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“egoísmo” de Camille.

O afastamento do pai é
Camille Claudel descrito por seu irmão, o escritor Paul Claudel
como um cataclisma.
Camille Claudel nasceu um ano e três Em Paris no ateliê de Rodin, Camille logo
meses após a morte prematura, com 15 dias, de se sobressai, tornando-se sua aluna, modelo
seu irmão mais velho Charles Henri. Sua mãe predileta e amante. O mestre a mantém à parte,
Louise permanece enlutada para o resto de seus ele a privilegia. Ela trabalha de forma
dias e “nunca beijou um de seus outros três incansável, dedica-se às suas orientações e lhe
filhos.” A última carta de Camille escrita serve sendo responsável pelos pés e mãos das
depois de vinte e cinco anos de internação e suas obras e nessa época os dois produzem “a
dirigida ao irmão Paul Claudel é ainda um porta do inferno”. Até 1888 continua morando
apelo a um lugar no desejo da mãe, eterna com os pais que ignoravam esta relação. Anos
enlutada. Ela escreve: “eu penso sempre em depois, sua mãe, escreverá que não quer mais
nossa querida mamãe. Nunca mais a vi depois vê-la, “pois ela tem todos os vícios”, e a acusa
que vocês tomaram a funesta decisão de me de tê-la exposto levando Rodin e a mulher, para
enviar a um asilo de alienados. Eu penso no jantar em sua casa, quando na verdade já
bonito retrato que fiz dela em nosso jardim. Os viviam como amantes. Sua filha era uma
grandes olhos onde se lia a dor secreta, o prostituta que fazia o pai sofrer. Paul que
espírito de resignação... suas mãos cruzadas tomou conhecimento do romance com Rodin
sobre os joelhos em abnegação completa: tudo antes da família, sente-se traído, reprova a
indicava a modéstia e o sentimento de dever em irmã. As referências de Paul à sua irmã
excesso, era bem a nossa pobre mãe.” Louise, a possuem um tom enciumado e de exaltação à
própria mãe de Camille destruiu este retrato sua beleza e genialidade.
após internar a filha, cujos endereçamentos lhe Em 1888 Camille e Rodin passam a viver
eram insuportáveis. publicamente como amantes em uma velha
Desde o seu nascimento Camille foi mal mansão que se torna seu novo atelier. A família
acolhida por sua mãe que esperava um menino indignada recusa o contato público com ela. No
para repor a perda do filho. Camille, a menina entanto Rodin jamais abandona Rose Beuret.
decepciona e é batizada com um nome que A crítica a reconhece como uma artista de
atende aos dois sexos. Para a mãe, ela sempre estilo próprio e genial, a sociedade, porém a
foi “uma criatura estranha e selvagem” com condenava, e isso impedia que ela concorresse
uma carreira que não era edificante para uma aos concursos para obras públicas. Camille
mulher. Aos doze anos Camille já trabalhava a engravida e Rodin a envia de férias para o
argila, e aos quinze já havia esculpido David e interior, aos cuidados das chamadas fazedoras
Goliath e Napoleão. Seu primeiro mestre de anjo. Cria aí uma obra belíssima a pequena
Alfred Boucher, a apresenta a Paul Dubois, castelã, rosto de uma menina dirigindo para
diretor da escola Nacional de Belas Artes, que cima um olhar morto. Este aborto a “torna
reconhece seu talento. impura e suja” no dizer de Paul.
Camille através da arte de fazer surgir Por volta de 1893 Camille escreve a Rodin:
seres novos, cujos traços são marcados para “eu estava ausente quando o senhor veio, pois
sempre, fixados, congelados na frieza da pedra meu pai chegou ontem e fui jantar e dormir em
denuncia sua posição fantasmática diante do casa(....) A senhorita Vaissiers me contou toda
Outro. sorte de fábulas forjadas sobre mim em Islette.
Em 1881, com dezessete anos convence o Parece que saio à noite pela janela de minha
pai a estabelecer a família em Paris para que ela torre , suspensa numa sombrinha vermelha com
e os irmãos pudessem aperfeiçoar seus estudos. a qual ponho fogo na floresta!!!”
No entanto Louis Prosper é obrigado a
trabalhar em outra cidade, e só ia para casa aos
domingos. A família nunca perdoou mais este
Em 1892, rompe pela primeira vez o “talvez esta louca varrida melhore”. Mas
romance com Rodin e monta seu próprio ateliê Louise é irredutível e assim se manterá até a
na ilha de Saint Louis. Durante os sete anos que morte. Em março de 1913, Louis Claudel morre
se seguem desafia o mestre, negando sua ajuda aos 87 anos. Informada por carta pelo primo
e desesperadamente tenta conseguir Charles Thierry ela responde “O pobre papai
encomendas. Torna-se alcoólatra e é nunca me viu como eu sou; sempre lhe fizeram
protagonista de vários escândalos. Expõe ainda crer que eu era uma criatura odiosa, ingrata e
duas vezes, mas não comparece em público, má. Era necessário para que o outro pudesse
alegando que está feia e acabada para se expor. tudo usurpar” e afirma que a família vai logo
Em uma das cartas justifica a recusa em interná-la em uma casa de loucos, por
participar do Salão de Outono, por não poder acreditarem que ela é nociva ao sobrinho
apresentar-se em público com as roupas que quando reclama seus bens “por mais que eu me
tem no momento: “sou como pele de asno ou encolha em meu pequeno canto, ainda sou
Cinderela, condenada a cuidar da lareira sem demais”.
esperança de ver chegar a fada ou o Príncipe A internação de Camille em Paris ocorreu
encantado que deve mudar minha roupa de pele uma semana após a morte do pai. Louise estava
ou cinzas em vestidos cor do tempo”. Pele de livre e conseguiu um atestado com médico
asno é outra forma metafórica de referir-se a amigo da família e vizinho de Camille. O laudo
posição feminina, a da mulher que espera o de internação certifica que a senhorita Camille
príncipe guardando sob as vestes as insígnias Claudel sofre de perturbações intelectuais
paternas. muito sérias; tem hábitos miseráveis, é
Trancada em seu atelier, repete absolutamente suja, nunca se lava, vendeu
incessantemente “o canalha do Rodin” frase todos os seus móveis, passa sua vida
que é escutada pelos vizinhos. O meio artístico completamente fechada, só sai à noite, e tem
antes tido como ideal, passa a pertencer ao sempre o terror do bando de Rodin, e que seria
bando de Rodin que a todos seduz e convence necessário sua internação em uma Casa de
contra ela. Suas ideias e seus desenhos serão Saúde.
roubados, executados, terão sucesso e seu nome Camille vive a desordem absoluta, procura
será excluído. “Eu serei perseguida por toda desesperadamente o reconhecimento. Preterida
minha vida pela vingança deste monstro, o pela mãe e pelo amante, ela não tem lugar no
perseguidor Auguste Rodin”. Até a morte, desejo do Outro. Camille trai o pai na medida
Camille mantém inalterada a certeza delirante em que se apaixona por Rodin em detrimento
de que Rodin a persegue. Em uma manhã só de sua própria obra. Ela fracassa em superar o
abre a porta para Henri Asselin que viria posar, mestre e sustentar o nome do pai – sustentar o
após longa conversa. Ela estava desfeita, nome Claudel para o pai. Assim já não pode
tremendo de medo, armada de vassoura em pertencer ao clã Claudel. Em uma de suas
riste e lhe diz: “esta noite dois indivíduos cartas escreve “teria feito melhor comprando
tentaram forçar a minha janela. Eu os belos vestidos e belos chapéus que realçassem
reconheci, são dois modelos italianos de Rodin. minhas qualidades naturais do que me entregar
Ele lhes ordenou que me matassem. Eu o à minha paixão pelas construções duvidosas e
incomodo. Ele quer me fazer desaparecer.” A os grupos mais ou menos ásperos”, ou ainda
partir daí Camille todos os anos, no mês de “esta arte está mais de acordo com as grandes
julho, destrói a marteladas suas esculturas e barbas e caras feias do que com uma mulher
depois some por algum tempo. relativamente bem dotada pela natureza”.
O pai que continua até o fim da vida Camille Claudel nos trinta anos em que
mantendo-a financeiramente, insiste com Paul passa prisioneira em um asilo escreve
para que interceda junto à mãe a fim de que constantemente à mãe. Suas cartas eram
esta consinta em se aproximar de Camille repetidos apelos desesperados para que esta a
tirasse do asilo, mas a resposta era implacável. de seu tempo, Auguste Rodin, de quem se
As cartas da mãe de Camille para o diretor do tornou assistente, musa e amante. A partir daí,
asilo, proíbem que ela se corresponda com seus destinos estariam para sempre
quem quer que seja, “pois suas cartas poderiam entrelaçados.
servir àqueles que faziam campanha contra a Camille Claudel morreu em 1943, aos 79
família Claudel devido a permanência da anos de idade, pobre, sozinha numa cama de
escultora no asilo. Segundo sua mãe Camille hospício, onde ficou por mais de 30 anos. Em
tem ideias as mais extravagantes, suas vida, ela foi atormentada por um amor
intenções são sob o ponto de vista das família impossível, pelos preconceitos da sociedade
sempre muito más, ela nos detesta, e está francesa do século 19 e pela doença que a levou
sempre pronta a nos fazer todo mal que puder” ao isolamento. A própria família a renegou. A
Aos pedidos endereçados à família , tanto por sobrinha-neta de Camille, Reine-Marie Paris,
Camille quanto pelo diretor do asilo , sua mãe autora de uma tese sobre a vida da artista
oferece uma soma maior em dinheiro para que (Camille Claudel, de 1984), conta que brincava
ela permaneça internada. Sua mãe tinha horror entre as esculturas guardadas na casa do avô,
de qualquer aproximação com esta filha que só Paul, irmão de Camille. “Até pouco tempo
trazia a vergonha e desonra. atrás, a família tinha vergonha da escultora e o
Em 1930 uma última carta, esta dirigida a nome de Camille sequer era pronunciado”, diz.
Paul “ hoje 3 de março é o aniversário de Mas o que essa artista brilhante fez de tão
minha internação! Faz 17 anos que Rodin e os grave? Por que suas obras ficaram escondidas e
marchand de objetos de arte me enviaram para esquecidas por tanto anos?
fazer penitência nos asilos. Eles é que Para entender a vida de Camille é preciso
mereciam estar nesta prisão, pois eles voltar à sua infância, na discretíssima
apoderaram-se da obra de toda minha vida Villeneuve-sur-Fère, na região de Champanhe,
através de B. que conta com sua credulidade e a no sul da França. Ali, entre brincadeiras e
de mamãe e de Louise. Eles diziam: nós nos pequenas aventuras ao lado de Paul, Camille
servimos de uma alucinada para encontrar foi uma criança fora dos padrões e alheia ao
nossos temas! É a exploração da mulher o que se esperava de uma menina no século 19.
esmagamento da artista de quem se quer Numa época em que as mulheres eram criadas
espremer sangue! Tudo isto no fundo sai da para afazeres domésticos, ela estava sempre
cabeça diabólica de Rodin. ... suja de barro e descabelada. Ela e o irmão
Em outra reclama da comida e solicita que caçula fugiam de casa para se aventurar nas
a mãe lhe envie os seus pedidos e que não gaste montanhas que cercavam a aldeia. Paul
dinheiro pagando pelo que ela não consome no Claudel, que mais tarde se tornaria um dos
asilo. “Tem novidades de Paul? De que lado ele grandes escritores da França, descreveu o
está agora? Ainda tem a intenção de me deixar cenário de sua infância no livro Mémoires
morrer em um asilo de alienados? É bem cruel Improvisés (“Memórias Improvisadas”, sem
para mim. Isto não é lugar para mim”. versão em português), de 1954: “Vivíamos em
Camille Claudel morreu em 19 de outubro terra agreste e selvagem, uma paisagem
de 1943, após trinta anos de internação, aos 79 extremamente austera, com ventos e chuvas
anos incompletos. freqüentes”.
Para o desespero da mãe e orgulho do pai,
Camille descobriu cedo o gosto pela escultura.
Camille Claudel - Arte, Começou moldando argila, quase como uma
paixão e loucura brincadeira. Eram figuras inspiradas em
Napoleão, Davi e Golias, além de membros da
Com apenas 17 anos, Camille chegou a família. Na adolescência, um de seus
Paris, onde conheceu um dos maiores artistas professores foi o escultor Alfred Boucher. Foi
ele que sugeriu ao pai de Camille, Luis-Prosper Magnífica Obsessão”, inédito no Brasil). Se
Claudel, que levasse a menina a Paris, onde ela Camille ficou curiosa para conhecer o tal que
poderia participar de grandes salões de arte e esculpia igual a ela, esse sentimento durou
conhecer a nata intelectual e artística da época. pouco. “Apenas algumas semanas depois,
O pai de Camille acreditava na vocação da Boucher viajou à Itália e pediu para um amigo
filha. E, apesar dos gastos que isso assumir suas aulas particulares. Assim, numa
representava, em 1881 levou toda a família tarde de maio de 1883, Rodin batia às portas
para Paris. Eles chegaram em uma charrete das jovens escultoras”, diz Vilain.
emprestada por um vizinho. “Todos estavam Camille tinha 19 anos. Rodin, 45. Segundo
exaustos, apenas Camille, então com 17 anos, e Reine-Marie, Rodin teria entrado cheio de si no
a empregada Eugènie irradiavam alegria”, ateliê e não fez um só elogio sobre as obras
escreveu a francesa Anne Delbée, no livro expostas. Muito pelo contrário: apontou
Camille Claudel, Uma Mulher, biografia defeitos.
publicada na França em 1982. Mas ele gostou do que viu. Tanto que
Mas em Paris as dificuldades eram passou a freqüentar o local e, depois de dois
enormes para uma jovem artista. A escultura, anos, chamou Camille para trabalhar com ele.
além de ser uma atividade prioritariamente O convite coincidiu com um momento
masculina, exigia materiais caríssimos como o particularmente importante na carreira de
mármore e o bronze. E mais: era preciso pagar Rodin. “Ele acabara de receber uma encomenda
um espaço relativamente amplo – os aluguéis do governo francês para fazer As Portas do
em Paris, já naquela época estavam entre os Inferno e Os Burgueses de Calais, obras de
mais caros do mundo – e o salário do trabalho grande porte que precisariam de ajudantes para
de fundidores, auxiliares e modelos. Camille ser feitas”, afirma Vilain. “Camille era uma
alugou um ateliê com mais três jovens artistas, artesã habilidosa e por isso ficou incumbida de
todas inglesas. Uma delas, Jessie Lipscomb, fazer os pés e as mãos das estátuas. Além disso
tornou-se sua amiga para o resto da vida e uma dava opiniões e discutia idéias sobre as obras
das poucas pessoas que a visitariam no com Rodin.” Não se sabe quando a convivência
hospício. Elas dividiam também os pagamentos entre o mestre e a aluna se tornou um caso de
para o professor Alfred Boucher, que as amor, mas as cartas que trocavam em 1886 são
orientava de vez em quando. Foi numa dessas reveladoras da paixão e do ciúme que Camille,
visitas que Boucher apresentou o trabalho de desde o início, já sentia. “Minha Camille, esteja
Camille para Paul Dubois, diretor da Escola segura de que não tenho nenhuma outra amiga
Nacional de Belas-Artes. Dubois notou a e toda minha alma lhe pertence”, escreve
semelhança da obra da jovem com a de outro Rodin. Camille responde: “Deito-me nua para
artista, que começava a despontar para a fama. imaginar que está ao meu lado, mas quando
“A senhorita já teve aulas com Auguste acordo já não é a mesma coisa”.
Rodin?” Camille nunca tinha ouvido falar no Rodin não estava sendo sincero. Nessa
sujeito. época, ele já vivia com Rose Beuret, com quem
tinha um filho. Além disso, ostentava a fama de
O encontro mulherengo. Mas Camille estava apaixonada e,
“Na época, Rodin ainda não era famoso, em 1888, deixou a casa dos pais e passou a
mas já iniciara a experimentação conceitual e viver numa casa alugada por Rodin, que eles
estilística que viria a caracterizar sua forma chamavam de “retiro pagão”. “Eles passam a
inusual de esculpir. Por isso, era odiado pelos freqüentar lugares públicos, tornando-se
críticos e amado pela vanguarda de Paris, ou amantes assumidos. O que era um escândalo
seja, os impressionistas”, diz Jacques Vilain, para a época”, afirma Liliana Wahba, psicóloga
historiador do Museu Rodin e co-autor de brasileira autora de Camille Claudel: Criação e
Rodin: A Magnificent Obsession (“Rodin: Uma
Loucura. Essa fase da vida de ambos é marcada Os moldes de gesso ela joga no rio Sena ou os
por obras de intensa sensualidade. enterra, e proíbe que vejam o que faz. “A partir
No entanto, com o tempo (ah, o tempo, de então, suas angústias se tornam idéias fixas,
esse eterno vilão dos casos de amor!), Camille até instalar-se a psicose”, diz Liliana.
passou a se sentir sozinha. Vivia à espera de Seu irmão estava longe, em missão
Rodin, que nem sempre aparecia. O diplomática na China. Seu pai estava velho,
relacionamento começou a deixá-la deprimida. doente. Ela não tinha mais ninguém, nem
Ela queria que Rodin se casasse com ela. Mas dinheiro, nem saúde, nem inspiração. Restava-
ele nunca chegou a deixar Rose. Jurava amor a lhe o abandono e o medo. No dia 10 de março
Camille, mas dizia que não podia abandonar a de 1913, uma semana após a morte do pai, a
mulher que havia estado ao seu lado nos pedido da família, que arranjou uma certidão
momentos difíceis. Para a historiadora médica (ela foi diagnosticada como portadora
Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, de delírio paranóico), Camille foi levada à
em Paris, no entanto, isso não passava de uma força para um hospício. Ela não sairia do
desculpa. “Ele tinha medo de Camille. Sua hospital até o dia de sua morte, 30 anos depois,
inteligência e talento faziam dela uma artista e jamais voltou a esculpir.
que poderia suplantá-lo.”
Em 1892, Camille sofreu um aborto. Não Camille pelos olhos de Rodin
se sabe se foi natural, mas o drama certamente
a abalou. Ela abandonou o “retiro pagão” e Musa
decidiu se afastar de Rodin. Para recuperar o Em 1888, Camille Claudel esculpiu
tempo perdido, se concentrou no trabalho para Sakountala. Segundo Antoinette Romain,
desvincular sua arte da do amante. É sua fase historiadora francesa especializada em arte do
mais produtiva. Ela estuda a arte japonesa e século 19, em resposta, Rodin fez O Eterno
dessa influência surgem algumas das suas mais Ídolo (1889). Essa obra foi criada para integrar
belas obras, como As Bisbilhoteiras e A Onda. As Portas do Inferno, mas Rodin não a colocou
Apesar das críticas favoráveis, sua arte não era no monumento. “Provavelmente porque a obra
apreciada pelo grande público. “Em parte pelo é muito delicada e sensível”, afirma a
preconceito por ser mulher. E, em parte, porque historiadora Monique Laurent. Quando Rodin
diziam que ela copiava Rodin”, afirma Liliana finalizou esta obra, Camille já vivia, havia um
Wahba. ano, na casa que ambos chamavam de “retiro
Rodin e Camille continuaram a se pagão”. “Eles estavam no auge da paixão e a
encontrar até 1898, quando romperam obra reflete isso”, afirma Monique.
definitivamente. Camille passou então a viver
trancada em seu estúdio, cercada por seus Modelo
gatos. Ela estava com sérios problemas Além de aluna, ajudante e amante, Camille
financeiros. Usava roupas e sapatos velhos, não costumava posar para Rodin. A Danaide,
comia direito e começou a beber. Depois que A realizada em 1885, é uma das obras para a qual
Idade Madura, considerada sua obra mais ela serviu de modelo. A peça é extremamente
autobiográfica, foi recusada pela Exposição sensual e coincide com o início do
Universal de 1900, Camille, com 36 anos, relacionamento amoroso entre os dois. Rodin
passou a achar que havia um complô de Rodin apresentou a escultura em mármore, pela
contra ela. Mas, apesar das suspeitas, ele primeira vez, em 1889, durante uma exposição
continuava a intervir por ela, assegurando-lhe que realizou junto com o pintor Claude Monet.
novas encomendas. Mas Camille foge de todos. Para Monique Laurent, não há dúvidas de que
Prefere viver sozinha, no silêncio e na este trabalho está ligado com a memória íntima
escuridão. Sua última escultura é de 1906. do escultor.
Depois desse ano, destrói tudo o que esculpe.
Influência pela sociedade que pela loucura – exerce,
Camille foi convidada por Rodin para talvez por isso, um encanto hipnótico e
trabalhar com ele em 1885. Ela era a única avassalador.
mulher no time de escultores contratados para Não se sabe porque cargas d’água uma
auxiliar o mestre a esculpir uma de suas obras certa “intelectualidade” sente prazer irresistível
mais monumentais, Os Burgueses de Calais. O pela tragédia moral e exalta como ponto de
conjunto começou a ser esculpido em 1884 e virtude o sofrimento do artista. Ao que parece,
demorou cerca de dois anos. “Com o tempo, quanto mais estilhaçados melhor; quanto mais
Camille ganhou a confiança da equipe e Rodin dolorido, mais doce (veja-se o caso da pintora
passou a consultá-la para quase tudo”, afirma a mexicana Frida Kallo, que atualmente tem suas
historiadora francesa Monique Laurent. Era obras em altíssimas cotações no mercado de
Camille a incumbida de esculpir pés e, arte). O que importa em Claudel; aliás, o que
principalmente, mãos. “E era por meio das deveria importar num momento em que se faz a
mãos que Rodin definia a emoção dos revisão de sua obra, seria destacar o seu alto
personagens”, afirma. valor estético, sua ruptura com uma
manifestação escultural adormecida e que era
já, depois de um certo tempo, construcção
Camille Claudel oficial das formas em Rodin. Deveriam ser
exaltadas estas coisas, não sua desgraça.
“Pior ainda foi sua Não se pode negar o gênio a Rodin, mas
inércia com o destino da deve-se questionar o quanto de preconceito e de
irmã do poeta Paul sua postura como inverso de mestre
Claudel, Camille, que foi prejudicaram um talento manifesto. Que não
sua assistente e amante. era mais florescente apenas, mas que exigia ar e
Ele tinha 43 anos, ela 19. aparecimento: ela, Camille. Ela, que num sopro
Enquanto Rodin se cobria poderia ser, sim, mais do que ele. E isso lhe era
dos louros, Camille foi internada no hospício insuportável.
do Mondevergues, de onde só saiu para a cova, Camille era pouco conhecida do público. O
30 anos depois. Hoje seu valor é reconhecido, reconhecimento de seu talento ficava restrito a
seja através de exposições ou do filme Camille artistas e intelectuais, mas mesmo entre eles o
Claudel, estrelado por Isabelle Adjani”. seu comportamento incomum assumia feições
(Mauro Trindade) de desvario. Sua família era rica, mas a
adolescente apaixonada pela escultura não se
Paris, século XIX deixava ficar entre rapapés, na condição de
Uma mulher decide quebrar os laços com mulher passiva e obediente, à espera de um
sua classe social, com a moral vigente e com as marido bem aquinhoado e cordato, largada das
normas de conduta bem aceitas em sua época. coisas impuras da arte. Muito pelo contrário.
Foi considerada louca, internada por 30 anos Desde menina fugia de casa para extrair barro
num hospital psiquiátrico – até sua morte – para suas esculturas. A mãe, no entanto, se
depois de entregar-se furiosamente a sua arte e opunha à ambição de ser artista da pequena
a um mau amante, escultor abastado e famoso. Camille. A sociedade francesa, preconceituosa
Ele, o imperecível Auguste Rodin. Ela, a e machista, também colocava muros à sua
intuitiva e talentosa escultora Camille Claudel, frente. Ela tentou passar por todos eles. Era
personagem de filmes, razão de poemas, mulher, e a escalada se tornava ainda mais
mulher arrasada, infeliz e mal compreendida. difícil. O lance crucial de sua vida ocorreu
Ingredientes que tornam a sua biografia quando decidiu empregar-se no estúdio do
fascinante aos olhares curiosos. Tudo o que se escultor Rodin, com quem pouco tempo depois
acrescente como condimento de frescas passa a conviver na condição de amante.
novidades sobre esta escultora – vitimada mais
A união marginal atiçava os comentários. desenvolver uma expressividade artística
Uma jovem impetuosa e um homem rico, vigorosa, adaptando de uma maneira
famoso e mais velho, convivendo sem casar extremamente pessoal algumas importantes
oficialmente... Mas o fator determinante para os conquistas do modernismo. Ao lado de Auguste
transtornos que se seguiriam a essa união não Rodin, de quem foi parceira criativa, musa e
partiram exatamente daí. Tratava-se, no fundo, amante, ajudou a consolidar definitivamente o
de um embate de natureza artística entre a movimento de renovação nas artes
intuição criativa de Camille e o apuro escultóricas. À parte da mitologia que foi
conquistado em anos de estudo pelo escultor criada de que a culpa única e exclusiva da
oficial do governo francês, Auguste Rodin . deterioração mental de Camille seria de Rodin,
O rompimento entre os dois era a única seu posterior isolamento tem um caráter muito
saída para a sobrevivência criativa da jovem mais abrangente, e serve de lição até os dias
aluna que abalara de forma tão radical o de hoje aos artistas em geral e às mulheres em
universo artístico de seu mestre. Rodin não particular, acerca do papel nefasto que cumpre
admitia as diferenças de potencial criativo entre o capitalismo também na área da cultura. Após
ele e Camille. Quando a artista percebeu estar ter perdido tudo, até mesmo o contato com sua
sendo usada por Rodin, veio o rompimento. atividade criativa, ela concluiria, revoltada
Camille ficou só. O irmão Paul Claudel, com a sociedade sua época: "A imaginação, o
poeta, viajara para os Estados Unidos e lhe sentimento, o imprevisto que surge do espírito
faltava mais esse amparo. Passou a criar desenvolvido é proibido para eles, cabeças
obsessivamente; percebia-se, contudo, que fechadas, cérebros obtusos, eternamente
perdia a sanidade. O golpe final veio quando, negados a luz”.
durante uma exposição, não conseguiu vender
nenhuma escultura. O fracasso, o álcool, e
agora o descrédito, somados às suas muitas
decepções, fizeram-na indignar-se a tal ponto
que, em dado momento, destrói as peças que
havia criado.
Acaba interna como louca.

Camille Claudel
Com sua personalidade e sua carreira
destruídas, Claudel tornou-se um dos mais
revoltantes exemplos de como um artista pode
ser esmagado pela brutal engrenagem
capitalista. Exemplos como os dela existem
inúmeros na história da arte, de Van Gogh a
Pollock. Pela sua condição de mulher, porém,
deixou exposta de maneira ainda mais evidente
as duras exigências do capitalismo para com
os artistas, especialmente violento com as
mulheres, e as absurdas imposições que estes
são obrigados suportar para a manutenção de
sua atividade.

Apesar de todas as barreiras que lhe


foram impostas, ainda assim conseguiu

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