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0,que ha de.errado com A PREGACAO DE HOJE ? Todos os fracassos na pregacéo de nossos dias envolvem, basicamente, as falhas do homem que prega e da mensagem que ele anuncia, e essas coisas ndo podem ser separadas uma da outra. Este sermdao, entreque com autoridade e conviccao por Al Martin, deve fazer o ministro interessado descobrir debilidades, latentes ou reais, em seu proprio ministério pastoral, expostas pela luz perscrutadora da Palavra de Deus: “Rogo ao Senhor que Ele torne real para mim que muitas das pessoas para quem olho de frente, possivelmente ouvirao aquelas terriveis palavras: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno’. (Mateus 25:41). Sinto que preciso rogar a Deus para que torne real para mim a experiéncia de que as pessoas Cujas vozes me dizem a porta da igreja: “Muito agradecido pelo seu serm4o, pastor’, poderiam ser as mesmas vozes que algum dia estarao proferindo aqueles gritos de terror e agonia dos condenados. Preciso solicitar de Deus que me ajude a dar crédito a essas coisas, para que me ajude a anuncia-las de tal maneira que outras pessoas reconhecam que realmente acredito nelas. A verdade que requeimava no domingo, pode tornar-se fria come o gelo na segunda-feira. A verdade que resplandecia no gabinete de oragao, no sAbado, pode mostrar-se destituida\de vida, no domingo. As verdades que recebemos enquanto estamos esperando em Deus, sé podem ser mantidas em seu calor dentro do mesmo contexto de espera no Senhor’. O QUE HA DE ERRADO COM A PREGACAO DE HOJE? Traduzido do inglés: What's wrong with preaching today? Copyright © The Banner of Truth Trust 2.° Edicgéo em Portugués — 1991 Todos os direitos reservados. E proibida a reproducao deste livro, no todo ou em parte, sem a permissdo es- crita dos Editores. EDITORA FIEL DA Missao Evangélica Literdria Caixa Postal 81 12.201 Sao José dos Campos, SP Distribuido em Portugal por: Edicgdes Peregrino Lda. Zona J de Chelas Lote 549 r/c-D 1900 — Lisboa — Portugal INDICE IMtrOdUGAO oo. e eee ccccceeceseestsceccueesseeeeneceess 5 O HOMEM .........cccceccescesssscssernsenssetrsceeess 7 ~ Vida devocional do pregador ............. 12 Oracdo secreta wo... cceeecceeees 16 Piedade pratica ...........ccccccccssceeeeeeenes 21 Pureza de MOotivos .........ccccccccssseeeecsees 24 A MENSAGEM ....0.. oo. ccccccesscsesecsscesseescense 29 Contetido biblico oo. eeeeseeesseseeees 30 Substancia doutrinaria ..0..........ccccceees 31 Aplicagdo pratica .....0... cc eeeeees 32 A maneira de expor a mensagem ...... 39 INTRODUCGAO A guisa de introdugao, permita-me dizer algo a respeito das fontes de minhas observa- goes. Se tivesse de fazer afirmativas finais e ab- solutamente exatas acerca do que anda erra- do com a pregacao destes nossos dias, um pre- gador precisaria ser onisciente. Ea tarefa exi- giria que tal pregador ouvisse todos os tipos de pregagao; e que fosse investido de infaliveis dons de analise, com base nos quais fizesse de- claragées oficiais e pomposas. Obviamente, nao me considero possuidor de qualquer de tais qualificagées. Assim sendo, embora as minhas fontes informativas sejam bastante limitadas, confio que as observacoes aqui oferecidas se- jam validas, a despeito de tudo. Tenho tido o privilégio de passar cinco anos ocupado em um ministério itinerante de tempo integral, durante O qual estive em contato com grandes seccdes da vida evangélica, em varios paises. Durante os seis anos subseqiientes de pastorado, minis- trei em certo numero de igrejas e em conferén- cias para varias denominagées evangélicas. Mi- nhas fontes informativas, portanto, sdo as coi- sas que vi e ouvi, nesses meus ministérios. Também quero dizer algo sobre o padraéo de comparacao. Uma coisa qualquer pode ser julgada boa ou md em termos de sua proximi- dade ou nao de um padrao absoluto. Natural- mente, dentro do campo da prega¢éo boa e efi- caz, nao existe nenhum padrao abrangente e unico. Todavia, acredito que das Escrituras po- demos deduzir um padrao preciso do que seja a boa pregacao, examinando os sermées dos 5 profetas, dos apéstolos e de nosso Senhor Je- sus Cristo. E uma outra base de confronto acha- se nas vidas, no ministério e nos sermées dos grandes pregadores dos séculos passados. Ao empregar a expressao “grandes pregadores’, nao estou pensando naqueles individuos que se tornaram famosos primariamente por sua habilidade de adornar a verdade de Deus com grandes efeitos de oratéria, ou que ficaram bem conhecidos por sua eficiéncia na arte da elo- cugdo. Antes, estou pensando em pregadores que foram instrumentos nas maos de Deus, ca- pazes de conduzir outros homens na diregao do Senhor. Dentro dessa categoria particular, eu incluiria homens como Whitefield, M’Chey- ne, Spurgeon, Edwards, Baxter e Jodo Bunyan. Usando como padrao basico os sermées deles, bem como o efeito de seus respectivos minis- térios, espero ser capaz de estabelecer algumas comparagées validas entre o ministério deles e o ministério de pregadores de nossos dias, para que assim possamos detectar a lamenta- vel auséncia de pregacao eficiente nestes nos- sos dias, descobrindo nesse processo algumas das causas dessa deploravel condi¢ao. Como, pois, poderiamos abordar tao vas- to assunto? Quero sugerir que todo o fracasso na pregagao da atualidade depende, basica- mente, da falha do homem que prega ou da mensagem apresentada por ele. Nao ousamos separar esse duplo fator — o individuo ea sua mensagem — porquanto ha uma intima fusao entre o homem e a sua mensagem na obra da pregacao. Consideraremos © que esta errado na pregacao da atualidade, antes de tudo em ter- mos do pregador, e somente entao em termos da mensagem que ele anuncia. 6 O HOMEM Meditemos juntos sobre o que ha errado com a pregagao, em termos do homem que pre- ga. Desejo exprimir um principio que é ilustra- do nas Escrituras Sagradas, para em seguida aplica-lo a diversas areas especificas. Esse prin- cipio é o seguinte: a menos que queiramos de- gradar a pregacao ao nivel de mera arte da elo- cugao, nunca poderemos olvidar-nos de que o solo onde medra a pregacdao poderosa é a pro- pria vida do pregador. Essa é a grande ques- tao que faz a arte da pregac@o ser diferente de todas as demais artes de comunicagao. Uma atriz famosa pode ser bem conhecida pelos seus erros na vida “moral”. Pode estar viven- do como viveria uma prostituta qualquer. Ape- sar disso, pode subir a um palco, e desempe- nhar com tanta arte a vida de Joana D'Arc que 0 auditério inteiro prorrompa em lagrimas. A maneira dela viver diariamente pode néo ter qualquer relacao direta com 0 exercicio de sua profissao. Um ator igualmente devasso em sua vida pessoal, pode subir 4quele mesmo palco para desempenhar o pape! de Martinho Lute- ro, fazendo-o com tal maestria que sentiremos arrepios na espinha, deixando-nos resolvidos a ser homens e pregadores melhores. Uma vez mais, no entanto, pode n&o haver nenhuma re- lagao direta entre como aquele ator vive dia- riamente e a sua entrada no palco e seu sub- sequente desempenho. Todos admitem prontamente que as Escri- turas nos ensinam que surgem ocasides em que aparecem em cena homens dotados de nota- - ¢ veis dons ministeriais, mas que sao destitufdos da divina graca santificadora (ver Mateus 7:21-23). A histéria da Igreja também registra os feitos de individuos que foram soberanamen- te usados por Deus, no exercicio dos dons mi- nisteriais, e que, a despeito disso, mostraram nao ser possuidores da graca santificadora. Creio, porém, que esse problema particular de ludibrio aplica-se primariamente aqueles ocu- pados no tipo de ministério que Ihes permite nao residir por muito tempo entre os seus ou- vintes, o que impede que suas vidas diarias con- tribuam ou detratem do impacto de seu minis- tério. Assim, limitando esse principio ao con- texto da pregacdo pastoral, acredito que se trata de uma regra valida (com pouquissimas exce- ¢6es) aquela que diz que a pregacao poderosa esta fundamentada sobre o solo da vida diaria do pregador. Alguém ja declarou: “A vida de um ministro é a vida de seu ministério’. Se a pregacao, em tltima analise, é a transmissdéo da verdade por meio de algum instrumento hu- mano, entao a verdade particular que é trans- mitida tem o seu efeito incrementado ou dimi- nuido pela vida através da qual ela se expres- sa. O segredo da poderosa pregacao de Whi- tefield, de M‘Cheyne, e de outros pregadores que foram mencionados antes, encontra-se, an- tes de tudo, nado no contetido de seus sermées, ou na maneira como tais sermées foram entre- gues. Antes, encontra-se nas vidas desses pre- gadores. Suas vidas eram de tal modo revesti- das de poder, e eles viviam em uma comunhao tao profunda com Deus que a verdade tornava- se uma forga viva, quando chegava aos ouvin- tes, através desses vasos do Senhor. Suas vi- das ungidas tornavam-se o solo de seu ungido 8 ministério. Esse principio é particularmente verdadeiro na vida de qualquer pastor residen- te. Quanto mais vocé e eu formos conhecidos pela nossa gente, havera de aumentar ou dimi- nuir a nossa influéncia, de conformidade com a qualidade de nossas vidas diarias. A fim de ilustrar isso com base na Pala- vra de Deus, permita-me sugerir diversas pas- sagens biblicas para vocé considera-las, nao mediante uma pormenorizada exegese, mas para captar o impacto acumulado da verdade presente nas mesmas. Ao escrever a igreja Tes- sal6nica, a qual Paulo teve o privilégio de fun- dar quando ministrava entre eles, diz o apés- tolo: “. . .reconhecendo, irmaos, amados de Deus, a vossa eleicdo, porque o nosso evange- Iho nao chegou até vs tao-somente em pala- vra, mas sobretudo em poder, no Espirito Santo e em plena conviccdo, assim como sabeis ter sido o nosso procedimento entre vés, e por amor de vés” (I Tessalonicenses 1:4-5), Nesse trecho, 0 apéstolo assevera que ha uma rela- ¢ao direta entre o Evangelho que fora anuncia- do “no Espirito Santo e em plena conviccdo”, e 0 tipo de homem que lhes anunciara o Evan- gelho. Idéntico pensamento é desenvolvido no, capitulo 2 dessa mesma epistola, onde diz Paué lo: ““V6s e Deus sois testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente pro- cedemos em relac¢do a vés outros que credes” (v. 10). E novamente, no versiculo 13: “Outra razao ainda temos nos para incessantemente dar gragas a Deus: é que, tendo vés recebido a palavra que de nés ouvistes, que-é de Deus, acolhestes nao como palavra de homens, e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, esta operando eficazmente en- 9 tre vés, os que credes”. Sim, ha uma relacaéo vital entre esses dois fatores. Diz o apéstolo, por um lado: “Sabeis qual foi o nosso comporta- mento entre vés’’; e, por outro lado: “Sabemos como recebestes a Palavra de Deus”. Esses dois fatores nado podem ser isolados um do outro. Paulo e seus companheiros apresentavam-se como exemplos vivos do poder transformador da Palavra de Deus, de tal modo que quando anunciavam a Palavra, ela chegava com toda a autoridade aos ouvidos dos seus ouvintes. No- temos, por conseguinte, que o apdéstolo nao evi- tou usar a sua maneira de viver como um tes- temunho pessoal, a fim de emprestar maior va- lidade ao seu ministério de pregagao. Em Tito 2, ha instrugdées detalhadas sobre o que Tito deveria pregar e ensinar. Ordena-lhe Paulo, no versiculo 7: “Torna-te, pessoalmen- te, padrao de boas obras”. Em outras palavras, na qualidade de ministros de Deus, nao somen- te devemos proclamar as coisas certas, median- te preceito, mas também cumpre-nos reforg¢a- las mediante o exemplo certo. Além disso, co- mo é natural, temos aquela passagem classi- ca sobre o assunto, que é | Timdteo 4:16 — “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Con- tinua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvards tanto a ti mesmo como aos teus ou- vintes”. Em esséncia, 6 como se Paulo estives- se dizendo: “Timéteo, a negligéncia em tua vida pessoal resultara, de alguma maneira, em um frouxo cumprimento de tua responsabilidade para com as almas, sobre quem o Espirito San- to tornou-te um supervisor. O fracasso em cui- dares desse particular, em tua prépria vida, re- sultara no fracasso de contemplares o propé- sito salvaticio de Deus operando nos coracées 10 daqueles para quem tiveres de ministrar”. Fiz essas observag6es como alguém que acredita sem reservas nas declaragées paulinas da verdade concernente a imutabilidade do pro- posito de Deus e 4 certeza da salvacao de to- dos os Seus eleitos. Contudo, ndo devemos es- premer para fora dessa passagem de | Timé- teo a sua implicagao ébvia, a saber, que Timé- teo nunca seria aquele instrumento de Deus, que poderia ser, a menos que cuidasse bem da qualidade de sua prépria vida diadria, e entaéo da qualidade de seu ensino. E interessante observarmos que, em rela- ¢ao aos ancidos dedicados ao ministério do en- sino, conforme se vé nos trechos de I Timéteo 3:1 e Tito 1:6, o primeiro requisito para quem esteja aspirando a esse oficio nado é de nature- za doutrindria, e, sim, experimental. “Se al- guém aspira ao episcopado, excelente obra al- meja. E necessario, portanto, que 0 bispo seja. .’ — e qual é a primeira palavra que aparece depois disso? “. . .irrepreensivel’’. O pastor de- ve ser um homem conhecido por sua piedade consistente e pratica. E, na passagem da epis- tola a Tito, a porcao final fala de uma das exi- géncias: “.. . apegado a palavra fiel. . ’’ E, no entanto, o primeiro requisito frisado diz respei- to a vida diaria do ministro. Por qual razdo? Pela simples razao que Paulo vivia e ministrava sob essa convicc¢ao, que a vida do ministério de um homem depende da vida do prdprio ministro. Acredito que essas passagens sao suficiente- mente claras para enunciar o principio que te- mos destacado, embora muito mais poderia ser trazido a tona, a fim de estabelecer esse ponto em particular. Para mim, nao constitui nenhu- ma surpresa que a pregacao esteja atravessan- 11 do dias dificeis, quando as claras prioridades dessas exigéncias ministeriais tém sido rejei- tadas por parte de muitos. Nos concilios de con- sagracgao ministerial, os individuos sao subme- tidos a teste, durante horas, na tentativa de se descobrir a sua capacidade de refutar os here- ges sobre minusculas questées teolégicas, ao passo que qualquer indagacado raramente é feita a respeito da piedade pessoal e doméstica, fa- tores esses que 0 apéstolo Paulo colocava no alto da lista des requisitos ministeriais. VIDA DEVOCIONAL DO PREGADOR Por meio da observagao pessoal de minhas proprias debilidades e das debilidades de meus irmaos de ministério, sinto-me forgado a con- cluir que a prega¢ao de hoje em dia mostra-se ineficaz por causa de nosso fracasso de nao ser- mos vigilantes quanto a diversas 4reas da vi- da. Em primeiro lugar, temos a 4rea da vida de- vocional do individuo. Eu ja havia dito que al- gumas dessas conclusoes alicercam-se sobre minhas préprias observacées, feitas enquanto eu percorria as igrejas, como ministro itineran- te. Uma das mais perturbadoras descobertas feitas durante aquele periodo foi o fato que pou- quissimos ministros tém habitos devocionais pessoais e sistematicos. Estabeleci a pratica de reunir-me com o pastor anfitriao com o intui- to de orar com ele e de compartilhar com ele de areas de interesse mutuo. Quando, finalmen- te, derrubaévamos a maldita fachada do profis- sionalismo, e comegavamos a ser honestos com o Senhor e um com o outro, confessando os nossos pecados um ao outro e orando um pe- 12 lo outro, entao continuamente vinha a tona a confissao de que a Palavra de Deus deixara de ser um livro de relagéo devocional com Cristo, tendo-se transformado em um manual oficial para a administragao de meros deveres profis- sionais. Seria motivo de surpresa que o minis- tério de tais homens fosse assinalado pelo de- sequilibrio na 4rea doutrinaria? Seria motivo de admiragao que prevalecesse tao grande frie- za no coracao desses ministros? Nao é mesmo para admirar que haja tao pouca intima e pers- crutadora aplicagdo das Escrituras, quando a grande maioria dos pregadores contempora- neos admite que eles nao se deixam expor sis- tematicamente ao Livro de Deus, com o pro- posito de obterem ali a iluminacdo pessoal e a santificagao. Em II Timéteo 3, um capitulo que tanto gostamos de citar quando queremos demons- trar a verdade da inspiragao divina e da auto- ridade das Escrituras, ha uma recomendacao que nos é dirigida como servos de Deus, um conselho dos mais sondadores. Diz 0 apéstolo Paulo a Timéteo, no versiculo 15: “. . . desde a infancia sabes as sagradas letras. . .” E entéo 0 ap6stolo mostra-nos qual a primeirissima fun- ¢ao das Escrituras: “. . . que podem tornar-te sabio para a salvagao, pela fé em Cristo Jesus”. E como se ele tivesse dito: “As Escrituras conduziram-te a f€ em Jesus Cristo e a salva- ¢ao que nEle ha. Mas, Timéteo, essa nao é a unica fungao das Escrituras. Toda Escritura é inspirada por Deus, e Util para o ensino, para a repreensao, para a correcdo, para a educacéo na justica, a fim de que o homem de Deus se- ja perfeito e perfeitamente habilitado para to- da boa obra’. Notemos que Paulo declara ex- 13 plicitamente que as Escrituras inspiradas tam por finalidade aperfeicoar e amadurecer o ho- mem de Deus. Em outras palavras, a inteireza da revelacdo divina deveria ter, como sua fun- cao primaria, a santificacdo pessoal da vida do servo de Deus. Nenhum pregador tem o direi- to de pregar, simplesmente porque possui o dom de analisar textos e a capacidade de explica-los ao longo de sua exposicao. Se a Pa- lavra que ele prega a outras pessoas, antes de tudo nao serviu de instrumento para seu pré- prio doutrinamento e para sua propria santifi- cacao, ele ndo esta capacitado a anuncia-la a outras pessoas. Essa é a funcdo da Palavra de Deus na vida do pregador, e essa funcdéo sem- pre deve ocupar o primeiro lugar. Na qualidade de pregadores, vocé e eu so- mos, antes de mais nada, cristaos; e somente em segundo lugar é que somos ministros do Evangelho. Ora, essa ordem de coisas jamais deveria ser revertida. Vocé e eu devemos exer- cer vigilancia sobre nés mesmos; e entao, e so- mente entao, sobre a nossa doutrina. Cumpre- nos salvar primeiramente a nés mesmos, e en- tao aqueles que nos déo ouvidos. Jeremias de- clarou: “Achadas as tuas palavras, logo as co- mi; as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coracao. . .” (15:16). Com demasiada fre- qléncia, porém, vemo-nos forcados a confes- sar como segue: “Achadas as tuas palavras, lo- go as examinei, e tuas palavras foram para mim a forma e a substancia de um sermao, em meu intelecto”. Em contraste com isso, o profeta que chorava péde dizer: “Tuas palavras foram acha- das e eu as assimilei pessoalmente — experi- mentei o poder transformador delas em minha prépria vida’. Era precisamente isso que Pau- 14 lo recomendava a Timéteo, quando lhe escre- veu: “Permite que a Palavra de Deus te instrua. Obtém tuas instrugdes doutrinarias de joelhos, com a Biblia aberta a tua frente, a fim de que os principios da verdade nao cheguem a ti so- mente como frias proposicées, fixadas a super- ficie da tua mente, mas cuida para que che- guem a tua alma, como grandes realidades que requeimam, que atingem as fibras do cora¢ao. Permite que essa Palavra te ensine, 6 Timéteo. Permite que ela te reprove. Permite que ela te vergaste. Permite que ela te corrija. Permite que ela te instrua no caminho da santidade, a fim de que estejas devidamente preparado para to- da boa obra’. Meu préprio coracgaéo sente-se emociona- do, vezes sem conta, quando penso nas pala- vras de nosso Senhor a igreja de Efeso, em Apo- calipse 2. Em primeiro lugar, Ele apresenta uma palavra de elogio. Jesus fala sobre as cor- tetas doutrinas daqueles crentes, bem como de sua fiel administragao da disciplina. Porém, apés esses elogios, diz o Senhor: “Tenho, po- rém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde cafste, arrepende-te, e volta 4 pratica das primeiras obras; e, se nao, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso nao te arrependas (vv. 4 e 5). As cabecgas daqueles antigos cren- tes estavam pensando de maneira correta; suas maos atarefavam-se no servico cristao; mas, seus cora¢ées tinham-se esfriado quanto 4 prin- cipal virtude crista. O Senhor Jesus ensinou- lhes que tao certo como a conservagdo na men- te da correta doutrina, e a continuacgao de obras dirigidas por Deus sao elementos necessarios para que alguém dé testemunho fiel, assim 15 também é indispensavel que 0 cora¢ao do cren- te se mantenha requeimando de amor. Nao houve defeitos nem no intelecto nem nas obras. O defeito deles estava no coragdo, e o Senhor Jesus demonstrou qual seria o resultado, se persistissem nessa falha: “A menos que te cor- rijas, removerei o teu candeeiro de seu lugar”. A luz dessas porcées da Palavra de Deus, a indispensével necessidade da manutencao da vida devocional do pregador é algo percebido com toda a clareza. Deus ordenou-nos que, por esse intermédio, continuassemos cultivando os nossos coragées. A Palavra de Deus deve ser para nos, antes de tudo, aquele Livro ao qual tanto prezamos, porquanto nele vemos o ros- to de Deus a quem tanto amamos, o qual tam- bém nos reconciliou conSigo mesmo por meio de Jesus Cristo. Devemos examinar as suas pa- ginas com grande anelo, porque ansiamos co- nhecer a vontade do Senhor, e anelamos por ser adoradores de Sua pessoa. Deveriamos debrugar-nos com freqiiéncia e longamente so- bre essas paginas sagradas, porque desejamos que 0 nosso servico, e tudo quanto somos e fa- zemos, seja moldado e modelado pelas pala- vras vivas do Deus vivo. ORAGAO SECRETA A pregagaéo esta atravessando tempos di- ficeis, nao somente porque o ministro falha em fazer aplicagao pessoal da Palavra de Deus ao seu préprio coragaéo, mas também porque fa- _Iha quanto a questao importante da ora¢ao se- creta. No livro Lig6es aos meus Alunos — um livro que procuro ler periodicamente — Spur- geon diz: “Dificilmente seria necessdrio recomendar-lhes os agradaveis usos da devo- 16 ¢ao particular, e, contudo, nado posso abster-me de fazé-lo. Para vocés, como embaixadores de Deus, 0 propiciatorio tem valor que ultrapas- sa todas as estimativas. Quanto mais familia- rizados estiverem com a corte do céu, melhor se desincumbirao do seu encargo celeste. “Dentre todas as influéncias estruturado- ras que formam um honrado homem de Deus no ministério, nado sei de nenhuma outra que seja mais poderosa que a sua familiaridade com o propiciatério. Tudo que o curso da fa- culdade pode fazer por um estudante é tosco. e superficial, comparado com o refinamento es- piritual excelente obtido pela comunhao com Deus. Enquanto 0 ministro que ainda nao to- mou forma gira sobre o eixo da preparacao, a oragao é a ferramenta do grande oleiro com a qual molda o vaso. Todas as nossas bibliotecas € escrit6rios s40 uma simples vacuidade, com- parados com os nossos quartos. Crescemos, fi- camos cada vez mais poderosos, prevalecemos na oragao secreta. “A oragao lhes prestara singular assistén- cia na transmissdo do sermao. De fato, nenhu- ma outra coisa pode qualificar-vos tao glorio- samente para pregar como alguém que desce do monte da comunh4o com Deus a fim de fa- lar com os homens. Ninguém é téo capaz de pleitear com os homens como quem esteve pe- lejando com Deus em favor deles. Dizem de Al- leine que ‘ele derramava 0 coragéo quando ora- va e pregava. Suas sUplicas e suas exortacdes eram tao afetuosas, tao cheias de zelo, vida e vigor, que conquistavam os seus ouvintes; ele se fundia sobre eles, de modo que amolecia, derretia, e as vezes dissolvia os mais duros coracées’, 17 “A oragao nao podera torna-los eloqiien- tes a moda humana, mas os tornara verdadei- ramente eloqiientes, pois falarao de coragao; e nao é este o sentido da palavra eloqiiéncia? Ela trara fogo do céu sobre o seu sacrificio, e as- sim provara que € aceito pelo Senhor. “Assim como vigorosas fontes de pensa- mento muitas vezes irromperao em resposta a oragao, enquanto se preparam, também sera na entrega do sermao. Muitos pregadores que se pdem na dependéncia do Espirito de Deus lhes dirao que os seus pensamentos mais vividos e melhores nao sao os que foram premedita- dos, mas as idéias que ilhes vém, voando co- mo que em asas de anjos; inesperados tesou- Tos trazidos de repente por mdaos celestiais, se- mentes das flores do paraiso que vém flutuan- do dos montes de mirra.”! Quando esse resplendor divino desce so- bre algum servo de Deus, todas as suas facul- dades mentais parecem ser incrementadas, e os seus poderes de expressdo e a sua capaci- dade de sentir a verdade de Deus sao expandi- dos além de suas medidas naturais. Ele transforma-se em um outro homem, quando é revestido pelo Espirito. O Espirito Santo, de uma maneira que para nos é misteriosa, precipita-se até nés, em resposta a4 nossa ora- cao. A promessa de nosso Salvador nunca dei- xou de ter cumprimento: “ .. quanto mais o Pai celestial dara 0 Espirito Santo aqueles que lho pedirem?” (Lucas 11:13). E conforme Pau- lo disse em Filipenses 1: “Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa suplica e pela provisao do Espirito de Jesus Cristo, me redun- dara em libertacao” (v. 19). E dentro do con- 1 — Ligdes aos Meus Alunos — V. 3° — pags. 50,53 18 texto da oragao secreta que as realidades eter- nas, com as quais concordamos constantemen- te, tornam-se realidades vivas. Tenho descober- to — e digo isso muito mais como uma con- fiss4o pessoal do que como uma exortacéo — que minhas proprias palavras escarnecem de mim, com exagerada freqiiéncia, quando estou pregando. Para exemplificar, quando posso pro- ferir a palavra “inferno” sem sentir o horror nela envolvido; ou quando posso dizer a palavra “céu” e nao sentir-me aquecido pelo santo res- plendor, a luz do fato que esse é o lugar que meu Senhor esté preparando para mim. Nao encontro outra solugao para esse problema, se- nao ficar meditando longamente sobre as pas- sagens biblicas alusivas a essas realidades es- pirituais, pedindo a Deus que 0 Espirito Santo as imprima a fogo, em meu coragdo. E rogo ao Senhor que Ele torne real para mim que mui- tas das pessoas para quem olho de frente, pos- sivelmente ouvirado aquelas terriveis palavras: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eter- no. . .” (Mateus 25:41). Sinto que preciso rogar a Deus para que torne real para mim a expe- riéncia de que as pessoas cujas vozes me di- zem a porta da igreja: “Muito agradecido pelo seu serm4o, pastor’, poderiam ser as mesmas vozes que algum dia estaraéo proferindo aque- les gritos de terror e agonia dos condenados. Preciso solicitar de Deus que me ajude a dar crédito a essas coisas, para que me ajude a anuncia-las de tal maneira que outras pessoas reconhegam que realmente acredito nelas. A verdade que requeimava no domingo, pode tornar-se fria como o gelo na segunda-feira. A verdade que resplandecia no gabinete de ora- ¢ao, no sabado, pode mostrar-se destituida de 19 vida, no domingo. As verdades que recebemos enquanto estamos esperando em Deus, s6 po- dem ser mantidas em seu calor dentro do mes- mo contexto de espera no Senhor. Se estou len- do corretamente as biografias dos grandes ho- mens de Deus, entao descubro que esse teste- munho é unanime. Todos eles, a uma s6 voz, declaram que se porventura houve algum se- gredo em seu ministério, esse segredo foi 0 se- guinte: o individuo cultivava a sua vida interior na presencga de Deus. Por conseguinte, apresen- to-lhe a proposigao de que ao considerarmos © que esta afetando negativamente a pregacao da atualidade, a caréncia dessa pratica é a raiz mesma do problema. Como é que os homens poderiam ensinar algumas daquelas coisas que ensinam, em no- me da ortodoxia, se estivessem de joelhos, pers- crutando as Sagradas Escrituras? Nao, eles nao estao de joelhos, examinando as Escrituras; e é por esse motivo que simplesmente ficam re- petindo o que seus pares tém dito. Como é que nds, que dizemos que cremos nas doutrinas bi- blicas, poderiamos falar sobre elas de modo tao indiferente como fazemos, se realmente esti- véssemos recebendo essas verdades da parte do Senhor, dentro do contexto de uma viva co- munhao com Ele? Se estivermos recebendo es- sas verdades, no resplendor de Sua presenca gloriosa, entao haveremos de referir-nos a es- sas verdades com o fulgor das chamas do céu em nossas almas. Portanto, o problema da pre- gagao, nestes nossos dias, jaz no préprio indi- viduo que prega, acima de tudo na 4rea de sua vida devocional. 20 PIEDADE PRATICA Uma outra area de derrota, entre os pre- gadores, é a 4rea da piedade prdatica. O minis- tério de um grande numero de igrejas esta sen- do terrivelmente obstaculizado através da au- séncia da piedade pratica na vida dos pastores encarregados de ministrar 0 ensino. F. muito significativo que, em I Timéteo 3, tendo men- cionado que o candidato ao pastorado deve ser alguém dotado de carater irrepreensivel, em se- guida Paulo passa a abordar uma 4rea especi- fica, a saber, ada vida doméstica do anciao em potencial. “E necessdrio, portanto, que o bis- po seja irrepreensivel, esposo de uma sé mu:- lher, temperante, sébrio, modesto, hospitalei- To, apto para ensinar; ndo dado ao vinho, nao violento, porém cordato, inimigo de contendas, nao avarento; e que governe bem a sua prépria casa, criando os filhos sob disciplina, com to- do respeito (pois se alguém nao sabe governar a propria casa, como cuidara da igreja de Deus?)” (vv. 2-5). Portanto afirmo, nado em tom de censura, mas impelido por auténtica preo- cupagao, que muitos pulpitos, de alguns pre- ciosos servos de Deus, est&o sendo tolhidos pe- lo seu fracasso quanto 4 piedade pratica no campo da vida doméstica. Ainda recentemen- te, chegou ao meu conhecimento a dolorosa situagao de um ministro que foi solicitado a re- signar de sua posig&o de pastor de determina- da igreja local por causa da peconhenta lingua de sua esposa. O problema fundamental daque- le pastor nao era a sua Mensagem ou 0 seu mi- nistéric em geral, mas o seu fracasso em con- trolar a sua propria familia, nado tendo conse- guido fazer sua esposa ajustar-se a devida con- 21 duta crista, em relagéao ao pecado da maledicéncia. Como é que nés, os ministros do Evange- lho, ousariamos exortar outras pessoas a serem obedientes a Palavra de Deus, se nds mesmos somos abertamente desobedientes quanto a es- sa questao? Deus assevera claramente que, para estarmos qualificados a ocupar a posicaéo de mestres, em nossas igrejas locais, os nossos proprios lares terao de estar sendo bem gover- nados por nés. Nao que a Palavra de Deus re- queira que nossos lares sejam governados com perfeicdo; e também ela nao diz que temos o poder de infundir a graga divina nas almas de nossos filhos. Porém, se nao possuimos prin- cipios claros, € as nossas préprias vidas nao sao suficientemente corretas, mediante 0 nosso pie- doso exemplo, na direcdo de nossos lares, co- mo poderiamos governar bem a Casa de Deus? Essa é uma questao vital. Faz parte de minhas convic¢ées pessoais que se um pregador nao satisfaz a esse requisito, nao tem o direito de permanecer no ministério, tal e qual como se ele estivesse falhando quanto aos demais re- quisitos basicos. Nao presumo poder avaliar ca- sos individuais, pois trata-se de uma prerroga- tiva de Deus; mas certamente nao pode provir de Deus que, em igreja apés igreja, pouco po- der espiritual manifeste-se no pdlpito, porquan- to a vida do ministro seja tao carente na area da piedade pratica, particularmente quanto as quest6es de sua vida doméstica. Uma outra area da piedade pratica que en- volve um perigo peculiar para o ministro da Pa- lavra € a de sua conversagao comum, nao- profissional. Certo querido servo de Deus, de- clarou: “Ninguém pode ser, ao mesmo tempo, 22 um palhago e um profeta. E cada pregador tem que fazer a sua escolha entre essas alternati- vas’. Isso néo quer dizer que nao devamos ser autenticamente humanos, e que a habilidade natural de rir envolva qualquer elemento de pe- caminosidade, ou que fosse pecaminosa a ale- gria natural que se deriva de um riso que pro- cede do fundo do coragao. Entretanto, 0 esfor- ¢o desnatural de certos pregadores para serem “contadores de piadas”, entre a nossa gente, constitui uma tendéncia que precisa acabar. A transi¢ao de um palhaco para um profeta é uma metamorfose extremamente dificil! Se a serie- dade — nao o espirito carnalmente sombrio, mas a auténtica seriedade — nao for uma das grandes caracteristicas de nossas vidas, em nos- sos contatos com as pessoas, entao igualmen- te nao deveriamos esperar que, quando subi- mos ao pulpito, alguma espécie de processo magico imediatamente fara nossos ouvintes fi- carem tremendo ao som das palavras de Deus. Nossos ouvintes antes pensarao que somos me- ros atores cémicos. Se nunca nos observam considerando com seriedade as realidades eter- nas em situa¢des néo-profissionais, jamais os veremos absortos pela sobriedade dessas ques- toes, ao procurarmos transmiti-las do pulpito. O problema com a nossa pregacao, meus ir- maos, jaz no esfarrapamento de nossas vidas, no terreno da piedade pratica, expressa na vi- da doméstica e na linguagem que usamos a to- das as horas. Mencionaremos ainda um outro aspecto da piedade pratica — o emprego de nosso tem- po util. Basta que os membros de uma igreja suspeitem da preguiga de um pastor para que, embora ele tenha alguma ocasional noite de 23 reuniao de oracao, para rogar a Deus poder pa- ra o seu pulpito, ele nao experimentara esse po- der. Basta que 0 povo suspeite de que seu pas- tor é preguicgoso, e o respeito que faz parte do poder do pulpito, desaparecera por encanto. O fato que nao temos algum reldégio de ponto pa- ra ser marcado, aumenta ainda mais a neces- sidade de que sejamos individuos dotados de grande autodisciplina. Talvez fizéssemos bem em preparar 0 nosso proprio “relégio de pon- to”, conservando o registro de quanto tempo nos dedicamos a ora¢ao e ao ministério da Pa- lavra. Com grande freqiiéncia, tornamo-nos muito eficientes na arte negativa da “catimba’”. Eu descreveria essa habilidade como a capa- cidade de ficar se ocupando em coisas triviais e ndo-essenciais, de tal maneira que engane- mos a nés mesmos e a nossa gente, a fim de que todos n6és pensemos que estamos atarefa- dos com o trabalho do reino de Deus. PUREZA DE MOTIVOS Além daquilo que ja dissemos, ha também a questao importante da pureza de nossos pro- prios motivos. Quao freqiientemente, quando me apresento nas igrejas, ougo algum pastor dizer, mui apologeticamente, porquanto pen- so que eles j4 notaram que a covardia espiri- tual deles tornou-se evidente: “Estou muito sa- tisfeito que vocé esta aqui, esta semana. Ha al- gumas situagdes em que confio que o Senhor dar-lhe-4 a liberdade de ventilar, durante a pré- dica. Ha alguns jovens que se sentam nos ulti- mos bancos, e que ficam brincando o tempo todo, mas nunca falei com eles sobre isso, Tal- vez vocé possa fazer alguma coisa a esse res- 24 peito. Além disso, ha uma outra questado, a sa- ber. . .” — e assim continuam a falar tais pas- tores, exprimindo quest6es que sabem que ha muito deveriam ter sido abordadas, mas que eles nado tém tido a coragem de tentar resol- ver. Oh, irmao, quao urgentemente precisamos de pureza de motivos, se quisermos realmen- te experimentar o poder do alto em nossos pulpitos! Permita-me sugerir trés areas que envol- vem a motivacdéo que nos convém ter: Em primeiro lugar, e supremamente, pre- cisamos levar em conta o temor a Deus. A me- lhor definigéo que conheco sobre o temor a Deus encontra-se no comentario de John Brown sobre a primeira epistola de Pedro, on- de ele emprega dezoito paginas para expor a breve expressao: “‘temor a Deus”. A esséncia das suas notas a respeito daquela seccado é que o temor a Deus é uma atitude ou disposic¢ao em que 0 individuo considera o sorriso de Deus co- mo o seu maior deleite, e, por conseguinte, o seu alvo principal, e o desagrado de Deus co- mo a pior coisa a ser temida e evitada. Um ho- mem que ande no temor a Deus entre os seus semelhantes, como servo deles, mas com os olhos fixos no sorriso ou no desagrado do Se- nhor, € o homem cujo motivo é tal que a sua lingua mostrar-se-a liberta a fim de exprimir a mente de Deus. Disse o Senhor a Jeremias: “,..nao te espantes diante deles, para que eu nao te infunda espanto na sua presenga. . . Pe- lejarao contra ti, mas nado prevalecerao; porque eu sou contigo, diz o Senhor, para te livrar” (1:17 e 19). Antes dessa oportunidade, Jeremias ha- via dito ao Senhor Deus, ao ser indicado para o Oficio profético: “Ah! Senhor Deus! Eis que 25 nao sei falar; porque ndo passo de uma crian- ga” (1:6). E Deus havia retrucado a Jeremias: “Nao digas: Nao passo de uma crian¢a; porque a todos a quem eu te enviar, iras; e tudo quan- to eu te mandar, falards” (1:7). Em esséncia, Deus estava dizendo que a chamada de Jere- mias ao oficio profético nado era questao de ex- periéncia e idade — porquanto Deus estava procurando um vaso que fosse onde Ele o en- viasse, e que dissesse o que Ele ordenasse. Em I Tessalonicenses 2:4, declara o apéstolo Pau- lo: “. . . visto que fomos aprovados por Deus a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, nao para que agrademos a homens, e, sim, a Deus que prova os nossos coracées’’ Um dos fatores da pregagao poderosa con- siste em pregar a Palavra como um homem que foi liberto. Mas, liberto do qué? Dos efeitos agri- lhoadores do temor a opiniao humana. Vocé ja- mais estara inteiramente liberto para ser um instrumento de béncao na mao de Deus para a sua congrega¢ao, a menos que se liberte dos efeitos dos sorrisos e das carrancas dos mem- bros da mesma. As pessoas acabam perceben- do quando um pastor pode ser comprado com Os seus sorrisos, ou derrotado por cenhos fran- zidos. Um homem liberto desses efeitos, porém, éum homem livre em Cristo Jesus. A Palavra de Deus declara: “Quem teme ao homem ar- ma ciladas. . ”’ (Provérbios 29:25a), Tal temor arma ciladas para a sua lingua, e de maneira tal que quando aqueles stibitos lampejos de luz descerem sobre o pulpito, e surgirem oportu- nidades de aplicagao que o pregador sabe que espicagarao e ferirao certos membros “seletos” da igreja, se os seus olhos estiverem fixados nos homens, vocé sera incapaz de exprimir aquilo 26 que sabe que faz parte de seu dever. Por outro lado, quando vocé sente-se em liberdade para nao se deixar influenciar pelos sorrisos e pe- las carrancas de seu povo, entdo tem a liber- dade de ser um instrumento de béncdos para eles. Assevero que se tiver de haver um poder espiritual crescente no pdlpito, precisaremos retornar a pureza de motivos, algo que esta en- volvido na questaéo do temor a Deus. Em segundo lugar, uma pura motivagao envolve o amor a verdade divina. Fomos con- vocados para declarar aos homens todo o con- selho de Deus (ver Atos 20:27). Paulo declara que somente quando assim fazia, ficava sem culpa do sangue de todos os homens. Paulo de- clarava o espectro inteiro da revelacao biblica. S6 ha uma razao pela qual pregamos que os homens estao perdidos, acorrentados aos seus pecados, e debaixo da condenacdo e da ira de Deus, isto é, que Deus declara ser essa a ver- dade, e por amor a Sua verdade nés proclama- mos isso. Sem importar se essa verdade pare- ce saborosa ou insipida aos homens, o nosso amor a verdade deve ser tao profundo que quei- ramos que 0 mundo inteiro saiba tudo aquilo que Deus tem nos revelado. A terceira 4rea vinculada a essa questéo da pureza de motivos € 0 amor aos nossos se- melhantes, Estou convencido, irmao, de que es- se € o fator que nos impulsiona a prega¢cao que aplica as verdades as vidas das pessoas. Preci- samos ter um amor tal pelos homens que nao toleraremos vé-los apaticos e sonolentos sob o nosso ministério. Precisamos ter um amor tao intenso por eles que isso nos leve a ter o sen- so de responsabilidade de fazer tudo quanto es- tiver ao nosso alcance, a fim de que a verdade 27 de Deus torne-se viva para eles. Asseverou o grande M’Cheyne: “O pregador que ama de fato aos seus ouvintes é aquele que mais verdades lhes diz sobre eles mesmos”. E em II Corintios 7, Paulo diz: “. . . ainda que vos tenha contris- tado com a carta, nao me arrependo.. . E, a fim de completar o seu préprio pensamento, ele explica: “. . : agora me alegro, nado porque fostes contristados, mas porque fostes contris- tados para arrependimento. . . Porque a triste- za segundo Deus produz arrependimento pa- ra a salvagao. . .” (vv. 8-10). E algures, disse o mesmo apéstolo: “Se mais vos amo, serei me- nos amado?” (II Corintios 12:15b). Paulo com- pletou seu pensamento, dizendo: “Lamento, po- rém continuarei amando a vocés de qualquer maneira, e continuarei expondo diante de vo- cés a verdade divina, mesmo que vocés ndo me amem’. O que nos impede de sermos fiéis aos nossos semelhantes, quanto a esse particular, na realidade é uma espécie de amor-préprio. Amamos aos nossos préprios sentimentos de maneira tal que nao nos dispomos a correr o risco de ofender as pessoas, e vé-las entAo ira- das conosco. Oh, elas poderao perecer no in- ferno, mas isso néo nos importa, contanto que mesmo perecendo continuem a amar-nos. Te- nho ouvido pessoas comentarem sobre alguns ministros: “Aquele pastor sem divida pregou com destemor”. Ora, meu irmao, isso deveria poder ser dito a respeito de cada um de nés, porquanto o nosso amor ao préximo deveria ser tal que estivéssemos dispostos a comunicar- Ihes a verdade divina, aquela verdade que tal- vez eles néo aprovem, mas que visa ao bem eterno deles, 4 salvacgaéo de suas almas. Que ha de errado com a pregac¢ao da atua- 28 lidade? Bem, por certo uma parte do proble- ma consiste no homem que esta pregando, tan- to na drea dos seus habitos devocionais, como no aspecto de sua piedade pratica, como na fa- ceta da pureza dos seus motivos. A MENSAGEM Consideremos em seguida o que esta er- rado com a pregacéo de nossos dias, no tocan- te 4 mensagem que esta sendo anunciada. E perfeitamente possivel que um homem seja ca- racterizado por um elevado grau de piedade pessoal e de santidade didaria, e, no entanto, Mostre-se desgragadamente deficiente quanto a um poderoso ministério de pregacdo. Natu- ralmente, parte desse problema pode ser devi- do ao fato que certos homens nunca foram do- tados pelo grande Cabeca da Igreja com os dons necesséarios para poderem levar avante um ministério de pregagdo e de ensino. Nesses ca- sos, a Unica resposta adequada ao problema é que tais individuos reconhecam que nao estado no lugar para o qual Deus realmente os prepa- rou. Sem sentirem qualquer embaraco por cau- sa disso, deveriam abandonar seu ativo minis- tério de pregagao e ensino, buscando coloca- gao no mundo secular, ou em alguma outra for- ma de atividade na Igreja de Cristo, que nao requeira alguma medida dos dons divinos pa- ra a comunicagao oral. Entretanto, estou dirigindo essas minhas observagées a irmaos que tém motivos razoa- veis para supor que tém recebido habilidades 29 espirituais suficientes para se postarem como pregadores da Palavra de Deus. No que concer- ne a essa classe de homens, ha diversas dreas em que a pregacéo contemporanea é assina- lada por defeitos gritantes. CONTEGDO BIBLICO Antes de qualquer outra coisa, quase to- da a pregagao moderna, mesmo nos bons cir- culos evangélicos conservadores, ressente-se da auséncia de um substancial contetdo biblico. Uma das mais notaéveis caracteristicas dos gran- des pregadores do passado, aquilo que fazia com que os seus sermées sobrevivessem por centenas de anos depois de haverem sido es- critos, 6 que eram assinalados pelo peso de um substancial contetido biblico. O que empres- tava poder espiritual aos serm6ées daqueles no- taveis embaixadores do reino? Era 0 seguinte: Eles estavam repletos de uma s6lida substan- cia biblica, pelo que também os seus ouvintes sentiam que, entre eles mesmos e tais prega- dores, havia uma verdadeira muralha de reali- dades divinas; que a pendéncia nao era entre os ouvintes e o pregador, mas entre os ouvin- tes e a Palavra de Deus, a qual estava sendo transmitida pelo pregador. E precisamente is- sO que os nossos ouvintes deveriam sentir ao ‘ouvir-nos pregar. Naturalmente — e aqui percebe-se novamente a relagao entre o homem e a sua mensagem — grande parte do proble- ma da pregacdo, em nossos préprios dias, no que toca 4 questdo da auséncia de conteudo biblico, deve-se ao fato que os pregadores an- dam por demais atarefados, procurando diri- gir a maquinaria eclesiastica de suas igrejas, 30 e assim nao podem saturar suas mentes e seus espfritos com a verdade multifacetada das Sa- gradas Escrituras. E somente quando a mente de um pregador fica saturada com as Escritu- ras Sagradas que o Espirito Santo pode trazer- lhe 4 memoria a verdade de Deus, no contexto da pregagao, permitindo que aquele servo de Deus venha a brandir a Espada do Espirito com autoridade e poder. Entao, até mesmo as ilus- tragdes e alusdes serao extraidas, em grande medida, das préprias palavras e dos padrées de pensamento da Biblia Sagrada. SUBSTANCIA DOUTRINARIA Em segundo lugar, muito da prega¢ao con- temporanea é defeituosa porque falta-lhe uma s6lida substancia doutrindria. Estamos sofren- do de uma atitude mental que considera a dou- trina e a teologia como uma variante do terror supersticioso da era medieval! O fato, porém, é que a verdade biblica é belissima em sua uni- dade e simetria. A pregacdo doutrinaria é aque- la que sempre é disciplinada pelo arcabougo do inteiro conselho de Deus. Ela recusa dese- quilfbrios e sobrecargas apenas em um dos la- dos, procurando salientar cada faceta particu- lar da verdade, dentro do contexto do espec- tro inteiro da verdade divina. Esses dois primei- ros fatores precisam ser fundidos um ao outro, em medida crescente, na vida de todo auténti- co servo de Cristo, A pregacao doutrinaria que nao estiver exegeticamente apoiada e textual- mente orientada, conduzira a uma ortodoxia meramente filoséfica. Por outro lado, o manu- seio de textos, bem como a distorcéo da exe- gese dos mesmos, sem que se procure demons- 31 trar o inter-relacionamento dos diversos aspec- tos da verdade divina, leva os ouvintes a adqui- rirem conceitos fragmentados e desconjunta- dos da verdade biblica. APLICAGAO PRATICA Uma terceira Area em que a substancia da pregacado da atualidade é assinalada por uma chocante debilidade, verifica-se na questao da aplicagéo pratica. No ministério de inadmeros pastores, ha um sélido contetdo biblico, gran- de dose de substancia doutrindéria, mas uma bem escassa aplicagdo pratica, através da qual os homens sao levados a perceber as implica- gdes do contetido e da doutrina, a fim de que sejam capazes de adornar a doutrina de Deus, nosso Salvador, em todas as coisas. No que diz respeito a esse principio geral, eu gostaria de sugerir trés areas nas quais os circulos evan- gélicos mostram-se fracos. Aquilo que agora es- tou afirmando, aplica-se 4queles dentre nés que defendem, sem qualquer embarac¢o, aquele sis- tema doutrinario firmado nos grandes credos que se originaram da Reforma Protestante. Em primeiro lugar, a nossa pregagao é de- ficiente porque ela falha em expressar a neces- sidade e a natureza do arrependimento evan- gélico. Em nossa exagerada reagao a forma de “salvacdo pelas obras’, e em nosso reptidio ao ativismo arminiano, penso que alguns dentre nos tem sucumbido diante dos habitos filos6- ficos de pensamento. Desse modo, pensamos: “Como poderei pregar que o homem tem a res- ponsabilidade de arrepender-se, quando sei que ele nao tem nenhuma capacidade para fazé-lo?” Evidentemente, esse problema em nada per- 32 turbou o apéstolo Paulo. Ninguém falou mais claramente do que ele sobre a total incapaci- dade do homem realizar qualquer coisa de es- piritualmente bom, a parte da soberana atua- ¢ao de Deus. E, nao obstante, Paulo falou com cristalina clareza sobre a responsabilidade que cada individuo tem de arrepender-se. Ao pas- sar em revista o seu ministério, na presenc¢a dos anciaos da igreja de Efeso, disse ele: “. . . testi- ficando eu tanto a judeus como a gregos o ar- rependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos 20:21). E, em Atos 26:20, ele afirma que em Damasco, bem como por toda a Judéia e entre todos os gentios, ele pregava que ‘.. . se arrependessem e se con- vertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento’. Tenho passado pela mui in- feliz experiéncia de pregar em igrejas locais que incluem a doutrina do arrependimento em seus credos oficiais, em suas confissées de fé e em seus catecismos, mas onde, como é 6bvio, es- Sa nao € uma doutrina pregada e crida pelas fileiras comuns dos seus membros, Com fre- qiéncia, na conclusdo de alguma série de ser- m6es sobre o tema do arrependimento, varias pessoas se tém aproximado de mim, exprimin- do profunda admiracao, e afirmando que nun- ca tinham ouvido falar sobre essas realidades, embora ja tivessem passado um certo ndmero de anos dentro de alguma boa e sélida igreja evangélica. Bem, nao é precisamente que nun- ca tivessem ouvido falar sobre 0 vocabulo “ar- rependimento”. Ouviram-no; mas, visto que o dever, a natureza e os frutos do arrependimen- to nao foram claramente delineados diante de- les, nao tinham jamais ficado suficientemente convencidos acerca da natureza e da necessi- 33 dade do arrependimento. Todos aqueles que nos escutam durante algum tempo, deveriam chegar 4 conclusao, apdés estarem sob nosso ministério por certo periodo, que a menos que se arrependam e produzam os frutos préprios do arrependimento, fatalmente haverdo de pe- recer, embora as suas mentes estejam repletas e inchadas com uma ortodoxia correta e obje- tiva. Um dos sinais mais patentes da validade do ministério dos homens que o Senhor usou no passado é€ que, todos eles, sem qualquer ex- cecao, declaravam abertamente a necessidade, a natureza e os frutos do arrependimento evangélico. Uma segunda area na qual o conteddo de nossa pregacdo é tdo deficiente em sua apli- cacao especifica, consiste na questdo da apre- sentacao do Cristo inteiro ao homem inteiro. Chego a recear que temos retornado a um con- ceito romanista da fé crista, nestes nossos dias. Nunca nos deveriamos esquecer de que uma das profundas questdées que os reformadores protestantes trouxeram a lume foi o fato que a fé 6 algo mais do que um mero “assentir” com a cabeca, diante do conjunto das verdades apre- sentado pela igreja como “a fé crista’. Os re- formadores expuseram o conceito biblico de que a fé consiste em “confianga” (em latim, “fi- ducia’). Eles deixaram perfeitamente claro que a fé que salva envolve a confianca e a outorga, envolvendo o homem inteiro, o qual se entre- ga a verdade crida e ao Cristo que é 0 ponto central dessa verdade. Ora, é chegado o tem- po em que precisamos exprimir claramente es- sa necessidade, mediante afirmacgées categé- ricas, a fim de que os nossos ouvintes tomem consciéncia de que o simples assentir com a 34 cabeca as doutrinas que eles estao ouvindo, nao é ainda a esséncia da fé que salva. Eles preci- sam ser levados a compreender que a fé que salva envolve a outorga do homem inteiro aos cuidados do Cristo inteiro, em Seus oficios per- manentes de Profeta, Sacerdote e Rei, confor- me Ele é exposto no Evangelho. Quando isso estiver sendo feito, nado mais ouviremos tanta conversa sobre a necessidade de “crer” sem a necessidade de “render-se” a Cristo. Nossos cir- culos evangélicos transbordam de evidéncias das tentativas antibiblicas de se dividir Cristo como Salvador e como Senhor. Grande parce- la das enganosas heresias baseadas nesse con- ceito de um Cristo dividido seria varrida do ma- pa por meio de uma clara pregacao do Cristo inteiro, dirigida ao homem inteiro. Ha uma terceira area de debilidade ainda, dentro dessa questaéo do contetido de nossa mensagem. Trata-se de uma 4rea extremamen- te sensivel, e na qual nos mostramos lamenta- velmente débeis, nos circulos evangélicos atuais. A area 4 qual me estou referindo éa da necessidade de serem estabelecidas as carac- teristicas distintivas de um verdadeiro crente. Envolvida nesse contexto acha-se a necessidade de mostrarmos claramente a diferenga entre as bases da salvacgao e a certeza da salvacao. Em minha experiéncia pessoal, enquanto me mo- vo entre os evangélicos, tenho percebido que no instante em que algumas pessoas comegam a fazer um auto-exame diante da Biblia, quan- do passam a obedecer a injungao existente em Il Corintios 13:5, outras pessoas consideram es- se exercicio espiritual como uma quase blas- fémia contra 0 Espirito Santo. Muitas pessoas avaliam a davida honesta quase como a coisa 35 mais horripilante que ha neste mundo. O que deixamos de perceber, em um caso dessa or- dem, é que as dividas produzidas por um ho- nesto auto-exame, a luz dos padrées objetivos da Palavra de Deus, pode ser a melhor coisa que é capaz de acontecer a determinados indi- viduos. Seguidamente tenho afirmado que as duvidas jamais conseguirao condenar a uma alma, mas que a presunc&o pecaminosa tem esse poder. Enquanto as Escrituras continua- rem a reiterar: “Que ninguém vos engane. . . nao vos enganeis. . .’, entaéo nao ousemos pre- sumir nem ousemos levar outros a presumir que tudo vai bem com suas almas. Para que ser- vem essas exortagdes? Se a auto-ilusao nao é uma possibilidade real, entao por qual motivo a Biblia esta repleta de exortacdes a respeito da auto-ilusao? Todas essas adverténcias tornam-se uma algaraviada sem sentido, se é que estéo falando meramente sobre uma pos- sibilidade hipotética. Entretanto, se até mesmo debaixo do ministério dos apéstolos as pessoas podiam penetrar nas fileiras da igreja visivel, por estarem iludidas, de tal modo que os apés- tolos sentiram a necessidade de advertir: “Por isso, irmaos, procurai, com diligéncia cada vez maior, confirmar a vossa vocagéo e eleicdo...” (Il Pedro 1:10), entéo quanto mais nés mes- mos precisamos enfrentar o fato que é possi- vel que tenhamos um numero de pessoas ilu- didas entrando nas fileiras de nossas igrejas professas, devido aos nossos ministérios ané- micos. Quando essa convic¢aéo vier apossar-se de nds, entao haveremos de clamar diante de tais pessoas, exortando.as a certificarem-se de sua chamada e eleicao, a examinarem-se e tes- tarem a si mesmas, para que verifiquem se real- 36 mente estdo na fé. Em harmonia com essa preocupagao, pre- cisamos mostrar para nossos ouvintes as dis- tingdes biblicas entre um crente auténtico e um crente espurio, tais como aquelas que transpa- recem na parabola do semeador. Tenho averi- guado que tal tipo de pregacao nunca prejudi- ca aos verdadeiros filhos de Deus. Pelo contra- rio, a pregagao mais perscrutadora, que apli- que essa verdade, serviraé somente para condu- zir o verdadeiro filho de Deus a uma mais ina- balavel certeza. A Gnica coisa que podera ser prejudicada pelo escrutinio exaustivo é a im- postura. Suponhamos que eu me dirigisse ao banco, a fim de depositar na minha conta duas notas de dez mil cruzeiros. Se o funcionario do banco me dissesse: “Espere um momento, Sr. Martin. Penso que uma destas notas é falsa”, mas se ambas as notas fossem genuinas, en- tao elas nada haveriam de perder devido aum criterioso exame. De fato, haveriam de ganhar alguma vantagem com isso. Se 0 funcionario colocasse as notas debaixo de uma lente de au- mento, a fim de examinéa-las quanto a sua ge- nuinidade, e se ambas mostrassem ser genui- nas, eu nunca poderia ficar mais confiante da genuinidade das mesmas do que quando elas fossem aprovadas por esse criterioso exame. A unica coisa capaz de perder algo, em um exa- me dessa natureza, seria a contrafagao. Esse principio é verdadeiro quanto a son- dadora pregacao aplicativa, que define os si- nais distintivos de um crente verdadeiro. O tni- co individuo sujeito a sofrer algum prejuizo, sob a prega¢ao biblica bem balanceada dessas rea- lidades, é o crente esptirio. Ora, tal individuo deveria ser abalado agora, enquanto continua 37 vigorando o dia da salvacao. Por outra parte, se chegarmos a estabelecer distingdes antibi- blicas, perturbando desnecessariamente os crentes piedosos, entao que o Senhor, em Sua misericérdia, nos abra os olhos e nos faga re- troceder do erro de nosso caminho! Nao obs- tante, o grande perigo pratico que caracteriza esta nossa época, nado é esse. Pelo contrario, por assim dizer, estamos ninando as pessoas para que adormecgam, quando deixamos de expor diante delas, de uma maneira intima e experi- mental, as verdadeiras caracteristicas da fé cris- ta, em contraste com a fé dos dem6nios. (Ver Tiago 2:19.) Irmao, a Biblia nos oferece muitas decla- tacédes explicitas, que podemos expor 4 nossa gente. Disse Jesus: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheco, e elas me seguem” (Joao 10:27). Nao tenhamos receio de dizer as nossas congregacgées que se eles nao estado ou- vindo e seguindo ao Senhor, entéo nao tém qualquer motivo para se considerarem ovelhas de Seu pasto. Antes, tenhamos a coragem de dizer-Ihes que embora possam conhecer tudo que diz respeito ao fato que nosso Salvador traz as Suas ovelhas em Seu grandioso cora¢ao, des- de a eternidade, dentro do pacto da redeng¢ao, e embora tenham conhecimento de todos os detalhes sobre como Ele morreu em prol de Suas ovelhas, com um intuito particular em Sua morte, e como o Espirito Santo as chama efi- cazmente, a questao central com a qual deve- mos impressionar os nossos ouvintes é a se- guinte: Eles estado ouvindo a Sua voz? Eles O estao seguindo. Nés nao podemos retroceder, deixando de frisar essas questées fundamen- tais. Devemos ressalta-las conforme vemos em 38 I Joao, onde o apéstolo afirma: “Estas cousas vos escrevi a fim de saberdes que tendes a vi- da eterna, a vés outros que credes em o nome do Filho de Deus” (5:13). Quais foram as ques- t6es sobre as quais 0 apéstolo Joao escrevera aos seus leitores? Sera que ele lhes apresenta- ra uma série de textos biblicos sobre os quais eles poderiam pér os dedos, a fim de que o sen- so de seguranga deles fosse fortalecido? De for- ma alguma, mas deu-lhes uma série de testes, mediante os quais lhes competia examinar as suas proprias vidas. Disse Joao: “Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se quardamos os seus mandamentos’ (I Jodo 2:3). E novamen- te: “Nos sabemos que ja passamos da morte para a vida, porque amamos os irmaos. . .” (I Joao 3:14). Isso posto, a consciéncia dos nos- sos Ouvintes precisa ser atingida, a fim de que eles tenham de indagar de si mesmos: “Estou realmente andando na trilha da fé, a luz dos pa- drées objetivos da Palavra de Deus?” O que ha de errado com a pregagao con- temporanea? Estou convencido de que, nessas areas do contetido de nossa pregacao, hé uma urgente necessidade de retornarmos as verda- des biblicas acima mencionadas, juntamente com uma calorosa pregacgéo com uma pene- trante aplicagao das mesmas Aas vidas de nos- sas comunidades cristas. A MANEIRA DE EXPOR A MENSAGEM Tendo abordado a questao da substancia de nossa mensagem, quero agora dedicar-me, de forma breve, ao aspecto da maneira de ex- por a nossa mensagem. As trés caracteristicas que deveriam assinalar a comunicagao da men- 39 sagem divina, so estas: senso de urgéncia, boa ordem e objetividade. A urgéncia genuina é a mae da verdadei- ra eloqiéncia. Um homem que procure desper- tar as pessoas de sua sonoléncia, em face do iminente perigo dum incéndio, obtera bem pou- co sucesso em sua missdo, se simplesmente puser-se a caminhar devagar para la e para ca nos corredores do prédio em chamas, proferin- do palavras com boa diccao e pronincia, a res- peito do perigo iminente. Entretanto, basta que um homem realmente se convenga de que aquelas vidas estao realmente correndo peri- go, e que o livramento delas depende de sua capacidade de desperta-las para a acao imedia- ta, e tal homem no deixara de despertar as pessoas do seu sono, levando-as a tomar o cur- so de ag4o compativel, para se porem em per- feita seguranga. A urgéncia que tal homem sen- tira, nado nascera primariamente da sua arte de elocugao, mas irromperé de uma genuina preo- cupacao. No caso de alguns, fatores como tipo de personalidade, temperamento, ou tom de voz alto por natureza permitem que expressem o seu senso de urgéncia. No caso de outros, es- se senso de urgéncia podera expressar-se de maneiras as mais diversas, conforme a capaci- dade de expressdo de cada um. Esse senso de urgéncia levar-nos-a a pro- curar obter € conservar o contato vital com a nossa audiéncia, dentro do contexto da prega- ¢ao. Se tivermos subido a algum pulpito nao somente para fazer um discurso, mas para co- municar uma urgente verdade a homens e mu- lheres em grande necessidade, entao nao des- cansaremos enquanto nao tivermos obtido a atengao dos nossos ouvintes. Spurgeon confes- 40 sou que sempre que via alguma crianga no au- dit6rio, que nao Ihe estivesse dando atencdo, isso o perturbava tanto que contava alguma his- torieta ou alguma anedota, a fim de reconquis- tar a aten¢ao do jovenzinho, antes de dar pros- seguimento ao seu serméo. Spurgeon, sem di- vida seria o primeiro a admitir que somente Deus pode imprimir a verdade nos coracoes dos homens, dotando-a do poder de salvar as almas. No entanto, ele reconhecia que a sua ta- refa como pregador consistia, antes de tudo, em fazer a verdade chegar aos ouvidos das pessoas; e também que, a menos que ele obtivesse a atengao das pessoas, estaria fracassando em sua tarefa. Irm&o, nisso consiste a sua tarefa, isto 6, conquistar a atencdo dos ouvintes. So- mente Deus pode fazer a verdade chegar até aos seus coragoes; mas vocé precisa dedicar- se a tarefa de obter a atencgdo deles. O senso de urgéncia que 0 Espirito Santo insufla em nossos coracées, também nos im- pele a cultivar a arte de nos comunicarmos com os homens mediante um vocabulario popular. Quando empregamos uma palavra qualquer, dentro do contexto da pregagdo, e recebemos aquele “distante olhar de incompreensao”, ime- diatamente devemos sentir que o termo que acabamos de usar, nao obteve registro nas men- tes dos nossos ouvintes. Se, porventura, somos sensiveis & questao, entao haveremos de usar um vocabulo diferente, mais simples. Certo au- tor afirmou: “A vaidade fara um homem falar € escrever como um erudito; s6 a piedade po- de prevalecer sobre um bom erudito, para que ele simplifique sua maneira de falar, por amor ao povo comum. Tal pregador, embora o seu valor venha a ser subestimado por aqueles que 41 agora nado possuem discernimento, algum dia tera um nome acima de muitos nomes, sem im- portar se ele é algum fildsofo, poeta, orador, ou qualquer outra coisa que a humanidade mais costume reverenciar’. E um outro pensador exprimiu-se como segue: “Nao é dificil fazer as coisas simples parecerem dificeis; mas fa- zer coisas dificeis parecerem faceis, 6 a porcéo mais dificil do trabalho de qualquer bom ora- dor ou pregador’. Oh, meu irmao de ministé- rio, clamemos ao Senhor, rogando-lhe a graca da humildade e 0 senso de urgéncia que é der- ramado pelo Espirito Santo, que nos levara a disciplinar o nosso vocabulario, tornando-o compativel com o nivel de entendimento dos nossos ouvintes comuns. Ademais, essa questao da urgéncia nos im- pelira a procurar aplicar a nossa prega¢do aos nossos ouvintes. Talvez a parte mais dificil do ministério regular no piulpito seja a tarefa da aplicacao. Porém, da mesma maneira que um médico competente que anela pela satide da- queles que foram entregues aos seus cuidados profissionais, nao se contenta enquanto nao descobre os males especificos de seus pacien- tes, a fim de aplicar-lhes o tratamento adequa- do, assim também 0 verdadeiro servo de Deus pressiona muito além da generalidade da ne- cessidadae dos individuos e da capacidade de Deus em satisfazer a essa necessidade; pelo contrario, ele havera de esforgar-se por conhe- cer as expressdes especificas da necessidade pecaminosa, e em seguida procurara aplicar os remédios especificos que estao a disposicao de- le em toda a sua plenitude, na pessoa de nos- so Senhor Jesus Cristo. Além disso, a maneira de entregarmos os 42 nossos sermoes deveria ser caracterizada por uma razoavel boa ordem. Ao pregarmos a ver- dade de Deus aos homens, de forma nenhuma nos deveriamos esquecer que eles sao indivi- duos cujas mentes foram constitufdas por Deus de tal modo que s6 sao capazes de captar idéias mediante uma estrutura légica. A mente huma- na simplesmente nao pode absorver uma ver- dade exposta como uma grande massa infor- me. Deveriamos enviar os nossos ouvintes de volta aos seus lares, com algumas poucas es- tacas firmadas em suas mentes, e com certos aspectos da verdade de Deus afixados a essas estacas. Finalmente, consideremos juntos a neces- sidade da objetividade em nossa maneira de pregar. Ha um capitulo excelente a respeito da prega¢ao do Evangelho, no volume de Charles Bridges, The Christian Ministry (O Ministério Cristéo). Nessa secgao, ele comenta sobre a questdo da objetividade, escrevendo: “Com es- sa finalidade em mira, precisamos mostrar ao nosso auditério, do principio ao fim, que nao estamos meramente dizendo coisas proveito- Sas na presenga deles, mas que nos estamos dirigindo pessoalmente a eles, falando sobre quest6es que os envolvem de forma tao vital que nem somos capazes de exprimir como con- vém’. Quando alguém poe-se a ler os sermées dos grandes pregadores do passado, fica im- pressionado com a santa objetividade deles. Por assim dizer, sentimos que esses sermoes nos encurralam a um canto, onde concluimos que algo deve ser feito com a verdade que nos confronta. Joseph Alleine, em seu livro Um Guia Seguro para o Céu, destaca-se como uma ilustragao classica desse principio. Por muitas 43 e muitas vezes, ele encosta os pecadores con- tra a parede, por assim dizer, com perguntas que fazer o pecador refletir acerca de seus pré- prios caminhos, e sobre a sua propria desgra- cada condi¢ao diante de Deus. Por exemplo, ele indaga: “Vocé se sente em paz? Mostre-me em que base vocé mantém esse seu senso de tran- quilidade. Sera isso equivalente a paz de que fala a Biblia? Vocé pode mostrar-me os sinais que distinguem um crente dotado de fé sau- davel? Vocé pode oferecer provas melhores do que aquelas que séo apresentadas por qualquer hipécrita neste mundo? Em caso contrario, vo- cé deveria temer que essa sua tranqiilidade se- ja falsa, reconhecendo ainda que a paz carnal comumente prova ser o inimigo mais mortal das nossas almas. Pois, ao mesmo tempo em que beija e sorri condescendentemente, fere de uma maneira fatal, debaixo da quinta costela. Agora, 6 consciéncia, faz o teu trabalho, manifesta-te’. Desse ponto em diante, Alleine Ppassava a pressionar a questao de uma forma ainda mais direta sobre os seus ouvintes e leitores. Com exemplos como esses 4 nossa dispo- sigao, de onde tanto podemos aprender, que Deus nos livre de simplesmente proferirmos coisas agradaveis na presenca de um povo reu- nido, que tenha vindo ouvir o Evangelho; an- tes, que o Senhor nos capacite a pregar com tal veeméncia e eloqtiéncia que os homens re- conhecgam que estamos dizendo coisas que os interessam de maneira vital, quanto aos seus mais profundos e permanentes interesses. O que ha de errado com a pregacao de ho- je? Tenho a certeza de que muitas dessas fa- lhas podem ser exemplificadas em minha pré- 44 pria vida e em meu ministério, tanto quanto nas vidas e no ministério de outros pregadores; mas quero sugerir que consideremos juntos o pro- blema da pregagéo contemporaénea como um problema do homem — na drea da devogao e da experiéncia pessoais, no campo da pieda- de pratica e no aspecto da pureza de seus mo- tivos. Que ha de errado com a pregacao de nos- sos dias? Uma parcela desses problemas envol- ve a propria mensagem — a substancia daqui- lo que pregamos, bem como a maneira como estamos anunciando nossa mensagem. Que Deus nos conceda que onde quer que qualquer dessas coisas tenha uma legitima aplicagao a nds, sejamos capazes de acolher essa palavra de exortagao, a fim de que, pela graca de Deus, possamos aplicar-nos a sermos mais eficazes comunicadores das verdades da Palavra de Deus, para esta nossa téo carente geracao. 45

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