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CURSO DE LITTERATURA PORTUGUBZA ANTOLOGIA PORTUGUEZA Trectrs seleclos coordenados sch a classificacda dos generos litterarios ¢ precedides de uma POETICA HISTORICA PORTUGUEZA. POR THEOPHILO BRAGA Professor de Litteraturas raodernas no Curso Superior de Lettras J Seema RS RAL SW arenes PLO SS ’ Rua 15 de Novembro © PERNAMBUCH) PORTO. LIVRARIA UNIVERSAL . DE MAGALHAES & MONIZ—~EpDIToRES 12-—Largo dos Loyos—14 ied 1876 PORTIGA HISTORICA PORTUGUEZA PARTE I - DA METRIFICACAO 1. O rythmo de uma lingua estabelecido por um dado numero de palavras, dentro das quaes se distribue um numero certo de pés, ou de accentos, chama-se metro. (Do grego metron, medida ) 2. O estudo prosodieo de uma lingua, sob 0 ponto de vista da guantidade ou dos accentos, chama-se Metri- feagio..—Este estudo no forma os poetas, mas cnsina a criticar as obras que constituem a riqueza poetica de um povo, filiando a sua origem, ou provando a sua au- thenticidade. 3. Como os principaes documentos da historia da humanidade s& obras poeticas, muitas vezes restituidas 4 sua integridade por processos criticos, d’aqui a impor- tancia do estudo da metrificacdo. Applicado este estudo ao ponto de vista particular do nosso povo, forma-se as- sim uma Poctica historica portuguesa. I—Da Accentuachio _ 4. Na poetica das linguas romanicas perdeu-se a no- Gao da quentidade; 4 duragio ou a rapide da phrase, combinando syllabas longas e breves, em grupos chama- “s Vv PORTICA HISTORICA POBTUGUEZA dos és, constitue a metrificagio das linguas flexionacs, como no sanskirito, no grego, no latim, ¢ no allemio. 5. Quando se perde o sentido ideologico das flexdes, e as palavras s%o derivadas de outras mais antigas por abyeviacdo, dd-se a revolucSo phonetica da decaden- cia, das vogacs mudas ¢ conscantes mediacs, permane- cendo sempre inalteravel a vogal accentuada. Ex.: Qua- dragésima, Quarésma, Caréme, em que desappareceram as consoantes mediaes d, g, 8, € a8 Vogaes mudas wu, a, 7 e@ a, conservando-se inalteravel a vogal accentuada é. 6. A acco da vagal accentuada nes dialectos roma- nicos, explica-nos o modo como a metrificag%o moderna, produzida pelo povo, estabeleceu a accentuagdo como base da metrificag%o litteraria. 7. As alteragdes phoneticas provocadas pelas pro- prias necessidades poeticas, como o augmento ou dumi- nuigio de syllaba, a mudanega de letra, so um meio ar- tificial para harmonisar a accontuagio dentro do metro. O uso d’estas licengas repugna 4 espontaneidade da con- capgko poetica. 8. Conforme o numero do syllabas accentuadas que se ineluem no metro, assim se caracterisa o verso, em Redondilha, Endecasyllabo ou Alevandrino. Chama-se pausa metrica o ultimo accento que cabe no metro. A syllaba grammatical no se conta. II—Do Verso 9. Ao grupo de aceentos distribuidos dentro de qual- quer metro chama-se Verso, (Do latim versus, de verto, voltar para traz.) Pode caracterisar-se: 4) segundo o nu- mero de syllabas que contém; 4) segundo a disposig&o dos accentos, ou syllabas metricas. 10. O verso é susceptivel de dividir-se em partes, chamadas hemistychios, que se ligam 4 cadencia da ac- POETICA HISTORICA PORTUGUEZA v centuagdo total; esta propriedade tira a0 verso a mono- tonia e facilita » variedade das estrophes. a} Segundo o numero de Syiabis 1]. Em geral os versos de uma syllaba, de duas, ivoz ou mesmo quatro, por isso que difficilmente servem para exprimir o pensamento, sao empregados como he- mistychios, ¢ como estribilhos da estrophe. , 12. O verso de cinco syllabas, com accento na pri- meira é quinta, ou tambem na segunda e quinta, de ori- gem popular ¢ nacional, chama-se Redondilha menor; ow segundo a designag&o historica provengal Arte menor, como lhe chamava Santillana. (Vid. n.° 59, 91 ete.) @) Esie verso é hemistychio do verso tambem nacional com- posto de dez syllabas (em decas) Endexa. 18, A’ mesma designagio de Redondilha menor per- tence o verso de seis syllabas, tambem empregado como hemistychio de Endecasyllabo. (Vid. n.° 7.) 14. O verso mais natural e espontanco tanto no hes- panhol como no portuguez 6 0 de sete syllabas, que se falla ¢ cadenceia inconscientemente tanto nos improvisos como na prosa dos escriptores. Chama-se Redondilha maior, mas pertence ainda 4 categoria provengal da Arte menor. (Vid. n.® G, 95, ete.) O uso quasi exclusivo este verso, provocou no principio do seculo XVI, tanto em Portugal como em Hespanha, a imitagio dos Ende- casyllabos italianos; por este motivo chamou-se-lhe me- dida vetha, ¢ nunca foi abandonado na poesia palaciana, 15. O verso de outo syllabas nllo é do genio proso. dico da lingua portugueza; ha comtado exemplos produ- zidos por um esforgo no louvavel. ‘Tanto nos versos de Redondilha menor como muior, a disposig&o dos accentos @) Os momeros citados extre parenthesis referem-se 4 sigla marginal » clita : s de cad composigho da Antologia. » e “ce VE POETICA HISTORICA PORTUGUEZA é arbitraria, comtanto que se sinta uma certa regula- ridade. 16. O verso de nove syllabas, com accentos rigoro- samente na terecira, sexta ec nona, 6 de uso moderne; pode-se caracterisar com o epitheto de Marcial, posto que seja tambem elegiaco. (N.° 243.) 17. O verso de dez syllabas apparece na antiga poe- sia portugueza, proveniente da imitagio provengal da Eschola de Limoges; chamou-se no seculo xv Limosino; quando era formado por hemistychios de Redondilha me- nor chamava-se-the Endexa. Proveiu da imitagiio da me- trificagio por quantidade. Tambem se lhe chama Ende- casyllabo heroico, e 6 0 unico metro que dispensa com- pletamente a rima. A disposigio das syllabas 6 sempre variavel, e 6 n’isto que est’ a sua aproximacio da har- monia da quantidade latina. (Vid. n.° 26, 42, 48. Forma moderna, n.° 149.) 18. Existe outro verso heroico, com accentos na se- gunda, quinta, outava e undecima syllabas; bastante usado na antiga poesia nacional, e renovado na eschola ramantica portugueza. (Vid. n. 12, 28, 112.) 19. Chama-se verso aleaandrino, o que consta de doze syllabas, com accentos rigorosamente na sexta, decima e duodecima. Este verso é formado por dois hemistychios da redondilha menor de seis syllabas, o em geral a sua rima é em parelhas. Chama-se alewandrino, por ter sido empregado pelo troveiro Alexandre de Paris, no seculo XII, no poema de Alexandre. As formas antigas sio im- perfeitas. (Vid. n.° 1 e 39.) Foi renovado na eschola romantica. Alem de doze syllabas a metrificagSo torna-se prosa rythmica. bi Segundo a dispesigéo da Syllaba metrica 20. A syllaba metrica 6 aquella que termina o me- tro, e chama-se assim para a distinguir das syllabas niio accentuadas, que excedem 0 metro e so grammaticaes. PORTICA HISTORIGA PORTUGUEZA vil 0 oe 21, Se o verso termina rigorosamente na syllaba, me- trica, chama-se agudo; & empregado nas pausas ostrophi- cas, e deve ser sempre evitado no verso solto endecasyl- labo. Se além da syllaba metrica, existe uma outra syl- laba grammatical, o verso é grave; Wsa-se exclusivamente no verso solto, e nos versos de redondilha é combinado com o agudo. Se a syllaba metrica coincide na antepe~ nultima da palavra com que o metro termina, 0 verso chama-se exdruaulo. 22. O hemistychio de qualquer metro tambem se considera como wm verso completo, e chama-se verso quebrado. IIlI—Da Estrophe 23. A reuniio de dois ou mais versos, ligados entre si pela rima, constitue uma estuneia, ou estrophe. Esta designagio ndo tem jd o sentido primitive, derivado do seu uso religioso nos templos gregos. a} Sequndo © aumero de Verses 24. Um verso s6 pode considerar-se como Divisa ou Mote, ou mesmo um aphorismo, como se vé nos anexins populares. 25. Dois versos, rimando conjunctamente formam a estrophe de Parelhas; usa-se de preferencia no verso alexandrino. Muitas vezes as parelhas alternam a rima, quando sio separadas por um estribilho. (Vid. n.° 10.) 26. Trez versos, rimando 0 primeiro com o tereciro, eo segundo encadcando-se com a rima do seguinte, for- mam a estrophe chamada Terceto. Deriva-se da poetica italiana, e foi introduzida em Portugal no secule xvi; era empregada esta estrophe nas Elegias ou Capitolos, nas Cartas e Eclogas. Nas imitagdes provengaes cra usado yur: ROETICA HIBTORIGA PORTUGUBLA como Cabo, no fim das Tengdes; e na eschola italiana ter- mina sempre os Sonetos. (Vid. n.® 184 e 185.) 27. Quatro versos formam a estrophe mais natural da poctica das lingiias romanicas. Tal 6 a guadra popu- lar, rimando o segundo com o quarto verso. (Vid. n.° 7, 20.) Ou a quadra litteraria, rimando o primeiro verso com © terceiro, e o segundo com o quarto. (Vid. n.° 41,) Ou rimando o primeiro com o quarto, e o segundo com 0 tereciro. (Vid. n.° 45.) Ou rimando o primeivo, segun- do e terceiro, ficando o quarto verso rimando com todos os quartos das estrophes seguintes. (Vid. n.° 103.) A quadra em endecasyllabos ou alexandrinos ja era conhe- cida na antiga poesia da Peninsula pelo nome de gua- derna via. 28. A quintitha compde-se de cinco versos, rimando na seguinte ordem: primciro com o quarto e quinto, e se- gundo com o terceiro verso. (Vid. n.° 37.) Ou o primeiro com. 0 terceiro e quinto, e segundo com o quarto. (Vid. n.° 38.) Ou o primeire com segundo e quarto, ¢ terceiro com 9 quinto, (Vid. n.° 60.) Ou o primeiro com o ter- ceiro e quarto, € segundo com o quinto. (Vid. n.° 115.) Esta ultima forma da quintitha 6 a mais usual, renovada de $4 de Miranda no seculo xvui por Tolentino. Ha ou- tras variedades. (Vid. n.° 30.) 29. A sextilha ou sextina, é uma estrophe composta de seis versos; rimando 0 segundo, quarto e sexto. (Vid. n.° 3.) Ha muitas combinagdes de rima, a mais notavel é a da maneira italiana; na primeira estrophe nao ha ri- ma, porém na seguinte estrophe cada verso ird repetindo na primeira a palavra do ultimo, no seguinte a palavra do primeiro. (Vid. n.° 136.) Sé de Miranda e Camies usaram este artificio. (Vid. n.° 49 e 64.) 30, A septilha, compée-se de sete versos, rimando o primeiro com o quarto e septimo, e o segundo com o ter- ceiro, quinto e sexto. (Vid. n.° 26.) Ou o primeiro com © terceiro e septimo, 0 segundo com o quarto, e 0 quinto PORTICA BISTORICA PORTUGUEZA Ix emparelhado com 0 sexto. Wid. in 27, 48.) Ou o pri- meiro com © quarto e septimo; 6 segundo emparelhado com 0 terceiro, € 0 quinto com o sexto. (Vid. n.° 62.) Ou o primeiro com o quarto e quinto, o segundo empa- relhado com o terceiro; e o sexto cmparelhado com o septimo. (Vid. n.° 87.) Ou o primeiro verso rimando com 0 terceiro; 0 segundo com o quarto e quinto, ¢ o sexto emparelliado com, o septimo. (Vid. n.? U1.) . Bl. A outava, aprosenta duas construcgdes distinctas, uma anterior 4 imitagdo itahana, propriamente hespa- nhola emprogada por Affonso o Sabio; ¢ outra, usada na eschola quinhentista, tal como a formou Boecacio ea vul- garisou Aviosto. Na outava castelhana, rima o primeivo verso com o quarto, quinto ¢ outayo; e o segundo cm- parelbando com o tereeiro, e o sexto com o septimo. (Vid. n.° 69.) Eva mais usual na forma lyrica. Esta outra dis; posigio: o primeiro verso rimando com o quarto, quinto © septimo; o segundo emparelhando com o terceire, e 6 sexto rimando com o outavo, (Vid. n.° 71) era mais pro- pria da poesia heroica. Ou © primeiro rimando com o ter- ceiro; o segundo com o quarto, quinto e outavo, o sexto emparelhando com o septimo. (Vid. n.° 112.)—Na outava italiana, como a introduziu Sd de Miranda, e a aperfei- goou Cambes, rima o primeiro com o tereeire ¢ quinto; 6 segundo com o quarto ¢ sexto; o septimo verso empa- relha com o outavo. (Vid. n.° 149.) Esta éuma das es- trophes de maior belleza. 32. A decima, é sempre em verso de redondithas; ou formada de duas quintilhas independentes. (Vid. n.° 143.) Ou rimando o primeiro verso com o tereeiro, sexto e se- ptimo; o segundo, com o quarto e quinto; e 0 outavo, nono e decimo entre si. (Vid. n.°57.) Ou o primeixo com 9 quarto e quinto; © segundo emparelhande com o ter- Celro; © sexto com o septimo ¢ decimo, e o outavo em- parclhando com o nono. Todas estas combinagdes slo a capricho. x PORTICA HISTORICA PORTUGUEZA 33. No verso sdélto nio ha estrophe definida. Wy) Seguudo a disposigio metrica. 34. Segundo a disposig&e metrica a estrophe apre- senta muitas variedades, sobretudo pela combinagio dos versos quobrados, (Vid. n.° 79 © 82) ou pela repetigaio dos estribilhos, (Vid. n.% 19, 20, ete.) ou do um Mote obrigado. (Vid. n.°% 98 e 99.) 30. As divistes de Antistrophe e Epodo, introduzidas por Diniz nas odes pindaricas da Arcadia, sho alheias 4 poesia moderna. Apenas existe 0 C3ro, em que a multi- dao responde 4 voz que vae cantando. (Vid. n° 74, 75 e 76.) IV —Da Rima 36. A palavra hrima, na poesia do norte, significava verso € composicio metrica. N’este sentido usaram-na os nossos poetas, como Rimas de Cambdes, etc. Deu-se es- pecialmente o nome de rima, ou consoante, 4 correspon- dencia de sons da ultima syllaba metrica de um verso com a de outro ou outros versos, formando assim um to- do harmonico ou estrophe. Segundo esta correspondencia de sons, a rima apresenta muitissimas varicdades: a) Ea quanto & repetigfo de uma mesira letra. 37. A forma mais rudimentar da rima, é.a Alitera- co, a qual consiste na repetic&o intencional de uma dada letra, que provoca o ouvido a buscar a accentuagio da phrase. E’ muito frequente na tradig&o popular, sobre- tudo nos anexins: Domar protros, porém poucos. POETICA HISTORICA PORTUGUEZA XI Tamber nos apparece com férma litteraria na poe- tiea do seculo xv. (Vid. n.? 89.) | . 88. Depois da aliteragio, a Tautologia é0 rudimento da relacio entre 0 rythmo eo metro; 6 a repetigao da mesma ideia por palavras differentes, e quasi sempre ali- teradas. A tautologia pode ser simples; ex. Dito @ feito; on aliterada; ex.: Sdo e salvo. Este vestigio da pocsia yimitiva raras vezes Se encontra na poesia individual. (Vid. n.° 138 ¢ 189.) . ; 39. Quando a estrophe tem uma sé rima por effeito da repeticzo da mesma palavra, ou por effeito da cor- respondencia de um mesmo som, chama-se Monorrimo. E’ tambem um caracteristico da poesia primitiva.’ Do primeiro genero, temos imitagdes provengaes. (Vid. n.° 56.) Do segundo genero temos monumentos populares (Vid. n.° 1,) e imitagiies das Gestas francezas. (Vid. n.° 39.) N’este ultimo caso as estrophes conhecem-se pela mudanga de rima, terminando com uma Neuma, ou grito interjecional. D) Emquante a a proximacio de mma Setra 40. A forma mais simples e espontanea da rima é a Assonancia; consiste na correspondencia da vogal aecen- tuada da ultima syllaba metrica, abandonando a cgual- dade de sons das outras letras restantes. E’ sobretudo empregada na poesia popular, espeeialmentc nos Roman- ces. (Vid. 66, 106.) A esta forma de rima tambem se the. chama Toante. 41. A Consoante é a rima perfeita, quando a vogal final ¢ as letras vestantes sXo identicas nos diferentes versos. A rima 6 pobre, $e a rima sé estabelece entre suffixes de adjectivo, ou entre suffixos verbaes; rica, se ® cadencia e harmonia se procura conjunctamente entre substantivos, adjectivos, verbes e adverbios. eee an Oa, XIL PORTICA HISTORICA PORTUGUEZA. ¢) Formas estrophicas derivadas da disposiggo da Rima 42. “As letras obrigadas no principio ou no fim de cado verso, chamam-se Acrostico; (Vid. n.* 85 e 86) ou Telestichio. (Vid. n.° 88.) Estes artificios pertencem 4g epocas do decadencia.—-Os Labyrintos, em que cada es- trophe péde ser lida de muitos modos; os Eccos, (Vid. n° 140) em que a syllaba metrica final se repete com um sentido novo, e mil outros artificios, acham-se na poetica Portugueza, mas n&o devem scr imitados. Cita- Temos 0 Cerntdo, no qual a estrophe é formada com ver- Sos escolhidos de um poeta celebre, formande um novo sentido. (Vid. n° 203.5 43. A rima pode encadear-se do tim do verso para o meio do que se the segue, como usaram S4 de Miranda © Camées; a repeticio do verso tambem dé origem a varias formas estrophicas, como a Caungdo redonda e a lecaprem, dos artificios provencaes. Porem estes cara- cteristicos 36 podem ser melhor detinidos, ao tratar dos seneros pocticos. e PORTICA HISTORICA PORTUGUEZA XIE PARTE Il DA TAXONOMIA POETICA 44. A classificagio dos generos poeticos assenta hoje sobre bases positivas, do mesmo modo que a classifica- gio da linguagem; o estudo comparativo das litteraturas leva a determinar nas concepgies poeticas da humani- dade trez formas fundamentaes, Epicas, Lyricas e Dra- maticas. 45. A Epopéa & uma degeneragio de mythos reli- giosos, em que os nomes dos deuses se tornaram os no- mes de heroes nacionaes, impondo-se com realidade his- torica. E” esta a epopéa natural, formada de grupos de differentes poemetos locaes, como as Ityasas, na India, as Rhapsodias, na Grecia, as Cantilenas, na edade me- dia, ou os Episodios na epopéa individual de Virgilio on dos poetas modernos. A concepgio epica corresponde 4 epoca da constitui- cao nacional, da qual ella 4 como @ unificagio. Em quanto ao estado de espirito representa os factos de um modo objectivo, e sempre narrativo. 46. O Lyrismo corresponde a um estudo de espirito costumado 4 especulacdo subjectiva, e ao habito de ex- primir a passividade psychologica. Pertenece 4s epocas de cultura litteraria, ¢ é sempre representado por altas individualidades. E’ descriptive. xIVv POETICA HISTORICA PORTUGUEZA 47. O Drama, corresponde a uma phase social em que existem idéas moraes detinidas, entre as quaes se estabelece a collisdio on situagdn, e quando existe um certo desenvolvimento de vida burgueza que se manifesta por um poder novo ou opine publica. Este genero 6 digressivo. Todas as creagdes litterarias se reduzem completa- mente a estas trez categorias. 48. Na Poesia portugueza, nio havendo um forte elemento tradicional para ser elaborado segundo as ne- cessidades do sentimento nacional, prevaleceu a, imitagda desde a edade media até hoje, Sigamos essas varias correntes. I—Eschola provencal a} Genero epico 49. Na poesia da edade media, a férma epica desi- gna-se pelo nome de Gesta, ou Cangdo, ¢ & composta de diversos poemetos cyclicos, chamados Cantilenas. Na Poesia portugueza do seculo XIV apenas se encontram estes rudimentos da epopéa, ou Cantilenas, uma sb vez com o nome de Gesta; (Vid n.° 39) @ segundo g uso vul- gar com o nome de Cangdo, (Vid. n.° 1.) E’ em versos alexandrinos, e monorrimos. 50. A designag&o popular de Loenda, deriva-se da forma latina da Legenda, poesia intermediaria ao povo e aos eruditos, redigida para celebrar as sanctificagdes lo- caes da edade media. (Vid. n.° 2.) 51. A forma epica de Romance, apresenta varios sen- tidos; primeiramente a designacdo provengal de Romans, significava qualquer composigio versificada sem separa- ¢&o de estrophes ¢ com caracter narrativo. (Vid. no? 41.) Antes porém de designar as cantilenas populares, signi- ficava qualquer dialecto novo-latino, ¢ extensivamente a POETICA HISTORICA PORTUGUEZA xy linguagem, e o canto narrativo vulgar; dizia-se Cantar romance. SO no seculo XIV voiu & exprimir as tradigdes epicas peninsulares em verso de redondilha em assonan- cia. Um dos mais antigos romances do seculo xIV é0 de D. Fernando de Castella. (Vid. n.° 3.) Na Eschola quinhentista verémos as transformagies do omance. 52. A Chacone era tambem um canto epico, que os eegos, segundo os costumes germanicos, entoavam; des- ta circumstancia lhe adveiu a denominag&o de Ciecone; acha-se nos costumes italianes, francezes e hespanhoes, 0 que justifica mais esta origem. (Vid. n.° 4.) b) Genero Iyrico—Eschola qalleya. 53. A Cangio lyrica popular de vigilia de santos ¢ romarias, derivada das letanias sacras, como as Prosas e as Salvas, chama-se Canto de ledino. (Vid. 5 e 6.) Pertence 4 tradig#o galleziana e chegou a ser imitada nos Cancioneiros aristocraticos. 54. A Serranilha, ou Serrana, como lhe chamava o Marquez de Santillana, é a cangiio pastoril da tradi- gio galleziana, em redondilha menor ¢ quasi sempre em dialogo. Por ventura na scrranilha existe algum elemen- to arabe, como se pode inferir do arabe sehra. Foi esta forma popular a que mais fecundou o lyrismo portugues. (Vid. 37, 87, 123, 130, 198.) O genero de composigdes populares arabes chamado Zadschal, foi imitado aqui pelo pove portuguez. 5d. O genero da Serranilha toma differentes nomes conforme os estribilhos ou tantologias que o distinguem; quando a cangio é dirigida a wm amigo ou namorado chama-se Cantiga de Amigo; el-vei D. Diniz separa sob esta dosignagio a imitagao do lyrismo da eschola galle- ga da imitag¥o provengal. (Vid. 7, 8, 9.3 O Cantar guayado, & a serranilha, issim chamada da neuma Guay ou At, com ue sem ra, Ci d, Wid. 14, 15, 18, 17, 18, 19) Comesade. a XVI POETICA HISTORICA PORTUGUEZA O Duzer, é a serranilha quando comega por uma per. gunta ou por uma affirmacko: Dizei-me ou Disse-me (Vid. 20, 21, 22.) O Dito, oa Ditado, significava lin. guagom © poesia; ainda no seeulo XVI Dizidor significa. va improvisador satyrico. 56. A Barca ou Barcarola é 0 idylio maritimo galle ziano,—que entrou nos Cancioneiros de imitagio proven. gal. Ainda nos apparece no seeulo xvr usado por Gi Vicente na Néo d’Amores, e citado por Ayres Telles. (Vid. 31, 32, 33, 34, 85, 36.) Eschola franceza 57. A Sirvente era a cangio satyrica e a expresso da opiniXo publica da edade media; era politica; (Vid. n.* 40.) moral, (Vid. n." 49.) Este genero teve entre nés um nome nacional Cantiga de mal-dizer, e sob a influen- cia hespanhola teve 0 nome de Apodo. 58. A Plank era uma especie de Sirvente clegiaca, 4 morte de algum grande personagem. (Vid. n.° 42.) Era eseripia cm ondecasyllabos para ser cantada. Ao mesmo genero sitventesco pertencem: A Devinalls, cangio lyrica de imitagio provengal, a qual, segundo Dicz, era baseada sobre wm equivoco de palavra, que se adivinha. (Vid. n.° 25.) A Noellaire ow Novas, cantava uma acgio ficticia, mas com intengZo moral. (Vid. 26.) 59. A Cangio em que dois contendedores tomar) parte, encarecendo cada qual o seu amor, chama-s¢ Joce-partitz. (Vid. 43.) Quando a questo é entre os na morados, chama-se Jocz enamorate; (Vid. 44 e 4d) ¢ 3¢ é entre varios trovadores 6 a Torneamens. 60. A Alvorada, 6 a cang%o de vigilia de origen| popular sem caracter religioso, destinada a celebrar % pequenos successos da vida do trabalho, feitos ao am* nhecer. (Vid. 10, 11, 12 ¢ 13.) Coineide com a imitac?4 PORTICA HISTORICA PORTUGUEZA XVII provengal da Aubade, & qual se anecedia a Serene, ou ou descante nocturno, ainda nos costumes portuguezes. 61. A Canc&o destinada a acompanhar o- baile ou pailia chamava-se a Baylata. Isidoro de Sevilha fala das Lvetustissimas Balismatias. Tem um metro adequado ao rythmo da danga; o refrem obrigado varia na collocacdo das palavras em eada, estrophe. (Vid. 0.° 28 e 59.) Ain- da no seculo XVI se lhe chamava bailho villdo. ¥ ‘oi in- troduzido nos Cancioneiros pela influencia artistica pro- vencal, . 62. O Descort era uma cangio discorde ji pela va- riedade do metro, j4 pela ixregularidade da estrophe, j4 pela confusiio dos dialectos misturados na mesma com- posigdo. (Vid. 46.) Era um artificio para exprimir o es- ttado de um espirito perturbado por um amor nao cor- respondido. 63. A Cangdo franceza, distingue-se porque a mes- ma palavra serve de rima na estrophe, e sobretudo o mesmo verbo em diversos tempos. (Vid. 47 ¢ 1.) A este genero pertencem as Coblas monorrimas, que em cada strophe tem uma sé rima. (Vid. 56.) 84. O artificio da rima produziu muitas outras va- riedades de cangiio; taes sic o Mansobre doble, forma pe- ninsular caracterisada pelo Marquez de Santillana, em que a rima é-duplamente encadeada, (Vid. 53.) no meio e no fim do verso; a Cangiio de Mansobre menor, em que se repete a mesma palavra em dois versos como rima, no principio da estrophe. (Vid. 53.) A Cangiio de Lexaprem (deixa © pega) ou segundo a poetica proven- sal, angio redonda, em que o ultimo verso de wma es- 1 phe serve de primeiro 4 estrophe seguinte. (Vid. 54.) ambem se lhe chamava EKncadenada. e 65. A Cang&io chamada Refrem é aquella om que 0 stribilho no serve 86 para unir uma estrophe a out mas encerra o pensamento total d. B. Avia 50, ‘at € 53.) A esta dlasse ven as Luror Mie ot pertencem as Lyras, ou refrens en- Xv POETICA HISTORICA PORTUGUEZA soados, (Vid. 61.) tornados a pér em moda por Gonaza. ga no seculo xvii, tendo sido conservados na tradig&o brazileira desde o seculo xvi. 66. A Decima, assim designada pelo numero de ver. sos de cada estrophe, pelo seu sentido indeterminado conservou-se na poesia até ao presente. (Vid. 57.) 67. A cangio amorosa em que o trovador fallava da sua dama inysteriosamente chamando-lhe Dona, conser. vou por isso a designagéo de Donaire. (Vid. 58.) A can- go em que o trovador satida a sua dama, era o Salutz, (Vid. 0° 29.) O Solatz ou Soldo, ou cantar solariego, como lhe chamava Quevedo, ¢ a cangiio elegiaca’om que o trovador desabafa em um monologo consolando-se; rea- parece no seculo xv1; a elle alludem $4 de Miranda, Bernardim Ribeiro, Jorge Ferreira e D. Manoel de Por- tugal. (Vid. 30, 60.) 68. A Pastorella, Pastoreta ou Vagueira, 6 0 idylio provencal em que se celebra uma Pastora que guarda gado e se lamenta do seu amor perdido. Algumas vezes © trovador intercalla no ‘meio das estrophes como retor- nello ou em jocs-partitz as queixas da pastora. (Vid. 37 e 38.) E’ a Serranitha com um caracter mais restri- cto e narrativo. 89. A canc%o commum aos trovadores ¢ ans jogracs, em que se discute satyricamente um dado thema de amor, chamava-se Tengdo. Termina com uma estrophe, chamada Cabo, om .que cada trovador improvisa a sua metade, na qual resume a sua opiniio. (Vid. 62 e 63.) Era realmente composta por differentes trovadores, im- provisada e julgada pelo anditorio; quando era sémente satyrica chamava-se Tengdo de mal-dizer. Escholt breta 70. O Lai era uma cangio lyrica de amor, cantada no gosto das arias bretans introduzidas na Peninsula 9? POERTICA HISTORICA PORTUGUEZA xox seculo xiv. Tem apenas de caracteristico a designag’io; acham-se allusdes a este genero de que 08 Cancioneiros nio conservaram o typo. (V id. n.° 64.) Na poesia hes- anbola ainda se conservavam no seculo XV os Virelay, genero contraposto a0 Lai. It— Eschola hespanhbola Genero epico 71. No seculo xv desapparece a maneira provengal, e o Romance nacional. continda quasi desconhecido dos eruditos; no emtanto o pevo continia a celebrar em can- tilenas as suas tradigdes e os factos da historia portu- gueza. (Vid. 65 e 68.) O Romance tem varios generos, segundo os assumptos que celebra; 6 cavalheiresco, quando trata tradigdes carlingianas ou arthurianas; (Vid. n.° 67) de aventuras, quando se nilo refere a algum eyclo tradicional da edade media; historico, quando cele- bra facto real; (Vid. 68) sacro, quando celebra a lenda da paixiio; e entretenido ou subjectivo, quando perde o seu caracter narrativo ¢ serve de expresso do senti- mento. Todas estas férmas foram imitadas pelos erudi- tos, quando 0 Romance popular se tornou Litterario, (Vid. 109 a 111; 187 e 188; 195 e 196.) 72, A Glosa é uma composigio em redondilhas, em geral em outavas ou decimas, que terminava com um verso de romance yelho. Resende, 4 maneira hespanhola gloson o Romance de Tiempo bueno. Tomou ui caracter lyrico subjectivo, e¢ 6 mais conhecida pelo nome de Volta. A designagio popular do Romance tradicional é a de Aravia, usada sobretudo nas ilhas dos Agores. A classe popular essencialmente mosarabe, conservou mui« Fe == POETICA HISTORICA FORTCGUEZA tas melopéas arabes, ao som das quaes repetiu as suag redondilhas narrativas. D’aqui uma tal designagao, de- rivada d’esta circumstancia accidental ¢ exterior. 73, A forma epica litteraria do seculo xv, na qual sc celebrava os desastres politicos, era em verso ende- casyllabo, com a estrophe em outava castelhana; era uma especie de sirventesio a que se dava o nome de Lamentag&o. (Vid. n.° 71.) Esta designagio acha-se abo- nada pelo Marquez de Santillana; tem intima analogia com os Poemett italianos. Genero lyrico 74. O lyrismo popular apresenta varias formas sem distince%o fundamental, como o Cantarcitho, em quadras de redondilha menor. (Vid. n.° 72.) A Tonaditha, ou quintilha em redondilha menor, cuja tradic¢lo por ven- tura influin nos Tones da corte de D. Jo’o tv. A Se- guiditha, nome hespanhol da cantiga em quadras, quando se seguem entre si; (Vid. n.° 74) podia ter mais de qua- tro versos na estrophe, com retornello, a que se chamava pé, quando é de trez versos. Os Clamores sio a elegia popular. (Vid. n.° 76.) 75, A Esparsa, é uma estrophe elegiaca, em forma epigrammatica, usada na poesia palaciana; é uma espe- cic de Volta, indopendente de Mote. (Vid. n.% 83, 84 e 88.) 76. A Volta, 6 uma especie de glosa, em que se nia reproduzem os versos do Afote, mas em que se interpreta ou disserta sobre o sou sentido. (Vid. n.° 79 e 80.) A Glosa é que prevalecen na poesia portugueza até ao principio do seculo xrx. O Mote era uma estrophe to- mada da tradigio ou de qualquer escriptor, e ent&o cha- _ mava-se Mote alkeio. Tambem toma o nome de Vilan- cete (Vid. n.° 90, 91 & 92.) POETICA HISTORICA PORTUGLEZA EXE 47. A Copla ea Prova eram @ designagao mais ge yal de qualquer composigao poetica em redondilha maior, com estrophes de outavas ou de decimas. (Vid n.°* 69, 70, 78.) A Trova tambem tinha 9 sentido de glosa; as- sim ge diz Vilancete wovado, (Vid. n° 87.) Romance wovado; e podia ser com redondilhas quebradas. (Vid. ne 82.) A Coplitha era a trova em redondilha menor. (Vid. 92.) As Trovas aliteradas, ou em rimas forgadas, (Vid. 89 © 88) s%o restos dos artificios provengalescos, que se reproduziram novamente no principio do seculo xvut. Este genero offerece differentes variedades, con- forme o seu uso palaciano; assim o Rifdo e 0 Apodo, cram como o mote e voltas das trovas ou coplas satyri- cas; as Perguatas, os Porgués? as Ajudas, os Louvores, as Aespostas, nada offerecem de caracteristico. (Vid. n.° 96, 97, 100.) A Volia tem intimas analogias com o ge- nero arabe Muvaschaja, 78. A Oragdo farsi ou Fursiture, é a copla com ver- sos latinos intercallados, forma derivada dos antigos can- tos ecclesiasticos, quando o povo tomava parte na litur- gia. (Vid. a.° 101.) Genero dramatics 78. & Chacota era um bailo dialogado, em que uma pessoa 86 cantava e servia de Guia, @ os outros respon- diam em coro. (Vid. n.° 75.) Gil Vicente termina muitos des seus Autos assim. Tambem se chamava Ratorta, ¢ & letra cantada, Breve. (Vid. 104.) O Mémo, era a rma dramatica rudimentar das festas palacianas; era mistu- irado de prosa e verso e fallayam pelo menos trez figu- vas. Tinha um caracter allegorico, (Vid: n.° 102.) EX PORTICA HISTORICA PORTUGUEZA Itl— Eschola quinhentista A) marragho HiSPANO-YTALICA Genera epice 80, O Romance no seculo xvi é imitado pelos eru. ditos, que pdem em verso a prosa das Chronicas (Vid. 111) ow parodiam no sentido burlesco os romances anti. gos mais populares. (Vid. 110.) Os Romances de cativos (Vid. 107) © mowriscos (Vid. 105 e 106) tiveram certo desenvolvimento, € os seus versos turnarame-se prover. biaes nas contposig6es litterarias. 81. A pequena narragie historica, em outavas 4 ma- neira castelhana, ou em estylo de lamentacio, toma um caractcr mais geral, como os Poemetas italianos. (Vid. 112 © 113.) 82. Ao genero epico, pela sua origem tradicional primitiva, de mythos degenerados, pertence a Fabula, conhecida no seculo xv1 pela forma esopica. Quer pela corrente arabe, pela provengal, ou pela erudigio da re- nascenca, a Fabula acha-se representada na poesia por- tugueza por Sa de Miranda. (Vid. 114, 115, 116, 117 e 118.) ¥ a Fabula wma fiecho, tendente a estabele- cer uma dada lei moral da collisio de interesses, tor- nados mais pittorescos por se passarem entre animacs. Genero lyrieo 83. O lyrismo popular apresenta a forma pura da Serranilha. galleziana na colonia do Brazil. (Vid. 119.) O Rumor, a qne allude Ayres Telles, especie de conto uzado na edade media 4 mesa dos principes, reappare’ ce na tradigio popular. (Pag. 140.)—A Salve era @ Prosa liturgica tornada popular; especie de bengao vt saudagio no fim das rezas, e ao terminar do dia. (Vid. POETICA HISTORICA PORTUGUEZA XXUI no 121.) As Oragies, (Vid. ne? 125) tantas vezes pro- hibidas nos Indices Expurgatorios, eram a parte princi- al da medicina do povo.—Os Jogos, ainda appresentam uma forma rythmica inconsciente, e podem-se conside- rar como a parte mais antiga da poesia primitiva que ainda hoje se conserva. (Vid. n.° 126.) A Adivinhagdo, tambem conserva a forma rythmica, é um dos gran- des vestigios da tradigio humana. (Vid. 127.) : 84. O lyrismo litterario reproduz os generos prin- cipaes da Eschola hespanhola; (Vid. 128 a 135) e ao mesmo tempo os novos artificios da poesia italiana. (Vid. 136. bs. As Exclamactes em Eeco slo um artificio poeti- co em que a estrophe termina com uma rima que ¢ wna syllaba da palavra antecedente, mas com sentido com- pleto e como resposta. (Vid. n.° £40.) 86. A Eeloga, cm verso de redondilha, foi primeira- mente imitada da poesia castelhana; e em verso ende- casyllabo, da poesia italiana. E’ um dialogo’pastoril, ao qual corresponde na poesia popular o Vilancico. (Vid. 143.) 87. A Carta, é uma forma comum 4 imitag%o hespa- nhola, (Vid. 144) ¢ italiana (Vid. 185.) N’esta ultima phase chamava-se-lhe Eypistola, e era sempre em terce- tos. S& de Miranda e Falco de Resende tambem lhe chamaram Satyra. fenere dramialico 88. O Auto 6 a forma dramatica da edade media usada no theatro portuguez antes da Renascenca. Tom ° caracter hieratico, quando a acho pertencia 4 litur- gia religiosa, como o Natal, os Reis ow a Paschoa; cha- Mam-se Fargas quando os assumptos se tiram de inte- resses burguezes; ¢ Tragicomedias, quando se referem & vida de heroes ou personagens novellescos. Os persona- XXIV PORTICA HISTORICA PORTUGUEZA gens cram reaes e allegoricos; fallavam sempre em ver. so ora de redondilha, ora endecasyllabo. (Vid. 146, 147 e 148.) A eschola italiana substituiatlhe a Comedia em prosa dividida em scenas e acios. B) IMITAGAO TRALIANA Forma epiea 89 A forma narrativa litteraria, imitada das antigas concepgdes poeticas da humanidade, reappareceu na re- nascenga pela imitagio de Virgilio, com o mesmo nome de Epopta. As regras da Epopéa, deduzidas por Aristo- teles dos poemas homericos sAo incompletas, por que se conhecem hoje as epopéas indianas, persa, germanica, francezas, e' finlandeza. A Epopéa celebra um grande facto, que resume a vida historica de uma nacionalidade; o Maravilhoso é ama reminiscencia inconsciente da re- lagdo entre os deuses do mytho obliterado e as heroes em que elles se transformaram por effeito do conflicto das ragas; os Eypisodios sio as tradigdes parciaes, ana- logas aos pequenos poemas cyclicos da epopéa natural, bem como a tnvocagdo é derivada ainda do modo da sua propagacao. (Vid. 149.) Forma Ivrica . 90. O Soneto é de origem. provengal; nos Cancionei- ros portuguezes allude-se muitas vezes ao Son, mas deve entender-se sempre a parte musical da composicAo; os italianos é que fixaram a forma actual do Soneto desde Dante de Maiano. E’ uma das formas lyricas mais per- feitas; consta de quatorze versos em duas quadras e dois tercetos. Offerece mil variedades de structura, de que apenas indicaremos 0s nomes: Soneto simples, dobrado, PORTIOA HISTORICA PORTUGURZA xy terciado, com quebrados, encadeado, retrogrado, com es- trambote, (Vid. 166.) e. outros _artificios que sé servem para perverter o gosto. (Vid. 150 a 182.) : 91. A Cangéo, da eschola italiana, 6 mais extensa do que a provengal; tem maior numero de estancias, regu- i lares; chamam-se Cangdes seguidas, as lares ou irregulare : ; que encerram mais de dez ou doze estancias; a ultima estancia 6 0 Hemate,em que o poeta se dirige 4 propria cangio como uma entidade ideal. (Vid. 183.) Subordi- nam-se 4 Cangdo as seguintes formas especiaes: a iile- gia, expressio de um sentimento melancholico, em ter- cetos; (Vid. n.° 184.) 0 idylio, ou pequeno quadro des- criptivo mais ou menos elegiaco, ou em monologo. Quan- do breves, as Cangdes tomam o nome de Madrigaes, ¢ Balatas. 92, Muitas das formas da poetica italiana s&o um artificio erudito, procurando imitar as formas gregas, mas sempre debalde, como succedeu-com a guantidade. Tal é a Ode, que se nfo distingue da Cangdo; sub- divide-se em alcaica, epodica, epithalamica, genethliaca, pindarica, saphica, que se niio distinguem, e que nos apparecem pdstas em vigor pela Arcadia, no seculo XVII. Tormas dramaticas 93. A imitagio da tragedia grega e¢ romana levou a poesia moderna a procurar as situagSes patheticas da historia moderna. O desenvolvimento da Lragedia mo- derna foi difficultado pela servil imitagfo da estructura da tragedia grega, que debalde se procura reconstituir. Consta racionalmente de trey Actos, a proposigiio da acgao, a situagdo ou intriga, e a peripecia on desenlace: os dos actos prologo e epilogo, em que se previne a’at- tengo e em que se deduz a moralidade, tambem foram aproveitados. . POETICA HISTORICA PORTUGUEZA xxv terciado, com quebrados, encadeado, retrogrado, com e8- trambote, (Vid. 166.) ¢. outros artis que sé servem para perverter 0 gosto, (Vid. 180 a 18 ), ad 91. A Cangio, da eschola italiana, é mais extensa do que a provengal; tem maior numero de estanelas, regu- lares ou irregulares; chamam-se Cangies seguidas, as que encerram mais de dez ou doze estancias; a ultima estancia 6 0 Remate, em que o poeta se dirige 4 propria cangio como uma entidade ideal. (Vid. 183.) Subordi- nam-se 4 Cangédo as seguintes formas especiaes: a Eile- gia, expressio de um sentimenio melancholico, em ter- vetos; (Vid. n.° 184.) 0 ddylio, ou pequeno guadro des- eriptive mais ou menos elegiaco, ou em monologo. Quan- do: breves, as Cangdes tomam o nome de Afadrigaes, e Balatas. 92. Muitas das formas da poctica italiana so um artificio erudito, procurando imitar as formas grogas, mas sempre debalde, como sueceden. com a guantidade. Tal é a Ode, que se nado distingue da Cango; sub- divide-se em alcaica, epodica, epithalamica, genethliaca, pindarica, saphiea, que se nio distinguem, e que nos apparecem pdstas em vigor pela Arcadia, no seculo XVII. | Formas dramaticas 95. A imitagio da tragedia grega e romana levou a poesia moderna a procurar as situagdes patheticas da historia moderna. O desenvolvimento da Lragedia mo- derna foi difficultado pela servil imitag%o da estructura da tragedia grega, que debalde se procura reconstituir. Consta racionalmente de trez Actos, a proposigio da acgilo, a situagdo ou intriga, e a peripecia ou desenlace; 08 dos actos prologo e epilogo, em que se previne a'at- ten¢g&o e em que se deduz a moralidade, tambem foram aproveitados. : 3XVi POETICA HISTORICA PORTUGUEZA O Coro grego é que nde chegou a ser_comprehen- dido. As subtilezas da wnidade de tempo, unidade de acgdo e unidade de logar, foram wma superstigio erudita, que serviu para abafar o genio creador, (Vid. n.° 186.) IV— Eschola seiscentista 94, A forma narrativa popular tornada litteraria por Quevedo e imitada pelos escriptores do scculo xvu, foi a Chacara ou Xacara, derivada dos Xaques ou fadi- etas d’essa epoca, que celebravam em improvisos os seus feitos. EK” sempre em quadras assonantadas, 4s ve- zes com o quarto verso cm hemistichio ¢ encadeado com a estrophe seguinte. (Vid. n.° 197.) Tem modernamente o nome de Fado. 95. A Sylva é a forma culteranesea da Ode italia- na.— Predominaram os Madrigues e as Balatas; as Kelo- gas eas Epistolas. Os Tonos eram eangdes breves, alle- goricas, e serviam de pretexto para a musica. As Aca- demias exageraram todos os artificios poeticas. 96. Da forma dramatica, a mais caracteristica é a Léa, prologo de comedia, que se torna uma especie de entre-acto; o Vilancico tornou-se o entremez hieratico dos presepios. (Vid. n.° 205.) V—Eschola arcadica 7. O lyrismo apenas apresenta com caracter nacio- nal a Modinha, (Vid. n.° 220.) renovada na litteratura per iafluencia, dos poetas brazileiros; e as Lyras. (Vid. n.® 221.) Tudo o mais 6 uma imitagdo dos quinhentistas e dos poetas latinos. 08. Das imitagdes eruditas, apparecem o Dythiram- bo, especie de ode irregular destinada a celebrar os pra- \ tsi POETICA WISTORICA PORTUGUEZA xxvir zeres do vinho; a Ode pindarica, para celebrar os he- yoes 4 manecira de Pindaro; a Cantata, imitagio italia- na, especie de poemeto narrativo elegiaco, em endeca- syllados e terminando com uma Aria, ou pequena ana- creontica. (Vid. n.° 222.) O Romance em endecasyllabos, em quadras no rimadas, e de um pobre effeito poetico; or ultimo a forma lyrica do Amphigurt, conservada dos ridiculos artificios dos cultistas. 99, A falta de liberdade seb o cesarismo dew a de- cadencia da creagio dramatica; a Opera era um pequeno drama em redondilha menor, para ser cantado; n’este ge- nero 86 traduzimos mal. Wi-— Eschola romantica 100, Todas estas classificacdes e subgeneros foram abandonados, ¢ foi-se procurar a poesia nfo na repro- ducg&o material de dadas forma’, porém na comprehen- slo das tradig8es nacionaes. PRIMEIRA BPOCA ESCHOLA PROVENGAL (SECULOS XilI B XTY) SEOCKO 1.8 ESCHOLA GALEGA 0U JOGRALESCA I esnero rico: a) Tradicional: 1. Cangdio do Figueiral — 2. Loenda de Santa Iria—3. Romance de D. Fernando de Cas- tela. b) Latterario: 4. Chacone de Frei Mendo Vasques. If cewmro tyrtco: Tradicional: 5—6,. Cantos de ledino — i—49, Cantares d’amigo—10— 13. Alvoradas—14—19. Can- tares guayados —20— 22. Dizeres—23 —24. Pragas —25. Devinalhs — 26. Nocllaire—27. Sirvente— 28, Baylata— 29. Salutz— 80. Solatz—31—86. Barcarolas— 37—38. Ser- ranilhas e Pastorellas, UI cuxwno pranarico: Tradicional: (Avremedilho ?) CANGAO DO FIGUETRAL (LIgdO DO CANC. MS. DO CONDE DE MARIALVA) No figueiral figueiredo, a no figueiral entrey, seis pinhas cneontrara, scis ninhas encontrei, para elas anddra, para elas andei, ~ thorando las achara, lhorando as achei; logo las pereurdra, logo las percurei quera las mal tratara y a tam mala lei? No figueiral figueiredo, a no figueiral entrei, uma repricara: 55, A MORTE DO INFANTE DOM PEDRO, QUE MORREU N’ALFARROBEIRA, E VAM EM NOME DO INFANTE 69 Pola morte de mym soo e Walguns vossos parentes, vés outros, que sois presentes, todos deveys filhar doo, Os que tinheis em mim noo, e folguays com minha morte antre todos langay sorte, qual seraa mays cedo poo? E do mal que me fyzestes entam sereys 14 lembrados, e d’aquestes meus criados que matastes e prendestes. Empero, todos perdestes em mym huma nobre déa; sobre todos fuy corda segundo todos soubestes. Nom foy outro no Oriente tam perferto em saber; ja em mym foy o poder d’escusar o mal presente. Nunea usoy em meu talente de fazer consa errada, mas esta morte foy fadada pera mym e minha jente. ’ £ MORTE DO INFANTE DOM PEDRO 67 fa eryey em gram alieza hum seo rey € seu immo, sempre the beyjey mao, e resguardey ssa realeza. Fay eu frol de gentileza, ena minha mocidade usey sempre de verdade, © amey muyto franqueza. Quando eu ante vés era, todos m’assy esguardaveys, e assy me adoraveys, como se vos eu fizera. Aguora ja nenhum espera receber de mym mercés, antes me avorrecés como huma besta fera. Nam ha reyhos em Crist&os que em todos nom andasse € que sempre nom achasse nos reis d’elles doces mos. Fidalguos e cydadiios me serviam lealmente, © aguora cruelmente me mataram meus irmios. Eu andey per muytas partes, e per outras boas terras, muyta paz 6 tambem guerras vy tratar per muytas artes. Mas aqueste dia-maries foy infelis para mym; © meu sangue mo deu fim, € rompeu meus estendartes. ON FSCHOLA HESPANWOLA, Se Naturays de Portugal contra mym armas fiylhastes, certamente muito errastes, ; que vos no mereci tal. ; Roubastes meu arrayal, toda minha artelharia; grande enveja e perfia ordenou todo este mal. Mal vos lembram as mercés que vos fez el-rey meu padre com a rainba minha madre, d’u melhores descédés. Ew no sey que ganharés por minha destruigam; se o fezcstes sem rezam, este vos nam lavareys. Muyto trabalho levou imeu padre por vos criar, muyto mais por vos liurar ¢ leixar como leyxou. Se vos elle acrecentou ci mentres qu’ele viveu, nem por mym nam faleceo quanto men terapo durou. E vés fostes os culpados causadores de meu dano, ja passa de hum anno quae andays aconselhados; ¢ com rostros desvairados mo falaveys cada dia: mas de vos nam me temya, porque ereys meus criados. A MORTR DO INFANTE DOM PRORG 6 Natureza nam deerva consentir-vos tal crueza, bem mostrara jentileza algum que me vyda dera. Mas no anno d’esta era tays pranetas sam correntes, que amyguos e parentes todos andam por derrera. A morte tenho passada, eo modo jé perdido; pero levo jd sentido da infante lastimada, e da rainha muyto amada: e meus filhos orfios leyxo, desto todo me aqueyxo, que da morte nam do nada. Ora 14 vos temperay o melhor que ja poderdes; pero se syso teverdes sompre vos bom avysay. Cada dia esperay receber por u medistes, a que ora de mym vistes quando vos vier, tomay. Cabo Todos fostes muy ingratos ¢ de pouco conhecer; bem quizestes parecer os do tempo de Pylatos. Luis d’Azeveilo, Cancteneiro g eral, t. tp. 45%. 70 ESCHOLA HESPANHOLA 10 BARLAAM ET JOSAPHAT FRAGMENTO DE UMA TRADUGAO Quando ella assy bremava todos compegam de fugir, e quando chegou o dia que ela ouve de parir, pare um. rato pequeno, em faz escarnho do ryr, suas vozes e espanto em rogo foram salyr. Bem outrasy acontece a muitos e a teu amo, se vée dar muyto estrago fugindo com falso engano; cegam muites com 0 vento, vay-se perder com mal ramo; vay dis-lhe que me nom queyra, ca o nom quero nem amo. O homem que muyto fala faz muyto monos ds vezes e poem em muyto espanto © pouco stroido de mezes; e as cousas muito caras outra ora sam rrefeces, e as astrosas de vil prego sam para avellas revezes. Come por pequena cousa avorrecimento e sanha, arredou-se logo de my e fez-me de jogo manha; POEMA VW assy o diz enganado o que cuida quem engana, desto eu fiz uma trova Ay que tristesa tamanka. Assi o diz Salamon e diz grande verdade, que as cousas d’este mundo sem dulda sam vaidade; c sam todas passadoiras fugem-se com a hydade, salvantc o amor de Deos, todo o al he neicidade. Despoys que vy a dona de mi partida e madada, dixe: querer d’u nom me querem. fazia ponto ou nada; responder d’u me nom chamam he vaidade provada; partiu-se de seu preyto pois de mi he arredada. Sabe Deos que nem em esta aa quantas donas nunca vy, eu sempre quige mandalas outro sy sempre as servi; e se servir nom as pudi certo nunca as deservy, de dona bem mosurada, sempre dela bem screvy. Muyto seria eu torpe a malo vylano pagez, se cu de la mulher nobre razoase cousa refez; ESCOLA HESPANHOLA ou en na molher lougana, fremosa, nobre e cortez todo bem d’aqueste mundo todo prazer em ela és. Se Deos quando formou ao 0 homem entendera que era tam mala cousa a mulher, nom the la dera ao homem por companheira nem dele a nd fezera, e se pera bem nd fora, tanto nobre nd s’avera. Se é homem ou 4 molber nd the quizesse bem, nd teria tantas pressas no amor quanias lhe tem; né por sancios nem por sanctas que seja nom sabe quem mais ame que su campanha em. este siso se mantem. Os estrolegos antigos dize em na sciencia, eu digo da estrologia que he muy nobre sabenga; que o homem quando nage | logo na sna nacenga ) o sino em que ele nace : | aquel o julga por sentenga. | | | Esto disse Tholomeo e assi o disse Pratd . | © outros grandes maesires todos n’este acordo som; PORMA 73 eee qual he o acidente e a sua costellagom daquelle que nage tal he seu estado eo seu dom, A y muytos qne trabalham muyto pela crelizia, e aprondé grandes tempos, despendem grande contia; mas no cabo sabem: pouco ca 0 fado os guya, nem o nom podem dos mays a esta estrologia. ¥ outros entram em ordem, por salvarem suas almas, outros tomam officiacs em querer usar om armas} outros servem a senhores com suas Manos autr’ambas, por muytos de aquestes dam em terra d’ambas palmas. NO acabam em ordé nem sam grandes cavalleyros, né em mereé dog senhores né erdam de seus dinheiros; porque pode seer esto querem 6 ser verdadeiros, segundo natural curso os meestres estrolageiros, Porque iu creas o curso destes sinales a tales dizer te hei wm juiso Som de a que naturales, 74 ESCHOLA HESPANAOUA os quaes julgaram um nino per scur certos sinales de per juizos muy fortes forom d’acabades males: Era hum roy de mouros alecaras nombre avia; e nage-lhe hum fylho mais que aquel non tenya; mandon per seus sabedores ca deles saber queria 9 signal e a praneta do fitho que the nagia. Antre aquelles estrologos que la veerom para veer, veerom hi cinquo d’cles que eram de mayor saber; des gue o ponto tomarom no qual el ouve de nager, disse-lhe am dos maestres, que medrado hade ser. Fel, avulsa, do Ms. 785 da Bibl. do Porto. LAMENTAGAO A MORTE DEL-REY DOM JOXO O SEGUNDO QUE HE EM SANTS GRORIA Mow ee Dizer dos antigos, que sam consumidos, nam quero, em Gregos falar, nem Romios; mas nos que nos caem aqui d'antr’ as maos, vistos de nés e de nés conhecidos. Despertemos de todo os nossos sintidos, LAMENTAGRO KG) joys este mundo he tam inconstante: mos dos que nam sam perdidos, ~ hydos hum pouco adiante. mas que sam Antigos exempros a parte deyxados, sem os alheos querer memorar, og mortos em canas deyxemos estar com outros mil contos que sam ja passados. Deyxem de ser aqui relatados; abaste fallar nos possuidores desta nossa terra, que dela abayxados foram assy com’ a pobres pastores- Que se fez d’aquele que Ceyta tomou por forga aos Mouros com tanta vitorea, 0 intitulado da Boa-Memorea, que a sy e aos seus tam bem governou? As cousas tam grandes que vivend’ acabou, afora nas batalhas mostrar-se tam forte, com outras faganhas em que s’esmerou, nunca poderam livral-o da morte. Seu fylho, primeiro bom rey Dom Duarte, que foy tam porfeito e tam acabado; reynando muy pouco, da morte levade foe, como quys quem tudo reparte. Seus irmaos, os Tfantes, que tanta de parte na virtude teveram pelo bem que obraram, tendo nas vidas trabalhos que farte, Com tristes sogessos alguns acabaram. 0 sobrinhe d’estes, Ifante de grorea, Progenitor de quem nos governa, que foy de vertudes tam crara lucerna, bem ouve d’cle a morte vytorea. a, 76 RSCHOLA HESPANHOLA Com todo nom pode tirar-lh’a memorea, de ser esforgado e forte na fee, tomou este princepe, dino d’estorea per forga 63 Mouros o grand’Anafee. O quinto Affonso non quero ealar, que assy como teve vytorea crecida, tantos trabalhos sosteve na vida, que lhe causaram mais ced’ acabar. Tambem acabou o filho de dar fim a esta vida de tanta miserea, no qual determino um pouco falar, posto qu’emprenda muy alta materia. Este foy aquele bom rey dom Joham, o mays eycelente, que ouve no mundo, rey d’estes reynos, d’este nome segundo, humano, catolico, sojeyto 4 razam. Do qual muy bem creo, sem contradigam, julguando sas obras, € como morreo, que deve bem certo de ter salvagam, poys tam justamente sempre viveo. He Poys em Castela, ahy n’essa guerra, : se foe esforgado muy bem se mostrou; depvis da batalha no campo ficou, os mortos n’aquela metendo so terra. Tambem n’essas pazes, s’a penna nam erra, foy muy prudente e muy sabedor, os meos tomando dos vales e serra: que n’estes consiste vertude mayor. Nam menos no reyno, por este teor, no tempo que foe aquela discordia, usou mays com eles de misericordia LAMEXNTAGAO TT do que n’isso fez com justo rigor. Era temido dos seus com amor, e a Deos temya com todo querer; . ue quando o rey de Deos tem temor, emtam o soemos muy mais de temer. Com animo grande d’esperas reacs, abrie o eaminho de todo Guyné, mays por crecer a eatolica £6 we nam por cobiga dos bens temporacs. Com ela fez rico os seus naturacs, os inficis trouxe a ver salvacam, poys obras tam justas e tam devynaes, seram sempre vivas segundo razam. S’em todo ponente se sente gram grorea, por screm as Indias a nés descobertas, ele foe causa de serem tam certas e tam manifestas por nossa vitorea. Pois he sua fama a todos notoria, culpem-me muytos e mais d’uma vez, se dele nom fago aquella memorea que justa merecem os feytos que fez. A fim ji chegada de sua partida, sendo de todas a cousa mais forte, J& muito cerca da hora da morte, fam se esqueceu das obras da vida. Tendo a candea ja quasi pedida, 4 penna na mao tremendo tomava, © com moderada justica devida tengas, mercés, padrdes assynava. Sous males e culpas gemendo com dor, Partyo d’esta vida na fé esforgado; Polo qual creo, que outro reynade 78 ES ESCIOLA HESPANIOLA possuy la com Deos muyto melhor. Fez fim no Algarve, na vila d’Alvor, no decimo mez, 4 fim j4 propinco, sendo da era de nosso Senhor quatorze centenas noventa mais cinco. Com gram cyrimonia a Sylves levado daly foy dos seus, que o muyto sentyam, quem antes hum pouco as gentes seguyam. aly ficou soo de todos deyxado. O’ morte, que matas quem é prosperado, sem de fremoso curar, nem de forte, e deyxas vyver o mal aventurado porque vivendo receba mays morte. D’aly a trez annos nam bem precedentes foy com gram festa d’aqui trespassado, e posto no lugar que esta deputado em scr mauseolo dos nossos regentes. Quer Deos d’aly dar a muytos doentes comprida saude, tocand’ onde jaz; em serem os anjos com elle contentes nos he manifeste nas obras que faa. Fez isto por ele o muy poderoso rey excelente Manuel o primeyro, quem ele deyxou successor verdadciro, como rey justo e muy vertuoso. Soube este princepe muy animoso que oje govorna com tanta medyda, pagar-lhe na morte, como piadoso, o bem recebido d’aquelle na vida. Diogo Brandiio, Cane. gerel, t. uf P- 190-200 TONADILIA 79 CANTARCILHO A PADEIRA DE ALJUBARROTA Pois que Madanella remediou meu mal, viva Portugal, e morra Castella. 92 Seja amor testigo de tamanho bem, nio chege ninguem a zombar commigo. Que a espada é rodela, a forneira sal’ viva Portugal, ¢@ morra Castella! Romancero general (Rom.: Un gallardo portugues.) TONADILHA DOS POBRES 4 PorTaria po conyENTo po CONDESTAVEL 73 O gram Oondestabre em o sea Mosteiro da-nos sua sdpa, mail-a sua répa, mail-o sen dinheiro, A bengiio de Deos cahiu na caldeira do Nunalves Pereira, que abondo ereseeo e todolo deu. : Se comer queredes nom vades além, » do B 80 ESCHOLA HESPANBOLA d’on menga nam tem, ahi lo comeredes como lo bedes. Ap. Chroniva dos Courmetitan Santa-Anna, t. 1, p. 496" 14 SEGUIDILHAS QUE AS MULHERES DE LISBOA CANTAVAM PELA PAascyo, FLORIDA NA SEPULTURA DO CONDESTAVEL: aura, 66; € de- pois todos: cur, ads ToDos: @UIA, sé° TODOS: aura, sd: Né me lo digades, none, Que santo he o Conde. O gram Condestabre Nunalves Pereira, dcfendeo Portugale com sua bandeira, € com seu pendone. No me lo digades, none; que santo he o Conde. Na Aljubarrota levou a vanguarda, com bragal e cota os Castelhios mata, e toma o pendone. No me lo digades, none; que santo he o Conde. Com sua cheganca filhou Badalhouce, sem usar d’avenga entrou sua torre, € poz seu pendone. sop0s? aura, SOF ropos: 15 CHACOTA DE TERREIRO No me lo digades, none; que santo he o Conde. Dentro no Valverde - yenceu os Castelhios, matou bons e maos, so ¢’o sua hoste e seu esquadrone. No me lo digades, none; que santo he o Conde. Thid., t.1, Po 8, p. £66, CHACOTA DE TERREIRO QUE OS MORADORES DO RESTELLO CANTAVAM NA SEGUNDA OUTAVA DO ESPIRITO SANTO, NA SEPULTURA vou? TODOS: vou: Tonos: DO CONDESTAVEL Santo Condestabre, bone portugues, Conde d’Arrayolos, de Barcellos, d’Orém. Santo Condestabre, hone portugues. Na campanha somdes alera Vuma bez; © mais otra bez, e mais otra bez. Santo Condestabre, bone portugues. 81 * 82 ESCHOLA HESPANHOLA vou! Por faison da patria todo esto lo fez, mata os Castelhios salva a nossa grey. topos: E mais otra bez, e mais otra bez. vou: No me lo digades, qu’ aboudo lo sey, librow as obelhinhas do leo de Castel. 0D08: E mais otra bez © mais otra bez. Ibidem, 76 CLAMORES DOS MORADORES DE SACAVEM NO ANNIVERSARIO DO CONDESTAVEL vou: Do Restello a Sacayem nom ningola, nem ninguem tem semelho ao Condestabre, que lo prouge, ¢ que lo praze, ho fazernos tanto bem. ‘ropes: E ben, e bem. vou: O rapaz das cobreturas gue morre e cahe para traz, ja nom vae & sepultura, que otra bez vive o rapaz: e o Conde le fizo bem. TODOS: E bem, e bem. yOu? TODOS! you: “repos: vou! wODOS : DYFADO, OU RIFAO. 8 A filha de Joanne Estés que finou por nom mamar, ao do Moinho do cubo que finou por se afogar, viventa o Conde tambem. E bem, e bem. O mal Vaquella alfayata a gram dor de Lopo Affonso, nom les chega acs coragons, que o Conde santo los guarda: y tado por fager bem. E bem, e bem. E bem, Condestabre santo, eohri-nos com vosso manto, ¢@ co vosso manto de gales, defendimento de males, e faga-nos munto bem. E bem, ¢ bem. Thid., oxtrahido de um Ms, de Azuara, DITADO ov RUFAO VULGAR, A QUE ALLUDE AZURARA «Oh noite m4, para quem te apparelhas? ~—Para os pobres soldades @ pastores de ovelhas, «HE os homens do mar aonde os deixas? —Fsses ficam metidos até 48 orelhas. 84 ESCHOLA HESPANHOLA COPLAS DO INFANTE DOM PEDRO, FILHO D’EL-REE DOM JOXO I, EM LOUYOR DE JOX DE MENA: 78 Nom vos serd gram louvor por serdes de mym honrado, que nam sam tam sabedor em trovar, que vos dey grado. Mas meu desejo de grado a mym praz de vos louvar, e vés o podeys tomar tal, quejando vos he dado. Sabedor e bem falante, gracyoso em dizer, coronysta abastante em poesyas trazer. Ou de novo as fazer, hu compre, com gram maestrya; de comparar melhorya dos outros deveys aver. D’amor trovador sentydo coma quem scu mal sentiu, eo ouve bem servydo eos seus segredos vio; e de todo departio muy fermoso e muy bem, como poode dizer quem vossas copras ler ouvyo. De louvar quem a vos praz aconselhar lealmente, desto sabeis vos assds, e fazeylo sagesmente; VOLTAS 85 e assentar-s’00 presente creo nam terdes ygoal, de consoar outro tal; julgue-o quem o bem sente. Infante D. Pedro, Canc. gerat, te IL, p. 10. VOLTAS D’EL-REI DOM PEDRO (CONDESTAVEL 79 80 DE PORTUGAL) A UMA SENHORA Honde acharaao folguangas meus amores, honde meus grandes temores seguranga! Tristeza nam dé luguar, menos consente regeo, temor me faz sospixar, mudanga faz que nam creo. D'outva parte osperanga daa favores, sem averem meus amores seguranca,. hide, i, TL, p. 6te OUTRA D’EL-REI DOM PEDRO Ho desejosa folguanca, u fazem pausa meus males! non es om vano esperanga, se me vales. Se me vales, tornaraa todo meu mal em prazer, a meus trabalhes daraa gualardam meu merecer. 86 ESCHOLA HESPANWOLA Mais poderd confyanga que todos meus tristes males; morrerd desesperanca se me vales. Tbid., p. 68. QUADRAS NO FIM DE UMA TRADUCGAD DOS EVANGELHOS gt Nam vos sirvo, nem vos amo, mas desejo-vos amar, de sempre vossa me chamo sem quem nom he repousar. Oh vida Tume e luz, infinde bem e intciro, meu Jesus, Deos verdadeiro, por mim morto em a cruz. Se mim mesma nom desamo nem vos posso bem amar, ame ajudar vos chamo, para saber repousar. D. Filippa, filha do Duque de Coimbra, (Ap. Agiolog. Lusit. t. I, p. 411) ‘TROVAS wA vorma DE RECUERD EL ALMA { ADORMIDA (DE MANRIQUE.) 82 Poys nacy por vés amar, © ser vosso ta morrer, sem me partir, eu nilo devo recear coytas, trabalhos soffrer por vos servir. ‘TROVAS 8ST ee Ca pois sempre vos amey e vos amo certamente, dizer posso, que ja nunca poderey doutra ser inteiramente, se nam yosso. De vos eu aquele ser que vos sempre fuy e sou ategora, vés o devés firme crér, qu’esta fé nam se mudou de mym, senhora. . Poys que outra liberdade nunca pude desejar, nem queria, se nam soo vossa vontade sempre cumprir e guardar como devia. Eu niio creo que nacesse quem mais males soportasse nem sentisse; nem que d’amar me vencesse, como quer que bem amasse ou servisse. E coytas desesperadas e tantos padecimentos tenho passados, que soo de serem lembrados os meus tristes sentimentos sam torvados. 88 ESCHOLA HASPANHOLA Poys leixarey por ventura de vos sempre ser leal, sem galardam? ou fard minha tristura meu desejo querer al? por certo, nam! Ante soportar aquela vida mal aventarada, em que nacy, por vés, sesuda donzella, mays dina de ser amada de quantas vy! Aquelles que bem amaram e lealmente serviram no passado, fama de sy nos leyxaram pelas penas que sentiram 2 cuydado. A qualquer que bem ama, de si leixa tal memoria, em meus dias eu soo devo ser na fama em huma ygual gloria com Mancias. Fim Ho vos, minha esperanga todo menu bem e prazer tam sem medida, minha grande seguranga em cujas mos e poder he minha vida! $3 84 ESPARSAS. 89 Tanto devés ser lembrada e com tam grande sentido de meu dane, quanto soes desejada e servyda sem partido nem engano. Gil Moniz, Cane. goral, t. 1, p. 486. ESPARSAS Nam vos enganés, senhora, nos desenguanos que daes, porque com elles causaes que vos queyra muyto mays, © triste que vos adora. Devés buscar outro modo para vos mais descansar; este nam podés achar, sem me matardes de todo. Diogo Brandio, Canc. ger, tr Hy ps 220. OUTRA As cousas d’aquesia vida todas vem a uma conta, poys vemos que tanto monta ser curta como comprida. Quem d’clla parte mais cedo he livre de mil cuidados; quem vive tem-nos dobrados afora sempre ter medo. Duarte da Gama, Ibid., t. 1, p. 498. 90 ESCHOLA HESPANHOLA ESPARSA EM QUE ESTA O NOME DE UMA SENHORA wag PRIMEIRAg LETRAS DE CADA REGRA 85 & e vés, senhora, e de mim usarey de m’aqueixar; os males, que nado tem fim, notes vam em gualarim VNO urando de m’acabar. astimado com resam, mores bem me fizeram esistir minha paixam; nteyra satisfacam a moster, pois me perderam. ‘Torge de Resende, Cane, geval, t. am, p, $42, VIUVTI ACROSTICO EM Qu’ESTA O NOME Por QUEM SE TEZ, POLAS PRIMETRAS LETRAS D’ELLE 86 U © grande mal que causaram © s olhos, quando vos viram, 'Z estes dias o pagaram, > fora quando partiram. s lagrimas que se dobraram, ‘4 0 coracSo se sentyram; +3 odas meus olhos choraram =i m vendo que n3o vos viram. Dioguo Brandiio, Cone, gerat, t, IL, p- 20% TROVAS SL eee TROVAS a Este VILANCETE: Abayx’ esta serra vercy minha terra. ©’ montes erguidos, deyxay-vos cair, deyxay-vos somyr e ser destroydos. Pois males sentidos me dam tanta guerra, por vér minha terra. Ribeyras do mar, que tendes mudangas, as minhas lembrangas dcixae-as passar. Deyxay-m’as tornar dag novas da terra que di tanta guerra. Cabo O sol eseurece, a noite se vem, meus olhos, meu bem, j& nam apparece. Mays cedo anoytece, dquem d’esla serra, que na minha terra. Francisco de Sousa, Cune, geral, t. 11, p. 562. TROVAS que acaBaM SEMPRE EM DOS 88 Que cuydados tam cansados e tam sentydos, @ sentydos trabalhados 92 ESCHOLA HESPANHOLA en dos cuydados donde nunca sho partidos. Meus desejos nam compridos sam dobrados, cada dia mais crecidos, repartidos em mil modos desvairados. Os prazeres desvairados, escondidos, porque sempre sam lembrados os passados, com mais forga sam queridos. Lembrangas dos recebidos, apartados, sam sospires e gemidos nam ouvidos da parte por quem sam dados. Os esforgos esforgados promettidos, de muytas contra cercados conquistados, de recess combatidos. D’ouira parte escorridos e esforgados nos esforgos dos ouvidos merecydos em nos ver contrariados. Muytos dias mal gastados, padecidos, sospirades, enfadados, e mostrados, mil prazeres infengidos. © que dias tam perdidos TROVAS ALITERADAS 98 e tam mingoados, de mym mesmo perseguidos e avorrydos, qual pior pior contados. Meus olhos nam sam culpados mas vencidos, meus dias foram fadados e julgados era pena jd nacydos. Biguo caminhos seguidos, despovoados, em que caem e sam cahides e feridos os presentes ¢ passados, Cabo Os dos, que vam apartados sejam lidos, e nos cabos ajuntados, concertados, em cada regra metidos. Gualantes muy resabidos e avisados, nam leyxci-vos esquecides, nem partidos os dos dos cabos riscados. Nuno Pereira, Gane, geral, t. 1, ps 269. TROVAS ALITERADAS EL-REY DOM FERNANDO, NAS QUAES METEO 0 SEU NOME, E LEM-SE DE TANTAS MANEYRAS, QUE SE FAZEM SESENTA E QUATRO, Forte, fiel, faganhoso, fazendo feitos famosos; 94 FSCHOLA HESPANHOTA florecente, frutuoso, fundando fiis frotuosos. Fama, fé fortalezando, famosamonte florece; fydalguias favorece, francas franquezas firraando. Exalgado, excelente, ensinados estimando, espritual evidente, eresias evitando. Em Espanha esmerado, espelho esclarecido, especial escolhido, estremado em estado. Rey real, reglorioso, reforgando receosos, real rey remuncroso, refreando revoltosos. Rycos regnos recobrando, ricamente resprandece; redobrado remerete, realissimo reinando. Notem notoryamente n’estes notados notando, néto n’estas novamente, notem-no noteficando. Notefiquem no notado neressario nacido, nobremente, nobrecido, nobre nome nam negado. Alto, alto aumentado, alto autor avondoso, TROVAS ALITERADAS alto amante amado alto, auto, anymoso. Anymo angelical, altas altezas avendo, altos, altos abatendo, Alexandre, Anybal! Merece maximo mando manyfico, mayoral, maiores mandos mandando mauno, modesto, moral, Mostra-se merecedor, merece mais melhorias, merecendo monarehias, merecente mandador. De Deos dom deliberado, domynante dadivoso, de Deos dino doutrinado, dominando dereytoso; De desejo devinal descompasos defendendo, diabruras desfazendo de dominius doutrinal. Bim Onores ofecyando obsoluto ofecial, ofeciaes ordenando, curador onyversal. Ousado ordenador, onestande ousadias; orem-lhe oras, omilias 6 onrado onrador. Alvaro de Brito, Cane. ger.,t1 911. 96 90 St ESCHOLA HESPANHOLA VILANCETE Meu bem, sem vos ver se vive hum dia, viver nam queria. Calando ¢ soffrendo meu mal sem medida mil mortes na vida synto nam vos vendo; e pois que vivendo moyro toda vya, viver nam. queria. OUTRO A vida, sem ver-vos, ° he dor e cuidado, que sinto dobrado querendo esquexer-vos; porque sem querer-vos jé nam poderia viver ura sé dia. Jé tanta paixam valer nam podera, se vos nio tivera em men coracam; sem tal defensam, meu bem, um sé dia yiver nam queria. 3. Conde de Vimioso, Cane. gerat, 2) ?- 18 VXLANCETE . oF AJUDA Sospiros, cuidades paixdes de querer, se tornam dobrados, meu bem, sem vos vér; nom sinto prazer, sem vés um sé dia viver nam queria. - Nam quero, nem posso nem posso querer viver sem ser vosso @ VOsso morrer; poys isto hade ser, por morte averia nam vos vér hum dia. Gareia de Resende, Ibid, VYLANCETE DE D, JOAO DE MENEZES A UMA ESCRAVA SUA t Catyvo sam da catyva, servo d’uma. servidor, senhora de sen senhor. Porque sua fermosura sua gracia gratis data, © triste que tarde mata, he por mér desaventura. Que mays val a sepultura de quem he seu servidor qu’ a vida de ‘seu senhor. ESCHOLA HESPANHOLA Nam me dé catividade nem vyda pera viver, neur dita pera morrer, © comprir sua vontade; mas paixam sem piadade, huma dor sobre outra dor, que faz servo do senhor. Assy moyro manso e manso, nunea leixo de penar, nem desejo mais descanso que morrer por acabar. Oh. que triste desejar, para quem com tanta dor se fez servo de senhor. D. Jolo de Menezes, Cune. gerat, ta, p. bik QOPLILHAS DE JOAO GOMES DA ILHA Queria saber hu vive rasam, se na entengam, se em bem fazer. Se em bem querer a quem me bem quer, se a quem me der, eu correspouder. Se em bem falar se em bem servir, se cm commedir em qualquer obrar. Em exercitar © que juste for; se he no senhor, se mais no vulgar. COPLILHAS Se he aquerida a fym no proveito, se soo no dereyto he constituida. Se he na medida do dar galardam, se na punigan da alma perdida. E por aprender hu rasam esté, @ quem se mais da, amo conhecer. Se mais 6 poder, se mais 4 vertude, assy na saude como no doer. E donde procede razam per effeito, e se do cffeito razam se despede. Qu se se desmede contra desmedido, ‘ou no arroydo em parte concede. Se he cousa viva em vida sdémente, ou se he vivente no que vyda priva. Se he sensitiva em soom d’animal, se racional se vegititiva. UF 100 BSCHOLA HESPANHOLA Se tem natural razam seu sogeito se d’outro respeito axtoficial. Se he aumental se demenuyda, se he per sy vida, se cousa mortal. . Se reje per si, ou se é regida ou que he mais querida aquy que aly. Se he mais no y do que he no g, se tem abe se tem guts ul gui. E quanto s’estende em sua doutrina, € quanto s’ensina, se tudo s’aprende. Tam bem se reprende quem d’ela nam usa, e se Sula musa sua arte defende. Bem saber queria em qual (estas vive, pera que salyve minha fantesia. Se na cortezia da livre vontade, se pela verdade tornar melhoria. COPLILEAS 101 Rezam e fadairos nam sey se resiste, nem sey se consyste . em doys aversairos. Ou a06 contrayros s‘ordena commua, ou tem parte alguad em alguns desvairos Porque me parece segundo que entendo, que nada comprende da rasam falece. E no que carece eu_me desatino desejo ser dino yer hu permanece, A quem me dissesse vasam he tal cousa, © em que repousa saber me fizesse. Em quanto podesse eu ho serviria por hud tal via que satisfyzesse. Pelo qual m’encryno aos trovadores espiculadores que me dem ensino. No que determino aprender, se posso, com gracas do nosso hum so Deos e trino. 102 93 of ESCHOLA HESPANHOLA Cabo E mande-me quem ensino me der, ca no que queser sayba que me tem. Ensyne-me bem hu vive razam, por vista visam segundo convem. Joio Gomes da Wha, Cane. feral, tm, p73 COPLAS DO CAPITAO DE MACHICO Folguo muyto de vos vér, pesa-me quando vos vejo, como pod’aquisto ser? que ver-vos he meu desejo? Isto nam sey que o faz, nem donde tal mal me vem; sey bem que vos quero’ bem, com quanto dano mo traz. Mas ysto é para descrer, ter, senhora, tam gram pej?, morrer muyto por vos vér, pésa-me quando vos vejo. Triste Teixent, Cane. geval, 1.2 CANTIGA Nam pode triste viver quem, esperangas deixar, nem ha no mundo prazet ygual a desesperar. DECIMAS 403 —— A esperanca cwmprida bem vedes quam pouco dura, e dura sempre a tristura antes e depoys da vida. Quem esperanga tomar, sempre tristeza hade ter; quem quizer ledo viver sayba-se desesperar. D. Joo Manoel, Cane. geral, 1, 400. DECIMAS . 98 Que dias tam mal gastados, que noites tam mal dormidas, qite sonos tam desvelados, que sospiros € cuidados, que tristezas tam sentidas! Que lembrangas, que pesar, que dér e que sentimento, que gemer, que sospirar, que males pera chorar dentro em meu coragam sento! Sento sempre meu dlesejo encontra de mim esquivo, sento tanto mal, que vejo meu cuidado tam sobejo, que nam sam morto nem vivo. Sento certo minha morte sento nam ser minha fim, sem ver bem que me conforte; sento pena de tal sorte, que nam sey parte de mim. 104, ESCHOLA HESPANHOLA Vos, meu nojo ¢ meu prazer, meu pesar e minha groria, meu desejo e meu querer, vela de minha memoria, descanso de meu viver. Desamor de meu amor, quem meu bem e mal ordena, meu prazer e minha dér, meu descango, minha pena, meu favor e desfavor! Minha morte, e minha vida, meu bem e todo meu mal; minha docnga e ferida de minha chaga mortal. Meu desejo e saudade, de meus males galardam, tormento sem piadade, doce coyta da vontade de meu triste coragam. A memoria enganada de ineus tristes pensamentos anda chea, desvelada, em lagrimas muy banhada, com gram forga de tormentos. E continua tristura, eom que ando suspirando eom voz chea d’amargura, s’aleum bem me da ventura, m’o tiras desesperando. Fim Dam a f de meus gemidos as lagrimas pladosas, PRREUNTAS “105 de que soutem meus sentidos dos secrotos escondidos de minhas coytas dorosas. Cada dia, cada hora assy ando d’esta arte, de meu sentido tam fora, como quem canta e chora, que nam sabe de sy parte. Duarte de Brito, Cane, geval, t 1, p- PERGUNTA A ALVARO BARRETO 96 Quem bem sabe, em tudo sabe, & porem, d’aqui coneruds, que a vés, que sabés tudo, a solver as questdes cabe. E porem muy de verdade peco, que esta respondacs, pera ver, se concertaes com minha negra vontade. Ca eu ja me vi partir @ tambem depois chegar, e senty todo o sentyr do prazer e do pezar. Mas com tudo he de saber qual he vossa concrusam: se partir di mays paixam, ou chegar mayor prazer? © Coudelnde. Lid,, 1, 165. RESPOSTA De m/’atrever que vos gabe, minha opeviam mudo, por nam ser wm tam sesndo, 106 FSCHOLA HESPANHOLA que de vos louvar acabe. F; pois tal extremidade sobre meu saber mostraes o nome que vés me daes vosso. gram lowyor emade. Porem sem detremynar ante quem devo seguir, ficando meu departyr a sc por vés emendar: Que chegar tenha poder WValegrar um. coracam, partyr dé mays afrigam, u ha grande bem quer. Alvaro Barreto, Liv. PERGUNTA GERAL 97 A todolos trovadores, jentys homens namorados, maneehos, velhos, casados, poetas e oradores, por mereé que me respondam 4 pergunta, qu’aqui digno, e se mal trago commiguo este bem, nom m’o escondam. Dosejo muyte saber dos que sabem, sem mais gyosa, as feygdes que ha de ter a dama ‘pera fermosa; @ seja com condicam, que nam toquem na feygam : d’ama soo, que foy nacida ¢ escolhida antre as filhas de Siam. Moro 10% a Porque n’esta nunca toca sentido pera entendel-a, item, mays nenhuma bocca nam merece falar n’ela. Mas das outras, c’a men vér vemos todas enganosas, saybamos o qu’am de ter pera fermosas. Fernio Brando, Canc. gerat, 1, 810. MOTO O que a ventura tolhe nam o pode o tempo dar. as Quem no tempo se fyar, senhora, pyor escolhe, porge’ 0 que @ ventura tolhe nam o pode o tempo dar. E por isso o que ¢ melhor, ysto 6 0 que mais empece, porqu’ o mal sempr’ 6 mayor e tudo vom ser pior a quem ventura falece. Tudo he tamporizar, e pois nada nam s'escolhe, 6 que a ventura tolhe, num ho pede o tempo dar. D. Pedro d’Almeida, Cane. geral, t, mt, 317. DOCES ESPERANG SAS TRISTES 3 Com quanto mal sempre vistes padecermos, coragam, tomastes por galardam doces esperangas tristes. 108 BSCHOLA HESPANHOLA Que s’esperanga nam dereys a meus erecidos cuydados, weles culpa nam tyvereis, 6 quanto melhor vivéreis, se foram desesperados! Mas com quanto sempre vistes t nossas dores ¢ paixam, tomastes por galardam. doces esperancas tristes, Jorge de Resende, Lbid. 111, 337 APODO AS DAMAS, PORQUE KFIZERAM UM ROL DOS HOMEXS Qui ‘ AVIA PARA CASAR, CORTESAOS, E ACHARAMT SETENTA, E ANTE ELES HYAM ALGUNS QUE PASSAVAN DOS SESSENTA: 100 Temos jd sabido qua que pondes la em ementa os que passam de sessenta. Tomastes cuidado certo peys nam he de muyta dura, : queles tem a morte perto e vés vida mais segura. Quem tevera tal ventura, quentrara It na ementa e féra ja de setenta! o D. Rodrigno Lobo, Zbid, mt, 572. PATER NOSTER GROSADO (FARSD) 101 Crycleyson, Cristeleysom, tu, senhor, que nos fizeste, di-nos, poys que padeceste . FARSITURE, 109 nnn por nds outros, salvagam. Dos fylhos de maldigam a ty praza, que nos veles; dé-nos senhor, contrigam, Pater noster, qui es in celes. Sautificetur nomen tuum, muy temido e adorado, de toda gente commum, de sempre tee fim louvado. Poys que com a devindade es eterno Deos e hum, poys tomaste humanidade adveniat regnum tuum. Fiat voluntas tua, Senhor, que nos has livrado da eternal pena erua, por teu sér erucifieado. E poys que da eruel guerra nos livraste, redentor, damos-te gragas, Senhor, sicut in ceelo et in terra, Panem nostrum cotidiano cm o qual per fe te vémos, praza-te, pois que te crémos, que nos livres de gram dano. Di-nos 0 bem que esperamos depoys da morte, per fé, com a qual te confessamos, tu da nobis hodie. Demite nobis debita nostra; poys he mais ta picdade que toda nossa maldade, 410 ESCHOLA HESPANHOLA o bom caminho nos mostra. O? trez em uma pessoa donde nos todo bem vem, perdéa, Senhor, perdéa stcut ef nos dimitimos, amen. Et ne nos inducas in tentationem, dd-nos firme fé sem cabo, per hu livres do diabo per tua vemissionem. E se nos magynagdes de Satam ou sen vassalo vyerem, ou tentagdes, sed liber nos a malo, Oragdo do. autor Tu, que a porta abriste do laguo do desconforto, tu, que o mundo remiste, per ta morte, sem ser morto d&-me, Senhor, contrigam no ultemo d’esta vida, firme fé e salvagam, e guarda per ta paixam minh’alma de ser perdida. Luys Anriques, Cane, geval, t. 11, Ps 20% BREVE DE UM MOMO NO QUAL LEVAVA POR ANTREMEZ HUM ANJO E HUM DIS8O E O ANJO DEU ESTA CANTIGA A DAMA: juz O amante (desavindo.) rat Muyto alta ¢ excellente princeza e poderosa senbor Por me apartar da fée em que vive, muytas BREVE DE UM MOMO lit ado deste diabo, ¢ de todas minha firmeza pode i e sua sabedoria, porque tam verdadeyro amor, . ae alsas tentacgdes nam podia ser vencido. E co- voto em seus experimentos a grandeza de minha oe tentou na esperanga, pondo diante mim a perda P nha yida e de minha liberdade, avendo por empos- . alo remedio de meus males. E com todas estas cou- wo me vencera, se mais nom poderam os desengua- alhecs que 0 seu ohguano, com os quacs desesperey lay posto em sou poder. Mas este Anjo que me guar yendo que minha desesperanga nam era por mmgua fee, nem minha pena por minha culpa, se quys fem- » de my e de quem me fez perder, em me trazer si, porque com sua vista o diabo me soltasse, ¢ ellé do meus danos, da parte que tem n’ellas se podesse epender. tent Cantigua que deu o Anjo Senhora, no quyere Dios que seays vos omecida, em ser elh’alma perdida de quien se perdio por vos. Ordené vuestra crueza queste triste se matasse en deixar-vos, y negasse Vuestra fée, ques su firmeza. Mas ha permetido Dios que por mi fuese valida su alma, y que su vyda Se torna perder por vos. Conde de Yimtoso, Cans. gerat, tu, 157, SO 112 ESCHOLA HESPANHOLS VILANCETE QUANDO EL-REI VEO DE SANTIAGO, QUE FEZ 0 SENGUT,44 MOMO DE SANTOS, 0 QUAL VILANCETE HYAM CANTANDO DIANTE DO ENTREMEZ E CARRO EM Que HYA SANTIAGUO: (1493.) 103 Alta rainha, senhora, Santyaguo por nds oral Partymos de Portugal catar cura a nosso mal, : se nos ele e vés nam val, tudo é perdido agora. | Poys que somos seus romeiros e das damas tam enteyros, cessem jd nossos marteyros que nunca cessam hum’ora. , Pedimos a vossa alteza em qu’estaa nossa firmeza, que nam consinta crueza neste seram oos de féra. Aquy nos tem ja presentes de nossos males contentes; poys nam valem aderentes, oje nos valey, senhora. Pero de Sousa Ribeiro, Cane. geval, t. UP MOURISCA EATORTA 113 ae BREVE pe UMA MOURISCA RATORTA, QUE MANDOU FAZER 4 SENHORA PRINCEZA QUANDO Casou (1451.) : 104 A min rey de negro ester Serra Lyda lonje muyto terra onde viver nds, andar carabela, tubac de Lixboa, falay muyto novas Casar pera vés. Querer a mym logo vervos como vay; leyxar molher meu, partyr muyto ‘synha, porque sempre nds servir vosso pay, folgar muyto negro estar vds raynha. Aqueste gente meu taybo terra nossa, nunca folguar, andar serapre guerra, nam saber quy que balhar terra vossa, balhar que saber como nossa terra. Se logo vos quer, mandar a mym venha, fazer que saber tomar que achar, mandar fazer taybo, lugar Dés mantenha & loguo meu negro, senhora, balhar. Condel-Mér, Cane. geral, t. 1, p. 172. TERCEIRA BPOCA ESCHOLA QUINENTISTA (secuLO x1) SBOGAO 1.2 ESCHOLA HISPANO-ITALICA 1 eeneao xpico: a) Tradicional: 105-109. Romances mouriscos, de cativos, sacros e axthurianos. b) Letlerario: 110-111, Ro- mances brulesco e com forma culta — 122-123. Poemetos — 114-118, Fabulas. II gevero typico: a) Tradicional: 119. Modinha—120. Alvora- da—121, Salva — 122-125, Oragdes — 123. Serranilha—124, Cantiga em Chacota—126. Jogo — 127. Adivinhagio. b) Lit- terario: 128-130. Cantigas e Vilancetes —131. Voltas —132. Vilancete—133-5. Esparsas—i36. Sextina 4 maneira italiana 187. Trovas —188-189. Arrenegos —140. Exclamagdes em Eceo-— 141, Cantar de Solfo —142. Glosa de Solo -— 143, Feloga em redondilhas—144-145. Cartas. MH wunsuo ppanarico: a) Pradieional : 146, Vigilia de Santos — 141, Auto hieratico, ou de devogdo—b) Létterario: 148. Auto de Paixag, t 106 ROMANCE pe GUAI VALENCA Ai Valenca, guai Valenga, de fogo sejas queimada, primeiro foste de Mouros que de Christianos tomada; alfaleme na cabega, en la mano uma azagaia, : guai Valenca, guai Valenca, como estas bem assentada; antes que sejam tres dias de Mouros serds cercada. Bom. geral, n° 35, ROMANCE DO MOURO ATRAIGOADO (VERSAO INSULANA) —Vesti-vos vés, minha, filha, vesti-vos d’ouro e prata; detende-me aquelle Mouro, de palavra em palavra. As palavras sejam poucas, sejam bem arrematadas, essas poucas que lhc deres sejam de amores tocadas. «Bem vindo sejas, bom Mouro, melhor a vossa chegada, ha sete annos, oh bom Mouro, que sou tua namorada. — «Ha sete annos, vae em outo, que eu por yés cinjo a espada! «Se por mim einjis a espada com vosco quero ir de casa. — «Se o fizerdes, senhora ROMANCE MouRIs¢o 117 OTTO nao sercis mal avisada, sereis rainha de Mouros em minha terra estimada, «Se por mim cinjis a espada nao digas que te fuj falsa, que eu vejo vir cavalleiros, sinto-lhe tocar as arinas. La vejo vir uma armada, nella vejo vir um homem que se parece mey pae, ~— «Eu nao temo ¢avalleiros, nem armas, que elles ivagam; n&o temo seniio Gabello, filho da minha egua baia, quero perdi em Pequening andando uma batalha, Chegados og cavalleiroy elle se toi na destillada, —Valha-me o Dang dos Mouros, em tam comprida lavrada! — Essa lavrada, Perro mouro, fora lavrada em Mato, que os bois andayam Sordos, © os mancebinhos em bragas; eram bois de cinco annos, mancebos de vinte & quatro, ~- «Ob mal haja o barqueiro que nao tem a barea na agua: due a hora da minha morte J& para mim é chegada, Canios poput, dy Archipelago asortano, 2. 47, 118 ESCHOLA QUINHENTISTA ROMANCE DO CATIVO DE ARGEL . (VERSAO INSULANA) 107 Os Mouros me cativaram entre a paz e a guerra; | me levaram a vender para Argelim, que 6 sua terra. Nao houve perro nem perra, que o comprar-me quizera; 860 perro de um mouro a mim sé comprar havera. Dava-me tanta md vida, tanta ma vida me dera! | de noite a mocr esparto, ! de dia a pizar canella; punha-me um freio na bocea para eu nfo comer della; mas parabens 4 ventura da filha ser minha amiga; quando © perro ia 4 caga commigo se divertia; dava-me a comer pio branco do que © perra comia; dcitava-me em catre d’ouro, janto commigo dormia. «Christiano, vae a tua terra, Christiano, cu bem t’o digo... —Como posso ir a mi terra se eu sou escravo e cative? Um dia pela manhi mil branquinhas me trouxera: «Toma 14, meu bom christ&o, Resgate para tu terra; ROMANCE DE CAPTIVOS 119 a Pelo Deos que tu adoras tu nao digas a meu pac. Palavras nado eram ditas o patrao era chegado. —Vem cd, oh meu bom turco, yer-me agora aqui ouvir; toma ld este dinheiro ara me eu redimir. —«Vem-te cd, men bom christiano, dize-me aqui a verdade, quem te deu esse dinheiro para tua liberdade? —-Meu pae é um pobre velho, por mim anda desterrado; as manas que eu tivera por mim andam assoldadas. Um irmiio que eu tinha sentou praga de soldado; me mandaram o dinheiro para minha liberdade. —«Oh vem ed, meu christiano, vem agora aqui ouvir, eu te faria alferes, capitio d’este reinado, dera-te a cara mais linda que em Argel ha afamado. * —~Como posso eu ser alferes, capitiio do teu reinado, se eu trago a Josus Christo no coragdo retratado? —«Vem-te cd, Angela, filha, dize-me aqui a verdade! se 0 bom do christiano a ti deve a liberdade? es . i, 120 ESCHOLA QUINHENTIGTA ae —Deixae vés ir 0 bom christiano, que elle a mim nio deve nada, se nio a flor de mi bocca, que a dou por bem empregada. Abre-me aquella janella, fecha-me aquelle postigo, Deos que me tez tao bella Deos me hade dar marido. Cantos do Archipstago, n.0 59, ROMANCE DA VESPERA DO SACRIFICIO (VERSAO INSULANA) 108 Falou a Senhora a Christo, grande pranto lhe fez ter: «Oh meu filho t%o amado, parece que ouvi dizer, que andavam os Phariseus, meu fifho, p'ra vos prendert assim andaes demudado, filho, a semana que vem, vos hilo de vr buscar prezo p’ra ir a Jerusalem. Meu filho, ndo vades la, filho da minha alegria! eu nao posso estar no mundo semt a vossa companhia. —Lagrimas de minha mie, que bem as vejo correr! antes da festa chegar tambem. vos quero dizer: que terei crueia martyrios pelas ruas e caminhos, } 109 ROMANUE DE AVENTURAS 1A na cabega me porao wma coréa de espinhos, e a corda é toda feita feita de juncos marinhos. Cerra verdadeiramente corra o sangue do men lado para abrandar o meu povo que vae tio atormentado. Quem esta oragio souber @ por um anno a resar, Jesus lhe manda cizer a hora em que hade acabar. Cantos do Archipelago, n.0 67. ROMANCE DE DOM DUARDES (VERSAO DO CAY. D'OLLVEIRA) Era pelo mez de Abril, de Maio antes um. dia, quando lyrios e rosas iostram mais alegria; era a noite mais serena que fazer no céo podia, quando a formosa infanta Vlévida jd se partia; e na horta de seu padre entre as arvores dizia: «Com Deos vos ficade, flores, que ereis 2 minha alegria! Vou-me a terras estrangeiras pois li ventura me guia; © se Meu pae me buscare, 122 WSCHOLA QUINBENTISTA pae que tanto me queria, digam-lhe que amor me leva, que eu por voniade nao ia; mas tanto ateimou commigo que me venceu c’oa a portia. Triste no sei onde vou, e ninguem m’o dizial... Ali fala Dom Duardos: —Nhio chorcis, minha alegria, que nos reinos de Inglaterra mais claras aguas havia, e mais formosos jardins, e flores de mais valia. Tereis trezentas donzellas de alta gencalogia; de prata sto os palacios para vossa senhoria; de esmeraldas e jacinthas e ouro fino de Turquia, com letreiros esmaltados que a minha vida se lia, cantando das vivas dores que me destes n’esse dia, quando com Primaleio fortemente combatia; mataste-me vds, senhora, que eu a elle no temia... ? Suas lagrimas enchuga Flerida, que isto ouvia. Jd se foram ds galeras que Dom Duardos havia; einecenta eram por conta todas vao em companhia. ROMANCE BURLESCO 123 Ao som do doce remar a princeza adormecia nos bracos de Dom Duardos que t&o bem a merccia. Saibam quantos s&o nascidos sentencga que n&o varia: contra a morte e contra amor ue ning vem nao tem valia. ° Gil Vicente. PARODIA BURLESCA DO ROMANCE YO ME ESTAVA EM COIMBRA. (1526) 110 Yo me estaba em Coimbra, cidade bem assentada; pelos campos do Mondego nao vi palha nem covada. Quando aquillo vi, mesquinho, entendi que era citada contra os cavallos da eérte, e minha mula pelada. Logo tive a mdo signal tanta milham apanhada, ea peso de dinheiro 6 mula desamparada. Vi vir ao longo do rio uma batalha ordenada, nio de gente, mas de mis com muita raiva pisada. A carne esté em Bretanha © as couves em Biscaia. Sam capellam d’um fidalgo que nado tem renda nem nada}; quer ter muitos apparatos, € a casa anda esfaimada; 124 DA BATASLHA 111 ESCHOLA QUINHENTISTA toma ratinhos por pagens, anda jd a cousa danada. Quero-lhe pedir licenga pagne-me a minha soldada, Gil Vicente, Obras, tau, p, 204, ROMANCE QUE EL-REY ARTHUR TEVE EM MORDuRpy SEU FILHO , Gram Bretanha desteal, ao melhor rei que tiveste dagora té o fim do mundo chora quanto bem perdeste: Jaz no campo, entregue 4 morte que falsa, ingrata, lhe deste, a flor da cayalleria com que te ensoberveceste. A pena tem jd da culpa que lhe assi iavoreceste, oh traidor de Morderet, porque um tal rei vendeste? Oh Bretanha desleal que grande itraigilo tizeste, a vinte e quatro da Tavola que por Ginebra escolheste. A’ Demanda do Grial triste remate poseste; morto jaz de mil feridas, e tu, soberba lh’as deste, Dom Galviio tio animoso por quem mil glorias tiveste; e matar Dom Galeazo, ingrata, como podeste? Que em obras de fortajeza ROMANCE ARTHURIANO 125 nao sei se outro egual houveste! péde matar-te Bretanba que tu tanto engrandeceste! Esforgado Flordemares, que em forgas mares venceste, a morte, que em defenderes tal rei, della padeceste. Oh animado Troyano, nuaca [h’o tu mereceste, mal Ihe merccias, mal o que Wella recebeste. Palamedes, oh pagio, que nas armas floreceste; Dom Trist&o de Leonis que por amores morreste; eu n&o morrerei aqui ditosa morte tiveste tu, Langarote do Lago, que as glorias de amor houveste; de damas servido, amado da dona a quem mais quizeste, com dano dos traydores 4 morte a que te rendeste. Ficarés sem sepultura co’a pena que mereceste tu, traidor Morderct, pois tal traigSo commetteste. Aqui se acabou a gloria quanta, Bretanha, tiveste: em pago da qual a Arthur hem a sepultura deste. C4 na Ilha de Avalom, Merlim, vergel lhe fizeste em que vive e sé salval-o de affronta. ¢ morte pudeste. ome amiga, que as més manhas 126 ESCHOLA QUINHENTISTA de Bretanha conheceste, mas n’algum tempo inda Arthur bom rei que desmereceste Bretanha vird a vingar-se da traigio que lhe fizeste. Jorge Ferreira, Memorial, cap, ry POEMETO AO DUQUE DE BRAGANCA QUANDO TOMOU AZAMOR, 112 EM QUE Conra como roy. (1513) A quinze d’Agosto de treze e quinhentos da era de Christo, nosso redemtor, ! do que se pasgou, estay muy atentos: no dia da madre do mesmo Senhor, o Duque eycelente, nosso guiador, Dom James, da casa d'antigua Braganga, de gente levando muy grande pujanga, geval capitam partiu vencedor. No dia da festa da santa Assumpgam, partio de Lixboa com toda sa frota, muy apontada em tal perfeigam qual outra nom vimos, nem livros se nota. Assy todos juntos seguyram sa rota, juntando-se em Faram a nobre campanha de condes, fidalgos, mais nobres d’Espanha, onde surgiram tod’alma devota. Levando comsigo a bandeira real que nunea vencida se pode dizer, pois he invencivel aquelle sinal tomado das chagas que quis padecer POEMETO 197 Q summo bem nosso com muytos marteyros, orque salvasse 0 mundo perdido; tambem senctica og trinta dinheiros per cajo prego foy Christo vendido. Depoys de chegados e todos surgidos, quando vio tempo mais conveniente, senhores, fidalgos foram requeridos, u'a ele se fossem todos juntamente. Dos que congregados com ele presente thes fez huma falla de tanto primor, como aquelle que tem grain favor, ajuda sossidio de mays eloquente: Onde per ele hes foy decrarado toda a tengam del-rey, seu senhor, que foy envial-o sobre Azamor pola maldade do erro passado. C’a todos pidia que d’amor e grado quisessem sem outra vontade, nem zello em sua tomada tambem cometel-o, pera que sempre lhes fosse obrigado. Porque, depoys de ter esperanga em nosso Senhor de lhe dar vitorea, em elles levava tanta confianga pera todo feyto mais dyno de grorea. Que hes pedia qu’ouvessem memorea das cousas de Roma quando prosperava, em quanta maneira a ley se goardava, Segundo se nota na sua estorea. Com Remus e Romulo tambem alegando, de quando s’aquella cidade fundou, @ pena que ouve, porque quebrantou a ley, que foy pésta em se comegando. 128 ESCHOLA QUINHENTISTA Que hes pidia, que nunca desmando a guerra durante em eles ouvesse, mas que obedecessem ho quele quisesse, e que elle sempre geria a seu mando- Com doces palavras forradas (amor, com muy animoso desejo © vontade, com mil cortezias, Com grande favor, com humas entranhas de pura verdade, Assy 08 provoca, Com tal mansidade, que todos respondem, dizendo: Senhor, nosso desejo he muyto maior do que nos pidis, em gram quantidade. Ouvyndo palavras tao bem rasoadas fieou de contente a tam satisfeyto, de sa senhoria a tam estimadas, que o por fazer estimou por feyto, dizendo: que sempre seria sogeyto fazendo por todos, como bem veriam, que d’y en diante eles conheceriam as suas palavras ficar em effeyto. Prossigue: Eram quatrocentas as velas d’armada, sobre cinquoenta, sem huma faltar, foy huma das cousas mays para notar que vimos, nem. vio a gente passada- Tam posta em ponto, tam aparelhada de todalas cousas que se requeriam, e dartelharia tambem compassada que nada faltava, segundo deziam. Partimos em ponto, sem mays esperar, depoys desta falla assy acabada, EPOPEA EX ENDECHAS 129 ee gem pouces dias podémos chegar aa boca do rio da cidad Onrada. E porque a barra estava garrada, e era um pouce perigoso d’entrar, ouve conselho com detreminar que, em. Mazagam fosse terra tomada Luys Auriquez, Cane. geral, tou, p. 277% »sBOCO DE EPOPEA EM ENDECHAS O campo de Ourique jd’gora he contente da grande victoria que n’elle sera, onde Christo em carne apparecera, mostrando as chagas publicamente. Ao qual este rey santo c prudente dird: 0’ meu Deos, a mim pera que? sé aos herejos, imigos da fé, #6, em que ew ardo d’amor mui ardente. O' armas divinas, que aqui screis dadas, dadas por Christo por mais —perfeigio, ter-vos-hiio todos tal venerag%o quanto com obras sereis exalgadas. Porque pelas terras ireis espalhadas banhadas em sangue de nossa victoria, cobrando de imiges io grande memoria (ue sobre todas sereis colloeadas. E tu esforgado Dom Sancho, serds ‘quelle a quem elles hao de seguir . t8 chegar ao rio de Gualdaquivir, We com sangue de imigos escureceras: Por mais mereceres, depois tomards EI 180 ESCHOLA QUINHENTISTA a cidade. de Silves contraminando, e as almas dos corpos sempre tirando de corpos de Mouros que ali mataras. Alcacer do Sal seré bom penhor, oh mui poderoso Dom Affonso segundo, de tuas obras cd weste mundo, : e no outro coréa de conquistador; E partinde para elle mui vencedor, a teus leixards Dom Sancho capello por rei de virtudes e obras de zelo, de zelo mui santo ¢ elemente senhor. Bolonha, Bolonha, quanto hasde perder, e tu Portugal quanto hasde cobrar no terceiro Affonso, que se hade chamar rei do Algarve, por seu gram saber! Aqueste por mais se ennobrecer dourados castellos em campos vermelho pord na orla das Quinas, e espelho em que todalas armas se poderiio vér. Paderne, Alvor, Silves e Loulé e Faro sentem jé o destrogo do grande poder e bravo esforge delle que hade pugnar pela fé. E o gvande favor que foi sempre ¢ he em ajuda das obras de tal calidade, serd n’estas suas com prosperidade que as erga, exalce e ponha de pé. O justo Diniz tio nobre e clemente, {he succeders como filho primeiro, em obras de princepe mui verdadeire, e em todalas cousas sabido e prudente- _E por mais estender seus povos e gente a dd ¥ARULA 131 fundard as_villas e nebres logares, igrejas maiores, sagrados altares, em que se louve por muy excellente. E aquelle gram Cabo de Boa Esperanga que tanta de terra esconde ao mundo, yird mui alegre com rosto jocundo a the obedecer sem alguma tardanga. De terras e povos fazendo uma danga yindo eantando com doce armonia estas palavras de grande alegria: Vivamos cantando com tanta bonanga. E quem a todos traré dianteira, e para tal festa estard mais a pique, seri o fiel ¢ leal Mocambique, vindo Cofdla por essa bandeira. A qual é louvada por ser thesowreira do iais precioso e louvado metal, © com vozes alegres dird: Portugal me foz para sempre sua prisioncira. Joo de Barros, Clarimundo, cap. 4, liv. 3. FABULA DO LEAO E DA RAPOSA 2 Os desejos sio sem termo, A esperanga é saborosa; Eu contento-me deste ermo, Pela raziio da Raposa Que deu ao Leo enfermo: 182 ESCHOLA QUINHENTISTA «Men rei, meu scuhor LeXo, O'tho cd, ¢ Sho lt, Vejo pégadas no chiio Que todas para Ja vio, Nenhuma vem para cd.» BA de Mizanda, Carta a Pere Careatho, O RATO DO CAMPO E O RATO DA CIDADE Jib Um rato d’uma cidade Tomou-o a noite fora, -(Quom foge 4 necessidade!) Lembrou-lhe a velha amisade D’outro que bi no monte mora. __ Saiu-ne a conta errada, (Muitas vezes acontece) Creceu-me a minha jornada. (Diz, entrando na pousada Logo cidadao parece.) O pobre assi salteado Dum tamanhe cidadao, fim busca de algum poccado Vae, e vem muito apressado, Que nio punha os pés no chao. Ordena sua mézinha, Inda tinha algum legume, Inda algum po de farinha, Poz-lhe hi tudo quanto tinha, Pede perdio por costume. Diz: «Quem tal adivinhara- (Contra o cidadiio severo) FARULA 133 Tanto revolvera e andéra, Que alguma cousa busedra A quem tanto devo e quero. Cumpre muito aquella mosa, Mais da fome que da gulla; Tem a fogueirinha accesa, Faz rosto ledo 4 despeza, Co trabalho dissinula. Diz o cidado comsigo: —Que gente ha entre penedos! Que vae de Pedro a Rodrigo! Bem disse o bom senso antigo, Que nico s8o eguaes os dedos.— Depois do fraco comer, Estando de traz do lar, Comega o rico a dizer: —Dous dias que has-de viver Aqui os queres passar? ‘Na aspereza do dezerto, Que nao sei quem o supporte, D’urzes e tojos cuberto, Sendo tudo tie incerto E tho certa sé a morte? Vive, amigo, a teu sabor, Mais 6 que cousa perdida, Quem por si toma o peor, Vae-te commigo onde eu for, La yerds que cousa é vida. Quando a ambas provares, (Que eu d’outrem nio adivinho) 134 ESCHOLA QUINHENTISFA Quando te enganado achares, Ai ficam teug manjares, Ahi tens tambem 0 caminho.— Assi disse. Eis o vill8o Em alvorogo o balanga, Ta e vinha o coragio, Ora si e ora niio; Venceu porem a esperanca. E que pode hi al fazer? Vive com tanto cansago, Inda no pdéde viver N&o pode o anno vencer, Que the assi corre d’espago. E diz: «Quem nio sc aventura No ganha, quem ha que o negue?» Escolhem hora segura, Era pela noite escura Guia o rico, 0 outro segue. Entram por pacos dourados, Cheirosos inda da céa; Fiquem os casaes colmados Por sempre de sol torrados, Fique a faminta da aldéa. Vou-me por meu conto avante; Amostra 0 cidad&o tudo, Que traz no bucho um infante; Quem quereis que n&o se espante? Anda o villZosinho mudo. Que tio sémente em provar Das cousas que mais lhe aprazem, FABULA i135 eee Comecam jé de engeitar, Comecam de bucejar, Em finos tapetes jazem. Oya o dispenseiro chega, (Que estes bens nfo duram tanto) Sente-os, mas a pressa o cega, Um tiro e dois mal emprega, Segue-os de canto em canto. Os ches 4 volta correran, Ladram, que é alto ser&o, As casas estremeceram, Uns © outros hi correram, Quiz Deos, que os gatos niio: oh abia o da casa a manha, Sabia os-passos, fugin; O ratinho da montanha Aos pés, em presza tamanha, © coragio The cain. Mas espagado 0 perigo Da morte que ante st O coutado assi comsigo Pelo son repouso antigo Que mal deixara, suspira: «Minha segura pobreza, Se chegarel a ver quando A ti torne? e esta riqueza, Mal que todo o mundo préza, Fuja se poder voande. Mal tomadas esperangas A paga aqui nilo me tome. 136 ESCHOLA QUINDENTISTS, Tragas, que no abastangas, Assis vi de vossas dansas, Deos me torne 4 minha fome. Sa de Miranda, Carta 2 Mem de si, (1545, A CHUVA DE MAIO AG Dia de Maio chuven, A quantos a agua alcangou O miolo revolven; Houye um sé que se salvou, Que ao euberto se aceolhen. Dera vista ds semeadas, As que tinha mais yisinhas, Via armar as trovoadas, Acothe-se 4s bem vedadas, Das suas baixas casinhas. Ao outro dia um the dava Paparotes no nariz, Vinha outre, que o escornaya; Ai tambem era o juiz Que se de riso finava. Bradava elle: —Homens, estay!- Jam-lhe co dedo ao ollio, Disse entiio: —E assi che vae? No creo logo em meu pay, So me desta agua nfo mdiho.— Apaixonado qual yinha, Achouw wm chareo que farte, (O eonselho avido o tinha) Molhou-se de toda a parte, Tomou-a como mésinha. Quantos viram, ld correram, FABULA 137 Um que salta, outro que trota, Quantas gragas Jhi fizeram! Logo todos se entenderam, Fil-os vio n’uma chacota. Sa de Miranda, Eel., p. 289. (Bd. #804). 0 BACORO OVELHEIRO. Um Bacorote honradigo Foy vero gado ovelham, Poko todo a seu servigo, Trombejava ali: Hum! e hum! Que espantal-o era o seu vigo. Vem um dia o Lobo, e apanha O Bacorote engrifado; Abrandou-lhe aquella sanha; Brada elle em pressa tamanha, Cada um de si tem cuidado. Vinham os porcos da aldea Atraz, e grunhir ouviram; Um eseuma, outro esbravca, Estes sim, que lhe accudiram. Porde o Lobo a sua céa. Olhou elle e viu tremer De lam branea 0 gado, ¢ olhando De Jonge se pie a vér, Disse:-— Antes ‘mandado ser, Que a tal perigo tal mando. Sa de Miranda, Tbid., p. 242. ESCHOLA QUINRENTISTA O CAVALLO E 0 CERVO Quando tudo era fallante Pascia o Cérvo um bom prado, Ai veiu o Cavallo andante, Quiz comer algum boceado, Poz-se-lhe o Cérvo diante. Outra rasiio lhe n&o deu, (Que eram pacigos geraes) Salvo: «Posso e quero 0 meu;» Este meu e este teu Tanto ha ja que nos fez taes. Vendo tio pouea prestanga O Cavallo d’antes forro Com desejo de vinganga Pedindo ao homem socorro Por terra aos seus pés se langa. Mio pode 4 justa querella Deixar de se por no meio; Mas foi necessaria a sclla, Fez-se o homem forte n’ella, Toma a redea, prova o freio. Assi d¥o volta ao inimigo. QO Cérvo quando tal viu, Homem ao Cavallo amigo Detxou-lhe 0 campo e fagiu, Foi buscar outro pacigo. Q Cavallo vencedor Corre oO verde e corre © secco, Fora, fora o eontendor, Ficowthe porém senhor, N&o foi tanto o outro enxeco. ALVGRADAS 1840 eee em ha tal medo 4 pobreza Tal 4 fome € frialdade, > por ouro © por riqueza ee rica liberdade, : E mais outrem que & Si preza. Se Ihe vés herdades largas N3o hajas inveja 4 troca, Que embaragd as roupas largas, (as alpargas) Faz sangue 0 freio na bocca, As esporas nas ithargas. SA Qe Miranda, Ibid., p. 254. MODINHA POPULAR BRAZILEIRA 119 «Vem cA Vitu! Vem cd, Vitu! —-Nao vou 14, n&o vou Id, n@o vou ld. «Que & d’elle o teu camarada? ~—Agua do monte o levou. «Nao foi agua, nic foi nada, Foi cachaga que o matou. Ap. Floritegio, de Varnh., t.1, p. xx3U-—3xIn. ALVORADAS DA SENHORA DO CARDAL (VERSSO DE POMBAL) 120° vi : indas sio as alvoradas; E’ levada alva. Que sfio da Virgem sagrada, E’ levada alva. Rainha dos ceos FY levada alva. Seis dos anjos coroada E’ levada alva. 145 iat HOCOS DO CORG? 7 BSCMOLA QUINHENTISTA a A’ porta d’este mordomo © levada alva. Dcos lhe deixe fazer o bode, E’ levada alva. Que elle tem muita vontade E’ levada alva. Devs Ihe dé muita saude FY levada alva. Para Frandes é andada E’ levada alva. Parreirinha de Aguada E’ levada alva. (Ap. Epopéus movarabes, p. 800, RUMOR —QOh Dona Maria, Pombinha sem fel, Porque te matou Aquelle ervel. Em dia de Sam Braz Onve, n’este dia, Mataram o Abbade E Dona Maria. (Ap. Almeida, Dice. abr. de Chorogvaphs, UP SALVA DA EGREJA DO PORTO Boa gente! boa gente Fazeie penitencia, Sé.vos quereis salvare! Confessade e commungade, Que este mundo é vaidade. SERRANILHA 141 ee ecorscos: (De joelhos) Bis. wacoa! Senhor Jesus Christo, : Misericordia com piedade. (Ap. Agiologio Zusiteno, t. m1. p, 114.) FRAGMENTO DE ORAGAO 22 Antoninha pequena Dos othos grandes, Mataram-te idolatras E feros gigantes. (Phi. SERRANILHA POPULAR 123 —D’onde vindes, filha Branca e colorida? . «De lé& venho, madre, De ribas de um rio; Achei meus amores Num rosal florido. —Florido, enha filha ranca e colorida? «De la venho, madre, De ribas de um alte, Achei meu amores Num rosal granado. —Granado, enha filha, ranea e colorida. Gil Vicente, Obras, am, 276 i, ESCHOLA QUINHENTISTA CANTIGA EM CHACOTA DE PASTORES No me firaes, madre, Que eu direi a verdade. Madre, um escudeiro Da nossa rainha, Falou-me Vamores, Vereis que dizia. Eiu direi a verdade. Falou-me d’amores Vereis que dizia: Quem te me tivesse Desnuda em camisa! Eu direi a verdade. Gil Vicente, Obras, H, 445. ORAGAO DE SANTA APOLLONIA (VERSO INSULANA) A Virgem Santa Apollonia Pelos calhdos do mar ia; E com a dor dos seus dentes Encontra a Virgem Maria, E perguntou-Ihe a Senhora: «Santa Apollonia aonde ia? Ella respondeu:— Senhora, Em cata de vos me ia. «Torna atraz, Santa Apollonia, Que por esses nove mezes Que andci com o filho no ventre Que os tous dentes se adormentem. 155: Cantos pope). do aechipeege. B 1" CANTIOA 143 JOGO POPULAR 12 E no penedo, Jo&o Preto . EK no penedo. Quaes foram os perros, Que mataram os lobos, Que comiam as cabras, Que roiam o bacello, Que puzera Jotio Preto No penedo? Ap. Gi Vieente, Obras, H, 44%. ADIVINHACAO POPULAR 127 Ainda o pae nfo é nado, J& o tilho anda por cima do telhado? Ap. Follo de Barros, Grammat., p. 176.- CANTIGA DEVOTA DA ASCENSAO DE NOSSO SENHOR 12s O meu doce amigo Que eu tanto queria, Foi-se 0 outro dia Sem fallar commigo; La leva comsigo A minha vontade; Fica-me a saudade. Leva 0 coragho Dentro ne seu lade, Véde se é rasie ‘Ter outro cuidado. ESCHOLA QUINHENTISTA Serei sé lembrado Da sua bondade, E da minha saudade. tastarel os dias Chorando por elle, Minhas alegrias Foram-se com elle; Que farei sem elle N’este triste valle Cheio de sandade. Foste-vos 4 gloria Eu fico na terra, Vos tendes victoria Eu estou em guerra. Oh quem me désse Da minha piedade Fermosura, bondade. E pois vos nio vejo Ls onde estaes Estard meu desejo Estarao meus ais. Que niio acabais Tanta sandade E tio de verdade. O’ que. pura sorte Em mim ¢ cumprida, Pois desejo a merte E alargas-me a vida. Mas nilo tenho perdida A minha saudade Do Senhor de verdade. 129 410 VILANCETE, Levac-me, Senhor, Que fago aqui, Se ndo o amor Me tirara de mim. Viver eu assim Em tanta saudade Parece erveldade. Glorioso dia Que vos heide ver, Mas quando seria, Ou se hade ser, Caro 6 0 viver Que aparta a amisade deixa sandade. Jorge da Silva, Prata do mundo. (1552), Adorae, montanhas ‘cos das alturas, Tambom as verduras; Adorae desertos E serras floridas Deos dos secretos, O senhor das vidas: ibeiras: crecidag Louvae nas alturas Deos das criaturas, ‘ouvae arvoredos le fructo presado; igam og penedos eos seja louvado. 145 do de creagdo VILANCETE, no AUTO DE ABEL 146 ESCHOLA QUINHENTISTA E louve meu gado N’estas verduras O Deos das alturas. Gil Vicente, Obros, 5, 817, CANTIGA DE ABEL, xo AUTO DO DIA DE Jurzo 130 Dolorosa gado De tanto primor, Déa-te 0 fado Do triste pastor. Lembrae-vos, cordeiros Da minha tristura, Ovelhas, carneiros, Quo pastaes verdura. Abel sem ventura De vés apartado, Men gado amado, De mim com amor, Déa-te 0 fado Do triste pastor. Doei-vos de quem De vos se doia; Lembrae-vos tambem Minha companhia, De quem ser soia Sou outro tornado Ficaes sé deixado, Sem ter guardador. Doei-vos. do fado Dao triste pastor. Anonym. VOLTAS 4aT a VOLTAS A ESTA CANTIGA QUE CANTAM PELAS RUAS EM DIALOGO 191 Waquella alta serra Me quero ir morar, Quem me quizer bem, Quem bem me quizer LA me iré. busear. Voltas N’estes povoados Tudo sam requestas, Deyxae-me os cuidados Que eu vos deixo as festaa. D’aquellas florestas Verey longe o mar, Por-me-hey a cuidar. Responde a parceira Sombras e aguas frias Quando 0 sol mais arde; Depois sobre a tarde Por cd bradarias, Vés, que pressa os dias Levam sem cansar, Nunca ham de tornar. A Primeira Nam julgue ninguem Nunca outrem por si, Mais de um bem que ouvi A vida nam tem. IEE Z 148 SCHOLA QUINRENTISTA Nam deixa este bem, Onde s’elle achar Mais que desejar. A parceira Deyxa as vaidades Que da mio 4 bocca O prazer se troca, Trocam-se as vontades. Essas sam saudades Armadas no 4r, Que podem durar? Waquella espessura Me heyde ir esconder, Venha o que vier Achar-me-ha segura; Se tal bem nio dura Ao seu trespassar Tudo ha-de acabar. SA de Miranda, Obras, p. 314. Bd. 166%. VILANCETE por ovrro que piz: SERRANA ONDE JOUVESTE, FEITO MEIO DORMINDO 132 Coragio onde jouveste, Que tio m4 morte me déste? Toda a noite pelejei Eu que ja mais néio pedia, Busquei-vos, no vos achey, Sem yds, eu sé que faria? Destes-me dores de dia Polo que assi me fizestes, De noite dores me destes. $4 de Miranda, Obras, p. 388 Ba. 180% ESPARBAS 149 ee ESPARSAS 138 Cerra a serpente os ouvidos aa voz do encantador; eu nam, e agora com dor quero perder os sentidos. Os que mais sabe do mar fogem d’ouvir as seréas, eu pain me soube guardar; fai-vos ouvir nomear, fiz minh’alma e vida alhéas. Sa de Miranda, Cane. geval, IT, S84, 184 Porgue pudera abafar Senhora, 0 mudo se ouvira, a natureza lhe tira o ouvir e o falar. Poys s’avia de nacer ouvir tal desejo em my, coytado, pera que ouvi, poys que vos nam posso vér. SA de Miranda, Zb., p. 482 Nam passeis vis, cavalleiro, Tantas vezes por aqui, Que abaixarei meus olhos, Juvarei que vos ndo vi. Se me quereis de verdade Nam m’o deis a entender, Folgae muito de me vér Dentro na vossa vontade; Merecey-me em soydade, Mas se passais por aqui, a 150 ESCHOLA QUINHENTISTA a Pois nio tenho liberdade Jurarei que vos n&o vi. Quem tanto mal por vés sente Nam lhe deveis cansar mais; E pois em minha alma estaes Nam deis que fallar 4 gente; Ynda que nam stejais ausente Sempre vos vejo em mim; Mas se mais vos vir presente Jurarei que vos nio vi. Cristavam Paleto, (Ea. da Colonia, de 1358, fl. CLV, ¥.) ‘ 135 Ysabel ¢ mais Francisca Ambas vio lavar ac mar, Se bem lavam, melhor torcem, Namorou-me o seu lavar. Lavam com grande socego, Sem fazer nenhum rogido, Ynda que o mar he erecido Faziam-no andar quedo; Ambas em hum penedo Lavam com doce eantar, Se bem lavam, melhor torcem, Namorou-me o sea lavar. Vam-se ao longe da praia, Afastadas do logar, Deitam a roupa a enxugar A’ sombra de uma faya; Ysabel encolhe a saia, Francisca deixa molhar, Se bem lavam, melhor torcem, Namorou-me o seu Javar. 136 SEXTINA 151 Eu me achei no presente Onde estavam escondidas E no penedo metidas Lavando secretamente; Mais quizcra ser ausente Que presente me achar, Se bem lavam, melhor torcem, Namorou-me o seu lavar. Lavam com lagrimas vivas, Todas as vans esperangas, Batem em descontiangas, Ahi vos torcem as vidas; Inda disso mal servidas Piores de contentar, S’ellas bem lavans melhor torcem, Namorou-me o seu lavar. Christovaun Faledo, Pid, 2. CLXV. SEXTINA 4 MANEIRA ITALIANA Nio posso tornar os olbos D’onde os nao leva a rasio. Quem pord ler 4 vontade Confirmada do costume? Vontade que as suas leis Manda defender por forga? Isto que al he senSe forga Que me fazem os meus olhos? Quebrantadores das leis Brada apoz mim a razio; Mas que val contra o costume Que senhoréa a vontade. i. 152 ESCHOLA QUINHENTISTA ae Conselhos vios 4 vontade, Que sd pode, e 56 sem forga, Ajudada do costume, Vés nao: podeis estes olhos Algar um pouco 4 razio Que faz ¢ desfaz as leis. Amor, taes sio tuas leis, Tal dureza a da vontade, A gram mingoa da rasilo; Queira ou nao queira he por forga Que se me vio estes olhos Onde se vio por costume. Nao valem leis sem costume, Val o costume sem leis, Ay escravos dos meus olhos, | Mandados da m4 vontade, A que déstes tanta forga Em desprezo da rasiio. He morta ou dorme a rasdo, Nao sente ja por costume, Que farei 4 maior forga? Ajam piedade as leis De quem entregue 4 vontade Vae prezo apés 0s seus olhos. Olhos apos 4 vontade, As leis apés o costume, Apoz a forca a rasio. Si de Miranda, Obras, p. 419 Bd: 1804 vRovas 153 ovas A MORTE DE DONA YNES DE CASTRO, TROVAS 7 NDERENCADAS AS DAMAS Senhoras, s’algum senhor yos quizer bem, ou servir, uem tomar tal servidor eu lhe quero deseobrir o gualardam do amor. Por sua mercé saber o que deve de fazer vej’ o que fez esta dama que de sy vos dard fama, s’estas trovas quereis ler. Fala Dona Ynes: Qual sera o coracam tam cri e sem piedade, que lhe nam cause paixam huma tam gram crueldade e morte tam sem rezam! Triste de mym, ynocente! que por ter muyto fervente lealdade, fé, amor, ho princepe, meu senhor, me mataram cruamente! 187 A minha desayentura, nam contente de acabar-me, por me dar mayor tristura, me foy’ por em. tanta altura para d’alto derribar-me. Que se me matara alguem antes de ter tanto bem, em taes chammas nam ardera, pay, filhos nam conhecera, nem me chordra ninguem, 154 ESCHOLS QUINRENTISTA En era moga menina per nome dona Ynes de Crasto, e de tal doutrina e vertudes, que era dina de meu mal ser ho revés. Vivia sem me lembrar que paixam podia dar, nem dal-a ninguem a mim; foy-m’ ¢ princepe olhar por seu nojo e minha fym. Comegou-m’ a desojar, trabalhou por me servir, fortuna foy ovdenar dois coragdes conformar a huma vontade vyr. Conheceo-me, conheci-o, quiz-me bem, ¢ eu a elle, perden-me, tambem perdi-o, munca té morte foi frio o bem que triste puz n’elle, Dey-the minha liberdade, nam senty perda de fama, puz n’elle minha verdade, quys fazer sua yontade sendo muy fremosa dama. Por m’estas obras paguar, nunea jamais quys casar, polo qual aconselhado foy el-rei, qu’era forgado polo sea de me matar. Estava muy acatada, : como princeza servida, em meus pagos muy honrada, TROVAS. 1b5 eee eee de tudo muy abastada de meu senhor muy querida. Estando muy de vaguar bem fora de tal cuidar, em Coimbra d'aseseguo, polos campos de Mondego cavalleiros vy somar. Como as cousas qu’am de ser loguo dam no coragam, eomecey entristecer e commiguo sé dizer: estes homens d’onde yrain? E tanto que preguntey, soube logo que era el-rey; quando o vy tam apressado, meu coracam trespassado foy, que nunca mais faley. E quando vy que dceia, sahy 4 porta da sala, devinhando 0 que queria com gram choro e cortezia lhe fiz uma triste fala. Meus filhos puz derredor, de mim com gram omildade; muy cortada de temor the disse: avey, senhor desta triste piadade: Nam possa mays a paixam que o que de deveis fazer, metey n’isso bem a mao: que é de fraco coracam sem porque matar molher. Quanto mais a mim que dam 156 ESCHOLA QUINHEN’ culpa, néio sendo rezam, por ser may dos ynocentes, os quaes vosses nelos sam. E tem tam pouca ydade ae, se nam forera criados le mim, 36 com saudade e sua gram orfyndade morrcram desamparados. Olhe bem quanta crueza fara n’isso voss’alteza, e tambem, senhor, olhay, poys do princepe soys pay, ‘ nai lhe deis tanta tristeza. Lembre-vos o grande amor que me vosso filho tem, e que sentira gram dor morrer-lhe tal servidir por lhe querer grande bem. ! Que s’algum erro fizera, ! fora bem que padecera, e qu’estes filhos ficaram orfios tristes e buscaram quem d’elles paix8o houvera, Mas poys eu nunca errey, 1 © sempre mereci mais, deveys, poderoso rey, nam quebrantar vossa ley, que se moyro, quebrantaes. Usay mais de piadade que de rigor nem vontade: avey d6, senhor, de mym, nam me deis tam triste fim pois que nunca fiz maldade. TROVAS 187 Elrey, vendo como estava, houve de mim compaixam, e vy-o que n&o oulhava, que eu a elle nam errava, nem fizera traigam. E vendo, quam de verdade tive amor e lealdade ho princepe, cuja sam, péde mais a piadade que a determinagam. Que se m’ele defendera ea seu filho nam amassc, e lh’ew nam obedecera, entam com rezam podera dar-m’ a morte qu’ordenasse. | Mas vendo que nenhum’ora, des que naci atégora nunca n’isso me falou, quando d'isto se lembrou foi-se pola porta fora. Com seu rosto lagrimoso, ¢’o proposito mudado, muyto triste, muy cuidoso, como rey muy piadoso, mny christam e esforcado. Hum d’aquelles que trazia comsiguo na companhia, eavaleyro desalmado de traz d’cle muy irado estas palavras dezia: —Senhor, vossa piadade he dina de reprender, Pols que sem necessidade 158 ESCHOLA QUINHENTISTA mudaram vossa voutade lagrimas d’uma mother. E quereys qu’aberreguado com filhos, como casado, esté senhor vosso filho? de vés mais me maravilho, que d’ele qu’é namorado. Se a loguo nam matais nam sereis nunca temido, nem faram o que mandays do conselho qu’era avido. Olay que justa querella tendes, poys por amor d’ella vosso filho quer estar sem casar ¢ nos quer dar muyta guerra com Castela. Com sua morte escusareis muytas mortes, muytos danos, vés, senhor, descansareis, ea vise ands dareis paz para duzentos annos. O princepe casard, filhos de bengam terd, . serd fora de pecado, c’aguora seja arrojado a nenhum th’esqueceré.— E ouvindo seu dizer : el-rey ficou muy torvado, / por se em mais extremos ver, 2 que avia de fazer ou de um ou de outro forgado. Desejava dar-me vida, por Ihe nao ter merecida TROVAS 159 ee ee a morte, nem nenhum mal: sentia pena mortal por ter feito tal partida. E vendo que se the dava j a ele toda esta culpa, f e que tanto o apertava, disse aaquelle que bradava: minha tengam me desculpa. Se o vos quereis fazer, fazei-o sem m’o dizer; qu’eu n’isso nam mando nada, nem vejo a essa coytada porque deva de moxrer. Fim Dous cavaleyros irosos que taes palavras ouviram, mui cris e nam piadosos perversos, desamorosos contra mim rijo se viram. Com as espadas na mam, m’atravessam 0 coragam a confissam me tolheram: este 6 0 gualardam que meus amores me deram. . Garcia de Resende, ds Damas: Senhoras, nam ajaes medo, nam receeis fazer bem, tende 0 coragam muy bem quedo; © vossas mereés veram cedo quam grandes bens do bem vem. Nam torvem vosso sentido 160 ESCHOLA QUINHENTISTA as cousas qu’aveys ouvido, porqu’é ley de deos d’Amor, bem, vertude, nem primor nunca jamais ser perdido. Por verdes o gualardam que do amor reccbeu, porque por ele morreu n’ostas trovas sabcram © que guanhou ou perdeu. Nam perden senam a vida, que podera ser perdida sem na ningnem conhecer, e guanhou por bem querer ser sua morte tam sentida. Guanhou mais, que sendp d’antes nom mais que fermosa dama, serem seus filhos ifantes, seus amores abastantes de deixaram tanta fama. Outra moor honra direi: como o princepe foi rey, sem tardar, mas muy asinha, a fez algay por rainha, sendo morta, 0 fez por lei. Os prineipaes reis d’Espanha de Portugal e Castela, e emperador d’Alemanha, olhac, que honra tamanha! que todos decendem dela. Rey de Napoles, tambem duque de Borgonha, a quem todo Franga medo avia, e em campo el-rei vencia, todos estes d’ela vem. ARRENEGUOS 161 * Por verdes como vingow a morte que lh’ordenaram, como foy rei, trabalhou e fea tanto, que tomou aqueles que a mataram. A um fez espedacar e ho outro fez tirar por detras o coracgam; poys amor dé gualardam nam deixe ninguem d’amar. Cabo Em todos seus testamentos a decrarou por molher, € por s’isto melhor crér fez dois ricos moymentos, em que ambos vereys jazer: Rey, rainha coroados, muy juntos, nam apartados, no cruzeiro d’Aleubaga: quem poder fazer bem, faca pois por bem se dam taes grados. Garcia de Rezende, Canc, geral, t, UY, 616 a 624, ee ARRENEGUOS, que rus GREGORIO AFFONSO, 138 CRIADO DO BISPO DE EVORA Arrenegno de ti, Mafoma, ¢ de quantos crem em ui, arrenegno de quem tuma © alheyo para sy.

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