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LET) cet Francis de Castelnau ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS NA BAHIA OITOCENTISTA POO) A gut ge) BD Leipork 4 ‘Titulo original em francés ‘RENSEIGNEMENTS SUR LAFRIQUE CENTRALE ET SUR UNE ‘NATION D/HOMMES A GUEUE QUIS'Y TROUVERAIT DAPRES ‘DE RAPPORT DES NEGRES DU SOUDAN, ESCLAVES A BAHIA Reservam-se os drcitos desta edigfo’& EDITORA JOSE OLYMPIOLTDA. [Roa Argentina, 171 ~ 1° andar ~ So Cristindo 2092-380 — Rio de Janeiro, RJ Replica Federative do Brasil ‘Te: (21)2598.2060 Fa (21) 25852086, Printed in Broil Impresso no Brasil ‘Arend pelo Reemba Pata ISBN 85.05.0085 (Capa: Cusrans BAMErvoF FLAW CaESAVFOUO DESIGN CCoordenagio da colegio: Mary Dil. PRORE ‘Acervo Museu Imperial ~Couscio Gaven ‘Agradecemos a professor Renato Ventncio pela indicagto deste texto CAP-Brasil Catalogacto-na-fonte indicato Nacional dos Fdicores de Livros, Rl Toa, Fach Enrevisas com ecsesaicans na Bahia often / Francs de (Case; tradgae Marsa Moray. — Rio de Janet: José Olympic, cos ip (Bad de hinria) “alu de: Resigns LA gue Cen et sr wae sin domme gue guy weer ape ppen e gs ‘du Soudan, esclaves a Bahia we SBN 5:03.008858 1. Caseloay, Francis de, 182-1880 ~ Vigens~ Bahia, 2. Bera, = Bahia ~ Entrevisas 3, Bala ~ Deseiser vingns , Bahia ~ Usos costumes. 1, Talo I. See. ‘cpp -si802 eDu 9158138) SUMARIO Apresentagio Preficio Informagées sobre a Africa Central e sobre uma nacdo de homens de cauda que af se encontraria Mahammah, em Hauss4; Manuel, na Bahia Braz, na Bahia; Adam, em Haussé Karo, no Bernou; Manuel, na Bahia Damoutourou, do Bernow ‘Aba-hama, Soleman, Ali Aboubakar, nagio dos begharmis Mammarou, de Mounao (Bernou), perto de Begharmi So-allahs David, na Bahia, do pats de Adamah Mchemmet, Hauss4, Osman, Hauss4; Francisco, na Bahia Grusa, Hauss4; Augusto, na Bahia Mahhamad, em Haussé; Manuel, na Bahia FRANCIS DE CASTELNAU Boué, em Hauss4; Antonio, na Bahia Gris, em Hauss4; Quacho, na Bahia Meidassara, em Hauss4 Kiwa de Zampara, em Haussé Ibrahim, do Bernou Habdou, em Hauss4; Elias, na Bahia Boué, em Haussé; Antonio, na Bahia Griss, em Hauss4; Quacho, na Bahia Rescou, nagdo upea Bagué, tapa Mohammad-Abdullah, filani 59 61 63 65 67 69 mn 73 7S 7 79 APRESENTACAO Acolecéo Bati de Hist6rias se pretende uma janela para © passado € o presente, Ao mesmo tempo conhecimento do mundo e da cultura que nos cerca, ela convida a explo- ragdo de temas e autores que raramente esto ao alcance do leitor, Reunindo documentos e narrativas, textos literd- trios ou de viagens, apresenta-nos a raros testemunhos de um universo e de um tempo que perdemos. Ao longo de suas paginas, se revelam terras de uma infinita diversida- de, humanidades desconhecidas, terriveis condicées de vida ‘ou momentos privilegiados de descoberta sobre povos ¢ fatos que 0 tempo levou. Gentilmente cedidos por renomados bibliégrafos como Paulo Geyer ¢ José Mindlin, ou instituigdes como o Museu Imperial, estes textos de in- teresse literdrio, hist6rico e etmogrifico sio apresentados por grandes especialistas, além de prometer ao leitor 0 pra- zer de percorrer inéditos e raridades bibliogréficas até hoje marcados pela indiferenga e o esquecimento. E com ale- gria que convidamos o leitor a abrir este Basi de Historias, na certeza de sua delicia encantamento. Mary Del Priore Historiadora Coordenadora da colegio Bat de Histérias PREFACIO Nascido no Natal de 1810, em Londres, ¢ falecido aos quase setenta anos, em Melbourne, Austrdlia, em 4 de fe- vereiro, Francis de Castelnau ficou conhecido por varios nomes. Como servi aos franceses e provavelmente era descendente de franceses, por vezes eta também referido como Frangois Louis Laporte ou Francois de la Porte (ou Delaporte), conde de Castelnau. Mas como Francis de Castelnau que ficou mais célebre. Estudou histéria natural na Franca e liderow importan- tes expedig6es cientificas nas Américas. Entre 1837 e 1841, esteve em viagem de estudos no Canad, México e Estados Unidos, pesquisando lagos. Entre 1843 e 1847, chefiou fa- mosa expedicdo que atravessou a América do Sul do Peru 20 Brasil, percorrendo rios amaz6nicos ¢ 0 estudrio do rio da Prata. Naturalista qualificado, escreveu varias obras sobre ictiologia e entomologia e serviu como diplomata a Franca em varios paises. Foi cénsul francés no Brasil em 1848; no Sido, entre 1848 e 1868 e, finalmente, em Melbourne, Aus- tralia, de 1864 até 1880. Foi na Austrélia que a carreira de Castelnau, como naturalista, alcancou sen auge. Membro ativo de sociedades zoolégicas, legou preciosas colegoes de peixes ¢ insetos para o Museu Nacional de Melbourne, 10 FRANCIS DE CASTELNAU Mas 0 livro que ora apresentamos nada tem a ver com peixes ou insetos. Foi publicado em Paris sob o titulo de Renseignements sur VAfrique Centrale et sur une nation @hommes a queve que s'y trouverait. Trata-se de livro etnografico, e por que nao dizer, um pouco teratol6gico, considerando a infrene curiosidade de nosso autor pelos homens de cauda que alguns negros por ele entrevistados na Bahia asseguram existir na Africa Central: os niam-niams. De todo modo, o livro é precioso em informacées sobre 0 africanos da Bahia no meado do século XIX, preconizando, em diversos aspectos, o importante livro de Nina Rodrigues, Os africanos do Brasil, publicado pos- tumamente em 1906, o primeiro, talvez, a sublinhar as diferengas entre os negros de origem banto, da Africa Centro-Ocidental, ¢ os negros nagés ou iorubés, oriun- dos da Africa Central, em especial os traficados nos por- tos do golfo da Guiné. © livro de Castelnau é um pequeno tesouro. No mi- nimo porgue oferece a rara oportunidade de conhecer- mos de perto alguns escravos de uma Bahia que, cerca de dez anos antes, experimentara o apogeu das rebelides es- cravas com o levante dos malés, em 1835. Assim, entre 0 Ieitor em contato, por meio de Castelnau, com Maham- mah, nome haussé de Manuel, escravo na Bahia. Ou com Karo, seu nome de Bernou, também batizado Manuel. Ou com Adam, nome hauss4 de Braz —e muitos outros. Pre- dominam largamente as entrevistas com haussés, os quais ‘© autor distingue como “negros bem superiores aos ne- gros da costa no que diz respeito ao desenvolvimento in- ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 11 telectual”. Também os considera dotados de grande forca corporal ¢, no geral, menos submissos € menos resigna- dos diante da sua condigéo de cativos. Juizos de valor & parte, o fato é que estes africanos entrevistados por Castelnau sabiam ler e escrever em érabe e Ifbico. Perten- ciam ao mesmo grupo que, nos idos de 1835, havia posto a escravidao baiana em xeque em nome de Allah. Asinformacées hist6ricas ou etmogréficas que Castelnau fornece, a partir de sua enquete, so de valor desigual. Por vezes, extensas quanto a lugares da Africa, chefias, tracos culturais, circunstancias da escravizagio dos africanos entrevistados. Outras vezes, sumarias. O livro nao esté, nem poderia estar, isento de opiniGes valorativas. Afinal, é livro contemporaneo do Ensaio sobre a desigualdade das ragas humanas, obra famosa de outro conde, o de Gobineau, publicado poucos anos depois do Renseigne- ments sur l'Afrique Centrale. O proprio Castelnau julgava que a publicacao deste seu livro poderia ser “de utilidade para a hist6ria da raga humana”. Raca humana: vale subli- nhar a universalidade do conceito empregado. ‘Mas a maior utilidade que Castelnau enxergava no proprio livro dizia respeito A stia obsessao com os niam- rniams, os homens de cauda. Monstros contririos, reco- nhece 0 autor, aos princfpios zoolégicos que conhecia bem. Entre a informagio etnografica que as entrevistas oferecem e o rastreamento destas evidéncias teratolégicas, assim Castelnau resumiu 0 depoimento de cada cativo que entrevistou na Bahia, Da informagio histérico-etnogréfica 12 FRANCIS DE CASTELNAU poucos historiadores brasileiros puderam se beneficiar, pelo desconhecimento quase total acerca deste livro de Castelnau. As exceg6es honrosas, que citam o original em francés: Alberto da Costa ¢ Silva e Joao José Reis, gran- des africanistas brasileiros, por sinal envolvidos no deba- te sobre se o levante dos malés foi ou nao foi uma espécie de jihad — guerra santa mugulmana, Da informagao teratolégica, que causa espanto, seja o leitor a ajuizar. Mas a traducio para o portugués deste livro de Castelnau, que vem A luz com o simpitico titulo de En- trevistas com escravos africanos na Bahia oitocentista, € iniciativa louvavel. Resgata uma divida e preenche lacuna importante em nossa bibliografia. Ronaldo Vainfas Professor titular de Histéria Moderna, Universidade Federal Fluminense INFORMAGOES SOBRE A AFRICA CENTRAL E SOBRE UMA NAGAO DE HOMENS DE CAUDA QUE Af SE ENCONTRARIA © pequeno trabalho que neste momento submeto a0, piiblico compée-se de informacdes que eu-pude obter de negros escravos na Bahia. Pouco depois da minha chega- da nessa residéncia, néo demorei a notar que varios den- tre eles sabiam ler e escrever em Arabe e em libico, € veio- me ao pensamento que naquela multidao vinda de todos ‘05 pontos da Africa deviam se encontrar alguns individuos que pudessem me dar informag6es sobre as partes ainda inteiramente desconhecidas daquele vasto continente. Obtive assim itinerdrios que, embora muito incompletos, podem, no entanto, apresentar algum interesse para aque- les que se ocupam da geografia do interior da Africa. Um desses escravos, Mahammah ou Manuel, era no- tavel principalmente pela sua inteligéncia, e havia feito via- gens imensas, Meus estudos de naturalista varias vezes permitiram-me controlar seus relatos e eu sempre os en- contrei de uma grande exatidio até o momento em que ‘um dia ele me falow nos niam-niams ou homens de cauda, que ele assegurava ter visto. Apesar da minha increduli- dade, ele sustentava esse fato ¢ entrava em minuciosos 14 FRANCIS DE CASTELNAU detalhes. Mais tarde tive ocasido de ver uma dezena de negros do Sudo, e todos afirmavam ter visto os niam- niams ou ter ouvido falar na existéncia deles como de um fato indubitavel. Eu, apesar disso, nao dava muita impor- tdincia a essas declaragdes, até que na minha volta a Fran- a, fiquei sabendo que um outro viajante tinha obtido na Ardbia informag6es do mesmo género, e que ele mesmo assegutava ter visto um homem com cauda, Af entao pen- sei que poderia ser uma coisa de utilidade para a histéria da raga humana, publicar os resultados dos meus interto- gat6rios na Bahia, sem garantir, de alguma maneira, a exatidéo de um fato que parece até contrério aos princf- pios zool6gicos, pois se deve notar que os simios mais préximos do homem jé esto privados desse apéndice ou © tém de maneira rudimentar. O naturalista, no entanto, sabe que a teoria cientifica mais plausivel pode algumas vezes ser derrubada por uma tinica observagao. Juntei a essas anotagdes alguns vocabulétios ¢ os re- tratos*das principais nagdes que a escravatura levou a Bahia, assim como um mapa feito sobre as tinicas indica- goes de alguns negros inteligentes, que me mostravam a posigo dos lugares que eles haviam visitado, marcando a terra com grdos de milho.* Nao preciso dizer 0 quanto um trabalho semelhante est sujeito a diivida, e que eu o apresento s6 como um simples documento. “Devido as condigdes de preservacio do documento, nfo nos foi possivel Publicar 0 vocabulério, 0s retratos e o mapa. (N. da E.) ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 15 A primeira vista, os negros trazidos para a Bahia per- tencem aum sem-némero de tribos diferentes, porém um ‘exame mais cuidadoso os reconduz a um pequeno nime- ro de nag6es distintas: 1, Os nagés, nome sob o qual se retine uma varieda- de de tribos que parecem ligadas por uma espécie de pac- to federal. Estes negros provavelmente formam nove décimos dos escravos da Bahia e so reconhecidos pelos trés profundos cortes transversais tatuados em cada faces cles habitam toda a regio do Daomé até a embocadura do Quarah* (Niger). Quase todos eles foram embarcados ‘em Onim (Eko) ou em Porto Novo. Os habitantes de Yariba e de Yebous fazem parte. 2. Os géges ou dahomeis, que formam uma nacio po- derosa e tém numerosos representantes na Bahia; eles antes vinham de Whydah (Ajudah), mas agora a maioria vem de Porto Novo. 3. Os gallinhas, que vém da costa que se estende a0 sul da Serra Leoa; eles chamam a si mesmos pelo nome de Faigos. Foram reunidos aqui: 1°) os sherbros, que vem ao norte no Bulum; 2°) os coosous, que vém do inte- rior; 3°) 0s boochis do cabo Monte, e 4°) 0s conoes que, no interior, se espalham por tras de todos esses povos. De modo geral, reconhecem-se os gallinhas pela auséncia de tatuagem no rosto, o que lhes dé o aspecto de negros criou- 7Optamos por manter a grafia das palavras de origem afticana tal como std na edigéo original em franc8s, com excegao dos nomes mais conkeci- dos como, por exemplo, Haussé, (N. da E.) 16 FRANCIS DE CASTELNAU Jos, Na Bahia tem um niimero bastante grande de gallinhas, ‘mas jf nfo os trazem mais ha alguns anos, pois os ingleses destrufram os barraconas, que estavam assentados no rio do mesmo nome. 4. Os minas, designamos por esse nome alguns escra- vos da costa do Ouro, provenientes de varias localidades. 5. Os borgos ou bargous, cujo pafs se estende a oeste do Quarah, mais ou menos no nono ou décimo primeiro grau de latitude. 6. Os tapas, cujo pats € conhecido sob 0 nome de Nouffie; eles se estendem sobre a margem oriental do Quarah, em face do pafs de Borgo, mas menos longe na diregao norte e mais para o sul. 7. Os angolanos ou congos, muito pouco numerosos na Bahia, assim como os mogambiques, mas que juntos formam a grande massa de escravos do Rio. 8. Os haussds, nome sob 0 qual confundimos todos 8 negros provenientes das partes centrais do continente, tais como o§ do Bernou, do pafs de Adamah etc. A maio- ria desses povos é efetivamente tributéria do sultéo de Hauss4. Estes negros, de modo geral, sao bem superiores a0s negros da costa no que diz respeito ao desenvolvimen- to intelectual; eles também so dotados de grande forca corporal, mas de modo geral se mostram menos submissos € menos resignados diante da sua posi¢ao de cativos do que os nagés. Na Bahia, eles na maioria sio empregados como carregadores de palanquim (cadeira). Esses negros, sempre hostilizando os povos vizinhos, que eles procuram reduir a esctavos, jé foram todos prisioneiros de guerra; ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 17 ¢ embora sejam bem numerosos na Bahia é muito raro encontrar mulheres dessa nagdo. Quase todos eles chegam via Onim. 9. Enfim, 0 filanis, os foulahs ou foullatahs, descen- dentes dos antigos egipcios e que foram provavelmente a origem dos mestigos da raga vermelha e da variedade ne- gra assim como os habitantes de Madagascar etc. Estes si0 ‘os conquistadores da Africa Central. Eles exercem, mes- mo no cativeiro, muita influéncia sobre os negros. E muito raro que eles se deixem levar como cativos, pois quase sempre preferem se deixar matar no campo de batalha; cles também estio em ndmero muito pequeno na Bahia, Todos sabem ler e escrever; sio mugulmanos intolerantes ¢ vingativos. MAHAMMAH, EM HAUSSA; MANUEL, NA BAHIA. Mahammah nasceu em Kano, cidade grande de terra batida, onde as casas s6 tém o andar do nfvel do chao, exceto a do chefe que tem um andar. Nao hé cidade com co nome de Hauss4, que s6 se aplica ao pafs. O rei ou sul- to de Haussé vive em Socoto. O chefe de Kano esté sob suas ordens; no entanto a diltima destas cidades & mais considerada do que a capital; vai-se de uma A outra em oito dias. A este de Kano encontra-se Booché, Schitah, Napada, Tachina, Goujoubah, Bernou, Santamboué, 0 grande lago Tehad, Adamah, Guambey, Quararapah, Quiana, Aouai, em seguida o pais dos niam-niams (terra de selvagens antrop6fagos que tém uma cauda), Além estes desertos Mahammah nao sabe 0 que existe. Todos estes nomes sio de cidades e mais freqiientemente dos paises que as circundam. Ao sul esté Kano, ea dois ou trés dias de marcha situa-se Zozo, cidade grande, também co- nnhecida pelo nome de Zaria. Perto de Socoto e a duas jornadas, encontram-se a grande cidade de Zampara, a seis jornadas, ade Daourah, acinco jornadas, a de Decourawah, mais adiante Dongah, a este Bounousa, Oga, Cambary, Gomna (cidade grande), ‘Taquina; “depois entramos no pais dos tapas, que é atra- 20 FRANCIS DE CASTELNAU vessado pelo Quarah e onde se erguem as cidades de Guar- gi (margens do rio), Ega, Ladey etc.”. Do norte surgem os homens brancos, porém vestidos de maneira diferente da dos cristos (mouros); deram-Ihes ‘o nome de benisaqui ou 0 de bojuras (brancos). ‘A oeste tem um rei que declara guerra a todo o resto do Hauss4; dio-lhe o nome de Dammatis e seu pats cha- ma-se Mariadi. O atual sultao de Socoto chama-se Ali (parece-me que alguns escravos pronunciam Alio); ele é irmao de Atico, que era filho de Bello, 0 qual era ele mesmo filho de Osman, fundador da dinastia dos filanis. Antes da che- gada desses tiltimos, 0 pais HaussA estava dividido em um grande nimero de governos particulares. A popula- ao de Hauss4 é composta de duas ragas: 1°) os filanis ou fellatahs, raga conquistadora e de um tom marrom- avermelhado, ¢ a 2*) massa do povo que é de raca negra, bem que de um ramo muito mais inteligente que a dos govos da costa. O chefe de Kano chama-se Dabo, ele é filani assim como todos os chefes e generais. $40 0s negros que traba- Iharn a terra; de resto nao hé diferenga entre eles ¢ eles se casam uns com os outros. Todos os habitantes de Haussé sio livres; seus escra- vos vém de outras terras, principalmente de Adamah, onde eles andam nus ¢ so considerados como selvagens. A ca- pital do pafs Adamah € Coincha; é uma cidade grande si- tuada & beira de um belo rio que vai para 0 lago Tchad? No pais existem muitos lagos salgados. ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS.... 24 Nao existe o pais Malé (do modo como é mostrado em alguns mapas), mas designa-se sob o nome de malés todos os infigis, quer dizer, todos aqueles que nao so maometanos (sic). Encontra-se, ao sul de Kano e de Bernou, um grande rio salgado que circula a este do pais Ergoums chama-se Coguiquararapa e corre para o oeste, Bem perto,e a uma hora de caminhada, encontra-se um outro rio menor, de gua doce que corre no sentido oposto, quer dizer para o leste; séio necessdrias duas horas para atravessar 0 rio de gua salgada, e nas suas margens recolhem o sal. Ollago Tehad recebe muitos rios, entre outros citamos: 1. Coguensaqua, que € considerdvel e passa por Kano; cle tem cachociras e atravessa também Guambay, Golo, Dougou, Navada, Goujoubah, depois sejogano lago Tchad. 2. Dulumé, grande rio, cheio de cascatas; ele atravessa florestas e nao passa por nenhuma cidade grande; ele vem do sudoeste. 3. Gualo, rio muito grande, cheio de crocodilos (cada) e de hipopétamos (dorina), ele vem do sudestes sua nascente é nas montanhas altas e passa pelo pais dos niam-niams. 4. Pano, que passa por Wangara e se joga no Dulumé. Nos diversos lugares marcados nos mapas ingleses, como se encontrando no lago Tchad, Mahammah s6 re- conheceu 0 nome de Woodie. Em todo o pais Haussé, existem elefantes (guiwas) que siio mortos a golpes de zagaia; os dentes sao enviados para 22 FRANCIS DE CASTELNAU a costa € no pafs s6 se interessam pela cauda, com a qual eles fazem enfeites que so usados no pescoco ete. Manuel fez uma expedicdo contra os niam-niams sob as ordens do sulto de Kano. Os hausss eram em grande nfimero, a maior parte a cavalo; ele mesmo estava neste caso e tinha dois escravos para servi-lo, Partindo de Kano, eles foram dormir na pequena cidade de Dawaki, no dia seguinte em Gorgo que é s6 um vilarejo, depois em Dandaka (id.), depois em Codobouda (id.), depois em Kila (jd,), depois em Guavao (id.), depois em Zagaina (id.), em seguida em Digai (vilarejo). Na noite seguinte eles acamparam e depois dormiram sucessivamente em Triouna (vilarejo), Zala (id.), Booché, cidade muito grande povoada de negros de filanis, logo depois em Gourzoum, cidade grande a beira de um belo rio que vai para o lago Tehad, depois em Zungur (vilarejo), sempre sobre 0 mesmo rio em seguida em Ouasay, cidade bastante grande que nao est perto de ne- nhum rio, Entraram ento em uma floresta muito grande e muito espessa qye tem o nome de Lanchandon (até af o pafs tinha sido bem habitado); aqui encontramos camelos selvagens que Manuel chama de lagomi-dawa e que nao diferem em nada dos camelos domésticos (lagomis), nem nna forma, nem na cor; s6 que ele afirma que os selvagens so maiores e andam em pares; so muito numerosose sua carne 6 bastante boa para comer.! ‘Segundo Pallas, Cavieracredita que existem camelos selvagens nos desertos da Tartéria, Mas o padre Gebet, que resi dez anos nesses regides assegu- roume que havia um engano a este respeito. Embora tenham procurado pro- var o contrétio, seta a Africa a patria dos camelos? fato parece provével. ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANO: 23 Nessas matas encontramos também muitos elefantes (guiwas) e girafas (baunas); este tiltimo animal geralmen- te se esconde & aproximagao do homem; no entanto, quan- do uma fémea est4 com seu filhote, ela o coloca entre suas pernas dianteiras e o defende até a morte. Tem ainda nestes lugares um outro animal (guaqui), que talvez seja um gnu; existe de cores diferentes; ele tem na cabeca uns chifres de quase meio metro de comprimen- to, é maior que um cavalo; seu corpo € muito rechonchu- doe tem uma crina; é muito selvagem e perigoso. O ledo (zaaqui) é bastante comum, mas ele nao ataca 08 viajantes se 0 deixarem tranqiiilo; néo acontece o mes- mo com os tigres, dos quais existem trés espécies: 1°) a zaara, uma pantera muito grande; 2°) a coura; 3°) a da- mousa, que € 0 menor de todos. Tem também os gatos selvagens (wawansarqui), que s6 saem a noite. Algm desses, Manuel fala de um animal de enormes dimens6es (marili) que me parece ser 0 rinoceronte; 86 tem um chifre, mas algumas veres atinge quase um metro de comprimento. £ um animal muito perigoso ¢ cujo pé é fendido como o do boi; alimenta-se de plantas; e € muito valente, briga com o elefante ¢ geralmente o abate. A expedigio hauss4 dormiu nove noites nestas vastas florestas; varias vezes foi necessério abrir caminho para fazer passar os cavalos, “Durante esse tempo vimos muitos animais, mas nem um homem. Saindo da mata, comeca- mos a escalar montanhas altas, e poucos dias depois perce- bemos um bando dos selvagens niam-niams.” Eles dormiam a0 sol; os haussds aproximaram-se sem fazer barulho e os 24 FRANCIS DE CASTELNAU massacraram até 0 tltimo; todos eles tinham caudas de quase quarenta centfmetros de comprimento e que podiam ter de dois a trés centimetros de didmetro; este Orgao € liso; entre os corpos se encontravam os de vérias mulheres que eram constitufdos da mesma maneira; de resto, essas pes- soas eram semelhantes aos outros negros; eles estavam com- pletamente nus. Nos dias seguintes a expedicio encontrou ‘vérios outros bandos que tiveram a mesma sortes um estava ‘ocupado comendo carne humana, e as cabecas de tres ho- ‘mens ainda estavam assando no fogo, suspensas por varas enfiadas na terra, Manuel fazia parte da vanguarda ¢ viu matarem muita gente; ele examinow os cadéveres, medi as caudas e nao pode conceber nenhuma dévida relativa & cexisténcia deles. (Os haussés ficaram seis meses percorrendo e saqueando © pals. Toda a regio recoberta por rochas muito altas. ‘A maior parte dos niam-niams vive nos buracos das rochas, mas alguns construiram umas miserdveis choupanas de pa- Iifa para morat. Varias vezes os haussés foram atacados por estes selvagens e eles mataram muita gente; so pessoas de ‘um tom de um negro bem escuro e seus dentes s4o limados seus corpos no sao tatuados; eles conseguem fazer fogo com ‘uma pedra que se encontra no pafs (sflex?). Usam clavas, fle- cchas e zagaias; na guerra soltam gritos agudos, Cultivam ar- +02, milho e outros gros e frutas desconhecidas dos hausséss so homens bonitos e seus cabelos sao encarapinhados. Os haussés atravessaram varios cursos d’gua pouco importantes e que eles supuseram que deviam se dirigir para o lago Tehad. ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRIGANOS.. 25 O chefe dos niam-niams pediu indulgéncia, mas o ret de Kano mandou matar todos os prisioneiros que eles haviam feito porque eles tinham cauda e ele achava que ninguém ia querer comprar escravos assim. ‘Os niam-niams criam pequenos bois sem chifres e ca- bras enormes, bem como carneiros. ‘A expedigio voltou pelo mesmo caminho. As pessoas do pafs Haussé tinham ouvido falar nos homens de cau da, mas até entdo elas duvidavam disso, e a finalidade da expedigio era a de se certificar. és falamos de Ouasay, Na volta a expedicao parou af para se dirigir para outros antrop6fagos que eles que- riam reduzir & escravidao. ‘Os haussés dao a estes também o nome de niam-niams, ‘embora eles nao tenham cauda, A um dia da aldeia, eles os ‘encontraram; os homens estavam inteiramente nus, mas a8 mulheres tinham uma folha amarrada em volta do corpo. Os haussés armaram uma emboscada, e um deles entrou na aldeia e se apresentou na porta de uma das casas pedin- do 4gua: mas os selvagens 0 mataram a golpes de clavas € Jogo comecaram a retalliar seu corpo para fazé-lo cozinhar. A expediggo entio saiu do seu esconderijo se langou con- tra_a aldeia, cujos habitantes foram levados como escravoss ‘os da casa jé citada foram conduzidos & presenca do sultao, que logo ordenou que eles fossem decapitados, Todos os rios que Manuel viu nessa regio da Africa Ihe pareceram correr uns para o mar pelo Quarah ¢ os outros pata o Tchad. O rio que passa por Socoto € peque- no e cai no Cadouna, que se retine a0 Quarah. 26 FRANCIS DE CASTELNAU Manuel fez uma viagem ao pats Bernou; ele estava a pée levava uma carga na cabega. O solo dos primeiros dias era muito arenoso, Partindo de Kano, ele foi dor- mir em Damadan, depois na aldeia de Ho, depois Garirmata (aldeia), depois em Konkoso (aldeia), em se- guida entramos em uma grande floresta que é percorri- da durante o dia inteiro e onde se passa a noite; sai-se no dia seguinte 14 pelo meio do dia para entrar em um deserto de areia. No dia seguinte ele dormiu na aldeia de Dago, de- pois em Bayancaya, cidade grande a margem de um belo rio que corre para o lago Tehad; na noite seguinte ele chegou a Darazo, cidade bastante grande e perto da qual existem uns tipos de pantanos cobertos de terra, nos quais os homens ¢ os animais desaparecem se tiverem a infelicidade de af cair. O dia seguinte o conduziu para Tombi, cidade muito grande cercada de pastos, a beira de um grande rio que atravessa as salinas ¢ cuja 4gua est& impregnada de sal, Esse curso d’4gua forma cascatas € também se dirige para o grande lago Thad. Na noite seguinte Manuel foi a Catécaté, que é uma pequena al- deia situada nas areias; em seguida dormiu em uma gran- de mata formada por uma 4rvore chamada tannai; depois em Kisan, pequena aldeia, depois em Basenné, também uma aldeia, A noite seguinte passou-a em um pequeno estabelecimento de filanis, situado no meio do mato; a outra em Gellawa, cidade grande onde se véem pocos de grande profundidade. ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 27 Na noite do dia seguinte chegamos a Cacaiva, cidade muito grande, maior mesmo que Socoto ¢ onde encon- tramos muitos cavalos, bois etc. Bernou, em cujo terti- t6rio entio estavamos, depende de Socoto; mais um dia conduz o viajante a Naphada, cidade grande e rio; mais ‘um para uma cidade considerével cujo nome escapa a Ma- nuel; o seguinte para Ujuba, cidade grande e rio; ¢ um tiltimo, enfim, para Cucawa, cidade forte onde resi- de o rei de Bornou. Na volta ele fez o mesmo caminho. Manuel fez também uma viagem até Agadass. Existem dois caminhos: um passa por Katchina, mas o que ele seguiu corta para 0 oeste; ele estd em areias profundas. Ele levou de quinze a vinte dias nessa viagem cujo itinerdrio eis aqui: 1° dia, de Kano A pequena aldeia de Godiah; 2° dia, para a pequena cidade de Rimingado; 3° dia, para Cabo, ci- dade bastante grande ao lado de um riacho que vai para © Tchad; 4° dia, para Booda, aldeia; 5° dia, para Massanava, aldeia nas margens de um riacho; 6° dia, para Kilrou, aldeia; em seguida entra-se em um grande deser- to drido e somos obrigados a levar 4gua sobre os came~ los, para sete dias; no 17° e no 18° dias de viagem, chegamos a Agadass. Algumas horas (duas ou trés) antes de chegar a esta cidade, encontramos um lago que pode ter meia légua de comprimento e que est cheio de enor- ‘mes tartarugas, Agadass é uma cidade grande; seus habi- tantes s6 bebem 4gua dos pogos; nos arredores tem muito verde, pastos, drvores, rebanhos de bois, de cabras etc. Seus habitantes sio de uma cor marrom-amarelada. 28 FRANCIS DE CASTELNAU Manuel ficou um més em Agadass; ele ouviu dizer que ‘Asben era s6 a sete ou oito dias de marcha. Ele fez uma via- gem pela estrada de Kabra até Bebejé; mas esta aldcia de Kabra no parece ser a mesma que estd indicada nos mapas como sendo 0 porto de Tombouctou, pois Manuel nio tem nenhum conhecimento deste tltimo nome. Ele dé oitineratio seguinte como sendo o mais freqiientemente seguido no pafs: 1°) de Kano, fomos dormir na pequena aldeia de Concoso; 2°) em Cura, também pequena aldeia; 3°) para ade Mondobi; 4°) na aldeia de Bebejé (que outros itine- rérios colocam a seis dias de Kano). O rei tem 0 mono- polio dos bois; nos matos perto da aldeia tem muitos porcos, mas ndo os comemos, assim como em todo 0 Sudo; nessa regio também tem pantanos. 5°) Gua- chinbuana, aldeia situada algumas horas a leste do Quarah que em seguida atravessamos. Viajamos durante seis dias em imensas florestas de solo arenoso e no décimo segundo dia chegamos em Kawan, aldeia pequena perto de um"grande regato; no dia seguinte atingimos Kabra, aldeia grande situada & margem de um rio. De Kano levamos oito dias até Wangara, por uma vasta planicie de areia com alguns pastos; Wangara é uma cidade bastante grande: 1°) de Kano a Panisco, aldeia onde o rei dos haussds, ‘em tempo de guerra’, segundo ‘Manuel, ‘faz tremular nossa bandeira tricolor’; 2°) para ‘Tanja, nas matas e no meio de grandes rochas cheias de panteras etc.; dormimos na mata; 3°) na aldeia de Karou, logo depois dois dias (4 5) na mata. Nos dias seguintes (6 e 7) atravessamos uma regio coberta de prados e de ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 29 pocas d’gua para no dia seguinte chegarmos cedo em ‘Wangara, Neste lugar tem um grande rio chamado Pano, ‘que vai para o lago Tchad pelo Dulumé, mas néo existe ago com o nome de Wangara. Dizem que os habitantes de Wangara vao em doze dias, ou melhor, doze noites, ao lago Tehad; eles, sem dtivida, escolhem essa maneira de viajar para evitar o calor e tam- bém por medo (provavelmente supersticao) de um passa- ro gigantesco que ataca e devora os viajantes durante dia, e cujas dimensées dizem que iguala as de uma casa haussé. Manuel nunca viu, mas muitos dos seus compa- triotas Ihe falaram e ele acredita na sua existéncia. Foi em Kano mesmo que Manuel viu um branco pela primeira vez, mas ele usava um traje oriental (egipcio ou tripolitano?). “Pessoas dessa cor de vez em quando apa- recem com mais um ou dois juntos; eles tém uma barba longa e sio figis (maometanos); nés os chamamos de ‘Toura-wa. Eles vém do leste.” Foi em Rabat, cidade situada & beira do Quarah (Niger) que pela primeira vez ele viu brancos vestidos & moda eu- ropéia. Eles estavam em uma grande embarcacio e, a 4gua nao sendo bastante profunda para permitit que descessem © rio, ficaram mais ou menos um més, ¢ depois voltaram no ano seguinte, Eles eram muito numerosos, faziam comércio ¢ colhiam muitas informagées sobre 0 pais; al- guns entre eles procuravam por péssaros e por insetos: na segunda vez eles s6 ficaram quinze dias. Jé se passaram oito 30 FRANCIS DE CASTELNAU anos desta viagem (1842 ou 1843);? a aldeia depois foi devastada e quase destruida por uma guerra terrivel; ele nao reviu brancos sendo em Eko (Onim), onde ele foi vendido. ‘Manuel foi feito escravo em Bargou, em uma expedi¢ao militar contra esse pafs. Para af chegar ele seguiu o seguinte itinerdrio: 1° dia, de Kano a Kopa (aldeia); 2° dia, para al- deia de Kouquis 3° dia, dormiu no mato; 4° dia, em Zozos 5° dia, em Caraguay (aldeia); 6° dia, na aldeia de Nouca; 7° dia, na aldeia de Carou (rio pequeno que vai para leste); 8° dia, em Uchuba (aldeia & beira-rio); 9° dia, na cidade de Congom; 10° dia, em Goumna (cidade grande); 11° dia, aldeia de Taquinas 12° dia, na aldeia de Jangaro; 13° dia, em Gariguari, no alto de rochas elevadas, nas matas; 14° dia, em Jiguy, aldeia sobre o Quarah, embaixo de Rabat: le atravessou o rio; 15° dia, em Charaqui, na margem cpos- ta, mas mais embaixo, penetraram ento em uma grande mata € pouco depois cafram em uma emboscada que os bargawas (nativos de Bargou) haviam preparado. A maior parte dos companheiros de Manuel foi morta; ele ia escapar quando seu cavalo foi abatido, atingido por uma flecha no peitoral e rapidamente lhe prenderam os bragos. Desta maneira, ele foi levado para Illory, que € apenas. a um dia de marcha de Quarah. “Dia seguinte fomos para Agouamacho, cidade grande dos nag6s”, aos quais foi ven- uponho que Manuel encontrou a Eri6pia, comandada pelo eapitao Bancrott, que penetrou até Rabat € um pouco mais absixo. Mas entio hhaveria um ligeito erro de datas, pois esta viagem é em 1840. Nenhuma das expedigées subseqiientes tornou a subir to alto no Quarah, ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 31 dido; ele ficou af por algum tempo, depois fizeram-no via- jar durante quatro noites para chegar em Abaicouto, ou- tra cidade grande dos nagés; embarcaram, seguindo viagem por um rio chamado Lododoudo,? que em trés dias 0s conduziu a Guebo (Yebou?), onde ele foi comprado por gente de Eko, local que eles atingiram na mesma noite. Esta aldeia € conhecida pelos brasileiros sob o nome de Onim; ela est4 situada a beira do rio de Lagos. Nos interrogatérios subseqiientes Manuel ainda deu as seguintes informacdes: Ammon, Gerey e Peti sio aldeias que ficam no alto de um platé muito elevado; para se chegar lé existe s6 uma vere~ da estreita talhada nas rochas e que os habitantes destruf- ram quando os haussés quiseram invadir seu pais e eles assim continuaram independentes. Os habitantes de Ammon sio antropéfagos, matam todos aqueles que en- contram nas estradas; mas, uma vez que os estrangeiros consigam chegar até eles, eles os recebem ¢ tratam com hospitalidade. Manuel fez uma viagem ao pais de Adamah: 1° dia, de Booché até Miri (aldeia perto de um pequeno rio); no 2? dia passou a noite nas matas, ao pé de uma montanha; 3° dia, para Mantol; 4° dia, em Mina-Boclara, cidade gran- de perto de um pequeno rio; ela também esté situada a0 "Este rio parece ser aquele que esté indicado com o nome de Ochou no ‘mapa do golfo de Besin, que consta da obra de M. Bouet-Villaumez: Des- cricao ndutica das costas da Africa Ocidental. 32 FRANCIS DE CASTELNAU pé de uma montanha, ou segundo Manuel, de um grande muro de rocha; 5° dia, em Chalis 6° dia, em outra aldeia no mato; 7° dia, na pequena aldeia de Coundoum; 8° dia, ‘em uma aldeia; 9° dia, em Booli, cidade ao pé de uma muralha de rocha muito alta, sobre a qual chove todos os dias; 10° dia, em Bolou, sempre ao pé da muralha de rocha, Em seguida entramos na regio arborizada do Lan- chandon, que atravessamos em quatro dias; depois, du- rante outros trés ou quatro dias, s6 se encontram por ali “algumas chogas esparsas; e pelo 19° dia chegamos a Cuancha, residéncia do chefe, que é um marabu chama- do Mandibou-Adamah, A cidade é muito grande. Manuel ficou af cinco dias e depois seguiu adiante; a trés dias ¢ meio de marcha, encontrou um grande lago cheio de con- chas fluviaveis; este lago tem o nome de Jurara. Os habi- tantes de Adamah nao usam outra roupa a ndo ser uma pele de carneiro que eles prendem ao redor do corpo. ‘Manuel também fez. uma viagem a O€ ou Aouai, onde existem salinas: 1° dia, de Kano a Dawaqui, aldeia; 2° dia, a Sacua, aldeia onde passa o rio Coquinsaqua; 3° dia, al- deia de Quarcos 4° dia, para Boché, aldeia; 5° dia, na pe- quena cidade de Tacay; 6° dia, para Andaca, aldeia; 7° dia, para Gaya, aldeias 8° dia, a Douichi, aldeia (tem um pe- queno rio que vai para o lago Tchad); 9° dia, para Coudouboda, aldeia grande; 10° dia, a Aquila, id.; 11° dia, para Guaran, aldeia grande onde passa um lindo rio (Logan) que vai para o Tchad; 12° dia, foi para Zagaina, aldeia; 13° dia, para Gaidoa, aldeias 14° dia, em Zama, aldeia ¢ ria- cho; 15° dia, para Bozum, aldeia; 16° dia, para Zorou, al- ENTREVISTAS COM ESCRAVOS AFRICANOS... 33 deia; 17° dia, para Trouan, aldeia; 18° dia, para Booché, cidade grande a margem de um pequeno rio que vai para o lago Tchad; 19° dia, para Zungun, aldeia; 20° dia, para Djungum, aldeia; 21° dia, dormiu nas matas, passou por um riacho; 22° para Nachandan, aldeias 23° dia, para Oisay, aldeia na margem do rio Papou que vai para o Tehad; do 24° ao 28° dia, nas matas em cuja safda se encontra uma planicie onde estd a cidade de O€. Nessas matas, sobre as quais acabamos de falar, Manuel diz que foi atacado por uma enorme serpente chamada meesa, que come um boi inteiro etc. e que, segundo a sua descricio, teria mais de dez ou doze metros de comprimento (sem divida, uma espécie de piton). Ele ficou toda a noite escondido nos galhos de uma érvore, em conseqiiéncia do medo que a serpente lhe inspirou, Uma outra vez, ele encontrou 0s ovos a meesa; eles eram em namero de sete, de forma oval € podiam ter uns trinta centimetros de comprimento; esta- vam todos juntos em um buraco no meio de um mato es- pesso. O€ é uma cidade muito grande. Manuel comprou af uma carga de sal que depois vendeu em Kano, seguindo pelo mesmo caminho. Trouxe também muitas plumas de avestruz (jimina). Alias, este passaro se encontra em todo 0 Sudao; ndo se come a sua carne, mas hé muita procura pelas suas plumas que s4o vendidas na costa.

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