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AFRO-BRASILEIROS
Luísa Saad1
Ao pesquisar os primórdios do processo de proibição da maconha me deparei
com fontes que indicavam o uso da planta nos candomblés e em outros ritos de origem
africana. Autores de inícios do século XX apontavam – de forma ‘preconceituosa’ aos
olhares de hoje, mas da maneira esperada pela sociedade em que viviam – para o
consumo coletivo da erva em cerimônias religiosas daquele gênero. Tais estudiosos
aderiam a conceitos evolucionistas e preocupações acerca da composição racial de uma
república em vias de formação. Estariam esses dedicados pesquisadores relacionando o
uso da maconha à prática do candomblé como uma forma de criminalizar, ao mesmo
tempo, a “raça prêta, selvagem e ignorante”, a “planta da felicidade” e as “festas
religiosas dos africanos”? 2
Voltando um pouco no tempo, o que se encontra é um fim de século XVIII como
pano de fundo para o surgimento de disciplinas que tinham o objetivo de estabelecer
relações de causa e efeito entre as características físicas, psicológicas e culturais de
determinados grupos. Mas foi ao longo do século XIX que o racismo europeu
institucionalizou-se e tornou-se majoritário nos discursos das elites sociais e dos
governantes. Os cientistas eram os novos responsáveis por civilizar o mundo
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contemporâneo e conduzi-lo na direção da verdade. Nesse momento o termo raça
começou a ser usado recorrentemente na literatura histórica e antropológica, sobretudo
para apoiar a ideia da existência de heranças genéticas que explicariam as desigualdades
entre os diferentes grupos humanos, classes, povos, etnias.4
A segunda metade do século XIX foi palco para o desenvolvimento e
aprofundamento das teorias raciais ditas científicas. O excesso de diversidade apontava
para a necessidade de ordenar o caos. No Brasil, os estudiosos – em especial os médicos
higienistas – vinham sendo influenciados por tais ideias que circulavam de forma
intensa na Europa e aumentavam o prestígio dos cientistas, ao mesmo tempo em que os
responsabilizava pelo futuro da nação. Em meio a estudos de higiene pública (“a
hygiene é uma das filhas do progresso”5), reformas sanitárias e o ideal de uma república
exemplar – tudo isso em um país recém-saído da escravidão -, a grande presença de
negros e seus descendentes alarmava os ideólogos da nova ordem. 6