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Imagens Internas: 0 Factor Pessoal, Impessoal e Transpessoal Joao Peneda “E disse Deus: Fagamos 0 homem & nossa imagem, conforme a nossa semelhanga.” Gen, 1:26. Admitimos que a imagem! torna de algum modo presente (re-presenta, evoca), através de um medium, algo ausente: ela é “a presenga de uma auséncia”.” Remete portanto para algo de outro, o seu referente. Uma imagem de nada parece, & primeira vista, um contra-senso.? Ora, se cla vem no lugar de outra coisa, ontologicamente, tendeu a ser desconsiderada. Platéo situou-a um furo abaixo da realidade externa ¢ dois furos aquém do mundo das ideias arquetipicas. Na verdade, embora a imagem procure colmatar a distancia com a coisa, nunca se produz 0 toque, isto é, cla nao se torna equivalente ou consubstancial ao representado. Do ponto de vista fenomenoldgico, ou seja, atendendo ao que esta dado, estamos sempre perante imagens (adumbracées) que remetem para um certo “si mesmo”, um objecto. Assim, a imagem insere-se j4 num processo de remisséo permanente — evocagio (éevéuvnotc) nos termos de Plato enredada nessa estrutura, por isso, qualquer coisa podera remeter para outra coisa. Deste modo, que caracteriza 0 nosso horizonte de sentido.’ Toda a realidade, externa e interna, esté a imagem seria uma modalidade espectfica de sentido do proprio horizonte representativo. E certo que vivemos num tempo em que as imagens tentem a dispensar em grande medida as proprias coisas.* A imagem tem porém um limite: se ela procura substituir a coisa, nao the restitui contudo a vida. Por isso, neste mundo contemporaneo repleto de imagens, um dos grandes desafios tem sido “dar vida” as imagens, como sucede com os meios técnicos mais recentes: fotografia, cinema, televisio, animacio, realidade virtual, informatica, internet, etc. Numa determinada acep¢4o, podemos afirmar que todas as imagens sio internas. As ciéncias da mente dizem-nos que as imagens se formam no cérebro, ou seja, o que julgamos ver no 1 Do latimn imago. 2. "Onde falta 0 corpo, toma o seu lugar a imagem. F uma lei geral da produgio das imagens". BELTING, Hans, A uerdadeina imagem. Entre a e a suspeita das imagens: cenéviashistéricos, Porto, Dafne, 2011, p. 76. 3 Na dda arte, a possibilidade de uma imagem sem referende resultou do experimentalismo ¢ da ousadia das vanguardas do inicio do século XX. Se nocio de imagem comporta o seu referente, a nogio de visual ou de imaginavio permitiriaassinalar um registo que néo remere para fora de si 4 CE. Repiiblica, 5. Kane mostiou na Critica da Razio Pura que a Sensibilidade (espago-tempo) constitui uma estrutura relacional que é condigio de tudo aquilo que nos € dado imediaamente (na Intuigio). Deste modo, qualquer identidade é sempre ¢ de cada ver relacional 6 Slavoj Zizek defende que as imagens tornaram-se para nés a “verdadeira realidade”. 30 exterior nio deixa de ser um acontecimento cerebral (interno). Por outras palavras, da realidade externa emanam ondas electromagnéticas que se transformam em sensagées luminosas nos nossos olhos, produzindo-se, por sua vez, imagens no cértex visual. Existe porém toda uma categoria de imagens que nao decorre directamente da observagio da realidade externa ou, noutros termos, nao resulta de uma excitagéo exterior ao sistema per- ceptivo. Essas merecem aqui a designagao de imagens internas,’ mas poderiam ser igualmente designadas imagens mentais ou subjectivas. © nosso propésito serd dar conta das imagens internas a partir sobretudo do chamado condicionamento psiquico subconsciente e inconsciente. Mostrar de que modo essas imagens resultam e detivam de influéncias e motivos que escapam a consciéncia. No ambito deste artigo, vamos estreitar a nossa abordagem ao condicionamento € aos mecanismos oniricos, responsaveis pelas imagens nos sonhos. Uma imagem interna é 0 resultado de uma reprodugao ou representacéo mental de uma petcep¢io ou sensagio anteriormente experimentada (por exemplo uma imagem visual); ou ainda a representago mental de um ser imagindrio, de um principio ou de uma abstracao (por exemplo a imagem de Deus, da realeza, do triangulo). Eis a antiga distingao entre a fungao reprodutora ¢ criativa da imaginagao. O elenco que propomos destes fendmenos compreende trés categorias escalonadas segundo uma abordagem pessoal, impessoal ¢ transpessoal." Respectivamente, imagens internas que a psicandlise freudiana reconheceu, as achegas da psicologia analitica de Jung e ainda os chamados contetidos transpessoais: 1) Lembrancas e imagens sensoriais (visuais, sonoras, tacteis, cinestésicas) e de teor emotivo, sonhos, devaneios, fantasias, fantasma (“cena primordial”), sensagées, impress6es, alucinagées, delirios, imaginacéo, representacées inconscientes, imagens trauméticas, lembrancas encobri- doras, déja vu, fetichismos, formacées objecto a (Freud e Lacan);? 2) Arquétipos: animus, anima, persona, self, sombra, velho sabio, grande mae, etc. (Jung)s 3) Estados modificados de consciéncia (holotrépicos), memérias perinatais, memérias de alegadas vidas passadas, etc. (Grof). Factor pessoal (Freud), impessoal (Jung) e transpessoal (Grof): De alguma maneira, as respostas que damos as perguntas fundamentais decorrem do nosso ponto de partida, isto é, do entendimento que fazemos do humano. A resposta a pergunta 0 que é uma imagem (interna) dependerd igualmente da resposta que damos previamente & pergunta o que €0 homem? Confrontados com esta questo, podemos identificar duas respostas extremas: 7 Tanto Husserl como Sartre foram muito criticos da ideia de imagem mental ou representagio interna. Evie taram a suposigéo de imanéncia, isto é, a crenga de que existiria uma imagem no interior da consciéncia 8 “Term means literally «reaching beyond the personal» or «transcending the personal.» The experiences that originate on this level involve transcendence of our usual boundaries (our body and ego) and of the limitations of three-dimensional space and linear time that restrict our pesception of the world in the ordinary state of conscious- ness." Grof (2000), p. 56. 9) A expressio formagées do objecto a deve-se a Juan Nasio. CF. NASIO, Juan, Les yeus de Laure. Le concept objet « dans la théorie de J. Lacan, Pati, Aubier, 1987. Cap. IIL 31 Joao Peneda uma, acentuando a nossa finitude e o carécter fortuito da vida e do Universo em geral; ¢ outra, sublinhando um propésito em tudo 0 que existe ¢ uma conexio de humano com algo mais subtil ou superior. No mesmo sentido, sobre a imagem podemos destacar duas perspectivas mais extremadas: a leitura freudiana tradicional e a mais recente abordagem transpessoal. Claro que cada uma das perspectivas aqui em disputa reserva um conjunto de objecgdes para a sua oponente. A psicanilise freudiana remete para 0 campo da ilusio (neurose) ou do delitio (psicose) 0 dom excessivo € ao mesmo tempo limitado o relevo dado aos factores pessoais: sexualidade, trau- ma infantil, fantasia, pulsées ¢ representag6es inconscientes, Em alternativa, até por ser mais recente, a perspectiva transpessoal apresenta-se como mais inclusiva ¢ abrangente. Sustenta que s6 podemos dar conta do humano se incluirmos todas as suas facetas, nomeadamente 0 dominio espiritual. O factor pessoal refere-se ao condicionamento resultante da histéria particular de cada transpessoal. Por sua vez, a abordagem transpessoal considera individuo. Jé o factor impessoal chama a nossa atengio pata a estrutura e formas preexistentes (arquétipos de Jung). Claro que também podemos designar impessoal 0 condicionamento ins- tintivo, 0 simbolismo nos sonhos,"" as estruturas clinicas, assim como o simbélico e a topologia em Lacan. O factor transpessoal aponta para o condicionamento que vai além da existéncia finita do individuo, incluindo o dominio perinatal, as memérias de alegadas vidas passadas e ainda os estados modificados de consciéncia. Para além do sentido estatico, o softer efeitos ¢ influéncias, devemos entender estas memérias e experiéncias de um modo dinimico, isto é, implicando a necessidade de tansformagao individual ¢ de vivencias transformadoras e transcendentes. Freud ¢ Lacan acentuaram 0 factor pessoal, os acontecimentos ¢ as contingéncias da hist6ria individual: representagoes inconscientes (significantes) vicissitudes pulsionais." Nio foi dado grande relevo ao factor impessoal, no sentido das invariantes bioldgicas e culturais. De qualquer modo, estes dois psicanalistas néo deixaram de assinalar um conjunto de invariantes psiquicas (tipicidade): complexo de Eidipo (Nome-do-Pai) e de castracao, estruturas elinicas e fantasma, Para o inventor da psicandlise, o sintoma tem uma vertente individual (pessoal) ¢ outra tipica (impessoal).!? Jung foi responsivel pela identificagio do condicionamento arquetipico, co é, um preci- pitado de imagens miticas. Os arquétipos personificam as diferentes experiéncias fundamen- tais da condi¢éo humana. Constituem um a priori da representagao imagética, uma heranca filogenética que se faz valer sobretudo em situagdes em que a consciéncia nao tem o controlo das circunstincias da vida. Deste modo, o arquétipo constitu uma condigéo de possibilidade inata das imagens (internas)", © préprio sintoma seria em parte uma via distorcida de realizar 10 O simbolismo onirico é considerado como um caso particular do “representar inconsciente” CF. FREUD, Sigmund, A Interpretagdo dos sonbos, Lisboa, Relégio D' Agua, 2009, p. 254. Na interpretacio dos sonhos a prioridade € dada i associagio live verbal, sendo o simbolismo onirico um “meio auxiliac’. Ibidem, p. 260. 11 Freud mostrou que a pulséo obedece a uma gramitica, nomeadamente no ensaio As palsies ¢ as suas vicissitudes (1915). 12 Para Freud, o individual nio ¢ independente do tipico, mas sim uma marca singular ou uma vicisitude deste. 13. “Trata-se dos arquétipos que determinam os rumos da actividade da fantasia, produzindo desse modo nas imagens fancisticas dos sonhos infantis, bem como nos delirios esquizofiénicos, surpreendentes paralelos micol6gicos, 32 Imagens Internas: 0 Factor Pessoal, Impessoal e"Transpessoal anseios arquetipicos ou entao o resultado de ser tomado por um arquétipo. Jung chegou mesmo a propor que certas ideias, invengées ¢ criagdes teriam nos arquétipos a sua origem."* Abraham Maslow considerou a psicologia transpessoal como a “quarta forga” no dominio psicolégico, sendo a primeira forga a psicandlise, seguida do comportamentalismo e do huma- nismo. Ao tomar consciéncia das limitagées da psicologia humanista por si fundada, deu ori- gem, juntamente com Sutich, em 1971, & chamada “psicologia “transpessoal”.'° Esta perspectiva resultou da necessidade de realizar uma cartografia mais completa do humano, no fundo, um modelo mais abrangente da psique. Neste caso, 0 sintoma ¢ entendido sobretudo como recusa ou insuficiente conexio com algo superior." O factor transpessoal” refere-se assim a0 condicio- namento eos fendmenos que vao além da existéncia finita do individuo:" estados modificados de consciéncia (holotrépicos), registo perinatal, memérias de vidas passadas, etc. Em suma, cada escola psicoterapéutica destaca um determinado factor como sendo o princi- pal motivo da busca humana: Freud acentuow a procura da satisfacio (sexual), do amor (Eros); com Adler temos a procura do poder; em Jung, 0 processo de individuagio (Individuation); Lacan fala-nos do gozo (jouissance); por sua vez, os autores transpessoais salientam a impor- tncia decisiva da auto-realizagao espiritual, Freud, 0 sonho e a sua interpretagao: Em 24 de Julho de 1895, Freud admite que descobriu “o segredo dos sonhos” ao decifrar © seu sonho: “Injeccéo dada a Irma”. Cinco anos depois, publica a sua obra mais famosa: Die Traumdeutung.” O liveo foi publicado em Novembro de 1899, ainda que, a pedido de Freud, tenha sido pré-datado para 1900, assinalando assim a intengio de se tornar numa obra ‘com os que também encontramos de forma atenuada nas pessoas normais ¢ neur6ticas. Nio se trata portanto de idcias herdadas, mas das suas possbilidades. Nao se trata também de herangas individuals, mas gerais, como se pode verificar pela ocorréncia universal dos arquétipos.” JUNG, Carl, Os Argudtipase 0 inconsciente coletivo, Rio de Janciro, Vores, 2006, p.78. 14 “Mas onde é que Demécrito ou quem quer que tenha falado dos menores elementos constitutives teria ouvido falar de dtomos? Esta nogio originou-se de ideias arquetipicas, isto € de imagens primordiais que nunca sio representagdes de acontecimentos fisicos, mas produtos espontineos do facto animico.” Ibidem, p. 70. 15. A expressio foi encontrada com o contributo de Stanislav Grof. 16. Jung foi dos primeiros a acentuar a importincia da dimenséo espiritual para o bem-estar human. Chegou a defender que certos sintomas seriam caricaturas desseanseio da alma: alcoolismo, deogas e outros comportamentos escapistas. O conhecido caso Roland H., fundador dos Alcodlicos Anénimos nos Estados Unidos, é disso exemplo. Jung comunicou 20 seu paciente que nio poderia superar o seu alcoolismo a nao ser através de uma experiéncia espirieual profunda: “His craving for alcohol was the equivalent on a low level ofthe spiritual thirst of our being for wholeness, expressed in medieval language: the union with God.» Carta a William Wilson, 30 de Janeiro de 1961 17 “Estudos transpessoais podem ser definidos como investigagées metédicas sobre os comportamentos huma- nos ¢ as experiéncias observadas e relatadas nas quais 0 sentido da identidade parece estender-se para ki dos limites normais para englobar aspectos mais profundos, vastos e alargados do homem, da vida, e/ou cosmos, incluindo clementos da criagao expressos como Divinos.” Cf. KRIPPNER, Stanley (1997). Foreword. In ROTHBERG, Donald; KELLY, Sean (Fd.), Ken Wilber in dialogue. Conversations with leading transpersonal thinkers, Wheaton, Quest, 1998, p. ix 18 Com excepgio de experiéncias mais extremas, as vivencias transpessoais néo sto completamente desconti- nuas a0 nosso percurso biogréfico individual 19. Em portugués ¢ letra, seria A signifcagao do sonbo, A tradugio mais usual € A interpretagio dos sonbos. 33 Joio Peneda de viragem para 0 novo século, Curiosamente, a edigéo inicial foi um enorme insucesso de vendas. Com a sua obra, Freud quis demonstrar que a pritica psicanalitica permitia descobriu © significado dos sonhos ¢ a seu nexo com vida psiquica do individuo. Para o efeito, a explici- taco do “trabalho do sonho”, responsével pela obscuridade dos contetidos oniricos, mostraria que 0 chamado “proceso primario” é activado pelo conflito de determinadas forgas ou instancias psiquicas. Na antiguidade prevaleceu a ideia de que o sonho seria uma “manifestagao favordvel ou hostil dos poderes superiores”. Os sonhos eram encarados como mensagens divinas que importava honrar e decifrar; tinham um cardcter premonitério e a sua fungao era sobretudo alertar. Em virtude desta crenga na origem superior, os homens sentiram-se dispensados de procurar outro estimulo ou fonte, Em contrapartida, Freud considerava que a interpretagio dos sonhos” constitufa “a estrada real para o inconsciente”. Jung afirmou que era “o meio técnico mais importante para abrir um caminho para o inconsciente.”” Assinale-se assim que na modernidade esta instancia psiquica tendew a assumir o lugar antes atribuido ao divino.”! Para Freud, a ciéncia da sua época entendia 0 sonho como um mero processo fisiolégico sem qualquer sentido , significagio ou inten- so .* O inventor da psicanilise dird que “os sonhos seriam apenas comparados a convulsées e ndo a movimentos expressivos da vida psiquica .”? No fundo, 0 pensamento cientifico dominante remetia para 0 registo somdtico ¢ fisico a origem dos sonhos; estes seriam 0 mero resultado de uma alucinacio imaginacéo) subconsciente provocada pelo corpo. Para a psicanilise, 0 sujeito dos sonhos € sempre o sonhador, dai que, nas palavras de Freud: “nenhum sonho (seja] provocado por motivos que nao sejam egoistas.”** Em 1925, Freud ird acrescentar uma nota & Inteypretagdo dos sonhos, onde remete os motivos egoistas para os “ins- tigadores inconscientes dos sonhos”, sublinhando que os motivos altruistas podem ocorrer na medida em que os “pensamentos pré-conscientes” concorrem igualmente para a formagao do contetido manifesto do sonho. Esté assim aberta a porta para a presenca de motivos altruistas nos sonhos.”* Estes motivos estéo muitas vezes associados a uma fungao geral do sonho que consiste em desculpabilizar o sujeito, mostré-lo como amavel perante o Outro (Lacan), Por seu turno, na psicologia transpessoal é feita referéncia a sonhos que nao se circunscrevem & vida 20 Conferéncia de 7 de Novembro de 1928. 21 Assumindo o legado freudiano foi porventura Lacan quem proferiu a maxima mais agnéstic: “Deus é inconsciente’. 22. CE. GW, VIL, p. 32{7]. 0 texto freudiano reporta-se& edicio original em aleméo, Gesammelte Werke (GW), assim como & edigfo alemé mais acessivel, a Soudienansgabe (SA). Segue-se a paginagio de edigdes portuguesas exis. tentes entre parénteses rectos[ ], ¢ brasileiras entre parenteses curvos (). Neste caso, tratase das Obras psicoligicas completas de Sigmund Freud (ESB) publicada pela Imago (1996). 23 Ibidem, 24 GW, IMI, p. 677[121]. Em Zeingemafes tber Krieg und Tod, Freud afirma que “todos 0s nossos sonhos sio dominados por motivos puramente egoistas.” SA, IX, p. 46. 25 SA,IL, p. 274. 34 Imagens Internas: o Factor Pessoal, Impessoal ¢ Transpessoal, finita do sujeito, isto é, na linguagem técnica aqui em causa, sonhos desencadeados para além. da mera motivacéo individual de cada um.2* Para Freud, 0 sentido dos sonhos resume-se & realizacao de desejos ou votos pessoais, A tese de Freud é a de que o sonho é a realizacéo de um anseio : a “mocio inconsciente € 0 verdadeiro criador do sonho ; é 0 que produz a energia psiquica para a construcio do sonho.””” Curiosamente, foram 0s sonhos infantis que deram a chave: “O elemento comum a todos estes sonhos das criancas € ébvio. Eles realizam todos os desejos que tinham estado despertos durante o dia, mas que ficaram por satisfazer. Os sonhos sao simplesmente e sem disfarce a realizagao de desejos.”?® A reflexéo de Freud sobre 0 sonho gerou um conjunto vasto de nogées como contetido manifesto, contetido latente, umbigo do sonho, trabalho do sonho, material ¢ instigador do sonho. O contetido manifesto do sonho corresponde & lembranga que ficou na vigilia do acontecimento onirico que “consiste maioritariamente em situacdes pldsticas ”.® Freud lembra que 0 sonho é constituido “principalmente por imagens ”. Mas, do ponto de vista freudiano, se no sonho proliferam as imagens, a significagéo em falta deve-se sobretudo a uma dificuldade em encontrar a palavra justa, a chave significante. Por seu lado, o contetido latente do sonho corresponde ao “material rele- vante descoberto através da sua andlise”, isto é, os “pensamentos oniricos latentes”. Chegamos a0 contetido latente de uma formagao do inconsciente quando reunimos um conjunto de sig- nificagées produzidas através do trabalho de interpretagao. Este compreende as construgées do analista e as associagées do analisando, as quais incluem restos diurnos, fantasias, recordacées de infincia, impress6es corporais e situag6es relativas & transferéncia (relagao analitica). A inter- pretacéo do sonho dé origem a um conjunto de pensamentos que exprimem desejos ¢ anseios (Wiinschen). © que antes era uma narrativa, um enredo em imagens (filme), transformou-se em significantes, palavras, pensamentos, no fundo, representantes de desejos, votos ¢ anseios. Por oposicao ao aspecto lacunar do contetido manifesto, 0 contetido latente do sonho seria a revelacio exaustiva do sentido em falta, a tradugéo completa do desejo que terd de- sencadeado o sonho. Se 0 contetido manifesto corresponde a versdo truncada, 0 contetido latente seria a versio integral, nao censurada e distorcida (como veremos, condensada ou deslocada). Contudo, a transformagao do contetido manifesto no contetido latente nao dé resto zero. Na Traumdeutung, a propésito da sua interpretagao do famoso sonho da Injeceéo dada a Irma, Freud diz. que “qualquer sonho tem pelo menos um ponto no qual cle é 26 Kira Lynn Casto desenvolveu um método, Casto Spirituality Scoring System (CSSS), para identifcar conted: dos spirituais em sonhos. Neste método, espiritual édefinido como “eentragem em, e/ou reveréncia, abertura,¢ ligacao algo de significativo, que se eré estar para Id da completa compreensio c/ou existéncia individual.” Uma das questoes cruciais consiste em apurar se 0 chamado “contetido espiritual” no relato do sonho pode ser isolado e medido. 27, Conferéncia XXIX, SA, I, p. 461(27). 28 GW, IIMIIL, p, 658(105] 29. GW, INI, p. 672{117]. 30 Este resto serd designado por “umbigo do sonho”, 3 Joio Peneda insondavel , como um umbigo , através do qual o sonho se relaciona com 0 desconhecido .”** Freud defende que “todo 0 material que compée o conteiido de um sonho” deriva em il- tima instincia da experiéncia do individuo. O sonho limita-se a reproduzir e a rectiar aquilo que a meméria reteve. Significa que todos os elementos presentes no contetido manifesto do sonho (imagens ou palavras) estao relacionados com vida do individuo, mesmo que & primeira n contrapartida, Jung defendia que “o material do sonho nem sempre se constitui forgosamente de recordagées; pode também conter ideias novas que ainda nao sio conscientes.”” Isto para além de admitir a influéncia dos arquétipos no contetido manifesto do sonho. Mas, segundo Freud, o material onirico reporta-se exclusivamente ao que foi objecto de experiéncia e nao, como alegam os terapeutas transpessoais, a realidade arquetipicas, vidas passadas ou ainda a um futuro préximo ou distante, que seria antecipado em virtude de uma espécie de intuigao profética, Jo instigador do sonho , a impressio desencadeadora, é em geral, segundo Freud, um acontecimento sem importancia que aconteceu nos dias imediatamente anteriores.” Este “residuo diurno” corresponde ao ponto de partida do imagindtio do sonho. Segundo Freud, “todos os sonhos sem excepgio estio relacionados com qualquer impressio dos tilti- mos dias [...], do dia que precede imediatamente o sonho”.™ Do ponto de vista psicolégico, © instigador do sonho esta ainda associado a “uma experiéncia importante” que preocupou o sujeito durante 0 dia anterior. Para além de fontes de estimulagio puramente psiquicas, Freud enumera trés outras fontes dos sonhos: 1) Estimulos sensoriais externos (objectivos);"* por exemplo, ruidos ¢ luzes. 2) Estados internos resultantes da estimulagao dos érgios sensoriais com base apenas sub- vista tal ndo paresa. jectiva; por exemplo sensagées subjectivas da visio (caos luminoso) ¢ da audigéo (zumbidos) que podem levar &s chamadas alucinagées hipnagégicas (manifestagées visuais fantdsticas). 3) Estimulos sométicos internos (orginicos);" por exemplo dor fisica, incémodos ¢ impres- s6es corporais, problemas musculates, etc. De qualquer modo, Freud é da opinio de que “os estimulos externos ¢ internos [...] so apenas provocadores do sonho e, por conseguinte, nada nos revelam da sua esséncia .”” A razao é que “o sonho nao se limita a reproduzir o estimulo , mas elabora-o , faz. uma alusio , inclui-o num certo contexto, substitui-o por algo de outro.”** Na Conferéncia XY, afirma de um modo categérico que “podemos amitide 31 GW, I/II, p. 116; SA, IL, p. 130(145), 32. JUNG, Carl, A vide simbélica, Rio de Janeiro, Vozes, 2000, p. 201. 33. Diz Freud que, regra geral, é uma impressio “tio trivial, insignificance e dada ao esquecimento que s6 com dificuldade nos podemos recordar dela.” GW, II/III, p. 669{114]. 34. GWG IVIL, p. 6681114), 35. Afirma Freud que “o estimulo que incide sobre os sentidos durante © sono no aparece no sonho na sua forma real, mas é substituido por ourra imagem que, de algum modo, esté relacionada com ele.” IS, p. (64). 36 GW, I/II, p. 29159). 37. SAI, p. 113(100). 38 SAI. p. 112(101), 36 Imagens Incernas: 0 Factor Pessoal, Impessoal e Transpessoal influenciar o sonhador acerca do que ele vai sonhar, mas nunca provocar aguilo que sonhard. Quanto ao trabalho do sonho, ele realiza, “uma enorme compressto ou condensacio .”” De tal modo que os pensamentos latentes exce- dem em muito o contetide manifesto do sonho em virtude desta operacio. Por isso, “nao se encontra entao nenhum elemento do contetido de um sonho sem ramificagées associativas em duas ou mais direcgdes; uma situagao que no seja o resultado da composicao de duas ou mais impressGes ou experiéncias.”” Por sua ver, a interpretagao, o trabalho de andlise, visa desmontar literalmente 0 trabalho do sonho que culminou num contetido manifesto lacunar, impreciso ¢ tantas vezes estranho ao sujeito em causa. Para Freud, nos sonhos, a condensagao é “a caracteristica mais importante € peculiar do trabalho do sonho, juntamente com a transformagio de pensamentos (dramati- zacio).”"' A condensagio onirica resume-se a uma formula: “Cada elemento do contetido do sonho é sobredeterminado pelo material dos pensamentos do sonho; nao deve a sua prove- nigncia a um tinico elemento desses pensamentos, mas a todo um conjunto.” Deste modo, cada elemento do sonho ¢ “o representante de todo esse material dispar no contetido do sonho.”** A condensacio é um processo que produz uma representagao na qual confluem varias cadeias associativas. Significa que cada elemento do conteiido manifesto do sonho, porque esté sobrede- terminado, remete para diversos pensamentos latentes que s6 a interpretacao em andlise poder explicitar. Um dos resultados do processo de condensagao sao as “figuras compostas e colectivas” que fazem lembrar as figuras lendarias € mitoldgicas do folclore dos diversos povos.** Segundo Freud, o deslocamento onirico consiste numa transferéncia do afecto de uma representacao inicial para outra com a qual tem uma associacao verbal: “No decurso do trabalho do sonho, a intensidade psiquica passa dos pensamentos e represen- nao tém qualquer di .”* Freud chega mesmo a afirmar que este processo € 0 principal respon: cardcter enigmatico das imagens oniricas: “o Amago do problema esté no deslocamento, que & de longe, a mais notavel das realizagées especificas do trabalho do sonho.”** De qualquer modo, a nogio de deslocamento exige um esclarecimento suplementar a partir da nogao de recalcamento , uma vez. que esta constitui a chave para dar conta tages a que propriamente pertence para outros que [ vel pelo dos motivos psiquicos por detrds da distorgéo produzida no sonho. © deslocamento onitico revela que o sonho € motivado, isto é, existe uma justificacio para ocultar certos pensamentos e desejos. Por isso, o trabalho do sonho opera uma distorcao para iludir a consciéncia e assim 39 GW, IIAIL, p. 661{108} 40. GW, IIAIL, p. 662{108] 41 GW, HAIL, p. 666{112] 42 GW, MIL, p. 666{112] 43. GW, IMI, p. 666{112} 44 Refira-se que a condensagio é também um dos procedimentos mais importantes na composisio artstica 45 GW, IMI, p. 667(113). 46 GW, I/II, p. 668{127] 7 Joo Peneda escapar 4 censura. A obscuridade do contetido onitico esté em proporgao directa com a inten- sidade do deslocamento, fruto do recalcamento, operado pelo trabalho do sonho: “Quanto mais obscuro confuso ¢ um sonho, tanto maior teré ido contributo do deslocamento na sua construsao.”” Em fungéo do grau de recalcamento em jogo, Freud distingue trés categorias de sonhos segundo a realizagao do desejo 1) “Os sonhos que apresentam sem disfarce um desejo nio recalcado ; so os sonhos do tipo infantil 2) “Os sonhos que exprimem disfarcadamente um desejo recalcado” 3) “Os sonhos que representam um desejo recalcado, mas fazem-no sem disfarce ou com um disfarce insuficiente”.** Estes séo invariavelmente acompanhados por angiistia que substitui, como tiltimo recurso, a insuficiente distorgao onirica. Como vimos, 0 fenémeno onitico é sobretudo imagético, resume-se a uma sequéncia de imagens. A “atengio & apresentagao ” (figurabilidade) é 0 pro- cesso responsivel pela “disposigao sensorial do material psiquico ”, pela produgao das imagens internas. Trata-se de uma exigéncia a que est sujeito todo o contetido latente do sonho. Para o efeito, os pensamentos oniticos podem softer toda uma transformagao ou deslocamento para apatecerem mais facilmente como ima- gens. Este procedimento foi designado “deslocamento da expressio ”. Para facilitar a produgao da imagem sensorial, ocorre uma “permuta da expressio verbal ”. A figurabilidade (Darstellbarkeit) esté assim a0 setvigo do escondimento do registo simbélico no imaginétio, transformando o significante decisivo numa imagem inécua. No sonho, os pensamentos, mesmo os abstractos, ou perdem as suas categorias, ou estas si0 substituidas por um representar imagético e concreto . Acima de tudo, no sonho, as imagens vém no lugar de certos significantes, silabas ou até letras. Quando a palavra certa é encontrada, as imagens perdem a sua intensidade e o seu eventual cardcter enigmstico. Tal como acontece com o fendmeno do esquecimento tempordrio de um nome proprio, no sonho existe também uma oposigao entre a imagem ea palavra, a importincia de cada um dos termos é inversamente proporcional ao outro. Deste modo, a palavra aparece como a chave dessa charada em que se transforma 0 contetide manifesto (imagens).*! Apesar da evidente inventividade onirica, Freud é da opinido que “os meios de expressio do sonho podem ser qualificados de escassos ”, em particular “quando comparados com os da nossa linguagem intelectual”.* De qualquer 47 GW, TIMI, p. 6681114). 48. GW, I/II, p. 688(125]. 49 GW, II/IL, p. 679{122). 50 GW, III, p. 344(246). 51. Muitos sonhos tém efectivamente um estilo sureealisa 52 Afirma na Jnterpretagdo dos sonhos que “o sonho tem uma poesia encantadora , uma alegoria arguta , um humor incomparavel, uma itonia deliciosa .” GW, UL, p. 65. 53 GW, IVIL p. 673(118]) 38 Imagens Internas: 0 Factor Pessoal, Impessoal e Transpessoa maneira, se o sistema de representacéo do trabalho do sonho é pobre em conexdes légicas, ele nfo deixa de revelar uma enorme riqueza na formacio de imagens, nomeadamente a partir de palavras (significantes). Freud reconhece ainda um quarto procedimento, a “claboracio secundaria ”. Neste caso esté em jogo uma espécie de arranjo de fachada do sonho, conferindo-lhe uma interpretagao preliminar, mas frequentemente enganosa, Por essa razio, Freud recomen- ava que, na interpretacéo de um sonho, se comecasse por suspender o alegado sentido global dado aos fragmentos oniricos. Eis mais um processo de distorsao ao servigo da censura. Em suma, do ponto de vista psicanalitico, 0 trabalho do sonho nao realiza outras activi- dades para além das referidas quatro: condensacio, deslocamento, figurabilidade ¢ claboragio secundéria. Por essa razio, Freud defende que “o trabalho do sonho nio é ctiativo ”, “no desenvolve fantasias préprias” e “nao emite jufzos nem tira conclus6es”. Freud exclui peremptoriamente que 0 sonho seja o resultado de uma “outta qualquer operacéo intelectual superior ”.®* A actividade onirica apodera-se apenas dos resultados existentes, limitando-se a fazer a pilhagem dos restos diurnos ¢ das lembrangas do passado para encontrar ai um modo de expressar o descjo interdito, Freud refere um exemplo emblemético de uma interpretagéo de um sonho na antiguidade onde a vertente significante esté presente. Plutarco e Artemidoro de Daldis referem que, quando Alexandre da Macedénia estava a sitiar a cidade de Tiro (322 a.C.),% sonhou com um sétiro (aécupoc) a dancar sobre o seu escudo. Este exemplo assinala que no sonho produz-se um escondimento do simbélico (ok Tépos, tua é Tito) no imagindtio (sitiro a dangat), sendo © significante a chave do enigma, neste caso, o representante do desejo de conquista ¢ de triunfo: “Aristandro, 0 intérprete de sonhos, que se encontrava com 0 exército, interpretou- © dividindo a palavra Sétiro em oi Tépoc (tua é Tiro) ¢, portanto, prometcu que ele iria triunfar sobre a cidade. Devi lo a esta interpretagao Alexandre foi levado a continuar 0 cerco € finalmente capturou Tiro.”” Na pratica psicanalitica, a regra basilar & a “associagao livre verbal”, a fala do sujeito sin- gular sobre o seu mal-estar, o seu sintoma.* © paciente é convidado a dizer 0 que Ihe passa pela cabeca sem qualquer tipo de reserva, controlo ou pudor. © tratamento analitico € assim governado pelo principio da fala, sendo o material analisével pura e simplesmente o relato oral do sujeito, os significantes. Trata-se de uma talking cure. Mas a fala do analisando torna-se especialmente relevante para anilise, quando 0 sujeito acaba por dizer mais ou outra coisa do que queria. Paradoxalmente, é quando o sujeito desliza ou falha na sua intencéo consciente 54 GW, III, p. 680(124 55. GW, II, p. 680(124]. 56 A antiga Tiro era uma ilha rochosa a cerca de 700 metros da costa da cidade de Tiro continental (hoje Libano) 57 Conferéncia XV, SA, I, p. 238(236). Historicamente, o eerco durou sete meses a fazer feito. Caso para se dizer que este foi um desejo dificil de reaizas. 58 Nas palavras de Lacan, “Panalyste opére en se laissant guider par les termes verbaux ti qui parle.” “Yale University, Kanzer Seminar” in Scilicet,n.° 6/7, 1975, p. 17 par la personne 39 Joiio Peneda que acaba por enunciar algo da sua verdade singular, Para além da dificuldade de ser sincero consigo mesmo, a suposta associacao livre verbal mostra-se tudo menos livre. Na pratica psicanalitica, as imagens resultam sobretudo de pensamentos (conteiido laten- telsignificantes), Por isso, a palavra certa tem um efeito diluente sobre o imaginario, revelando os pensamentos desejos que deram origem aos contetidos oniticos.” As imagens que mais interessam & psicanzlise sio justamente aquelas que revelam 0 que nos recusamos a admitir: a sombra da nossa personalidad. Na psicandlise de Freud e de Lacan, o registo imagindrio aparece assim como enganador, como uma barreira, uma defesa face aos pensamentos incons: ° Quando a imagem adquire para nés um relevo especial é porque a palavra (significante) esté em falta, isto é, esconde um voto inconsciente recalcado. ates, Imaginagio criativa na terapia transpessoal Interroguemos agora 0 contributo da psicologia transpessoal.' Ela actescenta & abordagem psicanalitica tradicional todas aquelas imagens internas que revelam uma intencionalidade para além das instancias pessoais (inconsciente, pré-consciente ¢ consciente num sentido freudiano): vis6es, imagens arquetipicas, sonhos de adverténcia, compensacao € de resolucio de proble- mas (Jung); imagens iniciéticas (viagem xaménica), imagens oriundas de planos mais subtis ¢ para além dos limites da experiéncia comum (perinatal, alegadas vidas passadas, perfodo entre vidas, etc.), mensagens simbilicas (ou nao) de planos superiotes e mensagens proféticas. No caso das imagens transpessoais, o material nao deriva exclusivamente da experiéncia da vigilia, como alega Freud. Quanto ao simbolismo, para além das invariantes linguisticas e culturais, seria necessdrio incluir ainda as realidades arquetipicas (Jung) e os simbolos transpessoais. Jé 0 trabalho do sonho (processo prim: ) no estaria, em todas as situagées, ao servico da rea- lizagao (disfarce) do desejo inconsciente. Por tiltimo, a motivacéo do sonho nao se reduziria, em todos 0s casos, a0 desejo (Wunsch) egoista do individuo. As terapias transpessoais recorrem a estratégias muito diversas. Destacarei a “imaginagao ctiativa” que foi redescoberta e desenvolvida por Jung em 1913, numa fase de vida em que precisou de autocura. O artigo “A fungio transcendente” (1916b [1958]) contém a primeira aproximagio a este método. Jung procurava uma alternativa psicoterapéutica para lidar com 0s contetidos inconscientes; nao tanto no sentido de interpretar ¢ compreender as imagens inconscientes, mas sim de lhes dar forma sensivel e sentimental, petsonificando, interagindo e dialogando com elas, permitindo que estas sigam os scus prdprios caminhos. O propésito é a tomada de consciéncia ¢ a integracio das diferentes facetas da psique. Os meios de expressio 59. Trata-se de uma oposicio entre 0 registo imaginério (das imagens) ¢ 0 simbélico (das palavtas). 60 Curiosamente, mais tarde, no final do seu ensino, Lacan diré que 0 seu Né Borromeano, uma imagem, & © proprio teal 61. Incluindo nesta o contribuco da psicologia analitica de Jung, 62 Nao podem expressar mais do que aquilo que se viveu ou entio fantasiar 0 que gostariamos que tivesse acontecido. 40 Imagens Internas: o Factor Pessoal, Impessoal e Transpessoal séo os mais diversos: imaginar, jogar, modelagem, dangar, falar, pintar, esculpir, desenhar, escrever, etc. Desta perspectiva, as imagens internas tém um papel activo, sendo a sua espontaneidade da maior relevincia. A dimensio subconsciente ¢ aqui objecto de uma suposigéo de saber, de capacidade de auto-regulagao e até de cura. Ao contrério da perspectiva de Freud, onde a imaginagao, as fantasias e até as imagens internas teriam um papel sobretudo defensivo € regressivo face a realidade, a perspectiva de Jung salienta, por seu lado, a capacidade que estas imagens tém de simbolizar e personificar as instincias e os contetidos inconscientes, assim como a virtude de introduzitem compensagées € saidas regeneradoras para 0 processo de individuagao. Jung apostava no “deixar acontecer” (Geschehenlassen), no dar asas & imaginagio, as imagens internas. Contudo, o principal perigo deste método passa pela eventual debilidade do Eu em lidar com 0 inconsciente ¢ com os scus contetidos. Neste caso, o terapeuta deve ter um papel mais activo, sem contudo interferir em demasia no proceso. A titulo de exemplo indicarei uma das valéncias da visualizacao criativa em contexto terapéu- tico. Na minha pratica, recorro por vezes a uma estratégia bascada num método desenvolvido por Hans TenDam: “exploragio da aura’, Trata-se de uma técnica de indugio, dissociativa e aberta, apresentada na obra Deep Healing. A Practical Outline of Past-Life Therapy (1989). Nao se recorre & indugio hipnética, mas sim a um transe ligeiro, 0 que significa que o paciente permanece completamente consciente durante todo o processo, como se fosse um sonho acor- dado, O propésito desta intervengio terapéutica® & conduzir o paciente a uma catarse a nivel fisico, emocional e mental.” A proposta consiste em convidar o sujeito a visualizar (imaginar) © seu corpo a partir de cima ¢ a relatar tudo aquilo que possa surgi situagées, personagens, etc.”' Verifica-se que as situagées trauméticas estéo ciadas a marcas no campo do corpo (manchas, cores, etc.). A partir dessa exploracéo inicial do luzes, cores, simbolos, almente asso- 63 Esta técnica unguiana reve um papel fundamental no advento da terapia pela arte tirar partido da ima~ sinagio activa para fins terapéuticos. 64 A designagdo “imaginagao activa” significa que as imagens tém justamente um papel activo no processo terapéutico. De algum modo, sio eas que guiam ¢ conduzem 0 process. 65. Esta idcia tem uma origem mistica ealquimica; podemos destacar a nogio de Gelassenbeit no Mestre Eckart ainda 0 princfpio raoista do nio-agir (wwe). 66 As aplicagées terapéuticas da perspectiva transpessoal tém revelado grande potencial rerapéutico. 67 © método que utilizo na minha prética sintetiza 0 concributo de diversas escolas e autores, incluindo também aspectos inéditos. Saliento a psicandlise e a pritica de Freud e Lacan, mas também os contributos de terapeuras transpessoais com quem tive a oportunidade de fazer formasio: Morris Netherton, Roger Woolger Hans TenDam, 68 CE. p. 192ss, 69 Este método é particularmente indicado para situagdes de bloqueio psicossomitico, mas também a nivel da ctiatividade, Allis, a simplicidade deste método tem permitido que pacientes com mais facilidade de visualizagao fagam espontaneamente todo 0 processo sem recurso a um terapeuta. 70 Podemos falar de uma libertagao fisica, de uma purificagio emocional e de wm incremento da compreensio no plano mental. Cf. Hans TenDam (1989), p. 15. 71 Depois de um breve relaxamento e da proposta de visualizagio do corpo, a tarefa do terapeuta limita-se a Perguntar a0 paciente o que este esti a ver (sem nada sugerit), isto para além de encaminhar o processo pelas suas ‘tapas mais importantes, No fundo, trabalha-se simplesmente com o que aparece. 4 Joio Peneda nosso campo, a ideia é indagar os contetidos (imagens internas) que surjam espontaneamente € possam estar relacionados com o problema (trauma) de partida, Bis uma curta vinheta da minha pratica terapéutica: Depois de um relaxamento corporal ¢ da proposta de visualizagio do corpo a partir de cima (paciente mulher), foi relatado 0 seguinte: Terapeuta (T): Destaca-se alguma coisa no teu corpo? Hi alguma coisa que te chame a atengio? Paciente (P): Nao é um corpo, é uma imagem que saltou logo. T: Que imagem? P: E uma esfinge branca com asas. Tem a pata direita em cima de qualquer coisa, parece uma cabega ou uma bola. T: E essa esfinge est4 no lugar do teu corpo? Ou é uma imagem que te vem & cabega? P: Em vez do corpo vejo essa esfinge, é como se estivesse em cima de mim. T: Sentes alguma sensacao no corpo quando tens a experiéncia dessa imagem? P: Urgéncia, T: Urgéncia? P: Hum. T: E urgéncia para qué? O que é que te vem & cabega? P: Para salvar. T: Salvar o qué? P: Urgéncia para salvar... T: O que é que precisa de ser salvo? O que é que est em perigo? P: Salvar a paz ¢ salvar a vida de alguém. T: Quem é que tem de salvar? Quem é P Tu és 0 salvador?! P: E capaz, mas... T: Quem que precisa de ser salva? P: Socorro-me do auxilio divino. Pego ajuda a esfinge. T: Qual é a vida que estd em perigo? P: E o meu filho. Nesta terapia, ndo apareceu nenhuma particularidade no campo do corpo (mancha, cor, luz, etc.), mas sim uma imagem-simbolo: a esfinge. Na sequéncia, surgiram imagens (me- mérias) que configuraram uma existéncia em que esta mulher era oficiante num templo da Grécia antiga, Teve um caso proibido com um militar de que resultou uma crianga mantida em segredo. Acabou por perder o filho por doenga e com isso a fé no divino, Esta crise obri gou-a a renunciar ao templo, acabando por enlouquecer. Segue-se um curto estrato do final da sessio onde a paciente descobre algumas conexdes com a vida actual: T: Consegues perceber alguma relagio com a vida actual? P: Medo de cair em tentagao, repulsa, no gosto daquilo que sou. T: Nao gostas daquilo que és? P: Hum. T: Mais alguma coisa? P: Medo de ser ma mae. T: Hum, mais alguma marca dessa existéncia que parega importante? P: Dor e solidao, como se tivesse sido abandonada por todos. (...] T: Regressa agora ao teu quarto. Repousa uma vex mais no espaco. E imagina agora que essa oficiante que vai realizar esse acto? O que é urgente fazer? P: Eu tenho de salvar...“ entra pela porta do teu quarto, como é que a vés? P: Uma mendiga, com o fato feito em farrapos, toda suja. T; Hum, mais alguma coisa? P: Com um olhar perdido... [...] T: Vamos agora pegar nela, nos bragos, e conduzi-la ao templo, ao altar; vamos depor 0 corpo desta mu- Iher e pedir cura; a reparacio de todas as vicissitudes dessa existéncia. Consegues observar essa situagao? [...] P: Esta a ficar com melhor ar, mais nova. (...] T: Quando 0 proceso terminar 4 um sinal. P: Sim, Ao terapeuta cabe acompanhar todo o processo, em especial, conduzir o paciente por um conjunto de etapas: explorar 0 melhor possivel a origem remota do problema apresentado (trauma), Identificar as conexoes (lig6es a reter) dessa hist6ria com a existéncia actual, no que respeita As personagens, situagées e tragos de personalidade, Fazer a catarse de situagées violentas 2 Imagens Internas: © Factor Pessoal, Impessoal e Transpessoal como morte, violagao, doenga, dor fisica, et ? Por fim, importa ainda criar (imaginar) um contexto de cura (indulto) para as situages mais agudas. Devemos ainda confirmar se as marcas no campo do corpo desapareceram por completo e, por conseguinte, os sintomas presentes no inicio do tratamento.”* Esta técnica terapéutica permite assinalar algumas das particularidades das imagens in- ternas transpessoais, Na regressio, as imagens que aparecem nio sio uma mera reprodugio fiel dos acontecimentos do pasado,” mas sim uma stimula dos aspectos mais relevantes. Na regressio, as emogées ¢ os sentimentos surgem atenuados, quer a dor fisica quer 0 so- frimento emocional, permitindo assim que o trauma seja objecto de elaboracao e catarse. O sexo do sujeito nem sempre 0 mesmo, pode alternar de sesso para sess4o (homem/mulher). Provisoriamente, a partir da minha prdtica, diria que, em geral, no contexto terapéutico, © paciente é confrontado com aquilo que, no momento, esté em condigées de reconhecer c curar, Curiosamente, 0 sujeito também comega por aparecer como vitima de situacées externas € de terceiros; s6 depois de algumas sess6es, ele ¢ finalmente confrontado com 0 eventual papel de carrasco, Tudo se passa como se 0 nosso corpo retivesse em si as marcas de acontecimentos remotos. O transe ligeito tem 0 condio de despertar essas memérias sob a forma de imagens internas. Se deixarmos que estas sigam 0 seu préprio caminho, verifica-se que as imagens surgem espontaneamente e ganham mesmo alguma autonomia, Permitem que o paciente interaja com elas: faga perguntas, receba respostas (mensagens), observe as reacg6es das personagens, seja objecto do seu agir, etc. As imagens nao se limicam a reproduzir, a apresentar, a sugerir, clas também produzem efeitos, agem como se tivessem vida prépria. Se levarmos a encenacao deste teatro privado até ao fim, produz-se 0 desbloqueio da situagao em causa (a nivel fisico, emocional ¢ mental).”° Em suma, tal como existe um funcionamento homeostitico no registo bioldgico, 0 método da imaginagéo activa permite detectar um mecanismo semelhante no dominio da psique: uma capacidade para autocura.”* 72 Nesta etapa, o recurso a0 psicodrama é muito stil, em especial o método aperfeigoado por Roger Woolger. [No seu método, este autor identificou seis tapas fundamentais: 1) Trabalhar o trauma (fisico, emocional, mental). 2) Ir além da morte. 3) Mudar o padrio, 4) Reentrar nessa vida na Terra. 5) Complerar o que ficou inacabado. 6) Processar, trabalhar assuntos inacabados, pensamentos, atitudes ¢ emogdes. Cf. WOOLGER, Roger, Other Lives, Other Selves. A Jungian Pyychotherapist Discovers Past Lives, London, Thorsons, 1987. 73 A sugestio de cura energética do terapeura desencadeia no paciente um conjunto de imagens internas (filme) com uma certa autonomia. Contudo, 0 mais intrigante sio os resultados terapéuticos. Os bloqueias que 0 trouxeram & terapia séo aliviados ou até mesmo totalmente removidos 74 Nao aqui o lugar para discutir seas memérias de outras existéncias correspondem ou nao a acontecimentos faceuais. O cepticismo ou a crenga em vidas passadas nio afecta o processo ¢ o resultado terapéutico. 75. Por vezes, podemos encontrar todo um conjunto de memérias remotas (vidas) relacionadas apenas com ‘uma situagéo especifica que afecta a vida actual do paciente; por exemplo,solidao, problemas ginecolégicos, com- portamentos escapistas, medos, ec. 76 A propésito do método por si desenvolvido, a Respiragio Holotrépica, Stanislav Grof refere-se a um inner healing mechanism”: "The process is guides by the client's own inner healing intelligence.” Cf. GROF, Stanislav, Peychology of the Fusure: Lessons from Modern Consciousness Research, New York, State University of New York Press, 2000. 8 Joio Peneda Conclusio A interpretacao do versiculo do Génesis citado em epigrafe compreende duas alternativas, duas concepgdes do humano completamente distintas. A condigéo humana como divina, feita & imagem de Deus (teomorfa), ou entéo Deus como ilusio, feito 4 imagem do homem (antropomorfo). De acordo com a primeira perspectiva, o ser humano teria uma origem e um destino superiores, participando dessa esséncia divina e sendo capaz de a reaver (capax dei).7” ‘Na segunda alternativa, o homem nao ira muito além da condigao de animal falante, sendo ele o responsavel tiltimo pela imagem dos deuses. Como foi anunciado, 0 nosso ponto de partida, isto é, a concepeio que fazemos do humano, condiciona as respostas que damos as mais diversas perguntas. Aqui o tema das imagens internas nao foge a regra. A psicandlise mais ortodoxa parte de um conceito do homem que compreende a condigéo animal (Darwin) e as exigéncias da cultura (Freud), ou simplesmente da estrutura da linguagem, o discurso do Outro (Lacan). Se a concep¢io freudiana e lacaniana do humano condiciona & sua maneira os pressupostos tedricos € a consequente pritica clinica; no mesmo sentido, a psicologia analitica de Jung assim como a abordagem humanista e transpessoal, porque partem de outro entendimento do humano, retiram diferentes ilagdes tedricas e outra orientacéo terapéutica. Para Freud, o psiquismo corresponde a realidade que resultou evolutivamente das exigéncias civilizacionais sobre a nossa natuteza biolégica. A sublimagao seria como uma exigéncia exterior da vida colectiva (civilizacao), exigéncia que obrigava a renunciar aos instintos ¢ as pulsoes, reconduzindo a libido para objectos valorizados socialmente, Neste caso, 0 incremento da condigao humana seria o resultado casual de uma imposi¢ao externa. Jung procurou ir além da mera sublimagao psicanalitica da libido (instintos, pulsées) dos sintomas através da sua nogéo de individuagio, isto é, 0 processo de integragéo psicolégica. Jung acreditava na integridade da alma humana e na sua capacidade para se auto-realizar (individuar).”* No fundo, uma exigéncia individual e interna de auto-superasao. Contudo, Jung nao admitiu 0 conceito de supraconsciéncia (“consciéncia superior”), pelo contririo, fé-lo coincidir com a dimensio inconsciente.” Neste ponto, permanece distante da perspectiva transpessoal. Esta 4* forga em psicologia foi mais longe, alargou a perspectiva do humano presente na psicologia anal a de Jung e na psicologia humanista, incluindo a 77 O Novo Testamento anuncia que Cristo restaurou a condicio do homem como imagem (cixtsv) de Deus 20 resgatar 0 pecado: “[Cristo] é imagem do Deus invisivel (elxtiv 100 @€00 rod doprov), o primogénito de toda a ctiagiow. Colossenses, 1:15. 78 “For Jung, the psyche was a many-splendored thing: fluid, multidimensional, alive, and capable of creative development.” Sherry Salman in YOUNG-EISENDRAT, Polly; DAWSON, Terence (Ed.), The Cambridge companion to Jung, Cambridge, Cambridge University Press, 2008. 79. “Ha sonhos e vis6es tio superiores que certas pessoas se negam a reconhecer uma psique inconsciente como sua origem. Preferem supor que tais fendmenos provém dle uma espécie de «supraconsciénciae. Elas fazem distingao entre um tipo de inconsciente fisiolégico ou instintivo € uma esfera ou nivel de consciéncia vacima» da conscién- cia, chamando-a esupraconsciéncia». Na realidade esta psique, denominada pelos filésofos indianos consciéncia «superior», corresponde ao que no Ocidente se chama winconscientes,” JUNG, Carl, Os Arquétipos eo inconsciemte coletvo, Rio de Janeiro, Vores, 2006, p. 275-6. 44 Imagens Internas: © Factor Pessoal, Impessoal¢ Transpessoal dimensio espiritual, as realidades mais subtis, o dominio perinatal as alegadas memérias de vidas passadas. Por tiltimo, podemos assim destacar trés concepgées distintas do inconsciente, progressiva- ‘mente mais abrangentes: Freud ocupou-se em particular do inconsciente pessoal, de todos aqueles contetidos que um dia fizeram parte da consciéncia, mas que foram objecto de recalcamento (Verdraingung) na neurose, desmentido (Verneinung) na perversio ou rejeicéo (Ververfung) na psicose.®” Jung alargou o condicionamento inconsciente & dimensio impessoal (inconsciente colectivo), aos arquétipos, conteiidos que nunca foram objecto da nossa consciéncia, mas que fazem parte do patriménio psicolégico da humanidade. Ji a recente psicologia transpessoal, por exemplo com Grof, acrescentou todo um conjunto de contetidos subconscientes que vio além da existéncia finita do individuo. BIBLIOGRAFIA BELTING, Hans, A verdadeira imagem. Entre a fee a suspeita das imagens: cendrios histéricos, Porto, Dafne, 2011. CLINES, David, “The image of God in man” in Tyndale Bulletin 19 (1968), pp. 53-103. 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