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Formas Da Reestruturacao Produtiva No Brasil PDF
Formas Da Reestruturacao Produtiva No Brasil PDF
Ricardo Antunes*
sileira diferenciada, ao menos em alguns aspectos, frente à estrutu gados, surgimento dos CCQ’s (Círculos de Controle de Qualida
ração anteriormente existente. (Antunes, 2002 e 1997) de) e dos sistemas de produção just-in-time e kanban, dentre os
Foi nessa década de 80 que ocorreram os primeiros impulsos do principais elementos.
processo de reestruturação produtiva em nosso país, levando as Durante a segunda metade de década de 1980, com a recupera
empresas a adotarem, inicialmente de modo restrito, novos padrões ção parcial da economia brasileira, ampliaram-se as inovações tec
organizacionais e tecnológicos, novas formas de organização social nológicas, através da introdução da automação industrial de base
(e sexual) do trabalho. Observou-se a utilização inicial da informa microeletrônica nos setores metal-mecânico, automobilístico, petro
tização produtiva, principiaram-se os usos do sistema just-in-time, químico e siderúrgico. No setor automobilístico pode-se verificar a
germinava a produção baseada em team work, nos programas de instalação de novas linhas, destinadas à produção de novos veículos,
qualidade total, ampliando também o processo de difusão da mi- que coexistiam com as antigas linhas de montagem, configurando
croeletrônica. Deu-se o início, ainda preliminarmente, dos métodos um grau relativamente elevado de diferenciação e heterogeneidade
denominados “participativos”, mecanismos que procuram o “en tecnológica e produtiva no interior das empresas, heterogeneidade
volvimento” (em verdade adesão e sujeição) dos trabalhadores e que será uma marca particular da reestruturação produtiva no Bra
das trabalhadoras aos planos das empresas. sil. (Antunes, 2002, Alves, 2000 e Previtalli, 2002).
Iniciava-se, ainda de modo incipiente, o processo de liofilização Foi nos anos 1990, entretanto, que a reestruturação produtiva
organizacional, cujos determinantes foram: 1) a necessidade das do capital desenvolveu-se intensamente em nosso país, através da
empresas brasileiras buscarem sua inserção na “competitividade implantação de vários receituários oriundos da acumulação flexível
internacional”; 2) as imposições das empresas transnacionais que e do ideário japonês, com a intensificação da lean production, do
levaram à adoção, por parte de suas subsidiárias no Brasil, de novos sistema just-in-time, kanban, do processo de qualidade total, das
padrões organizacionais e tecnológicos, em alguma medida inspira formas de subcontratação e de terceirização da força de trabalho,
dos no toyotismo e nas formas flexíveis de acumulação; 3) a necessi daquilo que, seguindo Juan Jose Castillo, vimos denominado como
dade das empresas nacionais responderem ao avanço do novo sindi liofilização organizacional. (Castillo, in Antunes, 1999:52-59)
calismo e da rebeldia do trabalho, que procurava estruturar-se mais Do mesmo modo, verificou-se um processo de descentralização
fortemente nos locais de trabalho e que teve forte traço de confronta produtiva, caracterizada pela relocalização industrial, onde empre
ção, desde as históricas greves do ABC paulista, no pós-78. (Antu sas tradicionais, como a indústria de calçados ou a indústria têxtil,
nes, 2002 e Alves, 2000). sob a alegação da concorrência internacional, iniciaram um movi
Inicialmente, ainda nos primeiros anos da década de 80, a rees mento de mudanças geográfico-espaciais, buscando níveis mais
truturação produtiva caracterizou-se pela redução de custos através rebaixados de remuneração da força de trabalho, acentuando os
da redução da força de trabalho, de que foram exemplo os setores traços de superexploração do trabalho.
automobilístico e o de autopeças e, posteriormente, os ramos têxtil No setor calçadista, por exemplo, várias fábricas transferiram-se
e bancário, dentre outros exemplos. De modo sintético pode-se da região de Franca, no interior do estado de São Paulo, ou da região
dizer que a necessidade de elevação da produtividade ocorreu do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, para estados do
através de reorganização da produção, redução do número de Nordeste, como o Ceará e Bahia. Indústrias consideradas modernas,
trabalhadores, intensificação da jornada de trabalho dos empre do ramo metal-mecânico e eletrônico, transferiram-se da Região da
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Grande São Paulo para áreas do interior paulista (São Carlos), ou rante os anos 80, teve uma tendência limitada e seletiva, foi partir
deslocaram-se para outras áreas do país, como o interior do Rio de da década seguinte que ele ampliou-se sobremaneira. (Antunes,
Janeiro (Resende), ou ainda para o interior de Minas Gerais (Juiz de 2002 e Alves, 2000).
Fora), ou outros estados como Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul etc. Outro exemplo importante podemos encontrar no setor financei
(Alves, 2000). Ainda nesta mesma década, no contexto da desregula- ro. Aqui também se pode presenciar intenso impacto em seu pro
mentação do comércio mundial, a indústria automobilística brasileira cesso de reestruturação, sendo que os trabalhadores/as bancário/as
foi submetida a mudanças no regime de proteção alfandegária, sendo foram fortemente atingidos pelas mudanças no trabalho, funda
reduzidas as tarifas de importação de veículos. (Previtalli, 1996). mentadas, principalmente, nas tecnologias de base microeletrônica
Desde então as montadoras vêm intensificando o processo de e em mutações organizacionais. Novas políticas gerenciais foram
reestruturação produtiva, através das inovações tecnológicas, in instituídas nos bancos, principalmente, através de seus programas
troduzindo robôs e sistemas CAD/CAM, envolvendo mudanças no de “qualidade total” e de “remuneração variável”. Conforme nos
lay-out das empresas, bem como através da introdução de mudan mostraram Jinkings (1995 e 2002) e Segnini (1998), a política de
ças organizacionais, envolvendo uma relativa desverticalização em concessão de prêmios de produtividade aos bancários que supera
direção a uma certa horizontalização, com a consequente redução vam as metas de produção estabelecidas, acrescida do desenvolvi
de níveis hierárquicos, implantação de novas fábricas de tamanho mento de um eficiente e sofisticado sistema de comunicação em-
reduzido e estruturadas com base em células produtivas e amplian presa-trabalhador bancário, através de jornais, revistas ou vídeos
do a rede de empresas terceirizadas. As unidades produtivas mais de ampla circulação nos ambientes de trabalho, bem como da am
antigas e tradicionais, como a Volkswagem, Ford e da Mercedes- pliação do trabalho em equipe, tudo isso acarretou um significativo
Benz, situadas no ABC paulista, também desenvolveram um forte aumento da produtividade do capital financeiro, além de buscar
programa de reestruturação, visando sua adequação aos novos im também a “adesão” dos bancários às estratégias de autovalorização
perativos do capital, no que concerne aos níveis produtivos e tec do capital, reproduzidas nas instituições bancárias.
nológicos e às formas de “envolvimento” da força de trabalho. Como conseqüência das práticas flexíveis de contratação da
(Previtalli, 1996 e 2002). força de trabalho nos bancos (através da ampliação significativa da
Depois de um ensaio inicial significativo, mas estancado pela terceirização, da contratação de trabalhadores por tarefas ou em
crise que se abateu sob o governo Collor, foi com o Plano de Esta tempo parcial), vêm ocorrendo uma maior precarização dos empre
bilização Econômica, denominado Plano Real, a partir de 1994, gos e dos salários, aumentando o processo de desregulamentação
sob o governo Fernando Henrique Cardoso, que os programas de do trabalho e de redução dos direitos sociais para os empregados
qualidade total, o sistema jiist-in-time e kanban, bem como a intro em geral e para os terceirizados em particular. (Jinkings, 2002 e
dução de ganhos salários vinculados à lucratividade e à produtivi Segnini, 1998).
dade das empresas, sob uma pragmática que se adequava forte Do ponto de vista do capital financeiro, essas formas de con
mente aos desígnios neoliberais, encontraram uma contextualidade tratação permitem às empresas ganhos enormes de lucratividade,
propícia para o desmanche vigoroso da reestruturação produtiva, ao mesmo tempo em que atingem fortemente a capacidade de re
da liofilização organizacional e do enxugamento empresarial. sistência dos bancários, fragmentando-os e dificultando sua orga
Portanto, se o processo de reestruturação produtiva no Brasil, du nização sindical. Apoiados no incremento informacional, os pro-
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gramas de ajustes organizacionais reduzem ao máximo a estrutura um aumento sem precedentes das Lesões por Esforços Repetitivos
administrativa e os quadros funcionais das instituições financeiras. (LER), que reduzem a força muscular e comprometem os movi
Como conseqüência, foram desativados ou bastante reduzidos mentos daqueles que são portadores da doença.
grandes centros de computação, serviços e compensação de che Em contrapartida, os programas de “qualidade total” e de “re
ques, ao mesmo tempo em que setores inteiros foram extintos nas muneração variável”, amplamente difundidos no setor, recriam
agências bancárias e centrais administrativas. Enquanto crescem estratégias de dominação do trabalho que procuram obscurecer e
em poderio econômico os grandes conglomerados financeiros pri nublar a relação capital e trabalho. Os trabalhadores bancários são
vados, com taxas de lucro enormes, o número de bancários no país constrangidos a tornam-se “parceiros”, "sócios”, “colaboradores”
reduziu-se de aproximadamente 800 mil no final dos anos 80 para do bancos e das instituições financeiras, num ideário e numa prag
menos da metade em 2002. (Jinkings, 2002). mática que aviltam ainda mais a condição laborativa. (Jinkings,
Em relação à divisão sexual do trabalho, na medida em que se 2002)
desenvolviam os processos de automatização e flexibilização do
trabalho bancário, presenciou-se paralelamente um movimento de
feminização da categoria que, entretanto, não foi seguida por uma II
equalização quanto à carreira e salário entre homens e mulheres
nos bancos. Uma série de mecanismos sociais de discriminação - Esse processo de reestruturação produtiva (que exemplificamos
reproduzidos e intensificados nos ambientes de trabalho - vêm acima através dos setores automobilístico e bancário), mas que
estabelecendo relações de dominação e de exploração mais duras atingiu a quase totalidade dos ramos produtivos e/ou de serviços,
sobre o trabalho feminino, que vão se traduzindo em desigualdades acarretou também alterações significativas na estrutura de empre
e segmentações entre gêneros. (Segnini, 1998 e Jinkings, 2002) gos no Brasil. Se durante a década de 1970, segundo Pochmann
As mudanças apontadas nas características pessoais e profissio (2000), no auge da expansão do emprego industrial, o Brasil che
nais dos bancários são, portanto, expressões da reestruturação pro gou a possuir cerca de 20% do total dos empregos na indústria de
dutiva em curso e de seus movimentos de tecnificação e racionali transformação, 20 anos depois, a indústria de transformação ab
zação do trabalho. Visando adequar sua força de trabalho às moda sorvia menos de 13% do total da ocupação nacional. Como re
lidades atuais do processo produtivo, as instituições financeiras sultado do processo de reconversão econômica, registraram-se,
exigem uma “nova qualificação” para os trabalhadores do setor, segundo o autor, ao longo dos anos 90, novas tendências nas
que parece ter mais uma significação ideológica do que tecno- ocupações profissionais. Com “a mudança da dinâmica industrial
fiuncional. Conforme nos mostra Jinkings, num contexto de cres voltada para o mercado interno”, dada “a motivação dependente
cente desemprego e de aumento de formas precárias de contrata de maior inserção competitiva externa, a economia nacional co
ção, os assalariados bancários são compelidos a desenvolver uma meçou a conviver, pela primeira desde os anos 30, com perda
formação geral e “polivalente”, na tentativa de manter seu vínculos absoluta e relativa de postos de trabalho na indústria de manufa
de trabalho, sendo submetidos à sobrecarga de tarefas e a jornadas tura. Entre as décadas de 1980 e 1990, por exemplo, a economia
de trabalho extenuantes. Agravaram-se os problemas de saúde brasileira perdeu próximo a 1,5 milhões de empregos no setor de
destes trabalhadores/as nas últimas décadas e observou-se também manufatura”. (Pochmann (2000), idem).
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Paralelamente à retração do emprego industrial, entre as déca produtiva industrial e de serviços no país, ele também mescla-se
das de 1970 e 1990, os serviços aumentaram, em média, 50% sua com novos processos produtivos, conseqüência da liofilização
participação relativa na estrutura ocupacional, sendo em boa medi organizacional, dos mecanismos da acumulação flexível e das
da direcionadas para o setor informal, que incorporou parcelas práticas toyotistas que foram (parcialmente) assimiladas no setor
expressivas de trabalhadores, sobretudo no comércio, comunica produtivo brasileiro.
ções e transportes. Ainda segundo o autor: “Na década de 1990, os Se é verdade que a baixa remuneração da força de trabalho -
serviços passaram a absorver mais postos de trabalho, sem com que se caracteriza como elemento de atração para o fluxo de capital
pensar, entretanto, a destruição dos empregos verificada tanto no externo produtivo em nosso país - pode se constituir, em alguma
campo quanto na indústria. Atualmente, o aumento do desemprego medida, em alguns ramos produtivos, como elemento obstaculiza-
aberto reflete justamente a incapacidade da economia brasileira dor do avanço tecnológico em nosso país, devemos acrescentar,
para gerar expressivos postos de trabalho, não obstante o setor de por outro lado, que a combinação obtida através da superexplora-
serviços continuar absorvendo uma parte dos trabalhadores que ção da força de trabalho com padrões produtivos tecnologica
anualmente ingressam no mercado de trabalho ou que são demiti mente mais avançados, constitui-se em elemento central, no verda
das dos setores industrial e agro-pecuário”. (idem). deiro discreto charme do capitalismo brasileiro. Isto por que, para os
Se, em 1999, o Brasil estava em terceiro lugar em volume de capitais (nacionais e transnacionais) produtivos, interessa a confluên
desemprego aberto, representando 5,61% do total do desemprego cia entre força de trabalho "qualificada", “polivalente”, multifun
global (sendo que sua população economicamente ativa represen cional”, preparada para operar com os equipamentos informacio-
tava 3,12% da PEA mundial), em 1986, esse índice encontrava-se nais, percebendo, porém, salários bastante dilapidados, sub-
em 13° lugar no desemprego global, representando 2,75% da PEA remunerados, em patamares muito inferiores àqueles alcançados
global e 1,68% do desemprego mundial. (Pochmann, 2000 e 2001). pelos trabalhadores nas economias avançadas. E, vale acrescentar,
Portanto, a partir dos anos 90, com a intensificação do processo vivenciando condições de trabalho fortemente precarizadas. Viven-
de reestruturação produtiva do capital no Brasil, sob a condução ciando condições que se aproximam do avesso do trabalho.
política em conformidade com o ideário e a pragmática definidas
* * *
no Consenso de Washington e aqui seguidas pelos governos Collor
e FHC, presenciamos várias transformações, configurando uma
realidade que comporta tanto elementos de continuidade como de Os textos seguintes, que compreendem este volume duplo da
descontinuidade em relação às fases anteriores. O que permite Revista Idéias, em seu sentido polimorfo e multiforme, nos ofere
supor que no estágio atual do capitalismo brasileiro combinam-se cem um panorama presente nos diversos setores e ramos produti
processos de enorme enxugamento da força de trabalho, acrescido vos, que auxiliam na compreensão do desenho atual do capitalismo
às mutações sócio-tecnicas no processo produtivo e na organização brasileiro e de sua reestruturação produtiva, com um olhar atento
social do trabalho. A flexibilização, a desregulamentação, a tercei para as formas modernas (e pretéritas) de precarização do trabalho,
rização, as novas formas de gestão da força de trabalho etc., estão bem como fotografam, com bela sensibilidade, as formas cotidia
presentes em grande intensidade, indicando que o se o fordismo nas da ação, resistência e rebeldia do trabalho, tanto nas cidades
parece ainda dominante quando se olha o conjunto da estrutura como nos campos.
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