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AGNES HELLER UMA TEORIA DA HISTORIA Tradugio de Dilson Bento de Fatia Ferreira Lima erin MMR sie ‘Teale original: A THEORY OF HISTORY Copyright © 1981, «1993 by AGNES HELLER Tepresensed by EULAMA SRL, Roma 1 dio (em inglés) publicada por ROUTLEDGE & KEGAN PAUL, 1981 Capa: BELIPE TABORDA ‘Comporigie: ART LINE Produgées Grifies Luda, — Rio de Janeiro (dukerees fornecidas pelo tradutor) ISBN: 85-200-0120-3, 1993: ANO COMEMORATIVO DO 60° ANIVERSARIO DA EDITORA “Teds ov ditetas reservados. Neahuma parte deste liso poder ser reprodurida seja de que forma for, sem expresia atorizagio da EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRA S/A. ‘Av Rio Branco, 99, 20° andar 0040-004 Rio de Janeizo - R) Fel, (021) 265 2082 Teles: (21) 33 978 Fax: (021) 263 6112 (Caixa Postal 2356 + Cep. 20010 Impresso no Brasil Printed in Bevel Sumario 9 Primeira Part: Historicidade 1, Estagios da consciéacia histotica, a oo B 2. Presente, passado € futtf0....0.eccrseee 31 dda historiografia ¢ da filosofia da hist6ria. se. 69 * Segunda Pate: Historiografia como episthémé 4, Ressalvas_introdut6rias. oo 95 >. Passado, presente e fururo na storiognfia so 9 6. Os valotes na historiografia.......... . a 7. Juizos morais em historiograli M1 8. Notmas conctetas pata a pesquisa historiografica... 153 9. Teoria e método em historiografia,......-1-» 10. Principios organizadores em historiografia 11. Princfpios explicativos em historiografia. 12. Prineipios otientadores da historiografia. 13. A teoria ‘mais elevada’ e aquela aplicada Terceira Parte: Sentido ¢ verdade na histéxia “ow a filosofia da hist6ria 14. A especificidade da filosofia da hist6tia.....ececoe 253 15. A nocio de desenvolvimento universal como categoria fundamental da filosofia da hist6ria.... 267 16. As leis histéricas universais: objetivo, lei e necesidade 283 17. Holismo ¢ individualismo. 297 18. A filosofia da historia ¢ a idéia de socialismo 313 Quarta Parte: Introdugio 2 uma teoria da histéria 19. Um resgate da hiscéria? 333 20. O progtesso € uma ilusio?. 335 21. A necessidade da utopia. 367 22. Algumas noras sobre o sentido da existéncia histérica, 389 Notas do TextO.cssssessessssnssesnsenssninsseseetnasrnees 397 8 Prefacio Quis evitar, neste livto, na medida em que foi possive, refe- réacias e citacbes. Como os trabalhos considerados clissicos, tanto 0s historiograficos, quanco aqueles pertencentes ao campo da filo- sofia da histéria, consticuem tema deste estudo, fiz-lhes as ade- quadas referéncias. Entretanto, omiti citacées quando se tratou de autores ¢ obras notérios, exceto no caso de passagens breves. mas cxemplares, Estou bastante consciente de que a nocdo de "‘léssi- co’ & muito vaga e que depende, em parte, da posigio do autor a respeito das obras consideradas como integrantes desse conjun- ‘possivel haver uma discordancia valida sobre o fato de que Censidero Weber, Dutkheim, Croce ¢ Lakics como sendo “lis c0s"” no campo, embora outtos sejam omitidos, Refeti-me apenas Aqueles autores a quem tomei emprestado certas propostas € solu- 60s te6ricas e, ocasionalmente, a alguns, cujas formulag6es conci- sas ¢ originais Considerei particularmente esclarecedoras. Os problemas com que lidei constituem quest6es fundamen- tais de nossos dias, tratadas por muitos renomados inteleccuais do século XX. Mesmo assim, considerei desnecessério recapitulas ces tas solugdes propostas, apenas para mostrar que no compartilho delas. Sou contudo grata a todas essas pessoas exatamente por te- rem tocado’as questées em debate ¢ por haverem levado-me a repensi-las a meu proprio modo. Se agora cito seus nomes, nio € por meta cortesia, mas como reconhecimento a comunidade cien- tifica do passado ¢ do presente. Sem considerar o fato de ter cita- do ou nao suas obras e tomes, sou especialmente grata a: Adorno, Apel, Aron, Beard (C.A.), Bechel (L.C.), Beclin, Blake (C.), Bloch (E.), Bloch (M.), Danto, Foucault, Gallie (W.B,), Gardamer, Gar- 9 diner, Getlner (E.), Goldmana (L.), Gurvitch, Habermas, Hem- pel, Kuha, Leach, Lévi-Strauss, Lovejoy (A.0.), Luhmann, Man- delbaum (M.), Marquard (O.), Meinceke, Mesarovie, Meyetholf (1), Murray, Nagel (E.), Pestel, Pirenne (H.), Polanyi (K.), Popper, Rus. sell, Sablins, Sauvy. Schmide (A.), Schulin, Scriven (M.), Service, Sorokin, Spubler, Toynbee, Tioeltsch, Walsh (W.H.), White (M.), Whitehcad, Wittgenstein Um auror ¢ um livro se destacam pela considerivel impor- tdncia que tiveram neste empreendimento: Collingwood e sua obra, The Idca of History (A idéia de histéria}. Antes que fesse seu li- ‘y1o, meu pensamento ainda cra caético com relagéo a0 meu tema; ao terminar sua leitura, sabia perfeitamentc 0 que iria defender ‘Tenho a mais profunda gratidio por esse autor iajustamente es. quecido, a cuja memétia dedico este livro. Quero ainda expressar, aqui, meu reconhecimento a Ferenc Fehér por sua critica conscienciosa ¢ pelos bans conselhos que me permitiram corrigit os manuscritos, esclarecer certos pontos obs- curos € tomar cettos atgumentos ainda mais convincentes. Pela revisto estilistica do texto, agradeco a Freya Headlam ¢ 1 Brett Lockwood, quc tanto tempo e encrgia dedicatam a0 ma- nuscrito, Finalmente, agradego meus colegas do corpo administra- tivo do Departamento de Sociologia da Universidade La Trobe, por terem datilografado © manuscrito. Agnes Heller 10 Primeira Parte: Historicidade 1? Capitulo: Estagios da consciéncia histérica 1. Consciéncia da generalidade mio refletida: 0 mito. 2. Consciéncia da genetalidadc refletida em particularidade; consciéncia de histéria como pré-histGria, 3. Consciéncia da universalidade no refletida: 0 mito uni- versal, 4. Conscitncia da paricularidade refletida na generalidade: consciéncia de hist6ria propriamente dita. 5. Consciéncia da universalidade refletida: consciéncia do mun- do hist6rico. 6. Consciéncia da generalidade refletida — como tarefe (de superar @ consciéncia hist6rica decomposta): responsabili- dade planetéri. Da generalidade nao refletida 3 generalidade reflecida Naqucle tempo havia um homem ld. Ele exists naquele tem- po. Se existiu, jé ndo existe. Existin, logo existe porque sabemos que aaquele tempo havia um homem e existira, enquanto alguém contar sua hist6ria, Era um ser humano que estava ld, “‘naquele B ‘tempo’, € 56 seres humanos podem contat sua historia porque 56 cles sabem 0 que aconteceu “‘naquele tempo”. ‘Aquele tempo” €o tempo dos seres humanos, o tempo humano. ‘Um homem estava “Li”, naquele tempo, Estava li ¢ no aqui. No entanto, esté aqui ¢ permaneceti, enquanto alguém narrar aqui a sua saga. Era um homem quem “‘estava la’’ ¢, apenas, os seres humanos podem situé-lo "JA", pois s6 eles sabem a tespeito de “aqui” ¢ ''l4", categorias que constituem 0 espago dos seres hu- ‘manos, 0 espago burmano. A histoticidade nfo € apenas alguna coisa que acontece co- ‘ngsco, uma mera propensio, na qual nos “‘metemos"” como quem xyeste uma roupa, Nés somos historicidade; somos tempo ¢ espaco. TAs duas ‘‘formas de percepgao"’ de Kant nada mais sio do que a consciéncia de nosso Ser e esta consciéneia € nosso proprio Ser. ‘As categorias a priori de Kant — quantidade, qualidade, relagio © modalidade — sfo secundérias de um ponto de vista ontolégi- co, Nao constituem a consciéacia de nosso Ser, mas expressio de reflexao consciente sobre nosso Set. Os sees humanos podem con- ceber tempo e espaco sem quantidade, qualidade, relacao © mo~ dalidade (como o toby bohu, o vazio, 0 vacuo universal), mas no podem pensar estas categorias fora do tempo ¢ do espaco. Até mes- mo o absutdo é temporal e espacial, porque nds somos tempo € mortal, S6 sio mortais aqueles que tém consciéncia de que pere- cetio. Sé seres humanos sio moreais. Uma vex que somos tempo, cesta € a razio pela qual ndo éramos e nio seremos. Uma ver que somos espago, nosso no-Ser significa ndo estar aqui. Quando jé nao formas, ndo estaremos aqui, mas /: no ar, no vento, no fogo, no Hades, nos Céus, no inferno on na nulidade. Fotteranto, mes: ‘moa nulidade é espago, tanto quanto nunca é tempo. Somos mor- ‘ais, mas ado estamos mottos. Nao podemos conceber o estatmos morcos, posto que somos tempo € espaco. O fato de que no éramos e de que nao seremos significa que, quando nao estavamos, outros estavam ¢ que, quando ja nio esti- vermos, outtos estario; além disto, que, quando jf no estivermos’ aqui, outcos aqui estardo, Podemos imaginar que nfo existissemos ‘€ que ndo estivéssemos aqui nos tempos de César ou de Napoleao, contudo € inimagingvel que nio existissemos ¢ aqui ndo estivésse- mos, quando ninguém existia. E imaginavel que nao seremos 4 ‘do cstaremos aqui, quando outros sero € estaréo, mas ¢ inimagi- ndvel que nio sejamos, quando ninguém estiver. Néo estat aqui sé tem significado se outtos estiverem. Estat em lugar nenhum s6 tem sentido se houver algum lugar, do mesmo modo que 0 ni0- Ser s8¢ inteligivel porque existe o Ser. “Naquele tempo havia tim hhomem” significa que existe alguém que narra a saga dele e que haverd alguém que a contard depois, A historicidade de um sinico ‘homer implica a historicidade de todo o género humano. O plu- tal € anterior a0 singular: se somos, sou ¢ s¢ no somos, no sou. ‘A questio fundamencal da historicidade ¢ a pergunta de Gauguin: “De onde viemos, o que somos ¢ pera onde vamos?” A pattit da mortalidade, do tempo e do espaco € que sempre Jevantamos 2 mesma questo ¢ af exptessamos a historicidade do géncro humano, com a qual a bistoricidade de nosso Ser (do Set ‘de cada individuo) exeve € estar sempre correlacionada. A per- sgunta nunca muda, mass respostas variam. A resposta 3 pergun- ta— "De onde viemos, o que somos e para onde vamos?"" —seré chamada “consciéncia histérica’’ ¢ as miluipla respostas a ela, di- Tetentes em subscincia ¢ estrucura, setéo ditos estdgios da cons- eiBncia bisebtica. a, Primeiro estigio: 2 generalidade nao refletida: a génese. No inicio 14 estava 0 inici A frase “no inicio ld estava.” ndo significa que Ii jé nao cxsta, ‘nem mesmo que nio possa mais existir, mas apenas que verdadei- ramente estava no inicio, A soleira para a humanidade € cruzada no momento em que 4s notmas substituem os instintos. SO podem ser denominados hu- ‘manos aquelés Serescujas agdesre modos de compottamento se de- seavolvem através de sistemas e instituigoes de condua, exteriores um determinado membto da espécie no momento de seu nasci- mento. No comeco, nascemos num cla, numa tribo. Apesar de que nao haja instituigao social imutdvel, as alteragées podem ser lentas ‘ediminutas , por isso, imperceptiveis. As normas e regras de con- 5

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