, 2, finalmente, ou- torgaram as leis sobre a residéncia que, com algumas variantes impostas pelas circunstancias, foram para os lavradores ingleses © que os tcasses do tartaro Boris Godunov (1597) tinham sido para os camponeses russos. A “revolugio gloriesa” levou ao poder, com Guilherme JIL de Orange, os capitalistas © nobres cacadores de Iuctos. Eles inauguraram a nova era exercendo 0 roubo em grande escala e nos dominios do Estado. As terras foram dadas ou yendidas a pregos infimos ou mesmo anexadzs as propriedades privadas por usurpagio direta. Tudo isso se fez sem a menor preocupagio com a légalidade. Os bens do Estado, apropriados pela fraude, e os bens eclesidsticos — av menos os que no tinham desapare- cido durante a revolugao republicana — constituem a base dos grandes dominios atuais da oligarquia® inglesa. Os capitalistas burgueses favoreceram a operagao a fim de fazer do solo um ar tigo de comércio, estender dominio da grande exploragao agri- cola, fazer afluir do campo um grande némero de pobres pro- letarizados ete. Por outro lado, a nova aristocracia fundidria era a aliada natural da nova aristocracia bancéria, da alta finan- ga recém-surgida e dos grandes proprietdrios de manufaturas apoiados nas tarifas protecionistas, Enquanto os camponeses independentes eram substituidos por arrendatirios sem condigées, quer dizer, por colonos com contratos de um ano, uma gente servil e dependente das boas gragas dos senhores de terra, o roubo sistematico das proprie- Gades comunais se juntou ao roubo dos dominios do Esrado, fazendo crescer essas fazendas, que no século XVIII eram cha- madas “fazendas de capitalistas” ou “fazendas de comerciantes”, e que “liberaram” a populacdo agricola em beneficio da in- dustria. No século XIX perdera-se até a lembranga dos vinculos que existiram outrora entre o cultivador e a propriedade co- * Literalmente: © governo de uns poucos. Desizna em gerat um Pequeno numero de femflias nobres muito ricas. J. B A CHAMADA AGUMULAGAG PRIMITIVA 17 munal, Sem falar de tempos ulteriores, a populagao rural re- cebeu alguma vez um vintem de indenizacao pelos trés milhoes ¢ meio de acres dos bens comunais que lhes foram roubados entre 1801 e 1831 © entregues aos senhores de terra pelos se- shores de terra, no meio das leis parlamentares? A iltima grande operacao na expropriaco dos camponeses foi o que se chamou de “Clearing of Estates", a impeza das terras, € que consistia, na realidade, na expulsao de seus babi- tantes, Todos os métodos ingleses até aqui considerados en- contraram seu coroamento nessa “limpeza”. Mas a “limpeza das terras”, no sentido real da palavra, iremos estud4-la nas monta- ahas da Escécia, terra predileta dos romancistas modernos. Os celtas da Alta Escécia formavam clas e cada qual pos- suia o solo em que estava estabelecido, O chefe do cla sé era proprietirio no titulo de todo esse solo, assim como a rainha da Inglaterra tem o titulo de proprietéria de todo 0 tezrit6rio inglés. Quando 0 Governo inglés conseguiu acabar as guerzas intestinas desses chefes e suas incursées nas planicies da Baixa Escécia, esses chefes nao renunciaram 2o banditismo; s6 0 mudaram de forma. Por sua prépria autoridade, transformaram © direito ti tular de propriedade em direito de propriedade privada, E como enfrentaram a resisténcia dos membros do cla, recorreram & violénefa para expulsé-los. No século XVIII proibiu-se aos es- coceses expulsos de suas terras de emigrar, para empurrd-los, assim, forgosamente para Glasgow e outras cidades industriais O melhor exemple do método seguido no século XIX nos & dado pelas “limpezas” do ducado de Sutherland. Desde seu acesso ao poder, a duquesa, versada em Economia, resolveu aplicar medidas radicais e transformar em pastagens todo o condado, onde operagées similares ja tinham reduzido a jopulagae a 15.000 habitantes. De 1814 a 1820, esses 15.000 Prcitantes, constituindo cerca de 3.000 familias, foram perse- guidos ¢ expulsos. Todas as suas aldeias foram destrufdas por fogo ou picaretas, © todas as suas terras transformadas em pas- tagens, Os soldados britanicos foram encarregados de exe cutar as ordens ¢ 1A tiveram que enfrentar os nativos. Uma velha morren.no ineéndio de sua choupana, que ela se recusou a abandonar. Foi dessa maneira que a duquesa se apropriou de 794.000 acres, que pertenciam ao cli desde tempos ime- moriais, Aos expulsos ela consigrou cerca de 6.000 acres & beira-mar, quer dizer, dois acres por familia, Incultas até entio, esses 6.000 acres nada deram aos seus proprietfrios. A du- quesa teve a bondade de arrendar 0 acre por 2 sh. e 6 p. em média aos membros do cla que, desde ha séculos, tinham ver- tido seu sangue pela familia dela, Todas as terras roubadas 178 © CAFITAL foram repartidas entre 29 grandes demarcagdes de pastos, cada uma com apenas uma familia, a maior parte das vezes criados rurais ingleses. Em 1825, os 15.000 escoceses jd tinham sido substituidos por 131,000 ovelhas. Os natives postos de lado tentaram viver da pesca, Mas iriam pagar ainda mais caro por sua idolatria montanhesa ¢ romantica por seus “chefes”. O cheiro do peixe chegou até estes. Pressentiram ai uma fonte de renda e arrendaram essas terzas avs. grandes exploradores de pesea de Londres. E os escocuses foram expulsos uma vez mais. Enfim uma parte das pastagens foi transformada em re- serva de caga. Sabe-se que na Inglaterra nao ha florestas pro- priamente ditas. A caca, nos parques dos senhores, 6 cons- tituida pelo gado doméstico, gordo como os magistrados de Londres. A Escécia é, pois, o ultimo reftigio da “nobre paixio”. “Nas montanhas”, escrevia Somers em 1848, “as florestas foram bastante estendidas... A transformag3o de suas terras em pas- tagens relegou os escaceses as terras inférteis, E eis que a caga comega a substituir as ovelhas ¢ aumenta ainda mais a miséria das populagées pobres. A caga® no pade viver com os homens lado a lado, Ou um ou outro tem que ceder sev lugar, Au- mentem os campos de caga em mimero ¢ extensao nos proximos 25 anos da mesma forma que nos ultimos 25, € nao se verd mais nenhum escocés em seu solo natal, Essa tendéncia entre 08 proprietérios das “highlands” (as montanhas da Escécia) é em parte coisa da moda, ou da vaidade aristocratica dos aficio- nados da caga; mas é certo que os proprietirios de terra nio desdenham os lucros provenientes da venda da caga. Pois & evidente que um terreno montanheso, disponivel para a caca, produz bem mais do que se estivesse cntregue as pastagens. © aficionado que procura lugar para caga paga até onde pode sua bolsa... As “highlands” couleceran privagdes néio menos cruéis que as infligidas a Inglatezra pela politica dos reis nor- mandos. Se se concedew mais espago caga, isso se deu re- duzindo o concedido aos homens... O povo perdeu sucessiva- mente todas as suas liberdades.., E a opressido cresce dia a dia. Os proprictarios consideram a expulséo dos camponeses como um principio intangivel, uma necessidade agricola, e a operagio continua sua marcha tranqitila ¢ regular como se sc tratasse de desbravar as florestas virgens da América ou da Australia, © saque dos bens eclesiasticos, @ alienagio fraudulenta dos dominios do Estado, 0 embargo is propriedades comunais, a ® Nessas pretendidas florestas nfo ha arvores. Retiram-se as ovelhas, soltam-se os veados pelas monianhas nuas, e a isso se chama. “Horesta de caca”, Nem mesmo silvicultura ha.

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