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TEORIA DA COMUNICACAO ETEORIA DA RECEPCAO Jacques Leenhardt A sociologia, prande sonto cientifico ¢ politico do século XIX, esti sempre redefinindo xcu objeto, a “soviedade”, na medida em que este escapa aos coneeitos que pensavam compreendé-lo, Podemos ver nista a prova de sua vitalidade, sendo a crise, sob este ponlo de vista, uma das modalidades da propria vida intelectual, sua forma mais comum, mes- mo se somos acostumudos a opor normilidade ¢ crise, A soviglogia da comunicagio social também nao escapa dessa cri se. Quando podiamos ainda crer na unidade da“sociedade”, acteditiva- mos poder deduzir dela uma sistematicidade que conferia a cada fend- meno sua I6gica ¢ seu ugar funcional. Quando todo é dado, as regras do jogo se deduzem de maneira comada © nao contraditéria. Nao € preciso relembrar aqui a dtivida que se instalou nas espititos sobre tais coerdncias. Seu efeito sobre u (eoria social tomou particularmente forma de uma discussao renovada sobre o lugar da comunieagio no so- cial a fal ponto que, para alguns, até mesmo a formula cufemistica “o so- cial” seria ainda um efeito ilusdrio, estande “o social”, por sua vez, morto depois que “a sociedade" desapareceu sob 0 efeito erosivo de uma comu- nicagio tio multipla que, por lim, nao tinha um objeto real detezminavel. E dentro desse contexto de odares cudavéricos que se caloca a ques Kao da pra jeriiria, até ent4o pouco honrada pelos sociGlogos pois ap: fentemente muito minoritiria ou elitista. Portanto, ao mesmo tempo que n6s nos inicrrogamos sobre a decomposicio desse todo social, poderia scr de algum interesse visitar a priitica da literatura, a qual, por individual que elit seja, ativa, A sua maneira, aquilo que constitni o damage de toda eon- cepgao de vida em sociedade: o sistema de relagdes sociais. Nao fultam os pressiigios que anunciam ou lamentam a morte da literatura, e ainda mais ada Ieitura, esta tendo sido eliminada, como se neues Leenhardt ¢ Director de estucies da Beole des Hautes Etudes en Sciences So cinles. de Paris ‘Texto traduvide por Renata B. Proenga. Anos 90. Ports Alegre, n.8, dezombso de 1997 7 diz, pela cultura de massa, pela televisio e, secundaciamente, pelo cine- ma. Sem duvida, uma nova concorréncia surgiu com o universe ficcio- nad instenidnco Wazido pele filme de cinema ou televisio. No entanta, seria equivocado desprezar os fendmenes ligados a experiéneia do tari- verso ficeionad prolongade que instaura a leitura. Sua temporalidade par- ticular, feita de duragio, de possibilidades de retorno, e mesmo de ante- cipagio do final, faz da Ieitura de livro uma possivel operagio sobre & ficeional que a seqiléncia abrigatdria do desenrolar cinematogratico nio permite. Fm conseqiiéncia, ¢ apesar da concorréneia que Ihe é feita, a icitura permanece uma experiéneia singular que exige nossa atencao. Assim sendo, desde ja limitaremos estas reflexces a uma parte teratura: a ficgdo romanesea, Para © nosso propésito, esta restrigao se jus. tifica pelo fato de que esse setor da pritica litersria, tanto a eserita quanto a leitra, € marcada desde sua origem por uma obstinada vontade: a) de atribuir agdcs a personagens que sejam “compardveis”’ o mais possivel com aqueles que poderiam freqtiontar ou conhecer todo ¢ qual- quer leitor, b) de facilitar 4 identificacao do leilor com situagdes e personagens ficticios: ©) de produzir um mundo verossimil, eu ae menos possivel, a par~ tir de situagdes exemplares. O estado de crise permanente em que se encontra a sociologia deve- se em boa parte ao fato de que clt munca chegau a dominar a contradi- gio que a funda: de ser um sonho de totalidade naseide em plone avango do individualismo, por definicao fracionfrio. Sistema social ¢ organiza- gio psiquica individual ficaram por este fato come as polaridades de um pensamento que ir preferir estabelecer suas certezas em cima de duas disciplinas separadas —a sociologia ¢ a psicologia — antes de enfrentar a ambivaléncia epistemoldgica e metacalogica que em segredo ele renun- ciava colocar, mas que desde ento 6 preocupa, Portanto, nesse sentido, a pratica litertria oportuniza calocar em prética (metre en oeuvre) essa ambivaléncia, sem precisar preocupar- se Com us Compartimentagens disciplinares. Per nao ser regido por ne- nhuma regra, o romance escapa das cocréncias ilusdrias que organizam © espitito disciplinar, mesmo gue, em contrapartida, cle deva evidente- mente renunciar ao estatuto de verdade. Ele mio tem vocagio para a ver dade, tal qual a ciéncia a define segundo scus principios, e no entanto cle nfio saberia ser reduzido nem 4 ilusie — a qual em toda hipétese nio s Anos 90 contetidy semantico corresponde ao sistema de valores cao sistema nor- mativo da coletividade que o aeolheu: ‘Toda abra de arte € um signo auldnomo composta de a) “A obra material® que tem o valor de um simbolo sensivel. b) “OQ abjcto estético” que se enraiza na consciéneia coletiva e ocupa © lugar clo “senda”, ¢} Da relacao com um objeto indicade que nao visa a uma existen- cia particular definfvel — na medida em que se consiste de um signo au- ténomo —, mas sim o contexto global de todos os fendmenos sociais (ci éneia, Lilosofia, religida, palitica, economia) de um meio especitico (1966, p. 88) Pierre Zima (1985, p. 203) comenta assim a contribuigao de Muka- rovsky Na perspectiva aberta por Mukarousky, a leitura aparece como wn processo coletive irredutivel ds reagdes estcticas de leitores indive- duais. Aina que @ teitura (de um romance on de um paca} seja quase sempre individual, ela € insepardvet do sistema normativo da coletividade ou das caletividades as quais pertencem o individeo. Hans Robert Jauss (1978), baseando-se em Mukarovsky e Gadamer, na inserigie histérica de toda leitura (e releitura) de textos liter’ tibs, propando uma neva versio do conceite de sorizonte de espera (hterri- zon d’attente) elaborado por Mannheim ¢ pela hermeneutica literaria Ressituando a significagio literaria na histéria, e na propria socio- Jogia, as novas teorias da literatura chamavam a atengde sobre uma ati- Jade até entéo negligenciada: a do leitor. Tomavamos consciéncia de que para existir a literatura era necessaria nao sd que ela tomasse a for- ma imdyvel de um “texto”, um simbolo material ¢ sensiv 1, mas igual- mente que ela fizesse objeto de uma “concretizagao” (Ingarden) pelo ato da leitura, tornando-se assim um “objeto estética” (Mukaravsky) Essa leitura, considerando desde entia a estética, a cisthesis aris- tatélica, nilo podia mais aparecer somente como um exercicio inteligen- te de decriptagito, do qual participariam disciplinus cada vez mais finas ¢ tigorosas. Um deslocamento de interesse acompanha, de fato, esas in lerrogagoes que conferem & atividade construtiva dt Jeitura um nove papel em didlogo com as forgas determinantes proprias 8 estrulura textual (se= midtica, idenlogica, etc.) insisti Lo Anos 90) contetida semiintico corresponde ao sistema de valores ¢ ao sistema nore mativo da coletividade que o acolheu: ‘Toda obra de arte é um signo autdnome composte de: a) “A obra material que tem © valor de um simbolo sensivel b)“O abjeto estético” que se enraiza na consciéneia coleliva-€ acupa © lugar do “sentido” ©) Da relacao com um objeto indicade que nao visa a uma existén- cia particular defin{vel — na medida em que se consiste de um signo aue ténome—, mas sim o contexto global de todos os fendmenos sociais (ci éncia, lilesofia, seligiao, politica, economia) de um meio especifico. (1966, p. 88) Pier rowsky Zima (1985, p. 203) comenta assim a contribuigao de Muka- Na perspective aberta por Mukarousky, a leinire aparece como wn processe coleitve irredutived as reagdes estéticas de teitores ineivi- dutats, Ainda que a leisure (de tm remance om de win pocua) seja quease sempre individual, ela € insepardvel do sistem normativo da coletivicucle ou das coletividades as quuis pertencean o individtio. Hans Robert Jauss (1978), haseando-se em Mukarovsky e Gadamer, stiri na inscrigiv histériea de toda Ieitura (e releitura) de textos litera odo conceilo dehorizonte de espera (ieori- rivs, propondss uma nova vers: 2on d'attentc) elaborady por Mannheim ¢ pela hermencutica literdria. Ressituande a significagio literiria na histéria, e na prépria socio- Jogia, as novas teorins dit literatura chamavam a atengia sobre uma ati- vidude até entau nealigenciada: a do leitor. Tomavamos consciéncia de que para existir a literatira era necessdrio nao s6 que ela tamasse a for mia imovel de um “texto”, um simbolo material e sensivel, mas igual- mente que ela fizesse objeto de uma “concretizagio” (Ingarden) pelo ato da leitura, tornando-se assim um “ebjeta estético” (Mukarovsky). Essa leituru, considerando desde entio a estética, a aisthesis aris- fotélica, nfio podia mais aparecer somente come um exereicio inteligen- te de dectiptacio, de qual part jam disciplinas cada vez mais finas erigorosas. Um deslocamento de intetesse acompania, de fate, essas in- lerrogaedes que conferem a atividade construtiva da leittra um novo papel em didlogo com as forgas determinantes proprias d estrutura textual (se= midtica, ideoldgica, etc) to. Anos 90

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